Do Paraíso ao Inferno



O paraíso não devia ser muito diferente daquilo (se, é claro, ele acreditasse em tal nonsense): o toque as mãos dela em seu rosto, as pernas, invariavelmente, entrançadas, e o silêncio total e absoluto aliado à luz rosada do pôr-do-sol, filtrada pelas cortinas. Em suma, Tonks de volta a seus braços.

_ Odeio te deixar _ ela disse de repente, quebrando o clima de encanto _ mas eu tenho que ir.

O paraíso era mesmo uma farsa. Quando ele já estava se acostumando com a presença dela outra vez... aquilo. Snape comprimiu os lábios e tampou os olhos com o braço.

_ Não fica assim _ ela pediu, num tom de voz que denunciava um sorriso.

_ Não estou... “assim”_ ele cuspiu a última palavra com desdém, e se virou para o outro lado. Tonks, que jamais se dava por vencida, abraçou-o por trás, acariciando o peito nu e enchendo de beijos o pescoço e a orelha dele.

_ Não estou te abandonando. Não encaixei um horário apertado entre mil compromissos pra vir te ver _ droga. Era impressionante, quase assustador, a forma como ela conhecia tão bem seus medos e paranóias. Claro que ele jamais admitira aquilo _ Deixei de fazer várias outras coisas pra poder aproveitar cinco horas do seu lado.Vamos, tira esse braço daí _ ela pediu outra vez sorrindo e tentando destapar o rosto dele.

Ao ver que não conseguiria tão fácil, ela suspirou.

_ Ganhei entradas pra um show de rock e eu preciso ir. Quero muito mesmo, você não imagina o quanto eu sinto falta dessas coisas, depois de ter passado quase um ano inteiro enfurnada aqui.

Paraíso? O inferno era uma realidade. Como é que ela tinha a coragem de anunciar que ia trocá-lo por um... show de rock e ainda esperar que ele a continuasse amando? Era melhor que nem tivesse ido vê-lo, então. E... ganhado ingressos? Snape sentiu o ciúme saindo de controle.

_ Ganhou de quem? _ ele por fim conseguiu perguntar através dos lábios comprimidos.

_ Da Hermione _ e lá estava outra vez o maldito tom de riso _ Ela está fazendo estágio na Seção de Execução de Leis de Magia, não sei se você sabe. Bom, e chovem entradas pra todo tipo de coisa lá no Ministério. Ela conseguiu algumas, e lá vou eu.

_ Vai sozinha?

_ Não, ahn... Harry e Gina vão comigo.

Era absurdo como quase tudo se resumia no medo de perdê-la: Snape sentiu o corpo relaxando um tantinho ao pensar que fosse antes o pirralho petulante do que algum possível interesse amoroso.

_ E, depois de ter feito tanto alarde sobre esse show, vai ficar suspeito se eu não for, huh? A não ser que você prefira que eu conte pros meus pais... agora.

Ela realmente tinha um argumento válido; e Snape se pegou odiando aquilo; o quanto ela conhecia seus pontos fracos. Seria Tonks capaz de... manipulá-lo? Ela e curvou e beijou-o daquele jeito só dela, ao mesmo tempo doce e ardido; e então, Snape finalmente tirou o braço da frente dos olhos e se voltou para encará-la.

_ Está bem. Vá _ ele disse rispidamente, com raiva de si mesmo por estar se dobrando aos encantos dela; e raiva de Tonks, por ela estar saindo daquela forma; e possivelmente estar tentando manipulá-lo.

Revirando os olhos, ela se pôs de pé e começou a se vestir. Snape permaneceu deitado, observando-a atentamente, o tempo todo calado. Já vestida, ela ajoelhou-se ao lado da cama e deu-lhe um longo beijo de despedida.

_ Não fica assim. Eu sei que você tem um bom coração, Sev.

Pff. Um bom coração? Quanto otimismo. Ele não tinha um bom coração. Seu coração era negro, tão negro quanto seus olhos e cabelos; e feito da mesma matéria fria e insensível. Pelo menos naquele instante, quando o egoísmo de querê-la apenas para si e o orgulho de fazer tal pedido o dominavam.


*


Ela podia sentir a batida da música e o cheiro de fumaça de cigarros antes mesmo de colocar os pés no pub. Quando transpuseram a porta pesada, seus olhos tiveram alguma dificuldade para se adaptar à quase escuridão do lugar, mas Tonks estava longe de reclamar. Estava entrando em seu ambiente preferido e não conseguiu evitar um largo sorriso (e um tropeção num degrau; que só não terminou em tragédia graças a Harry que, rápido, a segurou pelo braço). Os olhos se arregalaram e ela não parava de virar a cabeça para todos os lados, querendo captar o máximo possível do ambiente e das pessoas.

_ Obrigada! Obrigada! _ ela se virou de repente e abraçou os dois amigos _ Isso vai ser demais! Venham, vamos tomar alguma coisa. Eu pago!

Com copos de uísques de fogo nas mãos, os três sentaram-se junto ao balcão, onde o barulho era menor e podia-se conversar quase sem gritar. Tonks parecia mais exuberante do que nunca, com suas botas de couro negro chegando até os joelhos, meia-arrastão, um vestido curto, cor-de-rosa, e os costumeiros cabelos espetados, hoje negros.

_ É uma pena que a Hermione não tenha vindo.

_ Pois é. Mas ela já tinha marcado esse jantar com o Ron há séculos _ respondeu Gina.

_ Ah _ disse Tonks, com um ar sonhador _ programas de namorados.

