A Floresta Sombria



Capítulo 5 – A Floresta Sombria

No dia seguinte à chegada na mansão de Morgan, a situação parecia estar ficando cada vez pior para o lado dos dois bruxos. Assim que raiou o dia na Toca dos Gatos, Harry, Rony, Hermione e Gina levantaram para tentar aproveitar melhor o máximo de tempo que pudessem do passeio. Ao descer as escadas que levavam ao primeiro andar, onde ficava a cozinha da mansão, ouviram vozes preocupadas vindas da sala à esquerda, onde tinham conhecido Morgan no dia anterior. Curiosos, aproximaram-se da porta entreaberta e viram Arthur e Molly Weasley, Carlinhos e a Sra. Morgan parados em frente à lareira, falando com um rosto formado de labaredas esverdeadas.

– ... foi o que eu disse, Carlinhos – disse uma voz grave, misturada a ruídos de madeira estalando sob o fogo esverdeado – não prevíamos que ele estivesse planejando algo nesse sentido. Tudo bem, usar os Dementadores era uma manobra previsível, os Gigantes estavam do lado dele na primeira guerra, assim como os Lobisomens, mas isso?

– Deveríamos ter imaginado – disse Arthur Weasley, com uma expressão que misturava, para a surpresa dos garotos, medo e espanto – que ele tentaria usar todos os meios que conseguisse encontrar. Não posso mentir, essa notícia me pegou completamente desprevenido. O que Dumbledore disse sobre isso, Remo? – perguntou, olhando fixamente para o homem na lareira.

– Dumbledore me mandou uma coruja ontem à noite – disse Lupin, com uma certa urgência na voz – e sinto dizer, Arthur, mas você e Carlinhos vão ter que se juntar a nós. Temos que impedir que os Comensais da Morte de Voldemort consigam chegar até os ninhos. Carlinhos, você é um especialista – disse, voltando-se para o bruxo mais jovem, que parecia pensativo mas não demonstrava estar com medo, como o pai – o que me diz?

– Se eles conseguirem chegar aos ninhos, vamos ter problemas – disse Carlinhos, sério. Foi nesse momento que Harry entendeu do que é que ele estava falando, e sentiu como se tivesse engolido uma pedra de gelo – Provavelmente eles estão indo atrás dos ovos que ainda não chocaram para roubá-los, o que não me surpreende. Ninguém em sã consciência, nem mesmo os Comensais da Morte, se arriscariam a tentar domar um dragão adulto.

Harry ouviu a última frase de Carlinhos como se ela fosse uma sentença de morte, e olhou para os amigos, com cara de desespero. Dragões ao lado de Voldemort? Isso era bem pior do que qualquer coisa que ele tivesse imaginado, e pela cara de que Rony olhou para ele, assim como Gina e Hermione, ele percebeu que não era o único a pensar assim.

– Vamos ter que antecipar o final de suas férias, Arthur – disse Lupin, tristemente, na lareira – Se não os impedirmos logo, vamos ter um grande problema nas mãos. Precisamos agir rápido se quisermos impedir Voldemort.

– Tudo bem, estarei pronto em uma hora – disse Carlinhos, virando-se na direção da porta – Mande uma coruja para Herman, Alex e Kurt, avisando para me encontrarem no posto de observação de Yamshville. É o mais próximo dos ninhos.

Carlinhos abriu porta onde estavam os garotos, fazendo um olhar de surpresa ao vê-los todos ali, escutando tudo atrás da porta. Por um segundo pareceu que iria começar a dar um sermão neles, mas pareceu ter percebido que seria pior se eles não soubessem com o que estavam lidando.

– Estamos achando que os Comensais da Morte vão tentar usar dragões na guerra desta vez – disse Carlinhos para eles, com uma voz cansada – Foram vistos se encaminhando para uma reserva ao norte de Glasgow. Se conseguirem roubar os ovos dos dragões, teremos problemas.

A confirmação do que eles já tinham ouvido pareceu ainda pior do que os garotos já tinham imaginado.

