Briga e Detenção



A chuva tinha dado uma trégua. Porém o dia estava escuro como todos os outros. Nuvens negras cobriam o céu, e através de pequenas brechas a luz do Sol atingia o castelo. Estava frio de qualquer maneira.
Narcisa puxou seu cachecol mais para cima enquanto corria para a aula de transfiguração. Estava só. Tinha ficado para trás no corredor do quarto andar por causa de secundaristas que tinham inundado o banheiro. Por sorte, quando chegou a classe, a prof. McGonagall ainda não tinha chegado.
- Você bem que podia me dar uma mão com aquelas pestes. – ela cochichou furiosa para Severo, que estava absorto em sua leitura. –
- Desculpe. – ele respondeu com ar de desdém e sem tirar os olhos do livro. –
Ela bufou de raiva e tentou arrumar seu cabelo que estava bagunçado e úmido. A professora atingiu a frente da sala no exato momento em que ela terminava de prender as madeixas douradas em uma firme trança. Deixou que a trança caísse pelas suas costas, ajeitou a postura e concentrou-se na aula.
Severo estava completamente alheio. Apenas voltou a realidade quando percebeu que havia algo de errado. Narcisa estava ficando vermelha. Lilian Evans estava respondendo algo à professora.
- Muito bem, Senhorita Evans. Passou bem próximo Senhorita Black.
Então ele percebeu o que havia acontecido. Sentiu pena de Evans. A coisa mais estúpida que ela poderia fazer era corrigir Narcisa, e o ódio da garota pela humilhação que a ruiva a fizera passar era evidente, mas todos estavam mais concentrados em conseguir sua transfiguração.
Narcisa tentou apenas uma vez e conseguiu, o que não dissipou sua raiva. Seu rosto estava queimando em brasa.
- Muito bem, Senhorita Black.
- Obrigada, professora. Talento não é algo que se possa tirar dos livros. Vêm da minha longa linhagem de bruxos, do meu sangue puro.
Severo não sabia se a provocação era para a Lilian ou era uma acusação direta para a professora, mas Narcisa sempre pudera se dar a indulgência de tais atos.
Mas a situação não parecia lhe ser favorável. A professora não poderia ter ficado mais irritada com o comentário racista da garota. Suas narinas se estreitaram e ela fuzilou Narcisa com os olhos. Severo estava simplesmente imóvel. Um duelo de titãs estava para começar.
Embora a professora tivesse toda a autoridade, Narcisa não era do tipo que pedia desculpas, abaixava a cabeça e se retirava. Não quando ela achava que tinha razão, e era algo pelo qual valia a pena lutar.
- Eu não quero mais ouvir esse tipo de comentários na minha aula, estamos entendidas Senhorita Black? – cada palavra saiu pesada, enquanto a professora tentava controlar-se de todas as maneiras. –
- Que tipo de comentário? – Narcisa retrucou com sarcasmo. –
Toda a classe agora parou e observou. A professora fechou os olhos e respirou fundo na tentativa de se acalmar. Então ela apoiou as duas mãos na mesa de Narcisa e Severo e se aproximou tanto da garota que Severo achou que ela poderia jogá-la longe antes que ele pudesse piscar. No entanto, Narcisa estava calma e mantinha sua falsa expressão de inocência e um sorriso de deboche.
- Eu quero que você peça desculpas, agora, a todos que são filhos de trouxas, ou mestiços. De pé.
- Realmente não existe liberdade de expressão nessa escola. Dumbledore é um tirano, mentiroso e covarde que precisou se esconder na barra da minha saia, se aproveitando dos meus sentimentos de amor pelos meus amigos, para se safar de um enorme negligência. E você faz o trabalho sujo dele, tentando calar os alunos que tentam trazer a tona a verdade. A administração desse colégio é suja. E você faz parte disso.
- Isso não é verdade. – a professora sibilou tremendo de raiva. –
- Então como é que ele nem sequer avisou meus pais que eu quase tinha sido morta dentro desse lugar que vocês clamam que é seguro. Por quê é que ninguém mais soube do incidente? Por quê ele fez de tudo para calar a Severo e a min? Por quê ele não fez nenhuma singela tentativa de contar a verdade ao meus pais, quando eu fui obrigada a mentir?
McGonagall parecia ter ficado sem palavras.
