Epílogo
1 de Setembro de 2000.
Minerva McGonagall pediu a atenção dos alunos ao término do banquete daquele início de ano.
_ Nosso novo Professor de Defesa Contra as Artes das Trevas tem algo a dizer a vocês _ ela disse, lançando um olhar incisivo a Harry por cima dos óculos de aro quadrado.
O rapaz se colocou de pé; e imediatamente foi aplaudido, com entusiasmo e longamente, por toda a escola. Meio constrangido, ele ergueu as mãos, pedindo que encerrassem a homenagem.
_ Obrigado _ ele agradeceu, parecendo um pouco sem jeito, como sempre acontecia nesses momentos _ Muito obrigado. Sinto-me honrado com tamanha demonstração de afeto. E gostaria de dizer que... há alguém aqui essa noite... _ e nesse momento seu rosto pareceu se contrair; e ele tomou fôlego e as palavras seguintes soaram por entre dentes cerrados, como se estivessem sendo sido ditas contra sua vontade _ há alguém que merece, muito mais do que eu, todos esses aplausos. Esse alguém é _ e então, sua luta interna pareceu ter atingido seu grau máximo quando disse _ Severus Snape.
Imediatamente todos os olhos se voltaram para o Professor de Poções. Reclinado confortavelmente contra sua cadeira, ele parecia extremamente satisfeito: o canto de seus lábios se curvava para cima e ele tamborilava lentamente os dedos sobre a mesa, com os olhos semicerrados. Se alguém desviasse os olhos um tantinho para o lado, veria a Professora de Feitiços, com seus cabelos rosa-chiclete eriçados, alternando olhares entre Harry e Severus, com a boca aberta e uma expressão que misturava incredulidade, surpresa e divertimento.
_ O Professor Snape _ Harry continuou, com o rosto distorcido, como se tivesse mordido um limão bem azedo _ nunca foi reconhecido da maneira como merece. Seja por nós, alunos, seja pela maioria esmagadora da comunidade bruxa. Ele é um bruxo excepcional, detentor de vastos conhecimentos em várias áreas da Magia. Ninguém jamais preparou uma poção como ele. Suas habilidades em duelo são lendárias. assim como seus conhecimentos em... Artes das Trevas _ e uma ou outra pessoa, que assistia à cena mais de perto, podia ter jurado ver Harry lançar um olhar significativo e não muito amigável a Snape nessa hora _ Isso para não falarmos de História da Magia, Herbologia, Aritmancia; e sua incrível inteligência e perspicácia no geral.
O rapaz fez uma pausa para beber um cálice inteiro de suco de abóbora, enquanto se lamentava. Quem dera ele tivesse tido o mesmo castigo de Ron, apenas levar umas broncas da namorada. A bem da verdade, Snape parecia não ter se importado muito com a presença de Gina ou Ron naquela aventura. Exceto pelo fato de ter descontado previamente cinqüenta pontos da Grifinória, devido a "comportamento indevido da Srta. Weasley", Snape concentrara sua sede de vingança apenas nele, Harry. Lembrando-se que ainda faltava uma boa parte de seu "castigo" a ser cumprida, ele se apressou a falar:
_ As pessoas se esquecem de que o Professor Snape foi, tanto quanto eu, foi uma peça essencial para a derrota de Voldemort no ano passado. Devemos muito a ele. Como saldar nosso débito para com um bruxo que arriscou sua vida durante anos, traindo o próprio Voldemort? Quem jamais saberá que riscos correu, o quanto se sacrificou, podendo encontrar a morte a cada vez que era chamado à presença de Voldemort? Isso enquanto era criticado; e mais que isso, condenado sumariamente por todos nós... e ainda assim, até hoje não o vemos como vemos a nós mesmos. Herói de Guerra, sim, mas...
Snape jogou a cabeça para trás e sorriu abertamente, suspirando. Tonks, ainda com os olhos desmesuradamente abertos, engoliu a muito custo uma gargalhada.
_ ... mas nunca um ser humano. E, na verdade... tudo isso que eu acabo de dizer aplica-se a vários de nós, mas... principalmente a mim. Sim, a mim _ ele reforçou ante o olhar descrente de seus alunos _ E eu... lhe peço desculpas, Professor _ Harry se virou para o Mestre de Poções, embora o tom de voz que usasse seria muito mais apropriado para fazer alguma ameaça de morte _ Por ter sido incapaz de supor que existiam sentimentos e um coração palpitante por trás dessa... fachada tão gélida.
_ Pode parar com o sentimentalismo barato, Potter _ Severus disse por fim, erguendo a mão esquerda, antes que as coisas se complicassem _ Aceito seu pedido de desculpas.
