Long Live the Queen
Odeio o longo tempo que te amei!
Sonâmbula, num transe de paixão.
Odeio as noites que por ti chorei,
Que exacerbaram minha decepção.
Odeio, no meu corpo, as cicatrizes
Que o teu falso amor colocou à mostra.
Dele, restaram dias infelizes
E, na minha alma,uma fratura exposta.
Odeio o meu passado tão presente,
Que me deixou apática e descrente,
Cerrando-me, pro amor, todas as portas.
Odeio, sobretudo, na tua ausência,
Reviver meus momentos de demência,
Na triste solidão das horas mortas...
- Elen de Moraes Kochman
Mansão Malfoy - 3 de Agosto de 1998
Fazer uma visita à mãe, na manhã seguinte à toda aquela desconfortável confusão, parecia para Draco a única ação que podia ser tomada. Uma parte do jovem sentia-se culpado de não ter conversado o suficiente com a mãe sobre o assunto, mas ambos concordariam, em algum momento no futuro, que ela não havia lhe deixado muitas portas abertas. A vergonha de Narcissa em tocar no assunto dos crimes de Lucius junto ao filho era tão óbvia quanto, Draco considerava, desnecessária. Por mais que amasse e entendesse a mãe, aquele assunto passara a ser público da maneira mais desconfortável possível e, esperando que ela finalmente lhe desse tal abertura, ele queria ajudá-la.
Por isso, ele deixara a Mansão Slytherin muito cedo, enquanto Melinda e Pandora ainda dormiam, planejando tomar café da manhã com a mãe e checar como Narcissa estaria depois de uma noite que ele sabia não ter sido fácil para ela. Uma parte de Draco admitiria que chegar em casa e ouvir a mãe dando risadas, em uma ocasião como aquela, era o último cenário que ele imaginara - e isso se tornaria ainda mais impressionante segundos depois, quando ele notasse que ela não estava sozinha.
O sorriso que se formou em seus lábios, ao perceber que a mãe se divertia, foi de alívio. Tudo o que ele menos queria, e que Lucius menos merecia, era uma Narcissa deprimida e desesperada. Aquela decisão não seria fácil, todos sabiam, mas lhe trazia tranquilidade ver que Narcissa encontrara meios de sobreviver àquela semana sem enlouquecer com os próprios dilemas.
A visão que ele teve quando entrou na sala de jantar era tão surreal que nem em mil anos teria passado por sua mente. Sua mãe estava acompanhada, sim, por ninguém menos do que Rodolphus Lestrange. Draco nunca imaginara que sua mãe e Rodolphus eram próximos, tampouco íntimos o suficiente para que estivessem tomando café juntos numa situação daquelas.
O loiro não resistiu a se aproximar sorrateiramente, usando de todas as suas forças para não rir e se denunciar, e pirragear o mais alto que conseguira, quando os dois se mostraram mais distraídos. Conforme imaginado, ambos pularam em suas cadeiras, olhando desesperados na direção da porta onde Draco se encontrava. O jovem imaginara que, quando o vissem, suas expressões relaxariam… pelo contrário, haviam se tornado ainda mais tensas.
- Draco, - Narcissa forçou um sorriso desconfortável e fez um aceno com a varinha que, imediatamente, fez um lugar a mais surgir arrumado na mesa. - Eu não sabia que você vinha tomar café da manhã em casa, se soubesse eu teria dado ordens para que fizessem--
- Bom dia, Rodolphus. - Draco interrompeu a mãe, que corou o suficiente para que ele imaginasse todos os cenários possíveis para a noite anterior, por mais traumatizantes que pudessem ser. O ex-tio, no entanto, parecia ter notado sua própria tranquilidade e não mais se demonstrava tão tenso.
- Bom dia, Draco. - ele respondeu, com um aceno de cabeça. - Não sei do que sua mãe está falando, está tudo delicioso…
- Como sempre, - o jovem completou, ainda divertindo-se com o quão envergonhada sua mãe estava. Pela reação de Rodolphus, contudo, ele conseguira apagar quaisquer cenários inapropriados de sua cabeça… ou nada havia acontecido, ou o homem era extremamente seguro de si. - Mal posso esperar. - Draco tomou o lugar que a mãe havia separado e sorriu, começando a servir-se dos pratos dispostos no meio da mesa. - Enquanto eu me sirvo de todas estas delícias, acho que podemos discutir o elefante no meio da sala… Mamãe, o tio Rodolphus passou a noite aqui? - Draco podia ter certeza que a mãe engasgaria com o suco de abóbora antes mesmo de o fato acontecer.
Narcissa secou os lábios com o guardanapo e tossiu um pouco para se recompor, antes de encarar o filho - que se divertia como nunca. Ela não estava mais tão corada, o que o fazia se arrepender de não ter fotografado aquele momento. Ah, mas sua memória o guardaria com cuidado. - Sim, querido. - ela respondeu, com cuidado. - O tio Rodolphus, na noite passada, foi um ótimo amigo e me deu diversos conselhos em relação à situação de seu pai… Por fim, se portou como um cavalheiro e me escoltou até em casa, de forma que me pareceu o mínimo sugerir que ele passasse a noite aqui, em um dos quartos de hóspedes. Já era tão tarde e... Depois de toda a ajuda, eu não poderia deixá-lo se dar ao trabalho de retornar à Mansão Lestrange.
- Entendo, - Draco respondeu, fitando os ovos mexidos em seu prato e tentando esconder o sorriso quase malicioso demais que se formava em seus lábios. - Se foi este o caso, fico feliz que tenha ficado… Você precisava de companhia, por mais que estivesse afastando a todos ontem… Obrigado, tio Rodolphus.
Rodolphus se ajustou na cadeira, como se a mesma tivesse se tornado desconfortável de repente, e mediu Draco com os olhos por alguns minutos, antes de falar. - Não há de que, Draco. Não vou negar que ela tentou se livrar de meus conselhos a todo custo, mas sou resiliente. E, se me permite o comentário, acredito que não faça mais sentido me chamar de ‘tio’. Afinal de contas, a este ponto, todos nós sabemos que este título não é realista. Somente ‘Rodolphus’seria o ideal, não concorda?
- Tenho certeza de que a tia Bella ficará arrasada, Rodolphus. - Draco respondeu, e o outro bruxo apenas rolou os olhos, mas sem deixar de rir.
- Ela vai sobreviver. - foi Narcissa quem respondeu, demonstrando um pouco de irritação face ao comentário inoportuno do filho. - A este ponto, nem mesmo deve se lembrar de que ainda é casada, portanto… não se preocupe com ela.
- Foi somente uma piada, mãe. - Draco levantou os braços, como em derrota, e Rodolphus riu com mais abertura. - Vê? Não o ofendi!
- Nem um pouco. Não se preocupe, Cissy… eu tambémvou sobreviver a alguns comentários engraçadinhos. Há quanto tempo vivo nessa família mesmo? Além do que, Draco mais do que ninguém tem o direito de fazer esse tipo de brincadeira.
- E por que seria isso? - a loira indagou. - O que meu filho tem de diferente?
- Ele sabe como é ser lembrado como o consortede alguém, não importando quantos feitos magníficos tenha realizado por si. - foi a vez de Rodolphus alfinetar, quase rindo.
Draco deixou o queixo cair, nunca podendo ter imaginado que causaria aquele tipo de reação. Ele não estava completamente ofendido, mas não deixava de ver a verdade escondida por trás da brincadeira. Rodolphus, por mais que tivesse se tornado amigo de sua tia, devia estar cansado de viver à sombra dela, tanto quanto ele já começava a se sentir em relação a Melinda. O problema da sombra era que, por mais confortável que pudesse parecer no começo, ela se tornava claustrofóbica em muito menos tempo do que qualquer um podia imaginar. Rodolphus vivera décadas à sombra de Bellatrix, por mais que fosse um dos mais eficientes Comensais, e Draco não sabia quanto tempo mais aguentaria à sombra da Princesa das Trevas - principalmente se Voldemort insistisse em jogá-lo para o canto.
- De fato, mamãe, Rodolphus tem um ponto. - Draco respondeu, com um sorriso claramente falso. - Viver à sombra de alguém nunca é confortável, e mal posso imaginar como deve ter sido pra você… Parabenizo sua resiliência, Rodolphus, afinal, existe uma diferença fundamental entre nós dois: eu de fato souo consorte da mulher a quem sou associado. Na prática.
Rodolphus abriu a boca para falar, visivelmente irritado com a audácia de Draco daquela vez. O que começara com uma brincadeira estava escalando rapidamente para uma briga de egos feridos que não tinha como terminar bem. Narcissa, contudo, tinha outros planos para aquela manhã e nenhum deles envolvia seu filho medindo forças com seu mais novo amigo. Antes que eles tivessem chance de continuar a se alfinetar, Narcissa bateu os dois punhos na mesa, de forma completamente não característica de si. Os dois a olharam em choque, como se aquela fosse a última reação que esperariam - e, se fossem sinceros, era.
- Chega! Os dois! - Narcissa esbravejou, com um suspiro cansado ao final. - Draco, sinceramente, eu imaginei que o tinha educado bem o suficiente para que você não recebesse nosso convidado, que foi um santo ao perder a noite passada me ajudando com problemas que não tem nada a ver com ele, com uma série de ironias e referências desagradáveis a assuntos de um passado que, francamente, você nem tem idade para se lembrar, quanto mais para citá-los por aí sem consequência. O que aconteceu ou não entre sua tia e Rodolphus diz respeito apenas a eles e, no máximo, ao Lorde das Trevas! Você pode ter sido criado em meio a Comensais da Morte que acreditam não ter nada mais útil em suas vidas do que discutir assuntos que não lhes dizem respeito, mas eu nãote criei assim e não vou admitir esse comportamento em minha casa. - Ela parou para respirar, tentando recuperar a compostura, enquanto encarava um Draco completamente abismado. Ela não se lembrava a última vez que tinha dado um sermão no filho, muito menos na frente de alguém, e imaginava que ele não conseguia se lembrar de nenhuma ocasião também. Rodolphus fitava o próprio prato, metade constrangido com toda a situação, metade satisfeito. Mal ele sabia que ela tambémtinha algo preparado para ele. - E você, Rodolphus, me perdoe, mas estou desapontada com você tanto quanto estou com ele! Por mais que eu agradeça a sua amizade e tudo o que você tem feito por mim do fundo do meu coração, eu esperava mais de você do que se engajar em uma discussão com um adolescente de dezessete anos em torno de um assunto que, pelo o que você gosta de dizer por aí, já superou! Draco ficou te provocando, eu entendo, e vejo que ele fez isso porque esperava encontrar a mãe em prantos e não tomando café da manhã com o ex-cunhado, mas você também não precisava ter continuado! A verdade é que os dois se comportaram de forma infantil à sua maneira e realmentenão era assim que eu queria ter começado minha manhã.
Rodolphus engoliu seco, impressionado com a forma como Narcissa reagira sem pestanejar àquilo tudo. A mulher não estava errada, ele sabia. Draco fora infantil e o provocara com feridas anciãs, ou que pelo menos deviam ser àquele ponto, e ele respondera à altura - com a pequena diferença de que mais de trinta anos os separavam. Definitivamente, não gostaria de começar aquele dia em uma nota tão deprimente e, muito menos, atrapalhar o progresso que Narissa fizera na noite anterior.
- Cissy, me desculpe. Eu não devia ter… - Rodolphus limpou a garganta, incerto do que dizer. - Acredito que Draco e eu começamos com o pé errado, e eu não devia ter prolongado. Será, - ele direcionou-se a Draco, e estendeu-lhe a mão por cima da mesa. - Podemos recomeçar?
Draco fitou a mão estendida de Rodolphus, tão incerto quanto o homem mais velho não conseguia disfarçar estar. Claramente, por mais esquisito que fosse, Rodolphus se importava com sua mãe e, numa situação como aquela, devia ser explicação o suficiente. Por que, então, ele não conseguia ignorar o passado de todos naquela mesa, e simplesmente olhar para todos? Draco sabia que a resposta para suas preocupações estava na masmorra daquela casa e nos motivos que levaram seu pai àquela prisão: tudo o que Narcissa menos precisava era de mais drama envolvendo Bellatrix. Contudo, o jovem não podia negar o viés egoísta de sua irritação: alguém consolara sua mãe muito antes dele - talvez, ele custava admitir, não precisasse se sentir inútil, se não tivesse passado a noite tendo os próprios demônios e preocupações acalmados por Melinda. Por mais estranho e fora de lugar que pudesse ser, Rodolphus felizmente estava alheio ao problema o suficiente para estar completamente disponível para apoiá-la. Ao estender a mão para apertar a de Rodolphus, Draco decidiu deixar seu egoísmo e preocupação de lado pelo menos por uma manhã.
- É claro, - o loiro respondeu, apertando a mão de Rodolphus firmemente. - De fato, a realidade é que eu lhe devo um pedido de desculpas, e um enorme agradecimento, Rodolphus. - Draco forçou-se a sorrir, pois aquela era a realidade. - Desta vez, sem sarcasmo, obrigado. Mamãe está muito melhor do que poderia estar, devido às circunstâncias e, pelo jeito, lhe devemos este feito. Atrevo-me a perguntar, no entanto, como conseguiu? - Draco olhou Narcissa pelo canto dos olhos, e a viu sorrir tranquila. Rodolphus sorriu, antes de contar a Draco que, na verdade, o mérito era todo de Narcissa por ter escutado e aceitado algumas verdades inconvenientes e que tudo o que ele fizera fora expor ditas verdades. “A força estava toda nela, apenas esperando para ser puxada à tona”, ele dissera em algum ponto, e Draco não pôde deixar de encher-se de orgulho. Oh sim, Narcissa era muito mais forte do que lhe davam crédito por ser, e se a aproximação de Rodolphus seria o necessário para que ela libertasse-se das prisões que criara para si mesma, ele aceitaria de bom grado.
