I



A fogueira crepitava, jogando na noite um punhado de novas estrelinhas. Era uma noite de primavera e alguns garotos e garotas de Hogwarts aproveitavam para fazer um lual na beira do Lago Negro. Embora chegassem notícias cada vez mais funestas "lá de fora", pareciam vir de um mundo paralelo ao castelo, ou muito distante, simplesmente por que o prenúncio das férias, o fim dos exames e o clima agradável envolviam todos numa doce letargia mágica. Sirius Black, então com treze anos, era um dos meninos em torno da fogueira, junto com ele, afora seus três melhores amigos (Rabicho, Aluado e Pontas) havia alunos de todas as casas, sem exeção, a maioria do terceiro ano e todos meio petulantes e cheios de si, como em geral são meninos e meninas de treze anos. O garoto tirou dos olhos a franja negra, num gesto displicente que fazia as garotas darem risinhos assanhados e puxou um velho violão das mãos de um garoto de cabelos repicados.


- Já teve sua chance, Bones! - disse Sirius, rindo.


- De que? - perguntou o garoto.


- De provar que não sabe tocar. - respondeu uma garota de longos cabelos negros, que acabara de chegar e sentara no "lado sonserino" da roda, oposto aos grifinórios. Os garotos riram e a menina pareceu ficar satisfeita com o efeito de sua chegada. Sirius esperou que os colegas parassem de rir, então disse, num tom meio solene:


- Olá Bellatrix, você chegou bem na hora de ouvir uma música que eu compus!


Fazendo um ar zombeteiro, a menina estreitou os olhos para o primo:


- Então estamos diante de uma façanha? Mas veja bem Sirius, Maldições Imperdoáveis são ilegais!


Sirius nem sequer corou quando os sonserinos e alguns outros riram. Simplesmente encarou a prima e dedilhou o violão. Ela teve a impressão de vê-lo sussurrar "È para você."

"Oi linda
Bella che fa?
Bonita, bonita que tal?
But belle
Je ne comprend pas francais
So you’ll have to speak to me
Some other way"


---§§§---


A fogueira já estava quase no fim quando irrompeu uma discussão entre os adolescentes. Sirius adorava uma briga, mas resolveu sair de fininho, ao ver que seus amigos estavam fazendo o mesmo. Tinham uma técnica: se fosse haver confusão, se dispersavam e iam procurar cada um por um "álibi" convincente. Fazer o que, mas insistam em sempre culpar os marotos por tudo que acontecia.

Ao passar por uma tapeçaria no terceiro andar, Sirius ouviu uma voz o chamar. Não surprendeu-se em encontrar os olhos azuis escuros de Bellatrix. Ela estava sentada sob a tapeçaria, com um ar um tanto impaciente. Sirius sentou ao lado dela. Não perguntou o que acontecera. Ela falaria quando quisesse. A tapeçaria do terceiro andar lhes servia de esconderijo, sempre iam lá quando queriam lembrar da infância. Nem fora tão distante assim, mas lhes fora tirada antes que dessem conta de si mesmos. Lá não lembravam nem da rixa travada desde que Sirius fora selecionado para a Grifinória. Sob a tapeçaria construíram um refúgio, onde podiam apenas ficar juntos, como quando eram bem pequenos. Bella aproximou-se do primo, encostando o ombro esquerdo no ombro direito dele. Viviam brigando, mas quando era necessário, talvez por conta do sangue Black, entendiam-se perfeitamente bem. Tirou do bolso das vestes um pergaminho amassado, cuja mensagem era quase ilegível sob a luz de duas varinhas.


-É uma carta de sua mãe - ela explicou - Está confirmando meu noivado com ele.


- Mas você não vai aceitar né? - perguntou Sirius, brincando com uma mecha de cabelo da garota.


Bella levantou de um salto, empurrando a tapeçaria longe. Sirius levantou logo atrás dela. Estava claro o quanto ela estava aborrecida. O garoto aproximou-se da prima:


- Você não vai obedecer, vai?


- Por acaso tem outro jeito? - Ela o encarou com uma expressão ameaçadora. Bella sempre fora boa em ameaçar, o que, misturado a pouca idade, lhe deixava assustadora - E há muita coisa em jogo!


- Eles dizem que há! Para vender você mais fácil - Sem pensar, Sirius puxou Bellatrix pela cintura e colou os lábios sobre os dela.


Sell the kids for food
Weather changes moods
Spring is here again
Reproductive glands



Bella tentou se desvencilhar, mas quando sentiu os braços do primo entrelaçados em sua cintura, tudo que consegui foi passar os braço em torno do pescoço dele. Sirius beijava mal, tentava controlar-se, inutilmente. Sirius beijava muito mal, maravilhosamente mal... Bellatrix odiou saber que toda vez que beijasse, cada beijo remeteria a esse primeiro sob uma tapeçaria suja e odiou mais ainda o fato de adorar ter total noção disso. E Sirius... Sirius apenas ia, com toda a passionalidade do garoto que acabou de descobrir o novo, mas sem saber seu significado...