- Cala a boca, Narcisa. – Sirius se levantou, revoltado. – Você se deu mal por ser metida, arrogante e se sentir tão superior a tudo. E por duas vezes esse ano, você dependeu de outras pessoas pra te salvar porquê você não consegue sair sozinha das confusões em que você se mete. Eu desprezo você.
Sirius estava gritando a plenos pulmões. Mas não parecia ter atingido Narcisa de maneira alguma. McGonagall estava paralisada, ainda sob o efeito das palavras de Narcisa. O sangue de seu rosto parecia ter sumido.
- Eu pensei Sirius, que a essa altura você pensaria diferente. – seu tom era calmo e arrogante. – Eu achei que você pensaria melhor nas suas atitudes depois que quase morri simplesmente porquê a sua mãe tem vergonha de enviar uma carta diretamente pra você. Ela precisa ficar usando outros membros da família pra fazer isso, porquê o que você faz a humilha de tal forma que ela não pode suportar. Eu achei que com a vinda da idade você perceberia que o que você faz tem conseqüências sobre a sua família sim, Sirius. Os seus pais terem que fazer mil malabarismos para não ter que passar pelo constrangimento de ver seus amigos falando mal de você e não poder fazer nada porquê eles têm razão não te atinge de forma alguma? Eu ter sofrido um ataque que poderia ter me levado a morte pelo que você faz a nossa família não te atinge? E não me venha dizer que sua família são seus amigos porquê não pensou muito neles enquanto se divertia comigo e Rabastan. Você ficou todo entusiasmado em nos seguir em uma aventura, e quando nós nos metemos em problema, o que você fez? Nada. Se não fosse eu e Andrômeda provavelmente você estaria morto. Mas você nenhuma vez pensou em nos agradecer. Você contou tudo isso para os seus amigos? Pela maneira como eles estão te olhando eu acho que não. Grande família. Em quem você não confia. A quem você não é leal. Pensando bem, você não confia em ninguém, não é leal a ninguém e não ama ninguém. Pelo menos eu sei o que é confiança, lealdade e amor.
Sirius não podia ter ficado mais abalado. Ele estava arrasado, destruído, e lágrimas brotavam dos seus olhos. Narcisa parecia satisfeita com o estrago emocional que estava causando. Tiago e Remo estavam revoltados e ela não parecia nem um pouco incomodada que eles resolvessem desafiá-la também. Ela estava como veneno puro, e seria difícil alguém neutralizá-la.
- Diga uma pessoa que você ama e uma pessoa que você respeita, garota. – Remo foi o primeiro a falar. –
Ela nem piscou.
- Severo. – ela se virou para o lado e sorriu para o garoto. – Eu amo e respeito Severo. Ele é meu melhor amigo. Você quer outra pessoa? Bella. Eu amo minha irmã mais que tudo nesse mundo.
- Pena que ela não te ame de volta. – Tiago a atacou. - Pra ela você é apenas um briquedinho engraçadinho. Me diz, ela já cansou de você não é? Eu tenho pena de você Narcisa. Ama tanto essa louca da sua irmã, que todo mundo sabe que é uma sádica. Sempre tão manipulada, incapaz de pensar sozinha. Por isso não me ofende que você tenha esse valores distorcidos. Ela te diz o que pensar, você pensa. E o que mais uma das seguidoras de você-sabe-quem, uma assassina poderia querer que você pensasse?
Narcisa ficou lívida. Severo tocou de leve sua mão e constatou que a menina estava gelada. Ele sabia que esse era o único assunto capaz de atingi-la de tal maneira.
- Um dia você vai acordar e perceber que você nunca foi realmente amada e respeitada. Que você foi usada como uma marionete por todo mundo que você considerava. Que a sua irmã só queria que você aumentasse as fileiras do mestre dela, o único que ela ama. E nesse dia você será a pessoa mais miserável do mundo. Sozinha.
- Ela não estará sozinha. – Severo se levantou e passou as mãos pelo ombro de Narcisa. – Eu a amo e respeito como uma irmã, e mesmo quando ela não tiver ninguém mais, ela terá a min. Eu sou leal a minha amiga e sempre serei. Ela não precisa da sua pena. Guarde sua pena pra pessoas patéticas e deploráveis como essa aí. – ele apontou para Lilian com a cabeça. – Narcisa sempre terá muito mais. Ela não precisa de um amante de sangues-ruins ou de um traidor de sangue engrossando a fileira de admiradores dela. Ela tem coisa melhor. Ela sempre será superior.