– Mas Carlinhos – perguntou Rony para o irmão, com uma voz embargada – Para que eles iriam querer roubar os ovos dos dragões? Não entendi.

– Quer dizer – emendou Hermione, com um tom que parecia que estava a par do que estava acontecendo – que eles poderão usar os ovos para chantagear os dragões a lutar do lado de Você-Sabe-Quem.

– Como? – perguntou o rapaz, com cara de quem ainda não tinha entendido.

– Nem todos os dragões têm atitudes bestiais, como aqueles que você viu no torneio Tribruxo – disse Carlinhos rapidamente, que parecia querer acabar logo com a conversa – Alguns tem inteligência, sabem falar, alguns até mesmo são capazes de fazer magia. Mas ainda assim são muito apegados a seus ovos, sua prole. Se os Comensais conseguirem roubar os ovos de um particularmente poderoso, eles poderão chantageá-lo para que ele lidere os dragões menos inteligentes numa guerra contra nós.

– Quer dizer que se eles conseguirem que um dragão poderoso os sirva para recuperar seus ovos, ganharão um exército de dragões – disse Gina, aterrorizada.

– É bem por aí – disse Carlinhos, voltando a seguir seu caminho para o quarto – Agora vocês vão ter que me dar licença, mas estou meio com pressa. Eu e o papai vamos ter que nos juntar ao resto do pessoal e impedir que isso aconteça.

Os quatro amigos ficaram ali embaixo, chocados com a notícia, enquanto o Sr. Weasley passava acompanhado de uma chorosa e estarrecida Molly Weasley. Ambos também seguiram para o andar superior da casa, mas não falaram com os garotos, o que era um mau sinal.


– Dá para acreditar no nosso AZAR? – desabafou Rony – Tudo bem, é perigoso e potencialmente mortal, mas a gente poderia ter ajudado em alguma coisa, vocês não acham?

Os quatro amigos, assim como Lothian, estavam tomando o café da manhã do lado de fora da mansão de Morgan, sentados em cadeiras e poltronas de espaldar ao redor de uma grande mesa de tampo de vidro que fora colocada no deck de madeira para acomodá-los. Estavam do lado de fora da mesma sala onde haviam ouvido a conversa mais cedo nesse dia, e de onde haviam se despedido de Carlinhos e do Sr. Weasley que entraram na lareira para cumprir a perigosa missão designada por Dumbledore. Foram momentos terríveis, ver Molly chorando de desespero ao ver o marido desaparecer dentro das chamas esverdeadas. Indo enfrentar os Comensais da Morte. Molly precisou ser levada até o seu quarto, onde estava sob os efeitos de vários feitiços para acalmá-la.

O sol já avançara bastante no céu quando finalmente tinham se reunido do lado de fora da mansão para o desjejum. O clima parecia perceber a tristeza que pairava sobre todos ao redor da mesa, pois grossas nuvens cinzentas cobriam todo o céu prenunciando uma grande tempestade. Longe no horizonte, agourentas nuvens negras vez ou outra iluminavam-se com clarões que por vezes desciam até o solo como raios que cortavam o ar. Elas aproximavam-se devagar, mas inexoravelmente, da mansão onde estavam hospedados.

O astral dos amigos também não estava nada agradável. Rony estava olhando para a própria torrada, aparente preocupado demais para dizer qualquer coisa, e os amigos não tinham se arriscado a lhe dizer nada além de algumas palavras de consolo. Gina estava com uma cara tão preocupada quanto a de Rony, mas parecia mais confiante que ele de que os dois se sairiam bem.

– Não esquenta, Rony – disse ela, tentando acalmar o irmão que agora rodava o copo de suco de abóbora nos dedos, impaciente – Você sabia que o papai desde o início estava fadado a enfrentar os Comensais frente a frente. Todos da Ordem da Fênix estavam...
 
– Sei disso, Gina – disse Rony, mau-humorado – mas isso não quer dizer que eu não esteja preocupado com ele.