He's the one who likes
All the pretty songs and he
Likes to sing along and he
Likes to shoot his gun but he
Don't know what it means
Don't know what it means
And I say Yeah



---§§§---


Disseram que o tempo muda os modos... Assim como a primavera vem, faz as plantas e as crianças florescerem, então vai-se e chega o verão, queimando, incinerando o que houver pelo caminho, mas foi num dia de outono, tanto no calendário, quanto na vida, que Sirius Black encontrou, no meio das tralhas que atulhavam o sótão de sua velha casa (se é que aquela casa um dia foi sua) no Largo Grimmauld uma velha caixa de sapato selada com a cola trouxa mais ordinária do mundo.

Fora Andrômeda que insistira com aquela idéia... “Cápsula do Milênio” ou algo assim. Ela começara a falar e falar e quando Sirius percebeu estava ajudando a prima a guardar lembranças “para a posteridade”. Abriu a caixa, embora estivesse longe do novo milênio era bem provável que se não o fizesse, ninguém mais o faria e Andie sentiria-se muito desapontada.

- Veja só... – disse Sirius. Bicuço, o único ouvinte, estalou o bico, como se estivesse entendendo. O homem suspirou e espalhou pelo chão os recortes de papel e fotos envelhecidas. Pegou um pedaço de pergaminho um tanto rasgado. Reconheceu a própria letra. Era a letra de uma música que compôs aos treze anos. Lembrou da noite que “apresentou ao mundo” a canção. Nunca soube se ela havia gostado. Se bem que não precisaria ouvir para ter certeza... Suspirou novamente, encarando o pedaço de céu cinzento visível através do vitrô circular do sótão. Na verdade, nunca tivera realmente certeza. Aquele dia, quando tinha treze anos fora a ultima vez que conversara realmente com Bellatrix. O que houve depois era tão irreal que nem os dementadores conseguiram roubar-lhe.

No meio dos papéis encontrou uma notícia da “Coluna Social”. “A família Black mostra que ainda é a mesma. Depois de anos de anos de espera, abre seus portais para o que pode ser o maior baile da década.”
---§§§---

Era dia de baile na mansão Black.

A casa estava tão iluminada que quem a olhasse pensaria ter a vista turva. Luminosos orbes prateados flutuavam por todos os cômodos e os lustres de cristal brilhavam com toda sua magnitude. Uma música alegrinha, que soava com a intensidade de um sorriso de miss espalhava-se pelos “tantocentos” convidados enfiados nas suas melhores vestes de gala, todos sorrindo tão falso quanto os cristais do lustre. Qual seria a razão de tanta pompa, tanto aparato? Não havia o menor motivo para o que os tablóides chamavam de “o maior baile da década”, talvez Cassiopéia Black, a matriarca, só quisesse mostrar que a eminente crise sequer resvalava na família. “Crise?” a menor menção a essa palavra fazia a música tocar mais alta, abafando as conversinhas incomodas.

Poderia dizer que foi um baile divertido, que os vestidos estavam lindos e acabar por aqui, mas nem todos os corações ali presentes pulsavam no mesmo ritmo da música chata. Bellatrix, a sobrinha da matriarca, não agüentava mais toda aquela luz nos seus olhos e entre um flash e outro, imaginava quando aquilo acabaria. Bella tinha quase dezesseis anos e fazia jus ao nome, com olhos enormes e longos cabelos negros, meio lisos, meio cacheados, branca e longilínea, ficava longe do desajeitamento típico da idade. E apesar da pouca idade, já era noiva de um Lestrange, muito mais velho e muito, muito rico. Não que isso significasse alguma coisa para a garota, na verdade, não significava nada, pois ela mal conhecia o noivo, sendo que só o via nas férias, e raramente, o que decididamente não lamentava. Correndo os olhos por todo o salão, Bella achou que se sumisse por uns minutos, ninguém iria reparar. E se reparassem, azar, não queria ficar cega com essas malditas luzes!

Dois minutos depois, Bella entrava na sacada da biblioteca, o único lugar sem qualquer decoração festiva. Piscou algumas vezes, os olhos ardendo por causa de todas aquelas lâmpadas, então arrancou as sandálias de salto altíssimo e sentou no chão, massageando os pés. Sempre prefirira usar coturnos a essas “sandálias - narcissa”. O vento gelado da noite bateu em seu rosto, convidando-a a esquecer do baile por um momento, ínfimo que fosse.

---§§§---


Era só mais um baile, eles diziam. Eu diria que se tratava de um total desperdício de tempo. Mas o que era a minha opinião? “Eu, Sirius Black um moleque de dezesseis anos revoltado, que “não honrava a familía” e nem o nome que tinha”. Como se eu me importasse! Percorri o salão hiper-iluminado com o olhar e quando me certifiquei que não estava sendo vigiado (diga-se mamãe) puxei para dentro da capa uma garrafa de champanhe e peguei uma das taças sobre a mesa próxima às escadas. Escapei da festa o mais rápido possível, andando em passos apressados até a sacada da biblioteca, de acordo com meus cálculos, o único lugar que não havia essas luzes irritantes!