_ Não imagina como me deixa aliviado _ respondeu Harry, irônico, curvando a cabeça para o outro.
*
10 de Setembro de 2000.
_ Ai, não. Não quero beber mais nada a não ser água pelos próximos três meses _ disse Tonks, recusando o copo de uísque de fogo com uma careta e as duas mãos estendidas na frente do corpo, como se se protegesse de alguma criatura incômoda.
Snape ergueu uma sobrancelha; e seus lábios se curvaram um nada para cima enquanto levava o copo aos lábios. Seus olhos atentos não a perdiam de vista por um só minuto que fosse. Viu-a inclinando-se para a frente e ordenando a uma torre branca que avançasse algumas casas; e então, recostando-se contra o estofo macio da poltrona.
_ Até hoje não sei se afofo ou esgano aqueles três _ ela sorriu _ Você consegue imaginar alguma coisa mais doce? *Me* salvar...! _ e ergueu os olhos para o teto, sonhadora.
_ Bem, se não se estiver satisfeita, a porta está aberta. Pode ir pedir ao... Potter _ ele cuspiu o nome _ que tente salvá-la novamente _ e então, virou a cara para parede, com o nariz torcido e a boca crispada de raiva. Não havia nada para se rir naquela história.
Por mais que Harry houvesse se desculpado em público (e ele sabia muito bem o quanto havia sido difícil para o rapaz fazer aquilo), era claro que Severus jamais o perdoaria realmente. Privacidade era uma das coisas que ele mais prezava; e além de invadir sua vida particular, ainda haviam chegado ao cúmulo de preparar uma Contra-Poção do Amor... por sorte, haviam ido direto nas Contra-Poções, que funcionavam apenas contra quem houvesse se apaixonado por meio de uma Poção do Amor. Ele se sentia absurdamente furioso, insano e seus instintos assassinos voltaram perigosamente à tona quando simplesmente pensava no que aconteceria se, por acaso, o novo trio maravilha se decidisse por alguma das poções capazes de realmente... extirpar o amor verdadeiro. Porque, não, o amor não podia ser criado por meio de uma Poção, apenas simulado. Mas utilizando-se do mesmo princípio do Obliviate, transposto para algum preparado ou elixir, a pessoa simplesmente... esquecia como, por que e por quem havia se apaixonado. E o que garantiria que Tonks se apaixonaria de novo por ele?
Tanto esforço, tanto sacrifício... jogado pelos ares porque três pirralhos que não eram capazes de cuidar da própria vida tinham que se intrometer... o contato físico entre ele e Tonks sempre vinha com a intensidade de uma descarga elétrica. Pensamentos dissolveram-se como fumaça quando ela, estendendo uma perna, alcançou a dele do outro lado do tabuleiro de xadrez. Seu pescoço girou e seus olhos ficaram imediatamente presos nos olhos negros que cintilavam à sua frente. A lateral da bota dela subia e descia lentamente por sua perna, deixando-o ao mesmo tempo relaxado e tenso. Foi só quando tudo estava praticamente terminado que Snape soubera do quão perto estivera de perdê-la; e ainda assim, a sensação de alívio que sentia agora era imensa. Ora, xadrez. O que ele queria agora era moldar sua boca contra a dela, sorver seu gosto para, mais uma vez, se certificar de que era real. Sentir as mãos dela arrancando arrepios ao envolver sua nuca e deslizar por suas costas. Mmmm. Aquilo tudo soava delicioso. Por que não?
_ Aha, parece que ele finalmente chegou _ dise Tonks, deixando um vazio incômodo no lugar das carícias, e ficando de pé.
As batidas à porta o lembraram porque não.
_ Vamos _ ele se levantou, enrugando a testa e alisando a longa capa negra.
Tonks, que ia na frente, abriu a grande porta de ferro fundido para um rosto conhecido.
_ E aí, Kingsley! _ Snape desviou os olhos quando os dois se abraçaram.
_ Shacklebolt _ Severus inclinou a cabeça num cumprimento. Mas o outro fez questâo de apertar-lhe a mão.
_ Snape. Devo-lhe desculpas. Tonks acabou me contando tudo...
Seerus apenas fez um gesto com a mão, como se dissesse "esqueça". Estava ansioso e preocupado demais para qualquer outra coisa que não... seu compromisso daquela noite. E por causa dele, o tempo parecia passar rápido demais: num piscar de olhos haviam deixado o castelo e aparatado em frente a uma charmosa casa localizada num subúrbio trouxa em Londres.