A última pessoa que Nicky, ao visitar a Mansão Slytherin naquela manhã, esperava encontrar era Gabrielle Ceresier. Desde a mudança da loira para a França, elas se viam cada vez menos e, em meio ao tornado que passava pelos Comensais da Morte naqueles dias, aquela Mansão parecia mais vazia do que estivera desde que a guerra acabara - exatamente por isso a presença de Gabrielle a intrigava, principalmente porque ela estava indo em direção ao escritório de Voldemort.
Nicky estava morando com Narcissa na Mansão Malfoy, que também não estava exatamenteum mar de calmaria, mas imaginara que visitar Melinda era uma ideia melhor do que ficar presa numa casa com Narcissa em meio à decisão que ela precisava tomar. Ela se perguntava se Gabrielle tinha pensado no mesmo, ou se estaria ali por algum outro motivo?
- Gabrielle? - ela chamou, mas Gabrielle não a ouviu e continuou seu caminho. Ou, pelo menos, fingiu não tê-la escutado. A ruiva franziu o cenho, tentando compreender o que diabos estava acontecendo naquela Mansão.
Nicky balançou a cabeça e continuou o próprio caminho em direção ao jardim, onde Melinda lhe dissera que estaria, mas sem conseguir parar de imaginar o que Gabrielle Ceresier teria para tratar com o rei em meio a uma situação daquelas.
Conforme prometido, Melinda estava junto a Pandora, e Nicky não pode deixar de sorrir. Há tempos não via a pequena, e lhe alegrava ver o quanto havia crescido.
- Vossa Alteza Real, - Nicky fez uma reverência quase brincalhona demais, e Melinda rolou com olhos, mas sem esconder o sorriso.
- Nicky! - Melinda se levantou da cadeira em que estava sentada, em frente a uma linda mesa de café da manhã ao ar livre. Os sinais do fim do verão começavam a ser visíveis, mas eles aproveitariam uma manhã de céu claro, naquele dia, e por isso - ou talvez em contrapartida ao desconforto geral com os últimos acontecimentos - a princesa escolhera tomar café ali com a prima e a filha bebê. Sir Oliver, como sempre, estava próximo a elas, fingindo não estar. Melinda parecia mais acostumada com a presença do Cavaleiro, e isso acalmava Nicky estranhamente. - Bem-vinda! - ela faz menção de se aproximar, mas Nicky se recusou a deixá-la. Afinal de contas, Melinda estavasegurando um bebê.
- Nicky! - Pandora repetiu, pulando no colo de Melinda, e estendeu os braços na direção da prima, que andou até onde as duas estavam para carregá-la, ainda em choque.
- Quando essa criaturinha começou a falar? - ela perguntou, em choque. - E a andar? E a ser quase uma criança crescida?
- É o que eu me pergunto todos os dias, - Melinda sentou-se e indicou a cadeira a seu lado para que a prima a acompanhasse. - É o que acontece quando se cria uma criança em meio à escola e a uma guerra, quando eu notei… ela já falava ‘mamãe’ e ‘papai’.
- Por favor, me diz que ela chama o Lorde das Trevas de ‘vovô’? - Nicky perguntou, quase implorando, enquanto a pequena brincava com seus cabelos ruivos.
Melinda riu-se, e quase engasgou com o suco de abóbora. - Ainda não, sinto dizer. Ela repete a maioria das coisas que fala e ninguém ainda se atreveu a chamá-lo assim perto dela. Imagino que acontecerá logo, te manterei informada.
- Esse alguém sem medo pela própria vida, me atrevo a apostar, será você ou o Draco. - Melinda assentiu, compartilhando a certeza de que seria elamuito antes de Draco. - Vi Gabrielle há pouco… ela se juntará a nós?
Melinda franziu o cenho e ajeitou-se na cadeira, claramente alheia à razão que trouxera Gabrielle à Mansão Slytherin. Ela nem mesmo tentara disfarçar. - Gabrielle? Aqui? Tem certeza?
- A ridícula me ignorou solenemente, mas sim, era ela. A vi indo na direção do escritório de Sua Majestade… - Nicky respondeu, dando de ombros. Se nem Melinda sabia… algo estranho estava acontecendo por ali.
- Eu realmente não faço ideia do que diabos ela está fazendo aqui… - Melinda disse, mais para si mesma do que para Nicky, e tomou um pouco do chá a sua frente, pensativa. Algo muito estranho estava acontecendo nos últimos tempos. - Vou descobrir… de qualquer forma, não estamos aqui para falarmos de Gabrielle. Como vocêestá? Ou marcou isso para visitar Pandora às minhas custas?
Nicky foi pega de surpresa pela repentina mudança no assunto, contudo não discutiria. Afinal, Melinda estava tão perdida quanto ela. Por mais curiosa que estivesse, teria de esperar. - Eu estou bem… Minha mãe veio me visitar na Mansão Malfoy há alguns dias, - a ruiva parou e suspirou. - Tentando me levar de volta pra casa, agora que perdeu a Nymphadora na guerra. Aparentemente, ela vai criar meu sobrinho, Teddy. Potter é o padrinho, é claro, como era de se esperar. - ela brincou com o cabelo de Pandora, inconscientemente. - Então ele também será próximo. Por alguma razão que me falha, ela imagina que ter-me por perto de tudo isso é uma boa ideia. Acha que ela sabe do meu passado com Harry?
- Minha cara, até eu já havia me esquecido desse detalhe. - Melinda respondeu, - E eu sabia e desaprovava. Imagine sua mãe que não fazia ideia. A tia Andrômeda, provavelmente, está sofrendo de arrependimento e solidão. Perdeu uma filha, por pura teimosia da própria, aliás. - Melinda soou inconformada e Nicky franziu o cenho. ‘Como assim?’ a prima perguntou baixo, e a morena bebeu um pouco do chá antes de responder. - Eu não sei se sua mãe te disse algo, ou se alguém te contou… mas foi a minha mãe quem matou a sua irmã. - Nicky respirou fundo e assentiu, Andrômeda havia acusado Bellatrix de ter sido responsável pela morte de Nymphadora, e Nicky sabia que aquilo não estava longe da verdade. - Bem, na batalha… sua irmã a atacou. Ela sabia que tínhamos acordado nos defender apenas, e ela enfrentou minha mãe.
Nicky suspirou e rolou os olhos, aquilo era tão típico de Nymphadora que era quase engraçado. - Deixe-me adivinhar… Nymphadora pensava que podia derrotar a tia Bella, e acabou morta por conta da própria arrogância. É tão característico dela que nem me impressiona, Mel… E, claramente, com a oportunidade entregue de bandeja…
- Bellatrix Lestrange não hesitaria. Nunca. A rixa dela com Nymphadora Tonks era longa, Nicky, era apenas uma questão de tempo até uma delas acabar morta. - Melinda segurou a mão da prima que, apesar da expressão vazia e postura firme, sentia aquela situação. A princesa podia ver como ficar naquele fogo cruzado feria Nicky, e como não? - Acabou, Nicky. Estamos em paz. Voltar a viver com sua mãe ou não é suaescolha.
- Esse é o problema, e a razão pela qual vou permanecer com a tia Narcissa, pelo menos por enquanto. - Nicky confessou, cansada apenas de imaginar como seria sua vida junto aos pais novamente. - Não acabou, não para eles. Minha mãe… ela nunca vai perdoar a tia Bella, por mais que Nymphadora tenha buscado o próprio destino, e não vai me deixar em paz por ter tomado o lado de vocês. - a ruiva apertou a mão da prima, e beijou a testa de Pandora, que estava deitada em seu ombro. - Meu lugar é aqui, com minha nova família, pelo menos até que meus pais estejam prontos para deixar a guerra pra trás. Voltar pra casa agora seria assinar minha própria sentença de infelicidade.
- Bom, nesse caso, que fantástico que sua nova família é a família real. - Melinda sorriu, e Nicky deu risada do comentário. Melinda estava quebrando o gelo, ela sabia e agradecia, de forma bem sucedida.
- Falando nisso, como vai a vida de realeza?
- Tecnicamente, eu semprefui realeza. - a morena respondeu, quase soando ofendida. - Princesa das Trevas desde que soube quem eram mais pais biológicos… mas eu entendi sua pergunta. Diferente seria a palavra. Eu tenho muitos deveres, e preciso sempre estar atenta a minha imagem, pois meu pai decidiu que eu sou aimagemda família real.
- Faz sentido, - Nicky deu de ombros, provando de uma das fatias de bolo a sua frente. - A imagem deles está mais viciada do que a sua, e precisarão de tempo para mudá-la. Você… é a novidade. E passa por um anjo de candura com uma facilidade imensa, preciso dizer. Jovem, bonita, rosto angelical, sabe fingir ser doce.
Oliver merecia um prêmio por ter conseguido manter a expressão séria, pois as duas caíram na risada, e ele queria parecer chocado com como elas eram diretas. Ele ainda estava se acostumando com as pessoas próximas à família real, e como eram sinceras entre si. - Esse é o ponto, tem uma parte de mim se cansando de ser doce. - Melinda confessou. - Três meses, Nicky, e eu já sinto falta do mundo lá fora.
- Do campo de batalha, você quer dizer? De ter a varinha na mão e o ar ao seu redor cheirando a magia, suor e sangue? - A prima perguntou, percebendo que Pandora havia quase adormecido. - Pode confessar…
Melinda engoliu seco e bebeu o chá a sua frente inteiro antes de responder. - Eu sou filha deles, Nicky… meu pai é o bruxo mais poderoso que já pisou nesse mundo, e minha mãe uma das poucas pessoas mais temidas do que ele. Os meus genes têm poder embutido e parada nessa Mansão o dia todo, por semanas a fio, saindo apenas para bajular figuras importantes e sorrir para O Profeta Diário… Eu sinto esse poder todo corroendo meu corpo por dentro. E eu nem tenho mais Hogwarts para desanuviar um pouco. Nicky, eu preciso fazer alguma coisa, ou eu vou virar uma bomba ambulante.
- O que o seu pai está fazendo?
- Meu pai?
- Sim, sua majestade é o bruxo mais poderoso de todos os tempos, e também está com uma rotina similar à sua… Não é possível que ele não esteja fazendo algo para compensar. - Nicky respondeu, e Melinda quase deixou a xícara cair da mão.
Era tão óbvio que Melinda não entendia como não havia pensado nisso antes. Voldemort não aguentaria ser um diplomata para sempre, e usar a magia apenas para arrumar o próprio escritório não lhe parecia algo que ele faria. Voldemort tinha algum segredo, com certeza. - Nicky, minha cara, você acabou de me salvar. Falarei com ele mais tarde… Obrigada.
- Disponha, vossa alteza real. - Nicky respondeu, com um sorriso, e pegou o copo de suco de abóbora. Sua nova família era não convencional, mas ela não os trocaria por nada. Onde mais teria aquele tipo de conversa? Elas continuariam conversando sobre coisas banais, e em algum momento Pandora acordaria, contudo Nicky conseguira o que viera buscar: paz em meio às confusões que a paz trouxera.
Gabrielle estava sozinha no escritório de Voldemort, a pilha de livros de que ela precisava a esperava na mesa quando chegara e ela se dera à liberdade de abrir alguns e folheá-los enquanto ele chegava. Após a noite anterior, e os rumores que ela ouvira sobre Bellatrix ter dormido na Mansão Slytherin, ela desejava que ele se atrasasse, mas o trinco da porta acabou com suas esperanças.
- Majestade, - ela se virou e fez uma reverência. Voldemort estava completamente vestido e, àquela hora da manhã, isso significava que ele dificilmente dormira com Bellatrix. A loira mordeu o lábio e engoliu seco. - Bom dia.
- Bom dia, vossa graça. - Voldemort passou por Gabrielle, e dirigiu-se a sua cadeira. - Sim, Gabrielle, eu não dormi com Bellatrix. Posso ver sua mente, se esquece?
A loira engoliu seco e se sentou, às vezes ela se esquecia do quanto sua mente podia traí-la e ser insolente. Por mais que ela os desejasse juntos, e ainda fosse uma adolescente, ela os devia o respeito de não ficar pensando isso por aí. - Perdoe-me, milorde. - ela respondeu, envergonhada. - Não pude controlar minha mente, tamanho é meu desejo de vê-la novamente junto a nós.
- Ninguém neste reino deseja isso mais do que eu, Gabrielle. - Voldemort confessou, mexendo em alguns dos livros. - E todos vocês sabem disso, mas peço a gentileza de matar os rumores entre os Comensais. Bellatrix ficou na Mansão, e talvez fique mais alguns dias, mas, pelo menos por enquanto, como minha convidada e apenas isso. De qualquer forma, não estamos aqui para discutir a futura rainha, estamos?
- Não… - ela respondeu, conformada. - Eu pesquisei em todos os livros que eu tinha comigo na Bretanha, e infelizmente até agora… Todos dizem a mesma coisa: de acordo com a lenda, a varinha das varinhas pertence àquele que matou o último dono. No caso, Draco por ter matado Dumbledore. O que nos trás ao problema atual, é claro.
Voldemort analisou Gabrielle por um momento, deixando-a mais desconfortável do que ela gostaria de admitir. Ela não costumava ficar tão próxima a ele, ou trabalhar direto para o Lorde das Trevas e, por maior que fosse a honra, era intimidador. Aquilo tudo era uma das coisas mais encantadoras e aterrorizantes que ela fizera na vida: semanas antes, Voldemort a convocara, pouco depois de instituir seu título, para pedir que ela o ajudasse como fizera a Bellatrix nos meses anteriores. Ele tinha um dilema para resolver, e a considerava adequada para ajudá-lo.
- De acordo com a mitologia, - Voldemort começou, folheando um dos livros sem olhá-lo. - Eu precisaria matar Draco, sim, mas isso me traria problemas com Melinda no meio da paz e, além de ultimamente não estar inclinado a machucar minha própria filha, eu preciso do apoio dela. A paz é delicada e um problema dentro de casa é a última coisa da qual eu preciso, mais um problema aqui, é claro. A distância de Bellatrix já é perturbadora e fraqueza o suficiente…
Gabrielle assentiu. Ele tinha toda a razão, eles precisavamencontrar uma solução. - Milorde, se me permite, por que não saímos da teoria e das histórias por um momento? Para consegui-la, me disse que montou um mapa de todos os donos… Se não me engano, - ela lambeu os lábios. - Grindelwald foi o último dono antes de Dumbledore, mas… ele nunca foi morto por Dumbledore… - ela parou para pensar.