Ao ouvir um 'clique', Bella abriu os olhos e pôs-se de pé muito rápido. Não registrou a entrada de Sirius por alguns momentos, então viu o primo se esgueirando pela porta, com uma garrafa debaixo braço e a cara mais lavada do mundo. Estava evitando falar com ele desde que tinham treze anos e cada ano que passava ele ficava mais chato e mais convencido de “que ótimo é ser rebelde”. Assim que Sirius a viu, ela endireitou o corpo e esboçou um sorriso cínico.


We can have some more
Nature is a whore
Bruises on the fruit
Tender age in bloom...



- Olá “Belláaatricks”! - disse Sirius, numa voz de falsete bem debochada. Ergueu a garrafa - Quer champangne?

“Ele adora ser engraçadinho” Bella pensou, enquanto o primo passava por ela e ia sentando, todo displicente, no parapeito de mármore da sacada. A garota levantou, também sentando no parapeito.

- Com licença, mas como você vai sentando aqui assim?


Eu olhei por cima do ombro, procurando um terceiro invisível. Bellatrix estreitou os olhos. Adorava irritá-la, até ela puxar a varinha e ameaçar me azarar. Ela nunca me azarava e se tentasse, eu estaria esperando. Soltei uma risadinha marota, enquanto minha indignada prima cruzava as pernas e braços, me olhando feio.


A única coisa sensata que Bella poderia fazer era levantar e ir embora. Só que aí ela se daria por vencida e Blacks jamais se dão por vencidos. Encarou o primo. Os olhos azuis escuros impactaram com os cor-de-gelo.


Eu vi quando você me viu.



Ledo erro, mas não perderíamos a pose tão rápido. Se por um segundo o ‘obliviate’ vacilou, foi tempo suficiente para desviarmos o olhar e Bella dizer, o nariz empinado:

- E aí? Não ofereceu champangne?

- Ah, sim! – eu respondi, num falso tom empolado. Enchi a taça e passei a ela. Bebemos. Ela na taça, eu no gargalo da garrafa. Não falamos nada por alguns momentos, talvez nem fosse falta de assunto, simplesmente achávamos que não havia nada – de agradável – para ser dito um ao outro. A musiquinha irritante do baile chegava abafada até nós.

- Champangne sempre faz bolinhas no meu nariz... – Bella comentou, estranhamente distraída.

- É sim – respondi. O que será que tem nesse champangne? Olhei para o céu coberto de estrelas. Toda a ‘família’ faiscava um tantinho turva. Percebi que a música havia parado – Acho que já vai começar a valsa...

Bellatrix teve um sobressalto. A taça escorregou de sua mão e espatifou-se lá embaixo, no chão cinzento da rua.



- Merlin! – Bellatrix saltou do parapeito da sacada para o mezanino. Sentia-se ligeiramente tonta. Apressou-se em procurar as sandálias. Era só o que lhe faltava! Perder a valsa por causa do Sirius! Ela havia prometido que estaria lá. Não prometido realmente, mas estava assim convencionado. Se perdesse a valsa...

- Vai dançar com quem? – perguntou Sirius, também descendo do mezanino, observando atentamente a prima calçar as sandálias de agulha.

- Você sabe com quem! – ela respondeu, mal-humorada. Por convenção, nunca citava Lestrange nas raras vezes que conversava com Sirius; em geral usava um “ele” dito cinicamente, entre-dentes. Certificando-se que as sandálias estavam firmes, Bella levantou-se muito rápido, o “champangne” subindo mais rápido ainda. Os olhos dela e Sirius se cruzaram.

Seus olhos pousaram nos meus num
arrepio sutil.



Simplesmente não consegui desviar o olhar, e ela também não. Deveras assustador. A proximidade e as respirações entrechocantes.


Eu vi, pois é, eu reparei, você me tirou pra dançar sem nunca
sair do lugar.



Isso não podia acontecer! Não de novo! Era o que ocorria a Bellatrix. Aí ela sentiu uma pressão quente sobre a cintura. Mal conseguia pensar, mal conseguia mover-se um milímetro que fosse.


Sem botar os pés no chão, sem música pra acompanhar.



Não havia a música do baile, nem as luzes, nem as pessoas, nem os flashes. Não havia nada, só nós, imóveis, na nossa valsa estática, as almas em inércia... Assustador.


Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo.



Bellatrix se afastou, andando ligeira até a porta. Era um sinal, não resolveríamos isso nem agora, nem nunca mais...


E o mundo todo se
perdeu...



Ela lançou um último olhar ao primo, antes de sumir pelo aro luminoso que era a porta da biblioteca. Ou será que não?


Ficou só você e eu.

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