A turma passou o resto da manhã nesse clima pesado, e Harry ficou feliz quando os empregados de Morgan chamaram para o almoço. Comer pareceu ter acalmado um pouco os ânimos de Rony, que saiu do almoço um pouco menos preocupado do que entrou. Novamente, Harry, Rony e Hermione estavam sentados no deck de madeira ao lado do grande salão de visitas da casa de Morgan, esta última sentada numa macia poltrona de espaldar alto com um livro aberto em frente aos olhos. A garota tinha trazido consigo para passar o tempo o que Harry desconfiava ser metade dos livros da biblioteca de Hogwarts, sendo que alguns deles estavam empilhados em cima da mesa de tampo de vidro onde tinham tomado café da manhã. Sua idéia de diversão parecia ser afundar-se nos livros, enquanto tomava copos e mais copos de suco de abóbora.

Lothian, que não falara quase nada a eles depois que Carlinhos saiu da mansão, conversava animado com Gina, afastado dos outros. A fera que andara adormecida no interior de Harry arreganhava seus dentes e urrava, ameaçadora, para o moço de cabelos prateados que estava ao lado da amiga. Por mais que estivesse definitivamente apaixonado por Gina, preferia tentar não dar na vista do amigo Rony, a quem nada tinha comentado a respeito de seus sentimentos. Achava que o amigo poderia entender errado o sentimento que tinha pela moça.

– Quem é ele está pensando que é – desabafou o amigo, irritado, quando viu os dois conversando, encostados numa sebe alta que ladeava a mansão – pra ficar dando em cima da minha irmã tão descaradamente? Será que ele não se toca, não?

– Não vá atrapalhá-los, Rony. Deixe sua irmã em paz, ela anda meio solitária desde que largou do Dino Thomas, no final do ano passado. Além disso, é bom para ela ter alguém para conversar além de nós três. – disse Hermione, enquanto folheava o Livro Padrão de Feitiços, 6° Ano.

– Ela não precisa se sentir solitária, ela tem a gente – disse Harry, displicente, enquanto observava os dois servindo-se de suco de abóbora, que o mordomo havia levados aos dois – Ela pode conversar comigo a hora que quiser.

Harry engasgou e ficou vermelho, pensando no que acabara de falar, mas nenhum dos dois amigos parecia não ter escutado. Hermione parecia muito absorta no que dizia o livro, e Rony fitava a linha do horizonte com um olhar perdido, dando às vezes uma olhada para o casal adiante, bufando descontente.

– Ei, Harry – disse o amigo, por fim – O que acha da gente dar uma volta por aí, para explorar esse lugar? Estou precisando dar uma espairecida na minha cabeça, cara. Estou desconfiado que daqui a pouco ela vai acabar explodindo.

– É, pode ser – respondeu o rapaz, sem muito entusiasmo – Vai ser melhor que ficar por aqui, mesmo.

Harry se levantou, acompanhado prontamente por Rony, e saíram na direção do jardim do outro lado da sebe deixando Hermione na companhia de seus livros. Passaram propositalmente bem ao lado de onde Gina e Lothian estavam conversando, para que algum deles notasse a cara amarrada com a qual estavam olhando fazia alguns minutos, e para a surpresa do rapaz, o bruxo de cabelos prateados chamou a atenção dos dois.

– Ei, onde vocês dois estão indo? – perguntou em voz alta, olhando para os rapazes com um sorriso bem-humorado no rosto – Vão dar uma volta pelo terreno da mansão, é?

– Vamos – disse Rony, mal-humorado – Porquê?

– Posso ir com vocês? Estava mesmo querendo dar uma esticada nas pernas. – disse, sorrindo mais ainda – Ginevra deve já estar de saco cheio de eu ficar alugando ela o dia todo. Não teve nem tempo de ir conversar com a Hermione.

– Como se você realmente estivesse me alugando – disse a moça, olhando para ele com um sorriso que dizia com todas as palavras que estava gostando de ficar na companhia do bruxo. Esse pensamento piorou ainda mais o mau-humor de Harry.