- Sim, eu matei Grindelwald. - Voldemort confirmou, e pareceu tão intrigado quando a própria Gabrielle. - Mas Dumbledore tinha a varinha há décadas…
Gabrielle arregalou os olhos, talvez aquela fosse a chave para o mistério: Gellert Grindelwald. - Ou Dumbledore nunca foi o dono… o que lhe faz o dono.
- Então eu não precisaria matar Draco, - Voldemort terminou. - A questão é: qual das teorias está certa? E como prová-la?
- Além disso, se não precisa matar Draco… o que deve fazer para ter total controle sobre a varinha? - Gabrielle concordou, mais aliviada. Eles tinham um novo dilema, mas pelo menos algum progresso havia sido feito. - Bom, acredito ser minha função descobrir.
Voldemort assentiu, com o que parecia um pequeno sorriso crescendo no canto dos lábios. Os dedos finos passaram pelos livros, enquanto o bruxo aparentava estar mais contente do que estivera em muito tempo. - E devo reforçar a urgência nesse caso, vossa graça, por mais que agora eu não possa dedicar todo o meu tempo a isso…
- É claro, majestade. Não se preocupe, me dedicarei completamente a resolver este caso. - a loira sorriu, mandando para o fundo da própria mente os pensamentos que insistiam em lembrá-la que aquela tarefa estava também servindo-lhe um propósito: afastar-se de qualquer coisa relacionada a Severus. A chance perfeita, pelo menos pelos trinta dias seguintes, de evitá-lo. Rumores se espalhavam de que ele seria ainda o diretor de Hogwarts e, tendo de cursar seu último ano, a ideia de reportar a ele lhe enojava.
Voldemort levantou-se, trazendo-a de volta de seus devaneios. - Não são rumores, - a confirmação dele doera mais do que ela imaginava. - Como recompensa, digamos assim, por ajudar no acordo de paz, Severus permanecerá como diretor de Hogwarts. Sinto muito, vossa graça. - Uma parte da loira duvidava que ele sentisse tantoassim, uma vez que Voldemort tinha assuntos mais importantes para lidar com do que a vida amorosa de uma adolescente e um traidor. - Creio ser um presente muito maior do que um traidor merece, mas preferi não causar tensões desnecessárias tão cedo. Então imagino que você e Severus precisarão lidar com a proximidade.
- Eu mais do que ele, milorde. - Gabrielle respondeu, levantando-se para encarar Voldemort. - Severus não se importa, nunca se importou, e eu… infelizmente ainda preciso de algumas respostas.- ela lambeu os lábios. - Ou o meu orgulho precisa delas.
- Seu orgulho ou seu coração, Ceresier? - Voldemort perguntou sério, e Gabrielle engoliu seco. - Ou ambos? Não que eu lhe culpe, sendo que Bellatrix foi a única a ver através do traidor. - Voldemort riu-se, quase desconfortável. - Mas… ele ainda nos traiu, minha cara Gabrielle. E, com você estando tão próxima de nós, eu não posso permitir...
Gabrielle sentiu o próprio maxilar tensionar contra sua vontade, uma quantidade perigosa de descontentamento escondida naquela reação involuntária. Voldemort, no passado, fora o maior apoiador de seu relacionamento com Severus. E, após tudo o que acontecera, vê-lo retirar seu suporte de forma tão clara lhe deixava mais desconfortável do que ela gostaria de admitir. Gabrielle queria odiar Severus, sentia nojo dele e de sua doente obsessão por Lily Evans, mas tirá-lo de seu coração provava-se cada vez mais difícil. A forma como ela se sentia naquele momento era apenas mais uma prova de que, talvez, os receios de Voldemort não fossem completamente infundados. - Não precisa se preocupar, majestade, eu não vou renascer ruiva e sangue ruim do dia pra noite… e tenho orgulho o suficiente para não pretender me sujeitar a ser o prêmio de consolação de um traidor. Agora, com sua licença. - Ela pegou os livros a sua frente, colocando-os desajeitadamente na bolsa que carregava. - Creio ter muito a estudar se quiser resolver este quebra cabeças com rapidez, milorde.
- É claro, Gabrielle, está dispensada. - Voldemort respondeu, dirigindo-se até a porta para abri-la. - Eu também tenho outros assuntos para tratar, afinal como sabe… tenho uma convidada de honra para entreter. - a loira não conseguiu segurar a risada devido ao comentário dele que, mesmo que não fosse a intenção, servira para afastar o clima pesado. Uma vez lhe disseram que ele era um diplomata perfeito, por mais duro que pudesse ser quando fosse necessário, e ela começava a acreditar.
- Neste caso, volto à Bretanha com a esperança de que seu tempo junto à duquesa seja proveitoso, majestade. - Gabrielle fez uma reverência, já sentindo-se capaz de sorrir, e saiu da sala, ouvindo Voldemort fechar a porta atrás de si.
Acordar novamente em meio às coisas e ao cheiro dele fora, para dizer o mínimo, confuso para Bellatrix. Ainda em estado de semiconsciência, ela foi confortavelmente transportada a uma outra época, quando tudo se encaixava e a palavra “felicidade” fora constante em seu vocabulário, somente para ser puxada abruptamente para a quase cruel realidade em que se encontrava, tão distante daquela de outrora.
A bruxa mentalmente se repreendeu pela inevitável decepção de se encontrar no presente, pois fora ela mesma que se colocara em tal posição e arrepender-se de suas decisões não estava em seus planos. Acontecimentos como aquele a lembravam de que precisava voltar o quanto antes para Bordeaux.
Afastar-se da cama pareceu sensato e muito mais fácil de se pensar do que de se realizar. Cada centímetro daquele lugar a afogava em lembranças que queria esquecer, manhãs que deveriam permanecer no passado e a esmagavam com a promessa daquilo que ela não poderia mais ter. “Aquilo que um dia acreditoupoder ter…”, Bellatrix disse a si mesma em algum momento, usando toda a força mental que tinha para convencer-se que havia verdade em seus pensamentos.
A bruxa levantou-se e achou o robe no mesmo lugar em que havia sempre deixado, engolindo seco ao notar a partitura da coisa toda. Ela nuncadeixaria de estar em casa na Mansão Slytherin, por mais que tentasse se convencer do contrário ou forçar-se a encarar a Mansão Rosier em Bordeaux daquela forma.
Curiosidade a levou até o closet, então contendo menos roupas do que da última vez que o visitara. O lado que pertencia a Voldemort continuava o mesmo, é claro, com algumas novas adições, todas bordadas com o brasão real. Ao longe, ela avistara as coroas do bruxo acomodadas em camas de veludo, mas inexplicavelmente não se atrevera a se aproximar. O lado que um dia fora reservado para si, contudo, ainda continha roupas. Talvez mais do que ela imaginara. De fato, nem todas as suas coisas foram mandadas à Mansão Malfoy e, posteriormente, Bordeaux, de forma que ela conseguiria confortavelmente passar a próxima semana ali, ou mais, se assim desejasse.
Seus dedos pararam em um vestido vermelho que ela nunca sequer experimentara, vinho de tecido leve, perfeito para um dia de verão como aquele, mesmo que na Inglaterra. Bellatrix o tirou do cabide e sorriu inspecionando-o. Ela lembrava agora porque havia adiado a estreia daquele vestido específico e, talvez fosse ousado demais para a situação em que estavam, mas ela não conseguia se importar, por mais que tentasse. Por mais errado que fosse, e provavelmente prejudicial a seus próprios planos, a ideia de ver a expressão no rosto de Voldemort, quando ela aparecesse daquele jeito, era irresistível demais.
Na banheira, Bellatrix novamente confrontaria aquela ideia, ainda sem a força mental de deixá-la de lado. Pelo contrário, minutos depois ela se encontrou em frente ao espelho do closet, analisando como o vestido ficava em si e ajustando-o para que o caimento fosse correto. Ela sorriu divertidamente uma última vez, antes de se dirigir à penteadeira. Ela imaginava que parte do resto de suas coisas tivesse ficado para trás, como as roupas, e estava certa.
Uma parte de suas jóias ficara na mansão, dentre elas aquele que fora um dia seu colar favorito: uma esmeralda em formato de coração circundada por uma serpente. Bellatrix engoliu seco, lembrando-se de como costumava usar aquele jóia específica o tempo todo, quase como uma medalha de honra. Lembrava-se também de que Voldemort adorava o significado que aquele colar carregava, e que agora trazia lágrimas aos seus olhos. A bruxa percebera, ao se perguntar como algo que adorara tanto terminara naquela caixa, que com o tempo e as brigas ela fora se sentindo menos e menos inclinada a usá-lo. Bellatrix fechou a mão ao redor do pingente e, quase absente, o colocou de volta na caixa. Ele pertencia à Mansão Slytherin, ao passado dela naquele lugar, e ali deveria ficar.
Optou por uma gargantilha de renda bordada com diamantes negros e brincos da mesma pedra, e fechou a caixa, tentando ignorar o colar escondido pela tampa, e como quase considerara usá-lo novamente. Bellatrix respirou fundo e terminou de se arrumar, também tentando não se atentar ao fato de que continuava a usar o anel dele. Mesmo depois de toda a conversa que haviam tido, ela sabia muito bem porque ainda estava em seu dedo, por mais que não quisesse admitir.
O resto, até o momento em que ela descera as escadas, foi feito de forma praticamente inconsciente. Ela fizera aquele mesmo caminho por anos, e deixara de se incomodar com como aquelas lembranças eram desconfortáveis, desejava apenas continuar com seu dia. Algumas mudanças eram evidentes, como os novos guardas, e todas as reverências em seu caminho, com cumprimentos sorridentes e olhares de admiração. “Bom dia, Vossa Graça”, “Estamos a seu dispor, Vossa Graça”, Bellatrix queria rir com o quão irônica era a situação toda. Meses antes, tudo o que ela encontraria naquela Mansão eram sussurros e olhares desconfiados ou invejosos. Aquilo parecia, contudo, estar no passado. A paz trouxera um novo mundo, e ela se acostumaria logo a ele.
- Vossa Graça, - Alguém a chamou, e ela reconheceu ser o mesmo jovem que lhe levara a convocação e os presentes de Voldemort na Mansão Malfoy, ao se virar. O jovem se curvou imediatamente, e deixou de fazer contato visual com ela.
- Devonshire, certo? - Bellatrix perguntou, enquanto ele se erguia e assentia. Ela ainda achava incrível que Voldemort tinha um escudeiro, mas, se ele colocava um cavaleiro na cola de Melinda, tudo era possível. - Em que posso lhe ajudar?
- Sua majestade a aguarda no escritório, - ele informou, educadamente, adicionando um ‘milady’ que ela preferiu ignorar. Ela sabia que sempre usariam o termo para não chamá-la de “Vossa Graça”, que era formal demais, o tempo todo. Também não podiam chamá-la pelo nome. A maioria na França escolhia ‘madame’ para esta função, mas estavam no Reino Unido, e ela não teria essa sorte o tempo todo. ‘Milady’ a lembrava demais de seu primeiro título, de forma que sempre era doloroso ser chamada assim fora de contexto. Dentre outras coisas, ela teria de se acostumar, enquanto se perguntava até que ponto Voldemort sabia daquele detalhe e se divertia em ver a corte criada por si lentamente torturá-la com lembranças que ela daria tudo para esquecer.
- Obrigada, Devonshire. Vou ao encontro dele imediatamente. - Bellatrix respondeu, educadamente escondendo seu desconforto.
- Thomas, madame, se assim preferir. - ele a corrigiu, tímido.
- Thomas, - ela concordou, silenciosamente agradecida pelo uso da outra forma de tratamento - Com licença, Thomas.
Voldemort sabia que ela se aproximava minutos antes de ouvir a batida na porta, não apenas pela conexão mental, mas porque se acostumara com o som dos saltos dela contra o piso da Mansão Slytherin, que tornara-se tão característico que seria capaz de reconhecer em qualquer lugar.
Ele então se levantou e abriu a porta, cuidando para não deixar óbvia a surpresa ao vê-la parada ali vestida daquela forma. O vestido vinho tinha um decote bastante profundo, que terminava apenas na cintura, onde a solta saia começava. Saia esta que tinha duas fendas profundas, uma em cada roxa, cobertas apenas por uma fina camada de tecido transparente. Ela sorria, claramente, enquanto seus olhos corriam pelos locais deixados à mostra pelo vestido, aquela maldita mulher estava achando a coisa toda absurdamente divertida. No passado, ele a jogaria em cima da mesa do escritório e a ensinaria a ter mais respeito, mas não podia mais fazer aquilo, então apenas uma coisa lhe restava para fazer. Podia não ser tão divertido quanto a versão passada, mas ela teria seu troco.
- Bom dia, majestade. - Bellatrix fez uma reverência, aumentando o efeito do vestido, e Voldemort ajustou o colarinho, sentindo as calças tornarem-se imensamente desconfortáveis. Ele chegou a considerar sentar-se atrás da mesa para cobrir a clara evidência do que aquele vestido fizera a si, mas deixá-la desconfortável seria mais interessante, já que fora a intenção dela.
- Vossa Graça, - ele respondeu, dando um passo na direção da bruxa, parando próximo o suficiente para que ela não somente visse como sentisse o efeito que causara nele. Surpreendentemente, Bellatrix não se afastou imediatamente. Por alguns segundos, ela ficou parada ali, claramente controlando suas expressões e pensamentos, com a respiração levemente alterada. - Preparei uma surpresa, - ele continuou, e ela finalmente se afastou para que ele passasse pela porta. - Imagino que num dia tão quentede verão, termos um café da manhã dentro da casa é um desperdício, não concorda? - Voldemort ofereceu-lhe um braço, e Bellatrix aceitou, parecendo sentir mais calor do que qualquer um naquela casa. Devido à proximidade, ele conseguia ver que as alças do vestido dela cruzavam-se em seu pescoço e prendiam-se por debaixo dos braços às laterais, deixando-a com as costas nuas. Bellatrix estava brincando com sua paciência deliberadamente.