- E quando é que ela vai aprender a se defender sozinha e parar de precisar que você a proteja? – ninguém esperava por isso, mas foi Pedro quem falou. –
Mas aparentemente motivada e emocionada pelo discurso de Severo, Narcisa voltou a sua posição de segurança e superioridade.
- E quando é que você vai parar de se esconder atrás do meu primo e dos amigos dele? Quando é que você vai parar de correr atrás deles e implorar por uma gota de atenção, por algum afeto? Por isso que o Severo acabou de fazer por min? Vá arrumar amigos de verdade e depois venha tentar discutir comigo.
- Não fale assim com Pedro. – Lilian falou. –
Pedro parecia decepcionado. Era a chance dos marotos provarem o quanto ele era importante para eles, mas ele teve que ser defendido por Lilian. Lilian que tinha sido ofendida e não falara nada ao seu favor. Finalmente ela se punha contra Narcisa. A briga sempre fora delas duas de qualquer maneira, e esse momento teria que chegar.
- Quem te deu o título de defensora dos incapazes, Lilian? Você deveria começar a se defender, porquê todos eles vem de uma linhagem razoável. E gente como você, está tendo o destino que merece. Por mais que você se esforce para provar que você é igual a todo mundo, que você merece estar aqui, você sabe que isso não é verdade. É por isso que passa tanto tempo estudando, que sempre abaixa a cabeça para os insultos, que tenta defender aqueles que te lembram você. Você não é igual a min. Você é suja.
- Chega, Narcisa. – a prof. McGonagall finalmente recuperou o controle e acabou berrando com a garota. – Chega. Você já causou bastante estrago. Está contente?
- Honestamente, professora? Estou. – ela abriu um de seus grandes sorrisos. –
- Você terá detenção comigo até...eu não consigo pensar em um tempo suficientemente longo para o que você merece. Mas até as férias de Natal, você terá um castigo horrível, que eu ainda vou pensar. E menos cem pontos para Sonserina.
Narcisa nem se abalou. Aliás, ela parecia ainda ter uma carta na manga.
- Tire quantos pontos a senhora quiser e me dê quantas detenções você achar que será suficiente. Você não pode mudar minha maneira de pensar, nunca. Meus valores não mudarão por causa de castigo e embora você acredite cegamente que os seus valores são os certos a seguir, você está sendo tirana e parcial, porquê só está pensando pelo seu lado de vista. Você não pode me mudar. E o diretor não pode me mudar. E me expulsar desse colégio não vai me mudar. Você não pode me obrigar a pensar igual àqueles que estão no poder, no caso você e professor Dumbledore. Não é justo, e é tirania.
A professora se deixou cair na cadeira e não disse mais nada. Ninguém disse mais nada. Mas Severo sabia o que ela estava pensando. O ideal de Hogwarts sempre fora democracia, sempre fora aceitar as diferenças. E ela estava fazendo justamente o que ela havia condenado Narcisa por fazer. Ela estava sendo hipócrita. O sinal tocou, mas ninguém fez menção de se mover. A professora levantou a cabeça.
- Detenção para todos que estavam envolvidos na discussão, a semana toda, comigo, às cinco horas da tarde. Se algum de vocês achar que não precisa aparecer, as detenção aumentará. Classe dispensada.
Narcisa sorriu triunfante. Foi a primeira a guardar suas coisas e sair. Severo sabia que tinha ganhado uma detenção também, a primeira de sua vida, mas não estava chateado. Ao contrário, estava satisfeito pelo que tinha feito. Ele não tinha aula no momento, então não tinha problema em demorar-se. Aquilo tudo era tão surreal, que ele ainda estava processando.
Os marotos e Lilian tentaram argumentar com McGonagall, mas quando ela tirou cinqüenta pontos da Grifinória e ameaçou tirar mais se eles não sumissem da frente dela, eles foram embora.
Quando Severo saiu, estavam andando vagarosamente pelo corredor. Ele se aproximou, apontou a varinha para Tiago e virou em um corredor a esquerda, enquanto os quatro seguiram direto. "Isso é por ter deixado a Narcisa tão mal.”, pensou. E seguiu satisfeito.
Tiago começou a se sentir mal. Estava nauseado e tinha vontade de vomitar. Tentou correr para o banheiro, mas não deu tempo. Vomitou. Quando viu que o havia vomitado uma enorme lesma, ficou desesperado. Todos olhavam, sem entender. Então vomitou outra lesma. E de novo. E de novo.

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