– Mas você bem que podia dar uma distraída nela, não é mesmo? – disse o rapaz, piscando para ela. Harry viu-se nesse instante sacando a varinha e transformando a cabeça dele num maracujá bem enrugado – Onde já se viu, um lugar tão bonito como esse aqui e ela ali enfiada nos livros? Vá ver se consegue tirá-la de lá, ela parece estar precisando dar umas voltinhas também.

Gina considerou por um momento a situação, olhando de Lothian para Hermione, e assentiu com a cabeça, sorrindo e dizendo um “tchau” displicente para ambos os garotos que haviam acabado de chegar. Harry e Rony olharam para a garota correr na direção da amiga com desenvoltura, e sentar ao lado dela, obviamente tentando puxar conversa.

Decididos a deixá-las sozinhas, os rapazes enveredaram por um caminho estreito e pavimentado com pedras que serpenteava por entre um jardim florido ao lado da casa, levando-os para longe da mansão. Harry caminhava sem realmente pensar em nada, apenas repassando uma lista enorme de azarações que poderia jogar em Lothian e acabar com o sorriso metido que ele tinha no rosto. Rony, por sua vez, parecia continuar absorto em seus próprios pensamentos, olhando o horizonte com  um olhar perdido, mas ainda olhava para o bruxo de cabelos prateados de vez em quando, como se fosse voar no pescoço dele a qualquer minuto. Apenas Lothian parecia descontraído e despreocupado, mesmo com tudo de ruim que parecia estar acontecendo ao seu redor. Exibia um sorriso maroto e assobiava uma canção estranha que ia cada vez mais esgotando a pouca paciência que Harry ainda conseguia manter, tirada sabe-se-lá de onde.

– Ei, pessoal, o que deu em vocês? – perguntou Lothian, após algum tempo de um silêncio tão constrangedor que ficou óbvio que algo estava acontecendo. Ele olhou os dois, estreitando os olhos – No Largo Grimmauld vocês estavam mais animados. O que está acontecendo? Fiz alguma coisa pra vocês e ninguém me avisou?

– Pra nós não – respondeu prontamente Rony, antes que Harry pudesse esboçar qualquer reação – Mas não se preocupe, avisaremos se acontecer alguma coisa.

– Calma aí, cara – disse Lothian, visivelmente incomodado com a resposta seca do ruivo – Está difícil de acreditar em você desse jeito que está falando. Vai, qual é o problema?

– Se quer saber mesmo – disse o outro, em tom desafiador – acho que está passando do limite.

– Tem alguma coisa a ver com a sua irmã, não é? – disse ele, já imaginando o que irritava tanto o outro – Você acha que eu estou me aproximando demais dela, não é verdade?

– É, eu acho – disse Rony, parando no meio do caminho e encarando Lothian – Pra falar bem a verdade, não fui muito com a sua cara desde que você chegou no Largo Grimmauld, Lothian, e acho que você não é uma boa companhia pra minha irmã. Cadê aquela sua cobra de estimação, hein? Já foi alimentar ela hoje?

– O que é que você está insinuando, hein, Rony? Acha que sou um Comensal da Morte? É isso que está querendo me dizer? – disse o outro com uma voz letal, percebendo onde a conversa estava chegando. Os olhos de Lothian se estreitaram ainda mais na direção de Rony, e Harry notou que o bruxo de cabelos prateados fez menção de baixar a mão em direção ao bolso, onde estava a varinha negra.

Numa fração de segundo, Harry alcançou a própria varinha no bolso traseiro da calça e levantou na direção do rosto de Lothian. Rony foi mais lento, porque Lothian já tinha pego a dele e começara a levantá-la antes que o ruivo tivesse tido tempo de reagir.

– Expelliarmus! – gritou Harry, tão furiosamente que se surpreendeu com a altura da própria voz.