Voldemort a guiou para fora da mansão, em direção ao jardim que construíra para elese que agora se encontrava ligado à vida dela. Aquelas rosas tinham significado para os dois, e era quase cruel levá-la para tomar café da manhã lá, mas Melinda estava usando a outra parte do jardim e, francamente, Bellatrix estava procurando problemas e ia os encontrar.
Bellatrix conhecia aquele caminho bem demais, e tentava evitar de pensar para onde estavam indo. Uma parte de si tentava se convencer de que estava errada, enquanto conversava coisas quase sem importância com Voldemort no caminho – como estava o clima, os novos empregados de sua Mansão na França, como o Ministério da Magia decidira redecorar para parecer entrar em uma nova era. Antes, eles nunca haviam precisado inventar assuntos, mas com o elefante na sala que era a situação deles, estavam tornando-se profissionais naquilo. Tal necessidade estava refletida em como, no fundo de sua mente, Bellatrix percebia que estavam próximos demais um do outro, como se pendesse a cabeça um pouco para o lado a encostaria no ombro de Voldemort.
Ao chegarem ao destino, Bellatrix não pode mais esconder-se da realidade. Ela reconheceria aquele jardim de olhos fechados, apenas pelo aroma das rosas, e suspirou levemente ao notar a mesa montada bem no meio dele. Voldemort chamara sua atenção, dizendo algo sobre como os jardins da mansão estavam disputados naquela manhã, mas ela apenas assentiu ausente, seguindo-o quase que por instinto. Ela notaria, em segundos, os empregados fazendo reverências, mas não sem deixar de encantar-se com como aquelas rosas pareciam ainda mais bonitas debaixo do sol de verão do que a mente de Bellatrix se recordava. Ela estava se sentando, com alguma face desconhecida puxando e empurrando a cadeira para ajudá-la, sem nem ter percebido direito como chegara ali.
- Golpe baixo, - ela não conseguiu segurar as próprias palavras, assim que percebeu que Voldemort dispensara os empregados.
- Perdão? - Voldemort perguntou, como se não a tivesse entendido.
- Trazer-me aqui… - Bellatrix completou, finalmente voltando a seus sentidos para focar-se no homem sentado a sua frente. Ela pegou o guardanapo repousado em cima de seu prato, que alguém moldara na forma de um cisne, e o estendeu no colo. - Nunca deixará de ser um golpe baixo, quaisquer as circunstâncias.
Voldemort nem mesmo teve a decência de parecerculpado, ele lambeu os lábios algumas vezes, tentando evitar o sorriso que insistia em querer aparecer a todo o custo, e finalmente deu de ombros, estendendo o próprio guardanapo em seguida.
- Você falando em golpes baixos, Bellatrix? - Voldemort a examinou com os olhos, do topo dos cabelos bem presos, até onde a mesa deixava seus olhos vagarem. - Além do que… esse jardim, agora, não significa nada além do meu próprio arrependimento. Não vejo porque se incomodar, já que foi vocêquem decidiu deixar o passado para trás, mas se te incomodam tanto assim, ótimo, eu as ligo a nós novamente e elas morrerão em segundos, não concorda? - Bellatrix respirou fundo e fitou o próprio colo, sentindo os próprios olhos encherem-se de lágrimas. O que diabos eles estavam fazendo? Eles deveriam ser amigos, eles haviam se proposto a isso, e ali estava ela se divertindo em deixá-lo excitado, quando não podia tocá-la, e ele a trazia para aquele maldito jardim… que ele agora ameaçava matar. As rosas realmente morreriam? Era a pergunta que a enlouquecia, e as demonstrações quase infantis de ambos naquela manhã só provavam que a resposta era ‘Não’. Elas murchariam, com certeza, mas permaneceriam vivas, porque… ela o amava, ainda o amava mais do que gostava de admitir, e ele… era uma incógnita. Voldemort, por mais que ela ainda não conseguisse admitir seu amor, se importava com ela, a queria de volta.
- Não… - ela viu que ele pegava a varinha, e o olhou nos olhos. Algo nele pareceu quebrar ao ver as lágrimas, e a varinha pendeu de sua mão, caindo sobre a mesa. Ele se levantou e andou na direção dela, que escondeu o rosto nas mãos. - O que diabos nós estamos fazendo? As rosas não iam morrer, é claro que não iam, elas nuncamorreriam, e nós dois sabemos disso. Só murchariam depressivamente, porque nós dois continuamos tendo essa mania doente de querer incomodar um a outro: eu porque te amo mais do que eu queria amar, e porque estou com raiva, porque eu poderia estar morta por sua causa! E você, eu nem sei porque, talvez porque eu fiz com que…. Com que se importasse, e você se sentiu humilhado na Batalha de Hogwarts, eu não sei, ou depois quando eu me neguei a voltar… eu… eu não sei.
Voldemort segurou-a pelos ombros e fez com que ela se levantasse e o olhasse nos olhos, que então estavam completamente tomados pelas lágrimas e mais verdes do que jamais se lembrara ter visto. Ele tentou medir as palavras e abriu a boca algumas vezes, sem se decidir. Por fim, ele apenas a abraçou ao redor dos ombros, esperando que ela lutasse para afastá-lo. Ela, contudo, deixou-se relaxar nos braços dele, pousando a mão fracamente em seu peito.
- Você realmente pensa isso? Que passei os últimos meses com raiva? Ou com meu orgulho ferido? - ele perguntou, contra o cabelo dela, que parecia respirar mais calma. Bellatrix apenas assentiu, e Voldemort riu-se. - Bella, por Merlin, você me conhece melhor do que isso. Se eu estivesse realmente com raiva, ou se você tivesse de fatome ferido, nós não estaríamos aqui.
- Teria mandando me executar? - ela perguntou, quase em tom de brincadeira. Quase.
- Muito engraçado, mas não. A não ser que eu estivesse certo sobre você e Severus… - Voldemort recebeu um tapa no peito pela brincadeira. - Mas enfim, nós não estamos aqui por causa do que eu pensei ou não na Batalha de Hogwarts, por eu ter me exposto à Ordem da Fênix como uma criatura com sentimentos, ou porque você feriu meu orgulho ao não voltar pra mim… - ele negou com a cabeça, e engoliu seco antes de continuar. - A verdade é que sim, no fundo nós estamos com raiva de algo… Eu de mim mesmo, com intensidade que você não pode imaginar, e você de nós dois, por mais que a raiva que sente por si mesma seja maior do que a que sente por mim. É essa raiva por nós mesmos que nos move, que te levou para a França, e que nos trouxe a esse jardim hoje. Esse vestido, bem, é sua raiva de mim falando. - Bellatrix riu por um momento, ao assentir, e apertou a lapela do paletó dele entre os dedos. - Eu devia te deixar em paz, deixar que se escondesse na França pra sempre, mas eu não consigo, porque me odeio demais por te obrigar a fazer isso.
- Qual o plano, então? Vai vencer-me pelo cansaço até eu voltar? - Bellatrix afastou-se apenas o suficiente para olhá-lo nos olhos.
- Não… meu plano, além de cuidar de você, é tentar te compensar por tudo o que eu fiz… com algumas provocações, ou não seríamos nós, que tem a intenção de te mostrar o que você está perdendo não estando aqui. - a expressão dela transformou-se para completo choque, desta vez não falso. - Não me julgue, você faz o mesmo, mas para me punir. Eu mereço, mas é tão cruel quanto…
- Verdade, mas não conseguimos evitar, crueldade é parte de quem nós somos. - ela sorriu, e mordeu o lábio, dando de ombros.
- Lindo vestido, aliás, por mais torturante que seja…
- Acredito que foi você quem escolheu…
- O eu do passado deve estar rindo de mim agora, de qualquer forma, continuando. Se, ao fim, eu ainda assim falhar e você decidir que ainda não quer voltar a ser minha, se ainda não acreditar que eu mudei e que te daria o mundo se me pedisse… pelo menos quero que se sinta confortável o suficiente perto de mim para voltar para o Reino Unido, onde é a sua casa, sempre foi.
- E quando seria ‘ao fim’?
- Quando a raiva não estiver mais lá, em nenhum de nós…
- Isso pode demorar um tempo…
- O tempo que for, como eu disse, tenho muito para compensar. - Voldemort pegou a mão dela e beijou o dorso, - E você não faz ideia do quanto me dói lembrar de tudo o que fiz, sentir o arrependimento. Dumbledore estava certo em um ponto, remorso é algo extremamente doloroso… não é o arrependimento em si que dói, é pensar no que poderia ter sido, no que se está perdendo.
- É uma promessa?
- Que desistirei se notar que não há mais volta? Que, depois que toda a raiva e a dor passarem, se você decidir que seremos amigos, seremos? Por mais que me doa, e que eu quisesse dizer que tentaria por toda a eternidade, sim, é uma promessa… Desde que me prometa encarar o caminho até lá de coração aperto, sem tentar me sabotar, ou sesabotar.
- Nos sabotar? Se em algum momento eu sentir que quero voltar, perceber que seremos felizes, e não condenados ao fracasso como acho agora… Acredita mesmo que vou ter forças pra fazer outra coisa que não seja me jogar nos seus braços? Se, em algum momento, eu conseguir perdoá-lo completamente por tudo o que aconteceu… não precisará se preocupar, eu não vou sufocar meu amor por orgulho. - ela respondeu, sincera. - Mas sabe que, agora, não é o caso.
- Sim, eu sei… ainda não é.
- Mas acredita que esse momento chegará…
- Ah sim, eu tenho certeza, minha cara.
- Convencido…
- Sabe bem que eu coloco esforço em tudo o que eu faço e, até hoje, não deixei de atingir sequer um objetivo. Pretendo colocar o mesmo esforço em ganhar teu perdão. Agora, se levar o café da manhã para dentro é necessário… - ele fez menção de tocar o sino na mesa, e Bellatrix o parou.
- Eu prometi não sabotar… e sou uma garota grande, bem resolvida o suficiente para lidar com algumas rosas. Ou gosto de dizer isso a mim mesma. - ela voltou a se sentar. - Em algum momento vou ter que me acostumar a elas, digo, a Melinda terá aniversários… e teremos reuniões, em algum momento cruzarei com elas… - Voldemort riu-se, e se moveu para sentar-se em sua própria cadeira, mas sentiu a mão de Bellatrix em seu pulso. Ela estava séria. - Uma última coisa, antes de seguirmos em frente, eu… eu preciso saber. O que você disse antes, no baile, nesse mesmo jardim… disse aquilo para tentar me trazer de volta, não foi? Se não tinha a intenção de me machucar, não estava com raiva de mim, é a única explicação… mas não faz sentido, se queria compensar tudo, por que mentir pra mim? Mesmo que eu voltasse, seria o mesmo ou pior do que antes...
Voldemort respirou fundo, e fechou os olhos por um momento, antes de se ajoelhar para ficar no mesmo nível que ela. Ele fez seu melhor para não encará-la, enquanto media suas palavras, mas… ele só podia dizer a verdade.
- Não, não faria sentido mentir. - ele respondeu, ainda sem olhá-la nos olhos, e pegou a mão de Bellatrix. - E é por isso que eu não menti. - ela puxou a mão abruptamente. - Posso tomar Veritasserum, ou você pode me colocar sob a Imperius, ou fazemos um voto perpétuo de que eu nunca mentirei para você sobre esse assunto, o que acha? - Voldemort entregou a própria varinha a ela, que o olhou espantada. - Não estou mentindo, acha mesmo que eu inventaria isso? Se fui o primeiro a querer não sentir isso? Se durante uma vida me alegrei em nunca ter sentido? Bom, pior do que está não pode ficar, acredito? Alguns diriam que estou sendo batizado no fogo, porque nunca doerá mais do que quando você estava inconsciente por minha causa, ou do que agora. Espero que estejam certos… - ele finalmente se sentou.
- Você… - os lábios dela tremiam, e Bellatrix parecia não saber respirar, olhando para a varinha dele em suas mãos.
- Sim, Bellatrix, eu te amo. Imaginei que já estaria claro a esse ponto. O destino, ou Lily Potter, nos pregou uma peça, talvez seja a vingança dela, me fazer sentir isso pra depois te perder…
- E qual era a raiva que ela tinha de mim? - ela perguntou, soando triste. - Tudo o que eu sempre quis… quando eu não consigo ter? Quando, por mais que eu tente nesse exato momento, não consigo perdoá-lo? É… cruel. Acha que só você sofre com isso tudo, mas eu preferia quando achava que estava tentando me machucar…
- Alguns diriam que nós dois trouxemos muito sofrimento a diversas pessoas que se amavam, ou amavam outras pessoas, e que essa é a nossa punição…
- Na aula de adivinhação costumavam chamar isso de carma, - ela riu-se, sem entender porque se lembrara daquilo. - Nunca acreditei, sempre pensei sermos senhores de nosso destino.
- Então sejamos, - ele pegou o copo de suco de abóbora e o levantou. - Foda-se o carma, nós não sofreremos com isso pra sempre.
Bellatrix sorriu e, colocando a varinha dele na mesa, levantou o próprio copo. - Que se foda essa idiota, inclusive eu me recuso a sofrer por isso por um momento sequer. A partir de agora, me sinto abençoada.
- É mesmo?
- Quantas boas pessoas não tem o amor correspondido? E nós dois, apesar de nossas trágicas circunstâncias, temos isso. Com tudo o que fizemos, todo o horror que causamos, estamos na seleta lista daqueles que sentem amor e são correspondidos. Issoninguém pode tirar de nós, portanto, bebamos a isso. - ela tocou o copo no dele.
- Não é um felizes para sempre, - ‘ainda’, ele deixou de completar. - Mas é mais do que a maioria, preciso concordar. A amores correspondidos, - ambos beberam, e Bellatrix engasgou.
- Tem uísque de fogo nisso?
- Não imaginei que você queria o seu suco de abóbora virgem.. mesmo pela manhã.
Bellatrix queria responder ‘é por isso que eu te amo’, mas guardou para si e apenas sorriu, mas pelo olhar dele… Voldemort lera a frase em sua mente, maldita Legilimência. Ela tentou não ficar desconfortável, no entanto era mais difícil do que parecia.