Harry e a namorada trocaram umas cotoveladas disfarçadas nas costelas. Então, Gina mordeu o lábio e perguntou:

_ Sem querer ser intrometida, Tonks, você não pensa em...hm, se envolver com outra pessoa?

Aquela pergunta estava demorando a ser feita; Tonks já esperava por ela assim que protagonizou a entrada triunfal com Snape no salão. E, claro, Harry e Gina não podiam nem sonhar com a verdade por enquanto. Principalmente Harry.

_ Estou muito bem assim, Gina. Não esquenta _ e então, desviou habilmente o rumo da conversa _ E então, Harry? Nem acredito que nos veremos em Hogwarts no próximo ano! Mas porque não aceitou o convite do Scrimgeour? Todo mundo jurava que só a carreira de auror te interessava.

Harry fez muxoxo.

_ Bom, realmente é. Mas nada que venha do nosso querido Ministro me interessa e, bem... indo pra Hogwarts, posso ficar mais um ano perto da Gina _ ele sorriu, olhando ternamente para a namorada.

Tonks sorriu.

_ Sei como são essas coisas. E olha, concordo com você; Scrimgeour nunca foi mesmo um modelo de honestidade e... olha! O show vai começar. Vamos?

Gina respondeu por ela e Harry:

_ Vai indo, Tonks. A gente vai daqui a pouco.

Ela se levantou apressadamente, quase arrastando o banquinho consigo. Deu um sorriso levemente constrangido aos dois e logo desapareceu na multidão.

_ Será que ela desconfiou de alguma coisa?

_ Claro que não, foi a pergunta mais inocente que você poderia ter feito. Provavelmente o Snape também deve ter dado a ela alguma coisa pra ficar em silêncio... lembro quando o Ron tomou a poção por engano, não era assim. É, a situação é mais grave do que a gente pensa...

_ Temos que nos apressar. Espero que o tapado do meu irmão esteja dando conta do recado e não marque com o livro...

Gina passou os olhos pelo pub, mordendo o lábio. Então, ela franziu a testa e seus olhos se fixaram num ponto.

_ Harry... aquele não é o...?


*

Ron apurou os ouvidos. A respiração de Hermione estava calma e relaxada; e ela estava imóvel há pelo menos meia hora. É, devia mesmo estar mergulhada num sono profundo. Com todo o cuidado do mundo, ele deslizou para fora da cama e caminhou cuidadosamente pelo quarto mergulhado na penumbra. Conseguiu fechar a porta sem fazer ruído algum; e só então respirou aliviado. Murmurando um “Lumus”, iluminou fracamente a sala com suas enormes estantes transbordando livros. Agora era torcer para conseguir encontrar alguma coisa útil lá antes que ela acordasse... porque ele levaria *horas* vasculhando todos aqueles livros

*

O show havia sido perfeito! Tonks afastou o cabelo da testa suada enquanto se curvava sobre a pia a fim de molhar um pouco o rosto. Fechou os olhos, sentindo a água refrescando a pele; e então, encarou o próprio sorriso radiante no espelho. Mas, de repente, o sorriso morreu.

Snape.

Tão complicado. Não queria ter saído daquela forma de Hogwarts, deixando-o com raiva dela. Mas ele precisava entendê-la também, que droga; não era justo que só ela fosse o lado compreensivo do relacionamento. Ele precisava entender o quanto aqueles momentos de diversão eram importantes para ela... não podia viver como ele, eternamente enclausurado em uma masmorra. Resmungando e sentindo o brilho da noite se esvair, Tonks saiu do banheiro e a primeira coisa que viu foi uma Gina muito sorridente vindo em sua direção.

_ Tonks? Aconteceu alguma coisa? _ ela perguntou, vendo a expressão mal-humorada da amiga.

_ Ah, nada de mais, deixa pra lá.

_ Você não vai acreditar em quem está aqui.

_ Quem?

_ O baixista das Esquisitonas!

Tonks franziu a testa.

_ E...?

_ Huh, não era você a apaixonadíssima por ele?

_ Ah.

Tonks pensou um pouco, e então perguntou:

_ Onde é que ele está?

_ Logo ali _ Gina apontou. E Tonks achou melhor ir dar uma conferida.


*

Menos de uma hora depois, Harry e Gina, incrédulos, viam Tonks deixando o pub acompanhada por sua antiga paixão adolescente.

---

Me matem =D Particularmente, gostei bastante desse capítulo... como gosto de todos em que o Snape e a Tonks aparecem juntos e interagindo; me divirto tanto escrevendo essas cenas de brigas...! Pra quem ficou curioso sobre o bilhetinho da Tonks, ele não foi muito além daquilo que a gente viu (porque, convenhamos, ela não é exatamente uma pessoa romântica que ficaria escrevendo enormes cartas melosas). Ah! A resposta do Snape foi um simples: “Você sabe onde encontrá-lo” =D

Ah, só pro caso de ter ficado confuso: o show NÃO era das Esquisitonas, mas de uma outra banda qualquer. O baixista só estava lá pra dar uma olhada na outra banda qualquer.

Recaditos: obrigadíssima a quem comentou, Hannah, Vinola, Morgana, Nie (cooooomo assim suas fics vão ficar paradas? Não acredito! Hmpf! Só deixo porque eu mesma estou fazendo isso com as outras XD), vansnape, Senhorita Granger (uh, desculpa não ter te avisado; eu mandei email pro pessoal mas não tenho o seu... =/), acho que é só (só? =D). Por último: eu estou MORRENDO de vontade de ler fics Snape/Tonks. O problema é que eu já li TODAS as que existem na net, em inglês inclusive. Então, me façam um favor: vão lá e escrevam dúzias e dúzias de SS/NT =D

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