Lothian foi arremessado para trás com a força do golpe e descreveu um arco gracioso, caindo de costas num arbusto a uns três metros de distância, ao lado da estrada de pedras gastas. Sua varinha girou no ar e caiu a uns cinco metros de onde ele estava, no meio das flores do jardim, e emitiu um silvo longo e agudo. Mas num piscar de olhos Lothian já estava de pé. Harry surpreendeu-se com a força do olhar que ele lançou contra os dois. Seus olhos brilhavam com fúria, mas seu rosto permanecia impassível, com uma expressão fria que gelou a espinha do bruxo.

Sem dizer nada, o bruxo de cabelos prateados começou a andar lentamente na direção dos rapazes e estendeu a mão na direção da varinha caída na grama. A mesma voou como um raio na direção de sua mão, e com o mesmo gesto que fizera para recuperar a varinha agitou-a na direção deles. Harry viu de relance uma imensa cobra fantasmagórica surgir vindo da varinha de Lothian e saltar na direção deles num bote fatal. Aquele encantamento não lhe era estranho...

A cobra bateu num escudo conjurado por Rony no último minuto, mas a força do golpe destruiu o campo de força dourado, espalhando fagulhas verde-esmeralda para todos os lados. Harry avançou, de varinha erguida, e lançou contra Lothian outra magia de desarmamento. Desta vez, Lothian estava preparado. Com um aceno de varinha, ele rebateu o encanto de volta para Harry, que mal teve tempo de se abaixar para desviar-se do próprio feitiço, que passou assobiando por cima de sua orelha. Com outro gesto rápido da varinha negra, Lothian lançou o bruxo de cabelos ruivos na direção de uma árvore de tronco largo que estava próxima dele. Rony bateu a cabeça com força contra o tronco nodoso, produzindo um som oco e dolorido, e caiu gemendo sobre os próprios joelhos, atordoado com a força da pancada.

Lothian virou-se para Harry com uma velocidade estonteante e agitou a varinha mais uma vez, lançando o bruxo também para longe em direção às árvores. Mas o rapaz já não era tão indefeso depois de um ano de AD. Ele deu uma cambalhota no ar e agitou a varinha para o oponente, ainda de ponta cabeça, mirando nos arbustos que ficavam ao lado da estrada, e que estavam bem próximos dos pés de Lothian.

– Gramineaem Tenaz! – berrou.

Os arbustos baixos e espessos imediatamente criaram vida, agitando seus galhos estreitos na direção do bruxo e agarrando Lothian pelas pernas, lançando-o de costas no chão com um baque surdo. O ar faltou aos seus pulmões, e mais arbustos seguraram o corpo dele ainda mais firme preso ao solo, como se quisessem puxá-lo e enterrá-lo debaixo de suas raízes. Quando Harry caiu de pé, a três metros de Lothian, com o coração batendo forte e rapidamente, achou que o duelo estava ganho.

Mas o bruxo de cabelos prateados não se deu por vencido. Para a surpresa de Harry, parecia que agora se divertia com o duelo. Recuperando o fôlego, disse numa voz muito mais controlada do que a habitual, com um leve toque de sarcasmo em sua voz.

– Está se divertindo, Potter? – disse, numa voz surpreendentemente igual à de Snape quando queria zombar dele, enquanto girava a varinha nos dedos – Parece que esse último duelo com Voldemort deu uma lapidada nas suas habilidades, não foi mesmo? Tontoruentus!

Da ponta da varinha de Lothian saíram duas rajadas de vento, tão rápidas e concentradas que cortaram como manteiga os arbustos que o prendiam no chão e seguiram na direção de Harry. O rapaz mal teve tempo de se esquivar e evitar que cortassem seus membros fora. Quando estava se recuperando da surpresa foi atingido no peito por um golpe que o deixou vendo estrelas. Ficou ainda mais furioso ao ouvir Lothian rir com gosto de sua situação enquanto levantava.

– Sorte que não é uma Avada, não, Potter? – disse ainda mais sarcástico – Acho que vai ter que melhorar um pouco se pretende vencer o Lorde das Trevas.