- Bella… - ele riu-se e segurou o pulso dela. - Foi só uma brincadeira, não é como se eu fosse te jogar na mesa e te tomar, agora mesmo, só porque você pensou algo sobre o que estávamos falando há dois minutos. A não ser que você queira… sabe, existem amigos com benefícios.
Bellatrix rolou os olhos, e negou com a cabeça. - Muito obrigada, mas vou passar, majestade. - Voldemort já sabia a resposta dela, é claro, porque os dois sabiam muito bem que, no momento em que ela cedesse, não haveria volta. Porque, quando se ama tão profundamente como eles se amavam, é como um vício. Não importa o quão sóbrio se esteja, a primeira gota é o suficiente para trazer tudo de volta.
Draco chegara da Mansão Malfoy há apenas alguns minutos, ainda bastante incomodado com o que havia visto. Rodolphus e Narcissa disfarçavam bem, é claro, mas era evidente que sua mãe ficara mais do que confortável em aceitar o suporte oferecido pelo ex-tio. O incômodo não era baseado no fato de sua mãe estar se apoiando em um homem para passar por tudo aquilo, e sim em quem estava.
Todo o acontecimento com Lucius se desenrolara por conta da obsessão que seu pai tinha com Bellatrix, e Rodolphus – por mais que tivesse aparentemente superado-a – fora casado com ela. Casado e, até certo ponto em que ele se lembrava, bastante obcecado por ela. Pudera, ele mal tivera a oportunidade de viver com a esposa devido a todo o acontecido com o Lorde das Trevas, e fora por esse exato motivo que ele passara a vê-la como aquilo que nunca tivera, que lhe fora negado. Muito similar à história de Lucius. Obviamente, eles reagiram de formas diferentes, mas Draco não podia deixar de se perguntar: estaria ele louco? Será que estava lendo demais algo que era inocente? Apenas dois amigos se dando suporte? Ele esperava que sim, porque caso estivesse certo, Rodolphus teria um enorme caminho para provar que Narcissa não era pra ele mais um prêmio de consolação como fora para seu pai.
- Uma moeda por seus pensamentos, - ele ouviu a doce voz que Melinda adotara recentemente, que para uma Princesa das Trevas parecia quase deslocada, mas ela passava uma nova imagem agora. Ao olhar na direção dela, quase se impressionou ao vê-la toda de preto.
- Você não precisa, - ele jogou a capa de viagem na cama. - Pode lê-los a qualquer minuto… E o que aconteceu com a Princesa da Pureza? - ele perguntou apontando para a calça de couro que ela usava, com um sorriso.
- Ela está em casa, no segundo andar, em seu quarto. - Melinda respondeu, quase irritada, deixando de lado o tom falso de voz. Aquela era a Mel que ele conhecia. - Ninguém vai aparecer hoje além de família e talvez Comensais da Morte… e ninguém nunca me proibiu de me vestir como eu mesma quando estamos em família – a não ser que eu pretenda ir ao jardim, é claro, onde a vagabunda da Skeeter pode estar me esperando com câmeras.
- Nunca vou entender porque seu pai permite que ela se aproxime da casa, mas ele tem seus motivos, por mais que não os divida comigo, futuro príncipe ou não… - ele viu o corpo de Melinda tensionar imediatamente, e ela fitou o chão.
- Draco…
- Eu sei, você discorda, ele só está ocupado, eu estou enlouquecendo. - ele suspirou cansado, e ela cruzou os braços.
- Não é isso… é o que ele me diz, ok? Se alguma coisa está de fato acontecendo, ele não quer me dizer também. O meu ponto é que ele está afastado de todos ultimamente, hoje eu mesma descobri que ele está se reunindo secretamente com a Gabrielle e nem ele nem ela pensaram em citar isso pra mim.
- Gabrielle? - Ele se sentou na beirada da cama, franzindo o cenho. Por que diabos Voldemort trouxera Gabrielle da França? Algo com Snape? Mas a loira queria distância até do nome daquele homem.
- Sim, e eu a vi sair há poucas horas. Não faço ideia do que está acontecendo, Draco, ok? Não me pressione, eu sou filha dele, mas não sou poderosa o suficiente para arrancar respostas dele! Olha de quem estamos falando! Ninguém consegue forçá-lo a nada! - pela primeira vez em muito tempo, ela parecia preocupada e desesperada.
- Talvez…
- O que?
- Nada… - ele forçou um sorriso, não queria contar ainda que falara com Bellatrix sobre o assunto. Se tinha alguém que conseguiria arrancar algo de Voldemort era a tia. - E sobre meus pensamentos… Rodolphus Lestrange passou a noite na minha casa.
Os olhos de Melinda se arregalaram e ela abriu e fechou a boca diversas vezes, antes de simplesmente soltar os braços ao lado do corpo, sem saber o que dizer. O que diabos estava Rodolphus Lestrange fazendo na Mansão Malfoy?
- Rodolphus… - ela finalmente conseguiu dizer algo. - Com sua mãe?
- Eles alegam que são apenas dois amigos se ajudando ou, no caso, Rodolphus ajudando minha mãe, que está querendo matar a sua… Digamos que ele já teve seus bons momentos de amor e ódio com a tia Bellatrix, e por isso achou que podia oferecer bons conselhos. - Melinda sentou-se ao lado dele, ainda parecendo confusa. - E pode ser o caso, é claro…
- Mas…?
- A maneira como eles se olham… e como minha mãe o defende, não sei, Mel. Pode ser que eles acreditem nisso agora, é claro, no entanto eu não compro essa história.
- Bom, o fato de que eles acreditam nisso já muda muita coisa. Olhe para os meuspais. Minha mãe acredita mesmo que consegue ficar longe para sempre, e lá está ela… a questão que fica é a mesma pra tia Narcissa e pro Rodolphus.
- Até quanto eles vão acreditar nas próprias mentiras, sim. E no caso da minha mãe, - Draco pegou a mão de Melinda e apertou. - a resposta é ‘por pouco tempo’. Conheço Narcissa Malfoy tão bem quanto ela mesma e, se ela se apaixonar, será rápido e devastador.
- Oh, as mulheres da família Black. - Melinda sorriu triste, - é o destino de todas nós, pelo jeito. A única que escapou até agora foi a Nicky, por enquanto… - ela deu risada, e Draco beijou sua testa. - De volta à tia Narcissa, desculpe.
- Essa história me preocupa por conta do histórico… Mel, eu não vou deixar minha mãe passar pela mesma coisa duas vezes. - ele fitou o próprio colo e Melinda se ajoelhou na cama ao lado dele, abraçando-o pelos ombros.
- Nós não vamos deixar… - ela beijou-o na têmpora. - Eu te prometo isso. A tia Cissy nunca mais vai passar por isso, nem que eu tenha que envolver meu pai e, se for necessário - ela fez uma pausa, como se estivesse um pouco incerta. - a minha mãe.
Narcissa se pegava imaginando a que horas Rodolphus iria embora, mas sem realmente querer que ele fosse. A companhia do homem a estava ajudando muito em não pensar no que fazer com Lucius, a esquecer-se de que tinha apenas alguns dias para se decidir. Por alguma razão, logo após o almoço eles decidiram ir até o jardim. Era um belo dia, e não havia razão para ser ignorado.
- Onde ele está agora? - Rodolphus perguntou em algum ponto, enquanto andava de braços dados com ela jardim adentro, trazendo à tona o assunto que ela queria esquecer, mesmo que não pudesse ter esse luxo. - Aqui?
A loira respirou fundo e assentiu com a cabeça, tentando ignorar os pensamentos que insistiam em assombrá-la toda vez em que ela tentava imaginar a situação em que Lucius se encontrava. Não que ele não merecesse ou algo do tipo, mas Bellatrix fizera questão de ser bastante bárbara. - Nas masmorras, abaixo de nós. - ela respondeu, fitando os próprios sapatos. - Você não gostaria de vê-lo, te adianto. Bellatrix foi bastante… Bellatrix com ele. A cena toda é extremamente perturbadora. Apenas os elfos vão lá embaixo desde que ela se mudou.
Rodolphus aproximou-se e tocou os ombros de Narcissa, àquele ponto claramente tensa. Por mais que Lucius merecesse o que estava acontecendo a ele, não era de sua personalidade ou feitio lidar com aquele tipo de coisa, e Rodolphus sabia disso. - Cissy, eu só consigo imaginar o nível de criatividade que sua irmã teve, mas… sei que vai me odiar por te dizer isso: Você precisa ir lá embaixo, ver com seus próprios olhos uma última vez, encará-lo antes de tomar uma decisão final. Aquele homem, monstro, o que for, um dia foi o seu marido e um dia, por mais triste que seja, você o amou. Tomar a decisão sem fazer isso te traz um risco de arrependimento depois. Não quero te forçar a passar por sofrimentos desnecessários, quero apenas que você tenha completa consciência da decisão que tomar, seja ela qual for. E… - ele segurou as mãos de Narcissa, - se você quiser, e achar adequado, eu vou estar lá segurando a sua mão.
Narcissa suspirou, cogitando por um segundo, no fundo de sua mente, soltar as mãos das dele, mas… era incrivelmente confortável, muito mais do que poderia imaginar ser inadequado. Rodolphus estivera sendo um ótimo amigo, fazendo-a se sentir importante naquelas vinte e quatro horas, mais do que ela mesma sentira-se capaz em anos. Todos os acontecimentos haviam feito com que ela diminuísse o valor que enxergava em si, até mesmo achava-se fraca e indigna em alguns momentos, mas ele… não tinha obrigação alguma de aturá-la ou de importar-se com ela, afinal não eram mais família, eram – ela acreditava até o dia anterior – meros conhecidos àquele ponto. - Obrigada, Rodolphus. - ela apertou a mão dele de volta e olhou nos olhos. - Mas você tem razão… - ela respirou fundo. Por mais que doesse admitir, ela nunca conseguiria superar e seguir com sua vida se não colocasse uma pedra em seu passado, e algumas coisas na vida não eram simples de se conseguir. Aquela era claramente uma dessas. - Essa é uma visita que terei de fazer sozinha.
Rodolphus assentiu e, quase num acesso de intimidade – que pareceu a ambos incrivelmente confortável, apesar do pouco tempo de aproximação – beijou-lhe a testa. - Nunca se esqueça, é muito mais forte do que parece e Lucius… é um monstro transformado num pobre coitado desde que o Lorde das Trevas soltou a coleira de sua irmã.
- Deixe Bellatrix te ouvir falar assim dela…
- Não faria nada, pois é a mais pura verdade. Bella quer fazer isso com Lucius há anos e a única coisa que a segurava era o Lorde das Trevas, até que ele não mais o fez… e aqui estamos. - ele deu de ombros.
- E, por mais que eu a odeie no momento, imagino que devamos agradecê-la por ter quebrado Lucius o suficiente para estar manso quando eu chegar lá? - Narcissa respondeu, num tom surpreendentemente suave.
- Não necessariamente, mesmo porque duvido que ele estará qualquer coisa próxima de manso porque, não me leve a mal por favor, você não é a sua irmã. E o que eu quero dizer com isso é que ela foi a carrasca dele e, a este ponto, ele deve tremer quando ela entra naquela masmorra. - Rodolphus voltou a andar lentamente de braços dados com Narcissa, que parecia pensativa. - Você… você sempre foi doce e gentil com todos nós, até mesmo com quem não merecia, e ele vai achar que estar em suas mãos é a melhor coisa que já lhe aconteceu…
- Ele terá certeza, - ela admitiu, soando exausta e negando com a cabeça. - E me impressiona que Bellatrix também não pense isso, que vou simplesmente conceder-lhe um perdão e seguir com nossas vidas…
- Sua irmã e eu temos a mesma certeza, então, de que você tem uma fortaleza escondida dentro de si pronta para ser descoberta. Lucius… Lucius se supreenderá ao conhecê-la.
- Não antes de tentar ferir-me e manipular-me, é claro…
- Então ele se surpreenderá duas vezes. - Rodolphus abriu a porta da Mansão, à qual eles haviam chegado sem que percebessem.
O cheiro que tomava conta daquela masmorra fez com que Narcissa parasse no meio do caminho, sentindo o estômago revirar por um instante, e tampar o nariz e a boca com a manga do vestido branco – que ela imaginava que nunca mais teria a mesma cor após aquela visita, se a barra tocando o chão imundo fosse qualquer indicativo, e xingou-se mentalmente por não ter trocado de roupa. Ela sabia que a primeira coisa que faria ao voltar seria jogar-se em uma banheira lotada de sais de banho. Ela conhecia a cela de Lucius e, ao avistá-la, arrumou a postura e pegou a varinha, pois nada a faria encostar naquela fechadura.
A porta abriu-se com um rangido de ferrugem e o cheiro começou a mudar, de anos de mofo e umidade para algo que ela detestava reconhecer. “Sangue, sangue coagulado”, ela pensou, sem conseguir conter o arrepio que correu sua espinha. Bellatrix não havia encostado em Lucius desde a última vez em que Narcissa estivera naquela mesma cela com o Lorde das Trevas, mas isso não mudava o fato de que ele provavelmente ainda tinha diversas feridas infectadas que, por algum feitiço cruel de sua irmã, pioravam sem o matar.
Algo, ou no caso alguém, se moveu dentro da cela, acordando Narcissa de seus devaneios com o barulho de correntes. A loira fechou os olhos por um segundo, antes de andar lentamente até encontrar o marido. O estado de Lucius era ainda pior do que ela poderia imaginar: não havia pedaço algum do corpo do homem sem feridas, todas infectadas, ele estava sujo, magro, e ela tinha certeza de que se olhasse com mais vontade, encontraria o que não queria – a extensão total da crueldade da irmã, que ela preferia não saber. Lucius merecia, era evidente, mas o sangue frio de Bellatrix conseguia impressioná-la mesmo naquela situação.