_ Duas horas? _ perguntou o auror, consultando o relógio. Tonks confirmou acenando a cabeça _ Se resolverem sair antes, basta me enviar um patrono _ ele sorriu, dando uma piscadela cúmplice a Severus.
_ Ora, que é isso. O Snape aqui é um cara durão _ Tonks deu um soco no braço dele e sorriu carinhosamente _ Não é?
_ Por Merlin. É só um jantar _ ele respondeu, tentando parecer entediado a fim de disfarçar o nervosismo.
Kingsley riu; e se despediu.
_ Às dez, então, estarei de volta _ E com um sonoro "crack", desapareceu.
_ Vamos _ Tonks chamou, enlaçando o braço no dele.
_ Espere _ Snape pediu. As pernas travaram naquele pedaço de chão e se recusaram a ir adiante. Ele afrouxou o colarinho, tentando respirar com mais facilidade; e toda sua postura era muito tensa.
_ Relaxa. Ela não vai comer você, sabe _ disse Tonks, tentando ficar séria, mas as covinhas despontavam dos lados do rosto.
Ele inspirou profundamente, fitando os próprios sapatos. Simplesmente não se reconhecia quando começava a agir assim; sempre fora de encarar os mais difíceis desafios de frente...! E agora... agora ele estava tentando fazer tudo do jeito certo. Mas nunca fora de se iludir; e sabia muito bem o que pensavam dele.
_ Quais as chances dela... colocar algum obstáculo... entre nós? _ ele murmurou, parecendo tão preocupado que ela derreteu.
_ Ela não vai fazer isso _ respondeu Tonks, se aproximando _ Nem tem como, sabe, com o passado dela... com ele. Ela tem muito orgulho dessa história. Relaxa _ ela sussurrou bem pertinho dos lábios dele _ Apenas não seja tão neurótico, e tudo vai correr bem _ e então, beijou-o longamente, mas mesmo esse beijo pareceu ter durado apenas alguns segundos, porque logo ela se afastou _ E mesmo que colocasse, ela não mudaria o que eu sinto. A gente simplesmente continuaria junto, e ponto _ então, ela sacudiu os ombros _ Dane-se a aprovação dos outros, quem é que se importa com isso?
Aquilo não parecia muito certo, porque Snape era uma pessoa muito tradicional. Mas deu de ombros, não havia muito mais o que pudesse fazer... ali. Ela ainda tentou afastar para trás das orelhas dele os longos cabelos negros e muito lustrosos (mas hoje, porque estavam limpos e reluzentes) antes de tocar a campainha. Então, a porta de abriu para revelar um homem, apenas alguns anos mais velho que ele, Snape, com cabelos castanhos um pouquinho envelhecidos, olhos negros brilhantes e um sorriso no rosto.
_ Sr. Snape _ ele sacudiu-lhe a mão em um aperto.
E Snape soube imediatamente de quem Tonks havia herdado aquele seu lado tão... simpático. E não pode deixar de notar o quanto Ted Tonks lembrava... bem, o ex dela. Mas Tonks não tinha apenas um lado simpático; possuía também um lado que podia ser terrível, proveniente daquela nobre e antiga família bruxa. E a responsável por ele entrou em seu campo de visão quando Snape colocou os dois pés dentro do hall de entrada. Porque ela tinha de ser tão parecida com a maldita irmã, ali parada de braços cruzados, e com, ele podia jurar, aquele ar hostil no rosto?
_ Sr. Snape _ ela disse com a voz rouca, a cabeça inclinada para trás e os olhos meio fechados. Depois de alguns segundos tensos, estendeu a mão.
_ Sra. Tonks.
_ Incrível como Nymphadora consegue se superar nos... tipos que traz aqui em casa.
_ Mamãe! _ Tonks censurou, com um ar de horror no rosto.
Ele abriu a boca umas duas vez, com uma idéia melhor que a outra sobre o que responder. Mas não podia, fora ali fazer tudo do jeito certo... então apenas ignoraria a mulher.
_ Mas eu duvido... _ e então, um sorriso irônico e ao mesmo tempo divertido iluminou o rosto de Andrômeda Tonks _ que ela consiga causar sequer um décimo do barulho que foi quando anunciei meu noivado com Ted. Desista, filha, essa você já perdeu.
Snape soltou o ar que até então trouxera preso nos pulmões. Tonks sorriu, meneando a cabeça. E Ted se aproximou, trazendo uma garrafa de hidromel nas mãos e se desculpando, dizendo carinhosamente o quanto o senso de humor de sua mulher era estranho. E o clima se tornou bem mais leve.
De qualquer forma... aquela seria uma longa noite.
~ FINITE INCANTATEM! ~
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