Rony já se recuperara do golpe e retornava ao duelo com força total, lançando magias de estupefação em Lothian com uma habilidade que Harry nunca tinha visto no amigo. Lothian quase não tinha tempo de se defender, tal a velocidade com a qual Rony emendava feitiços. Os olhos do amigo pareciam lançar fogo na direção do bruxo de cabelos prateados.

– Glacius Involvere! – Gritou Rony de repente, em meio à saraivada de raios vermelhos que mirava em Lothian. Um raio azulado saiu da ponta de sua varinha atingindo as pedras aos pés dele e cobrindo subitamente o chão de gelo como um lago congelado. O bruxo, pego desprevenido em meio à uma esquiva, desequilibrou-se, dando a Harry o momento que precisava para acabar com aquele duelo.

O rapaz já se levantara, o ódio pelo rival expresso em cada linha de seu rosto, o coração batendo rápido pela excitação do duelo, o sangue fervendo em suas veias. Queria acabar com ele, lançá-lo longe com tanta força que seria preciso meses para ele acordar, mas ao invés disso preferiu dar uma lição nele.

– Petrificus Totalus! – exclamou.

Lothian arregalou os olhos quando o raio atingiu o atingiu diretamente no meio do peito, jogando-o longe mais uma vez na direção dos arbustos. Entretanto, dessa vez ele caiu imóvel na grama, os membros colados uns nos outros, mas os olhos se mexendo completamente cientes de tudo o que acontecia ao seu redor. A varinha quicou na grama fofa e caiu de lado, longe do seu alcance.

– Babaca – disse Rony, com raiva, para o bruxo paralisado no chão, conforme se aproximava massageando o ponto onde sua cabeça batera no tronco da árvore – Bem feito, idiota, levou o que mereceu – disse, dando um pontapé no bruxo.

Harry exibia um sorriso largo, feliz com a vitória sobre o rival. Uma alegria louca invadira seu peito, maior do que quando ganhara a Taça de Quadribol pela primeira vez. Poucas vezes se sentira assim, tão satisfeito consigo mesmo com algo que fizera. Sentia-se maior, mais poderoso, mais inteligente que o rival. Quase desejou que Gina tivesse visto ele levando a melhor sobre o bruxo de cabelos prateados.

Rony também parecia não acreditar no que acabara de fazer. A expressão de espanto foi se transformando lentamente num olhar de triunfo como Harry nunca tinha visto no amigo. Parecia, pela primeira vez na vida, orgulhoso de si mesmo. Harry sabia que o amigo sabia que desta vez não tivera a ajuda de ninguém para sobrepujar seu oponente, o que aumentava ainda mais seu orgulho façanha.

– Bom, e agora, o que fazemos com ele Rony? – disse Harry ainda sorrindo, olhando para o amigo – Não podemos deixar ele aí caído no meio da estrada, não é mesmo? Tá certo que ele bem que merece isso, já que nos atacou primeiro.

– Bom, podemos deixar ele paralisado a tarde inteira encostado em algum lugar por aí – disse Rony, também sorrindo – Quem sabe ele não dá uma acalmada e fica menos nervosinho? Vamos procurar algum lugar para deixá-lo, antes que alguém nos veja.

Olhando ao redor, Harry percebeu que a uns cem metros havia um pequeno mas escuro bosque, que curiosamente era para a direção que seguia a estrada por onde estavam andando. Guardou a varinha no bolso, ação que foi imitada por Rony, pegaram Lothian pelos pés e pelas mãos e carregaram o bruxo, que parecia uma estátua, na direção do bosque escuro.

A estrada acabava num pequeno tablado de madeira ao lado do bosque, que Harry constatou, intrigado, estar muito pior conservado do que o resto do lugar. A madeira estava arranhada em vários pontos, como se móveis enormes tivessem sido arrastados por cima dele, e aqui e ali havia manchas escuras que o bruxo preferiu não imaginar do que é que seriam. O lugar parecia estar abandonado há anos, como se ninguém da casa fosse para esse lado do terreno fazia muito tempo.