- Os olhos… - Lucius comentou, - Foram o único lugar que ela não tocou. Ah, e a língua, para que eu pudesse ver e gritar. Ou, pelo menos, foi o que sua irmã disse. Olá, querida, é um prazer revê-la. - ele tentou sorrir, o quanto o rosto inchado permitia. - Eu beijaria sua mão, mas, como pode ver, não estou em condições… cumprimentos da Lady das Trevas.
Narcissa não se deu ao trabalho de controlar a própria face frente ao sarcasmo dele, deixando sua expressão passar de neutra - e talvez piedosa - para simplesmente entediada. Lucius não estava ajudando o próprio caso agindo como, bem, ele. - Gostaria de lembrá-lo que, dentre outras coisas, sua atitude ajudou-o a terminar aqui, então sugiro que a repense.
- Oh, Cissy, não pode ser assim tão cruel. Minha ‘atitude’, como a chama, é tudo que ainda tenho e nós dois sabemos disso. - ele respondeu, fitando o teto. - E sempre a achou charmosa. A arrogância, o sarcasmo, o sentimento de dono do mundo que te fazia senti-se como a dona também…
- Até que forçaram-me a perceber que não possuía coisa alguma, muito menos o mundo, Lucius. - ela retrucou, soando mais impaciente do que gostaria. - Alguns de nós desenvolvem-se como pessoas, no fim das contas.
- Percebe-se, - ele virou o rosto para encará-la. - Algo diferente te rodeia hoje, uma espécie de poder… é interessante. Em que posso servir-lhe, Cissy? O Ministério da Magia finalmente colocou sua irmã de volta na coleira, e decidiu me soltar? Se for, só desejava que Bellatrix tivesse a coragem de me encarar ela mesma, em vez de te mandar.
Foi então que ela se deu conta: mesmo naquela situação, ele de fato não a respeitava. Vê-la ali o fez imaginar que a irmã a tivesse enviado com boas notícias que não queria dar. Rodolphus estava certo, era evidente que estava, ele sempre a enxergaria como a Narcissa que sempre fora, mas estava tão errado. - Na realidade, é isso que o Ministério quer… Sua Majestade, no entanto, tem planos diferentes para você… Achou mesmo que Bellatrix o deixaria escapar?
- Sua Majestade…? Sua irmã? - Lucius riu-se. - Não foram as últimas informações que eu recebi… ainda me trazem comida. Até onde sei, neste país, temos apenas uma Majestade, e sua irmã está na França.
Narcissa pensou por um segundo, e sorriu. Ela acidentalmente deixará implícito que Bellatrix era a rainha, e obviamente incomodara Lucius… o triunfo final dele seria o que acontecera: morrer sabendo que Bellatrix estava infeliz. - Seus informantes estão atrasados, meu caro, pois ela já está de volta… e com uma coroa na cabeça. Quanto tempo achou que ela ficaria fora e longe dele? Oh, é porque ela não veio brincar com você? Ela está casada com o homem de sua vida e é rainha de sete países agora, Lucius, eu diria que ela tem brinquedos maiores e mais divertidos... - ela sabia que soava terrivelmente como a irmã, mas era mais forte do que ela. - Todos nós temos… - ela o olhou de cima a baixo, e pode ver o momento que os olhos dele estreitaram-se, tentando entender o que ela quisera dizer com aquilo. - Draco logo será príncipe, como bem sabe, e será como um filho para o Lorde das Trevas, além do que… logo ele terá um padrasto. - Nem mesmo ela sabia de onde havia tirado aquilo, mas ferir Lucius era extremamente irresistível. Anos de raiva explodindo ao mesmo tempo, e ela não tinha intenção de se impedir.
Lucius apenas deixou o queixo cair, parecendo incerto quanto a acreditar ou não nela, o que foi o suficiente para deixá-la com ainda mais raiva. Ele havia mesmo acreditado que ela sofreria eternamente pela separação, por perdê-lo?
- Quem diria, Cissy, que logo você se esqueceria de mim tão fácil? - ele provocou, logo depois, esperando que ela não notasse seu pequeno lapso. - E quem seria o felizardo a tornar-se seu marido? Padrasto de nosso filho? Oh, depois que você se livrar de mim, evidentemente…
Narcissa sorriu, de uma forma que, pelo menos em sua mente, lhe lembrava Bellatrix - e, se a expressão assustada de Lucius podia ser levada em consideração, ela não estava tão errada assim. Até mesmo Rodolphus sabia que a irmã havia quebrado Lucius, e qualquer semelhança entre as duas seria suficiente para aterrorizá-lo. Narcissa sabia que aquela não era ela, que não era alguém que sentia prazer em colocar terror nos outros, mas no caso específico de Lucius aquilo não era completamente desconfortável.
- Ah, como você gostaria de saber, não é mesmo, Lucius? - ela perguntou, aproximando-se. - Mas não vim aqui apenas tripudiar, tenho assuntos mais importantes a tratar com você…
Lucius então riu-se, num misto de sarcasmo e desespero que a deixou em alerta. O marido, preso àquelas correntes, não lhe era uma real ameaça, mas o histórico a deixava desconfortável… ele a havia ferido o suficiente no passado para que o menor sinal do Lucius do passado a deixasse instável. - Não imaginei que eu ainda seria incluído em ‘assuntos importantes’, e muito menos que você seria. O Lorde das Trevas nunca a viu muito além do bibelô que você sempre fez questão de ser, e não entendo porque o faria agora… você era a minha esposa, e depois a mãe do Draco, no máximo a irmã de Bellatrix… Oh, é isso? A irmã da rainha tem privilégios? Quem diria que o Lorde das Trevas finalmente seria amolecido pela sua irmã… na realidade, era de se imaginar, afinal eu sei como ninguém o estrago que aquela mulher pode fazer, digo, olhe pra mim.
Narcissa sentiu o maxilar travar-se instintivamente, e sua varinha tremer na mão direita, a garganta fechando em meio ao ódio que sentia. Mesmo naquela situação horrível, ele ainda queria pisar nela. Talvez, ela imaginava, teria sido melhor se ele tentasse manipulá-la, mas uma parte de si acreditava que não dizer a que viera desde o começo fora sua melhor decisão. - Humilhe-me o quanto quiser, Lucius, se faz com que se sinta melhor… no tempo que lhe resta.
- ‘Tempo que me resta’... até onde eu sei, resta-me ainda muito tempo e muito sofrimento, então perdoe-me se não a pouparei da minha amargura, afinal de contas, não é como se sua opinião fosse de fato influenciar a vontade doentia de sua irmã de manter-me vivo em dor excruciante.
O rosto de Narcissa contraiu-se em uma expressão vitoriosa que, meses antes, ela teria odiado ver em si mesma. O olhar que Lucius lhe dera, ao finalmente perceber que havia algo de diferente e provavelmente muito errado - em sua opinião - acontecendo ali, preenchera o coração da loira de uma satisfação que ela nunca havia sentido antes. Vingança, seria este o sentimento que a enchia?
- E é aí que se engana, meu caro futuro ex-marido… - pela primeira vez naquela noite, Narcissa começou a fazer-se clara. - Suas Majestades, o rei e a rainha, decidiram que fazia sentido incluir-me na decisão de sua sentença… O Ministro da Magia entende que, como a guerra acabou, devemos dar um destino a todos os prisioneiros de guerra, e Suas Majestades estão de acordo. Está na hora de deixar no passado o que pertence a ele, incluindo você, Lucius.
O corpo do ex-marido, então, enrijeceu-se por completo. Desde que ela pisara naquela masmorra, ele não fizera nada além de tentar humilhar-lhe e colocá-la para baixo e, naquele momento, ela era vitoriosa de formas que nunca pensou ser. Ainda não havia decidido o que faria com ele, mas apenas aquele momento lhe parecia o suficiente. Lucius a temia, por um segundo que fosse, por mais que claramente nunca tivesse conseguido seu respeito.
- Incluir-te? - ele, por fim, perguntou, tentando mascarar o próprio desconforto. - Até que ponto, se eu puder perguntar, eles a incluíram?
Narcissa, pela primeira vez naquela ocasião, ficou próxima o suficiente para olhar dentro dos olhos cinzentos de Lucius, - Lembra quando eu lhe disse que minha irmã tem brinquedos mais interessantes, hoje em dia? - ele assentiu. - O Lorde das Trevas, então, nem se fala… e alguém tinha que decidir o destino de um pobre ex-Comensal da Morte esquecido pela realeza em meio a tempos de felicidade.
- E você estava lá…
- Pronta para servir… - ela sorriu, e tirou uma mecha de cabelo do rosto de Lucius, - E com uma carta branca.
Passar o dia ao lado dele, depois de todos aqueles meses, da dor e do sofrimento, era quase como uma experiência surreal para Bellatrix, que mal havia se acostumado à separação. Ele fora extremamente agradável, como se portava sempre naqueles últimos meses, e quase encantador demais para quem era. Bellatrix não era tola, e sabia dos planos dele de reconquistá-la e trazê-la de volta. Contudo, ela não podia evitar. Deixar-se acreditar, deixar-se sonhar era irresistível demais.
O dia fora baseado em coisas muito mais triviais do que as profundas conversas da manhã, e em certo momento eles se juntaram a Melinda e Pandora, fazendo-a sentir-se mais em casa do que se importaria em admitir. A filha não lhes fizera perguntas, a exemplo de todos na Mansão, que pareciam perfeitamente confortáveis com a presença da Duquesa, mesmo que ela não demonstrasse pretensões de partir.
Ela se lembrara, é claro, da necessidade de partir, mas sem nunca conseguir convencer-se, deixando-se frequentemente ser seduzida pelo próximo assunto ou livro que ele a mostrava. Àquele ponto, no fim da tarde, ele a convidara para o escritório, com uma expressão muitíssimo mais séria do que a que usara o dia todo.
- Milorde, algo aconteceu? - Bellatrix perguntou, sentando-se na cadeira que ele indicara.
- Não… - ele respondeu, frustrado, e jogou-se na própria cadeira, com o corpo e expressão tensos. - E este é o problema. Eu esperava respostas, hoje ainda, para te dar, e não as tenho, Vossa Graça.
- Voltamos ao ‘Vossa Graça’? - ela perguntou, com um sorriso. - O que aconteceu com ‘Bella’? Deve ser realmente sério… - Bellatrix poderia jurar que arrancara um início de sorriso dele. - O que não aconteceu, majestade?
Voldemort ajeitou-se na cadeira, e suspirou incomodado, fazendo-a questionar ainda mais o que podia ou não ter acontecido. - Katherine Parkinson, - ele finalmente falou, e Bellatrix imediatamente franziu o cenho. - Desde os acontecimentos, eu coloquei um preço, um alto preço na cabeça daquela mulher, e ainda não a encontraram… Bella, é ridículo, eu sei, eu nunca fui incapaz de encontrar alguém, mas nem mesmo consigo rastrear a Marca Negra dela, e isso só pode significar duas coisas.
- Ela está morta, ou arrancou a própria marca… isso é sequer possível? A Marca está queimada em todos nós! - Bellatrix tocou a própria marca, de forma quase absente.
- Em teoria, sim, seria… terrível, para dizer o mínimo, mas creio que ela entende que nada será tão doloroso do que quando eu colocar minhas mãos nela. - o punho dele se fechou, e Bellatrix não conseguiu sentir-se exatamente confortável com todo o ódio que ouvira na voz dele, pois lhe trazia lembranças que queria apenas esquecer. Ela queria, mais do que tudo, focar-se no fato de que ele se referia à pessoa que ela mais odiara na vida, e que tentara lhe matar, mas… ela ouvira aquele tom de voz antes, dirigido a si, e seus olhos enchiam-se de lágrimas em um segundo ao lembrar-se.
- Bella, - a mão dele tocou a sua, e Bellatrix afastou-se do toque em reflexo, - Perdoe-me, eu não quis assustá-la, ou… - ele lambeu os lábios finos, - Lembrá-la. - a morena fitou o próprio colo, enquanto o desconfortável silêncio reinou. - É só que… não encontrá-la, é o último fio solto. Eu não a quero por aí, Bella, eu quero aquela mulher morta, para que nunca mais possa encostar em sequer um fio de cabelo seu. Eu fiz uma promessa de te proteger, e eu vou. - Voldemort levantou-se, e circundou a mesa, para ajoelhar-se à frente dela, que deixou de olhar para o próprio colo e o encarou. As mãos do homem seguraram firmemente as dela. - E se eu precisar revirar esse mundo de ponta cabeça apenas para te entregar a cabeça daquela maldita mulher numa bandeja de prata, assim será. - uma das mãos dele tocou o rosto da bruxa, que relaxou na direção do toque e assentiu, com um fraco sorriso.
- Eu sei que vai… e me faz sentir segura, porque, por mais que eu não tema Katherine Parkinson, eu sei que devo temer o fato de que aquela mulher não tem nada a perder. Ela conseguiu me atingir uma vez, e não posso me dar ao luxo de deixar acontecer de novo. Saber que tenho seu apoio…
- Sempre terá meu apoio, Bella, e todo o suporte para o que quer que precisar. - o polegar dele acariciou a pele macia do rosto de Bellatrix, que deixou os olhos fecharem, até que ouviram uma batida na porta, e ele se afastou, rolando os olhos, para colocar-se novamente de pé e ordenar que entrassem.
Surpreendentemente, era Melinda que havia batido na porta. Voldemort mentalmente xingou a filha pela interrupção, tendo a certeza de que ela o ouvira, através da própria Legilimência, ao ver a expressão mau humorada que ela ostentava ao entrar na sala. As mãos da jovem agarravam uma carta fortemente, e ela parecia tensa demais para estar entrando ali por motivos banais.
- Majestade, vossa graça - ela se curvou brevemente ao pai e direcionou um aceno de cabeça à mãe, e se aproximou de ambos. - Peço desculpas pela abrupta interrupção. - Voldemort a direcionou um olhar fulminante, mas sabia que de certa forma não escaparia daquela alfinetada. - Mas recebemos uma coruja urgente da Mansão Malfoy, mais especificamente da Tia Narcissa. Com os últimos acontecimentos, imaginei que não podia esperar. É direcionada a você, minha mãe.