Por alguma razão que Harry não conseguiu explicar, sentiu um calafrio quando olhou para o interior do bosque. O cabelo de sua nuca arrepiou-se e ele sentiu como se o ar de seus ouvidos estivesse sendo comprimido por uma força invisível.

– Rony, é melhor a gente deixar ele por aqui mesmo – disse Harry, apreensivo, ainda olhando para a escuridão do bosque que parecia se avolumar cada vez mais – Estou com um mau pressentimento. Acho melhor a gente não entrar nesse lugar.

O pequeno bosque, subitamente, começou a ficar muito maior do que Harry notara. Parecia estar se expandindo para os lados, como se as árvores que o compunham estivessem se multiplicando numa velocidade estonteante. O que antes lhe parecera um bosque inocente agora lhe dava uma sensação parecida com a qual experimentara a primeira vez que vira a Floresta Proibida de Hogwarts. Um vento sinistro começou a soprar de repente, vindo do nada, fazendo os galhos nodosos das árvores altas e escuras balançarem como longos braços esqueléticos que tentavam agarrá-los.

Os dois bruxos estavam perplexos, com as varinhas empunhadas, apontando para o bosque que de repente virara uma enorme floresta, como se tivesse distorcido o ar ao seu redor para se expandir anormalmente. Uma fraca luz atravessava as copas espessas das árvores, iluminando muito pouco o chão de terra de onde aqui haviam emaranhados de raízes expostas.

Quando menos esperavam, um rugido longo e aterrador, que não se assemelhava com nada que os garotos já tinham ouvido até então – incluindo nessa conta os dragões e os explosivins de Hagrid – ecoou através do bosque escuro, fazendo tremer o chão e os troncos espessos. Uma revoada de pássaros voou das copas das árvores bem acima dos rapazes, assustando-os, e conforme sumiam na distância, o ar parecia ficar cada vez mais espesso e tenso, como se algo perigoso e mortal estivesse se aproximando.

Harry ficou paralisado, lembrando-se do sonho na Rua dos Alfeneiros em que sentira o monstro atacá-lo. Seu sangue congelou nas veias, e sentiu seus músculos pararem de responder. Ele olhava fixamente para o bosque à sua frente, à espera do que quer que fosse a criatura. Harry sentia em seu coração que a criatura não estava ali por acaso.

Então, numa fração de segundo, ele a viu. No princípio, o que quer que fosse parecia nada mais do que uma sombra mais escura em meio à já bastante pronunciada escuridão que as copas das árvores projetavam por entre as árvores do bosque à sua frente. Movia-se com grande rapidez, escolhendo os arbustos mais espessos e os troncos mais largos para esconder-se enquanto reduzia rapidamente a distância que o separava de seu alvo. As nuvens carregadas de chuva pareciam, de repente, ter vencido os quilômetros que as separavam da casa numa fração de segundo. Um raio cortou os céus, caindo a algumas centenas de metros de onde os garotos estavam, e clareando tudo com uma luz branca cegante. Foi justamente nesse momento, nessa pequena fração de décimo de segundo na qual não é possível nem ao menos entender o que enxergamos com precisão, que a mente de Harry conseguiu enxergar o que é que se aproximava tão rapidamente pelo bosque à sua frente.

A criatura já estava tão próxima do trio parado à beira do bosque que Harry pode distinguir onde começava sua pupila e acabava sua íris. O que quer que fosse aquilo, pois Harry não foi capaz de identificar à primeira vista, era do tamanho de um búfalo adulto. Conseguia ver, em câmera lenta, as grossas e poderosas pernas dianteiras acabarem em patas de onde saíam ameaçadoramente garras do comprimento de sua varinha. Com a velocidade que cruzava o espaço que o separava dos rapazes, o vento achatava os espessos pêlos longos e negros, lustrosos como se fossem feitos de fibras artificiais, mas que deixavam no ar o que parecia uma escura nuvem de sombras atrás dele, como se fosse um cometa negro e ameaçador. O pescoço largo e curto acabava numa cabeça igualmente imensa, cujas orelhas achatavam-se ao lado da cabeça, em posição de ataque. A mandíbula poderosa e colossal, aberta e mostrando uma fileira terrível de dentes afiados e cheios de sangue, mirava no alvo mais próximo da floresta.