Bellatrix levantou-se e rapidamente andou até onde a filha se encontrava, tirando o pergaminho de suas mãos, e rasgando o selo em segundos. O que diabos teria Narcissa feito que demandava assim tanta urgência? Aquele era apenas o primeiro dia da semana que lhe havia sido dada, teria a irmã se precipitado e feito alguma besteira? Ela sinceramente esperava que não, ou se sentiria na obrigação de esganar Narcissa.
De todas as coisas que Narcissa podia ter feito, o que estava escrito naquela carta era de longe a última coisa que Bellatrix esperava ler. Voldemort e Melinda eram ambos Legilimentes, mas o silêncio dos dois lhe mostrava o quão respeitosos estavam sendo de sua privacidade - bem, em algum momento eles precisavam ser.
- Mãe?
- Ela visitou Lucius na masmorra. - aquilo pareceu captar a atenção de Voldemort, que se aproximou lentamente.
- E?
- Não é como se ela o tivesse libertado ou algo do tipo, mas… digamos que Narcissa sentiu-se com vontade de tripudiar, usando não somente a própria vida, como a vida alheia… - Bellatrix amassou a carta, e deu uma risada amargurada, que serviu apenas para confundir os outros dois ainda mais. A bruxa se aproximou de Voldemort, e arrumou a lapela de suas vestes, antes de lamber os lábios e completar: - Para punir o marido, e provavelmente como uma pequena vingança contra mim por tê-la colocado nessa situação, imagino eu, ela disse a Lucius que eu havia voltado para o Reino Unido… e que era sua rainha.
- Você fez o quê? - Rodolphus deixou o queixo cair, e caiu na gargalhada, assim que Narcissa lhe contou o motivo da coruja desesperada que havia enviado. - Cissy… me diz que você não fez isso! A sua irmã vai--
- Me matar, eu sei. - Narcissa serviu uma dose de uísque de fogo para si mesma, sentindo as mãos tremerem mais do que era digno. - Eu surtei, preciso admitir, eu queria… eu queria ferí-lo, por mais que me incomode admitir, e eu sabiaque nada o faria mais feliz do que saber que ela estava infeliz, longe… eu perdi o controle, não podia deixá-lo ter tal vitória.
- Ah, acredite, essa parte eu entendi. O que não me entra na cabeça é porque você arriscaria seu pescoço desse jeito… mas foi genial de qualquer forma. - Rodolphus riu novamente, fazendo com que Narcissa revirasse os olhos. - Estou falando sério! - o homem se aproximou da loira, e tocou o copo de uísque no dela. - Quando você foi visitá-lo, lá embaixo, eu tive um receio…
Rodolphus engoliu seco, e fitou os próprios sapatos por um segundo, antes de voltar a encará-la. Narcissa parecia satisfeita, mas também extremamente cansada, por mais triunfante que ela estivesse, ele sabia o quão difícil fora a visita.
- De que Lucius me magoasse… - Narcissa completou, não parecendo incomodada com a proximidade agora presente entre ela e Rodolphus. - Bom… ele já me magoou tudo o que podia, imagino que essa foi a minha vez. Não que ele não tenha tentado, é claro. - Narcissa bebeu o resto do uísque e suspirou cansada. - Humilhar-me, para ele, é um esporte.
- O que mostra somente o tolo que ele é… mal sabendo que estava em suas mãos. - Rodolphus observou, por um instante que fosse, os traços do rosto dela, suaves e fortes ao mesmo tempo, a forma como os cabelos loiros captavam a luz. Não que ele não tivesse notado anteriormente a beleza dela, tão reminiscente dos Black e, ao mesmo tempo, tão diferente… de uma suavidade que não combinava com aquela Narcissa forte que ele via da forma mais interessante possível. - Lucius Malfoy pode achar que estava tratando com uma boneca de porcelana, mas você é tão mais que…
- Está até orgulhoso? - ela sorriu brincalhona, dando de ombros. - Não precisa ficar com vergonha, Bellatrix diria o mesmo… o Lorde das Trevas também, e possivelmente Melinda e meu filho. Todos esperaram anos para me ver cair para as trevas totalmente, e aqui estamos nós.
- Ninguém cai totalmente para as trevas e, de onde eu estou vendo, sua luz está só queimando mais forte. - Narcissa não resistiu ao impulso de sorrir ainda mais, sentindo-se confortável com Rodolphus como não sentia-se havia meses.
- Obrigada. - ela respondeu, com a voz calma e baixa, como se algo ali não pudesse ser perturbado. - Eu ainda não decidi o que farei, não totalmente… mas hoje, após dizer a ele que eu seria a responsável por decidir, fiquei ainda mais certa de que não posso deixá-lo ir. Por mais que me temesse, ele fingia não o fazer, e somente o olhar dele me fez perceber que, na menor oportunidade, ele viria acabaria com a felicidade de todos nós… Lucius nunca deixará de ser essa pessoa, Rodolphus, e todos nós merecemos não olhar por cima do ombro o tempo todo. Posso matá-lo, ou obliviá-lo, ou… Eu não sei o que fazer. Eu o odeio, percebi isso hoje…
- Mas não sabe se está pronta para mandar um homem para a morte. - Rodolphus sussurrou, com um sorriso. - Se eu puder te contar um segredo, você saberá o que fazer assim que estiver pronta, acredite. A primeira vez, ela nunca é fácil… mas quando a decisão estiver tomada… - ele deu de ombros. - Você saberá. Se não tiver certeza de que ver Lucius morto é o que você quer, não o faça. Dane-se Bellatrix e o Lorde das Trevas, eles te deram a decisão para tomar… e não há uma resposta certa nesse caso.
Narcissa não o agradeceu imediatamente, fitando o copo em suas mãos por um momento. A pressão era enorme, ela não tinha certeza até que ponto queria ser forte e fria como o homem à sua frente ou como sua irmã, mas aquela visita à masmorra lhe deu um novo começo. Por alguma razão, ela sentia como se sua vida fosse se definir entre antes e depois daquele dia, e suas decisões pautariam a pessoa que ela queria e devia se tornar. De algo ela tinha certeza, a Narcissa do passado não teria qualquer papel neste futuro.
- Obrigada. - ela finalmente disse, as lágrimas enchendo seus olhos. - Você… não precisava estar aqui, não precisava me ajudar, e mesmo assim está perdendo seu tempo comigo --
Os dedos de Rodolphus tocaram os lábios de Narcissa, para calá-la, enquanto ele negava com a cabeça. Ajudá-la podia não ser sua obrigação, mas lhe era um prazer, e de longe qualquer coisa que não um incômodo. - Cissy, se você falar assim mais uma vez na sua vida, eu juro que nem sei o que faço. Como você pode pensar que me incomoda? Eu não estaria aqui se fosse o caso, tudo o que eu quero é que você saia disso tudo o menos traumatizada possível… ainda somos família, mais ou menos, não?
- Mais ou menos… - quando Narcissa respondeu, Rodolphus já estava próximo demais, atraído a ela como que por uma força magnética. Algo na mente de Narcissa lhe dizia que aquilo estava estranho, que não deviam estar tão próximos, que eles eram ‘mais ou menos família’, que ele era ex-marido de sua irmã, e que ela estava em uma situação muito complicada naquele momento de sua vida e, definitivamente, não precisava adicionar mais uma variável à equação, mas… quando o toque dele passou de seus lábios para sua nuca, e o perfume do ex-cunhado alcançou seu olfato, ela soube que sua mente não seria poderosa o suficiente para pará-la, não naquele momento. Os olhos de Narissa estavam fechados antes mesmo de seus lábios tocarem os de Rodolphus, ajudando a trancar todos os possíveis arrependimentos no fundo de sua mente.
Rodolphus esperava que ela fosse rejeitá-lo, afastar-se, e impressionou-se com a entrega tão imediata da parte dela. Sua mente gritava que ela estava frágil, e que não era o momento, mas ele não suportava ficar mais um segundo naquela situação sem beijá-la, não era forte o suficiente, e a aceitação por parte da loira apenas piorou uma causa já há muito perdida. Sua mão livre circundou a fina cintura de Narcissa, acabando com o espaço entre os dois, enquanto ela abria os lábios sob os dele, dando-lhe espaço para aprofundar o beijo.
As delicadas mãos da bruxa encontraram o ombro e cabelo dele, tocando-o com delicadeza, e uma sombra de incerteza que era tão lógica que chegava a ser doloroso. Ela teria receios, todos eles, com razão, devido a tudo que ela passara, e Rodolphus não podia culpá-la. Contudo, tê-la em seus braços parecia o suficiente, pelo menos por enquanto. Parecia não, erao suficiente.
Os dedos pálidos dos dois bruxos presentes na sala contrastavam imensamente com a rubra taça de vinho tinto que seguravam; o jantar fora, para dizer o mínimo, desconfortável.Melinda e Draco escolheram sabiamente jantar sozinhos no quarto da princesa, o que significara para Voldemort e Bellatrix uma hora de silêncio.
- Vamos mesmo encarar nossas taças sem dizer uma palavra pelo resto da noite? - ele perguntou, alguns minutos depois do fim do jantar, enquanto estavam sentados na sala de estar, segurando as taças de um vinho que mal havia sido tocado. - Não é como se eu tivesse ordenado que sua irmã dissesse um absurdo desses a Lucius.
Pelo o que parecera a primeira vez nas últimas duas horas, Bellatrix levantou o rosto para olhá-lo diretamente e lambeu os lábios algumas vezes, buscando palavras que se negavam a vir. - Não é que… - ela finalmente falou, resistindo ao impulso de voltar a encarar o líquido vermelho em sua taça. - Não é que eu te culpe, pelo menos não diretamente, pela falta de noção de minha irmã.
- ‘Não diretamente’... - Voldemort repetiu, soltando uma risada incrédula, que a fez fechar os olhos e suspirar.
- Ela sabe que isso tudo, esse cenário que ela criou, é o pior pesadelo de Lucius, e todos nós podemos concordar com isso, mas ao mesmo tempo... Ela sabe o quanto esse cenário me machuca, nos machuca. De formas diferentes, é o nosso maior sonho e maior pesadelo, e nos colocar no meio disso, logo agora que estávamos nos entendendo… - a bruxa deixou de falar por um segundo, reorganizando os pensamentos dentro da própria cabeça. - É irresponsável e completamente egoísta.
- Ainda não vejo como sou indiretamente responsável por isso. Por mais que gostem de espalhar rumores por aí, não controlo as mentes de meus Comensais. De onde eu vejo, sou tão vítima desse absurdo quanto você, e ainda sim… Agora, você me olha como culpado.
- O que de fato me irrita em relação a você, milorde, não é o ato em si, pois disso não tem culpa alguma, é como reagiuao que aconteceu. - Bellatrix esclareceu, soando extremamente incomodada. - É como se achasse esse absurdo todo engraçado, de certa forma, ou foi a impressão que me passou no escritório. O que fazemos, caso Lucius seja inocentado por Narcissa e liberado? Onde fica nossa credibilidade? Ou serei forçada a me tornar rainha por conta de uma sentença idiota? Será que Narcissa pensa que essa é uma forma de vingança? Forçar-me a voltar para aterrorizar Lucius, ao custo de minha própria paz e liberdade? Nós demos uma carta branca a ela… só não imaginei que ela a usaria dessa forma! Então, milorde, perdoe-me se não vejo graça alguma nessa situação toda.
Voldemort a encarou calado por alguns segundos, os dedos finos apertando a taça de cristal com muito mais força do que seria recomendado, ou mesmo esperado dele. Uma parte do bruxo queria poder se irritar, mostrar a ela o quanto aquela ideia era ofensiva, considerar que ele permitiria um absurdo daqueles era demais, até mesmo para ela; a outra parte, a sensata, lhe dizia que explodir era a pior coisa que podia fazer, considerando-se o histórico dos dois. O que ele fez, então, foi o que conseguiu para equilibrar os dois lados. - Nem mesmo eu te quero tanto assim, Bella, para aceitar que estivesse a meu lado obrigada por uma sentença. Não se preocupe, eu teria minha credibilidade junto aos Comensais quebrada mil vezes antes disso, antes de ter que aguentar uma esposa que me desprezasse… - ele se levantou da poltrona e andou até a janela, fazendo seu melhor para controlar a raiva que sentia subir por seu corpo. - O poder de sua irmã tem limites, portanto, se ela de fato deixar Lucius ir… nós o obliviaremos, e você poderá voltar para seu esconderijo na França sem qualquer preocupação ou coroa compulsória, minha cara. O fato de que eu sequer considerei esse tipo de cenário somente nos diz o quão absurdoele é, completamente fruto do seu medo, que é completamente infundado neste caso.
- Não quis ofendê-lo, milorde…
- Acha mesmo que, se eu fosse obrigá-la a algo, ou deixar que a obrigassem, estaríamos aqui agora? - Voldemort riu-se. - Ou que, com todo o histórico de sua vida, das nossasvidas, tomaria parte em algo do tipo? Poupe-me de ‘não quis ofendê-lo, milorde’, pois não muda o fato de que o fez.
Mesmo com a distância, Voldemort pode ouvir a mudança na respiração dela, que aparentemente reconhecera que estava falando sandices sem tamanho, e em seguida percebeu sua aproximação, lenta e incerta. Em algum momento, ele sentiu o suave toque da bruxa em seu ombro, tão incerto quanto seus passos haviam sido. - Peço desculpas, milorde… deixei-me levar por meus medos, e esqueci-me de com quem eu falava, de quem nós somos. É evidente que nunca quebraria uma promessa de décadas, apenas por causa de Narcissa, me perdoe.
Voldemort não respondeu, deixando a cabeça pender até que sua testa encostasse na janela à sua frente. Ele queria, como sempre, saber as palavras certas, não deixar a própria raiva o controlar, mas era extremamente difícil. Principalmente porque não havia nada que ela pudesse fazer que ele não perdoaria em segundos. Essa era a diferença fundamental entre os dois, naquele ponto de suas vidas, pois ela não dividia esta mesma capacidade de perdão - não totalmente sem razão, é claro.