E esse alvo era Rony.

A criatura passou tão rápido e com tanta violência que jogou Harry longe em direção à pequena estrada da qual tinham acabado de sair. Lothian também foi arremessado longe, com o rosto para o chão, na mesma direção de Harry. Rony não teve tempo de reagir ao ataque da criatura. Antes mesmo de Harry atingir o chão ouviu o grito grave de Rony Weasley, que foi se afastando cada vez mais, como se desaparecesse por um túnel longo e se tornasse meramente um eco em seus ouvidos. O grito sofrido do amigo Ronald ficou marcado em sua mente por muito tempo, mesmo depois que tudo passou, e muitas vezes Harry teve pesadelos com ele.

Por mais que o amigo acabasse de ter visivelmente sofrido um ataque obviamente letal de uma criatura que era no mínimo o dobro do tamanho dele, Harry não conseguia pensar, estava paralisado, estupefato, surpreso. Nessa fração mínima de um segundo, em que seus olhos foram capazes de gravar como uma fotografia a imensa criatura que avançara sobre eles, reconhecera o que os havia atacado. O corpo grande, os pêlos espessos, a mandíbula ameaçadora. Apesar de nunca tê-lo visto ou ouvido agir assim, em todo o tempo em que passaram juntos, a verdade clara e mortal atingira-o no peito, como uma adaga.

– Sirius... – sussurrou Harry, numa mescla de surpresa e terror, sem acreditar no que seus olhos viam.

E como que para confirmar suas suspeitas ou zombar de sua surpresa a enorme criatura, que avançara uns dez metros além de onde Harry estava, parou silenciosa, o vento agitando seus pelos violentamente. Ali estava ele, o enorme cão negro que o havia aterrorizado no seu terceiro ano em Hogwarts, que vira do alto, em meio à platéia, no campeonato de quadribol do mesmo ano, que atacara Rony e o puxara para dentro da raiz do Salgueiro Lutador.

Naquela época não estava tão grande, nem tão assustador, mas era definitivamente o padrinho. Mas Harry percebeu que não era “apenas” o padrinho. Seus olhos caninos, que antes olhavam para ele com ar paternal, pareciam duas pedras de gelo negras, de tão frias e insensíveis que haviam se tornado. O cão negro do tamanho de um búfalo olhava para ele com uma expressão insensível, fria, sem emoção, como se o afilhado fosse apenas mais uma presa entre tantas outras, fadada à morte fria e cruel. Mesmo assim, mesmo não tendo atingido Harry, a criatura parecia satisfeita com o bote impreciso que dera. E com efeito, virou-se novamente em direção à floresta sombria, e desapareceu como um raio negro entre as árvores.

Só então, sem mais poder ver a criatura que seu padrinho se tornara, sem poder acreditar em seus olhos, olhou para o lado e sentiu o chão ceder a seus pés. Estirado ao seu lado, branco, com o rosto ainda exprimindo silenciosamente o grito que tão fundo penetrara no coração de Harry, e que jamais esqueceria em toda a sua vida, jazia o amigo que conhecera há cinco anos atrás numa cabine do Expresso de Hogwarts, tentando mudar a cor de seu rato para amarelo. Ronald Weasley, sem vida.

Harry agarrou o corpo imóvel de seu amigo e o abraçou, chamando pelo nome dele com toda a força que seus pulmões conseguiram reunir. Ele não respondeu. Continuava ali, imóvel, sem vida. Harry pareceu ouvir, ao longe uma risada que lembrava um latido, e que ele conhecia muito bem. Ria dele, com prazer.

Harry não podia fazer nada. Não tinha forças. Limitou-se a ficar ali, agarrado ao amigo, enquanto ouvia a gargalhada terrível que morria sombriamente à distância.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.