- Dias como hoje, - ele começou, ouvindo o suspiro aliviado da mulher atrás de si. - Fazem-me esquecer a situação instável em que estamos, e momentos como esse são uma abrupta lembrança de como nossa paz é delicada. - Voldemort girou nos calcanhares para encará-la, e ver os olhos marejados de Bellatrix não exatamente o ajudou a lidar com a presente situação. - E o quão cuidadoso eu preciso ser…
- Mais do que tem sido, desde que tudo aconteceu? - Bellatrix sorriu, - Talvez seja a minha vez de tomar menoscuidado, de ler menos através de coisas perfeitamente inocentes… como um ducado, ou um título, ou um simples convite para visitá-lo… - a mão da bruxa encontrou a dele, e deixou os dedos se entrelaçarem, como numa homenagem a um passado não tão distante. - Se não sou capaz de conviver em paz com meu mestre… que tipo de seguidora sou eu? Uma indigna de se chamar de Comensal da Morte…
- É quase assustador como você soa como a Bellatrix do passado, aquela que marquei há décadas… e, mesmo assim, consigo ver a diferença…
- Em minha mente, suponho…
- Pensei que tinha me pedido para entrar nela o menos possível? Geralmente não consigo evitar, mas dessa vez… são os seus olhos, eles não tem mais a mesma cega devoção de antes… - os olhos de Bellatrix imediatamente abaixaram-se, e ela fitou o chão por um segundo, quase envergonhada. Voldemort colocou a taça de vinho em um móvel próximo, imaginando que teria deixado-a cair no chão se fosse necessário, e segurou o queixo da bruxa, fazendo-a encará-lo novamente.
- Acredito que me expressei mal. - Voldemort sussurrou, com um tom calmo que ela ouvira pouquíssimas vezes em sua vida. - Não disse com a intenção de repreendê-la, minha cara, muito pelo contrário… Os Comensais da Morte tem, não sei se foi informada, um novo esporte relacionado a nós dois. Eles apostam as mais variadas coisas, mas a preferida deles é a data de seu retorno, quando se tornará a rainha que eles desejam que seja. É quase engraçado como eles parecem querer te ver no trono quase tanto como eu te quero de volta… E a razão para isso é que eles também não veem mais essa devoção absoluta em você, eles sabem tanto quanto eu que se tem uma mulher nesse reino que consegue me ver além do homem e do mestre, é você. Hojeessa é você, Bella, e… Por mais que o excesso de elogios fosse interessante, - ela riu por um momento. - sei que atualmente seriam muito mais sinceros. Não porque estivesse me bajulando antes, mas porque hoje vê também minhas falhas, de forma que nenhum outro tem a coragem de fazer. E, após todas as nossas desavenças, você se tornou incapazde ignorá-las. Ninguém neste reino quer uma consorte de enfeite, minha cara, nem mesmo o povo.
- Eu sinto desapontar a todos, mas a realidade, e talvez uma das razões pelas quais me irritei tanto com minha irmã, é que eu não saberia a primeira parte de como ser uma rainha. Posso ser essa pessoa que o vê de forma clara, e que tem uma certa coragem de falar, mais do que deveria para minha própria saúde… mas é isso. Nem mesmo sei se posso, após tudo o que acabou de me dizer e tudo o que aconteceu nos últimos meses, me gabar de minha lealdade e fidelidade como sempre fiz… Chocante, não é? Eu ser a pessoa que levanta essa questão…
- O que mostra apenas que está na hora de deixar o vinho de lado. Lealdade e fidelidade passam longe de fé cega, Bella, e sua ida para a França, como você mesma chegou a apontar se não estou enganado, é apenas mais uma prova disso. Ver-me claramente como agora te assusta, assusta a Bella Comensal… o suficiente para afastá-la, mas não muda nada, pelo menos para mim, e para todos os outros Comensais. De odiada a aclamada tão rápido, devo parabenizá-la. - ele sorriu, com uma sinceridade que era rara, mesmo naqueles dias.
- Aparentemente, tudo o que é necessário é uma mudança de país…
- Sabe muito bem que não foi isso, você me salvou, e salvou a todos nós no processo… provou a todos eles que era muito mais do que uma colega esnobe que os odiava e dormia comigo. A verdade, Bellatrix, é que você dizer que não saberia a primeira coisa sobre ser rainha é uma tolice sem tamanho, porque os Comensais a querem como rainha porque você os reina há muito mais tempo do que qualquer um de nós dois teria coragem de admitir. Você eraa rainha deles, e eles simplesmente a querem de volta…
Bellatrix, que parecia ter se recuperado das lágrimas anteriores, não foi capaz de evitar que novas enchessem os olhos verdes, com uma velocidade que a envergonhava. No fundo, ela sabia que ele estava dolorosamente certo, mas admitir era ainda mais complicado, e ela conseguiu apenas soltar a mão da dele e se afastar, virando de costas para ele. Voldemort, contudo, não precisava vê-la para saber o que estava acontecendo, pois os pensamentos dela eram tão altos que não era capaz de ignorá-los. A verdade podia ser desconcertante, principalmente quando não se quer enxergá-la, e quando se é tão teimoso quanto eles podiam ser.
- Mesmo assim… Não é a mesma coisa de antes, quando éramos nós e os Comensais… Agora tem tudo isso, e o Ministério, e toda a oficialidade… Fui aristocrata, mas nunca nobre, muito menos realeza, não importa o que os Black gostassem de dizer. - Voldemort notara a tentativa de desviar o assunto, e decidiu seguir como ela preferia. Tudo o que ele precisava dizer havia dito, e voltar a uma discussão seria contraprodutivo.
- Eu discordo, e claramente sua irmã também…
A provocação causara o efeito desejado, porque no segundo seguinte ela girou nos calcanhares para encará-lo, com a expressão mais ofendida que ele já presenciara. Bellatrix parecia não acreditar nos próprios ouvidos, e que ele trataria o assunto que os fizera brigar momentos antes de forma tão leviana. O clima, no entanto, já havia se estabilizado, por mais que a alfinetada pudesse tê-la incomodado, e qualquer dano não devia ser permanente.
- Rude! - ela tentou parecer irritada, mas um começo de sorriso a denunciava. - Completamente rude e desnecessário!
- Então por que está rindo?
- Eu não estou rindo! - ela respondeu, furiosamente tentando esconder o sorriso.
- Sou um pouco novo com isso tudo de sentimentos, mas ainda posso ler mentes…
- Minha privacidade era tão importante momentos atrás…
- Momentos atrás seus pensamentos não estavam tão altos, não é minha culpa que está gritando dentro da sua cabeça… - Voldemort cruzou os braços, e jurou que em segundos ela o estapearia, mas ela parecia contida demais até para aquilo. - Mas… se essa coisa de rainha te incomoda tanto, acho que podemos resolver de forma simples.
Bellatrix cerrou os olhos, desconfiada. Ele estava tramando algo, isso lhe era óbvio, mas ela não conseguia entender o que era exatamente. - E como propõe que façamos isso, majestade?
- É muitíssimo mais simples do que parece. Se acha mesmo que estamos alucinando, e que não saberia por onde sequer começar, prove que estamos errados… Fique no Reino Unido, e seja minha rainha. - a única resposta imediata que Bellatrix conseguiu dar àquilo fora uma risada, alta e quase desesperada. Nem mesmo ela conseguia acreditar que ele seria assim tão direto.
- Simples, foi o que disse? Passamos os últimos três meses discutindo como isso não seria simples, milorde. - ela respondeu, quando foi capaz de parar de rir.
- Por favor, Bella, se estivesse te pedindo em casamento não seria assim. Quem a ouve acha até que não me conhece… Seria grandioso, no mínimo. - ele rolou os olhos, e ela franziu o cenho, ainda mais confusa do que segundos antes. - Temos seis dias até que Narcissa nos comunique da sentença de Lucius, e é mais do que bem vinda para ficar na Mansão até que isso aconteça, se assim o quiser. Acho apenas que podemos transformar sua estadia aqui em algo mais educativo. Quando eu lhe disse para se tornar minha rainha, quis dizer por este pequeno período, os dias que faltam até que possamos nos livrar dessa mentira…
- O que está propondo? Quais são exatamente os termos disso? Tenho a terrível sensação de que não vou gostar do que vou ouvir, e mesmo assim estou tentada a ouvir. - Bellatrix estava muito mais tentada pela proposta do que gostaria de admitir, algo naquilo a divertia.
- O que posso ter feito para que me julgasse tão mal? - ele perguntou, fingindo estar ofendido. - O que eu proponho é exatamente o que você ouviu: Seja minha rainha, por uma semana. Assuma todos os deveres oficiais, e mostre a todos nós o quão iludidos estamos… Sem pegadinhas, só isso.
- Sua rainha, você diz… e como exatamente faríamos isso? - Bellatrix levantou a sobrancelha, incapaz de não sorrir.
- Não podemos nos casar e divorciar na mesma semana, seria extremamente injusto com todos a nosso redor. Então, para tornar tudo oficial, digamos que eu posso viajar para a Albânia, já que ainda não fui a todos os países, na realidade a nenhum fora do Reino Unido, desde a coroação. E levar Melinda comigo, é claro. Ela gostaria de um tempo longe das câmeras de Rita Skeeter, imagino…
- Num caso desses, em sua ausência, e sem Melinda, precisaríamos de um Regente…
- E seria meu dever apontá-lo. É claro que a única pessoa em que confiaria este cargo seria você, então não devemos ter problemas. Ah, e por Albânia eu quero dizer os andares superiores da Mansão Slytherin. - ele piscou, e Bellatrix deixou-se rir. - Meus livros não são abertos há meses, então não estarei exatamente desconfortável.
- Quem diria que vossa majestade me entregaria o poder assim de tão bom grado?
- Oh, mas é exatamente por isso que estarei a poucos metros… não gosta de dizer que é tão incapaz para o trabalho, que não durará um dia? Talvez eu precise encurtar minha viagem… Espero que não, mas nunca se sabe. - Ele deu de ombros, e Bellatrix tentou não revirar os olhos com a provocação. Ela haviaprocurado, afinal de contas. - Quanto a suas acomodações, pode manter-se em meu quarto, se preferir. Ele éo quarto do monarca.
- Não pode simplesmente dormir no escritório por uma semana, milorde, é um absurdo… insisto que permaneça nele, acharei outras acomodações…
- Sou eu quem insiste, afinal sou a pessoa se escondendo… e você será a minha rainha, não é mesmo? Aquele seria o seu quarto, como sempre foi, de qualquer jeito…
- Exceto que… com o que me propõe, milorde, não serei sua rainha, serei umarainha, se muito além de sua regente. Para ser sua rainha, eu teria que, bem… Ser também sua esposa… o que não é o caso, e faz com que a experiência seja um pouco diferente.
- Imagino que, devido a nossas circunstâncias, essa é a experiência mais fiel à realidade que posso lhe oferecer… a não ser que esteja disposta a mais, é claro, neste caso estarei na biblioteca.
Voldemort não acharia, em seus maiores sonhos, que veria Bellatrix Lestrange corar tão rapidamente. Ela sempre fora a mulher mais direta, decidida, e segura de si que conhecera, e mesmo assim… ela não conseguira esconder o quão afetada ficara ao ouvir o que ele disse. Era quase divertido vê-la daquela forma, e por quase ele queria dizer completamente.
- Milorde, eu…
- Não se perturbe, Bellatrix, era apenas uma brincadeira… E, mesmo que ela tenha um fundo de verdade e talvezseja uma proposta válida, sabe muito bem que não vou encostar em um fio de cabelo seu, por mais que esteja brincando de minha rainha. - ele deu um passo na direção da bruxa, que pareceu engolir seco e respirar com mais dificuldade. - Não até que você me implorepara fazê-lo, é claro. Parece a decisão certa, com toda a instabilidade entre nós…
- Implorar? Eu?
- De volta ao ponto, apenas para esclarecimentos, a experiência de rainha não inclui o rei… pode ficar sossegada. Agora que os termos estão claros: Bellatrix Lestrange, você aceitaria ser minha rainha esta semana? - ele lhe estendeu a mão, e ela observou o movimento com cuidado, deixando que seu corpo e seus olhos respondessem muito antes de seus lábios.
- Uma rainha, - ela respondeu, aceitando a mão que lhe fora estendida. - Já que estamos falando de uma experiência sem o rei, como tão eloquentemente colocou segundos atrás.
Voldemort rolou os olhos e suspirou cansado com aquilo que, claramente, fora uma provação. Bellatrix queria alfinetá-lo por razões que até mesmo ele desconhecia, mas ele teria de se conformar com a insolência dela. - Tecnicamente, sou eu quem a estou coroando, então continua sendo minha rainha, mas… Se quer tanto se atentar aos detalhes, preciso corrigi-la do mesmo jeito. Você não será uma rainha, pois este reino não tem várias, você será a rainha.
Algo no rosto dela mudou no momento em que ela ouviu as palavras de Voldemort, um certo orgulho transparecendo, por mais que ela tão desesperadamente tentasse esconder. Bellatrix não admitiria para ninguém, e toda sua Oclumência tentava privá-lo daquele conhecimento, o quão intrigada estava com aquele pequeno desafio, e com o fato de que ele fizera aquela proposta. Entregar-lhe o poder de bom grado, o que estaria Voldemort planejando? Por mais que não tivesse resposta para metade de suas perguntas, a ideia de governar era sedutora demais. Ela sempre adorara poder, o que não era novidade para ninguém - e chocara a todos quando ela recusara a coroa real - e ter acesso àquilo sem qualquer compromisso, por apenas um pequeno período, era quase um sonho. “Por mais que sem o rei.”, algo bem no fundo de sua mente dizia, e Bellatrix escolheu ignorar.
- A rainha…
- Isso é um sim, vossa graça? Posso providenciar a papelada?
- Sim, majestade. Eu aceito sua proposta.
Voldemort beijou o dorso da mão dela, não conseguindo esconder o sorriso que se formava. Era quase óbvio que ela não conseguiria resistir a uma proposta daquelas, não em se tratando de uma mulher que amava poder quase tanto quanto ele. Aquela semana seria muito mais interessante do que ele havia previsto, e o bruxo mal podia esperar pelos desdobramentos daquela curiosa proposta. - Assim sendo… Vida longa à rainha.
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