O veneno que eu tomo



Alya levou um copo de suco de abacaxi com hortelã aos lábios. Sentindo o gosto do suco, abaixou o copo e procurou uma torrada, sempre olhando fixamente para um garoto alto, corpulento e com aparência forte. Mel sabia que ele não gostava que o encarassem. Deu um sorriso de deboche e continuou a encará-lo. Às vezes fazia alguns gestos ou ria para demonstrar desdém. O garoto levantou a voz e, estalando os dedos, disse:

— Que foi, garota? Perdeu alguma coisa? - Perguntou, demonstrando a raiva já característica. Ele sempre estava bravo.

Alya apenas lançou-lhe outro sorriso superior e esperou que ele explodisse. Não demorou muito, ele logo avançou para a mesa dela e sussurrou, ameaçando-a. — Não se meta comigo, garoto... Você não sabe o que faz... — Alya sorriu. Estava chegando no ponto que queria. Ela afastou a torrada dos lábios e murmurou, ainda mantendo os olhos fixos nele.

— Acho que sei muito bem o que faço. – ela levantou-se, com um sorriso gelado e calmo, e foi atingida por um soco. A sua face banhou-se em sangue, seu nariz estava claramente quebrado. A multidão logo se formou, gritando por mais dor.

Alya não reagiu, apenas sentiu os punhos do garoto a batendo, quase implorando por mais. Logo afastaram os dois, Alya se levantou e cambaleou. Todos perguntavam se ela estava bem, a paparicando e abraçando. Eu podia sentir que ela estava quase tonta de tanta atenção.


-


Eu tremi involuntariamente ao conhecer o Dr. Volan. Ele era completamente rústico e dono de um olhar penetrante e perturbador. Diziam que ele era um gênio e que estava entre os melhores médicos do mundo, mas olhar pra ele me lembrou estranhamente o Dr. House. E isso me perturbou mais ainda.

- O que você é desta garota? - ele perguntou sem se apresentar formalmente. Seu tom foi tão assustador que eu gaguejei pra responder:

- Sou Lyra. Alya é minha irmã caçula adotiva, então pode dar o diagnóstico dela a mim.

O médico me lançou um olhar avaliativo, aparentemente decidindo se iria me dizer algo ou não. No fim, ele acabou suspirando e tirou os óculos para olhar diretamente pra mim e num gesto surpreendentemente gentil, ele pousou uma das mãos no meu ombro:

- Alya possui a Síndrome de Munchausen, Lyra. - ele sussurrou calmamente - É uma doença psiquiátrica muito rara, em que o paciente provoca compulsivamente sintomas de doenças,  a fim de obter cuidados médicos. - ele explicou, de forma clara e objetiva.

Senti meu estômago revirar em desconforto e minha cabeça começou a doer.

- Então... - eu tentei raciocinar rapidamente - Melissa é hipocondríaca? - eu perguntei horrorizada.

- Não. - o médico balançou a cabeça pacientemente - Entenda, Lyra... Pacientes hipocondríacos acreditam realmente que estão doentes. Já pacientes que possuem a Síndrome de Munchausen sabem que estão exagerando. Eles tem perfeita consciencia de que estão saudáveis, mas provocam as doenças de propósito porque sentem prazer em ter cuidados médicos.

Eu abri a boca, diante de milhares de perguntas que assolavam a minha mente. Mas o que me assombrava mais era ver o rosto transfigurado de Alya na minha cabeça. Ela mesma havia provocado aquilo, por prazer?

- Mas... Alya pode se machucar seriamente com isso, não pode? - a minha voz subiu duas oitavas quando me dei conta - Essa Síndrome... Ela tem cura, não tem?

- É uma doença patológica. Uma doença de difícil tratamento, porque precisa de uma medicação específica em horários muito exigentes e acompanhamento psiquiátrico. Com o tempo, Alya vai melhorar. Mas não se curar.

Eu me sentei naquela cadeira dura e desconfortável no corredor do hospital, me sentindo tão impotente como nunca. Eu era a Lyra! A garota perfeita: bonita, rica, popular e inteligente que todas as garotas invejavam e todos os garotos admiravam. E então, eu me descobri como era realmente: uma garota normal.

- Ela tem a mim. - eu disse ao médico, tentando parecer madura e confiante - Alya terá todo o tratamento que precisar. - eu prometi.

- Ótimo.  - o Dr. Volan respondeu, numa tentativa muito estranha de sorriso - Podem ir pra casa agora. Ela está liberada.

- Obrigado, Dr. House. - eu assenti, falando sem pensar. E logo depois arregalei os olhos e levei a mão a boca. Droga.

- O que disse? - o Dr. Volan perguntou, realmente sorrindo agora. Eu corei até a raiz dos cabelos. Maldita boca grande.

- Ah... Nada. Thau. - eu respondi, me afastando rapidamente antes que ele acabasse internando a mim no setor psiquiátrico.


-

Embalei-a como se fosse uma criança, na verdade sempre fomos isso, pessoas como nós às vezes esquecem de crescer, amadurecer tornaria fácil aceitar a loucura como fato em ambas.


Não pude mandá-la calar a boca. Sussurrei em seu ouvido, já que há muito tempo minha mãe havia perdido essa capacidade. Pessoas não podem viver sem carinho, atenção e regras, discutimos algo sobre isso quando ela ainda podia.


- Sempre vou estar com você, Alya. - eu disse a ela, tentando parecer segura e calma. Ela sorriu pra mim:

- Eu sei. Você é meu anjo da guarda. - ela riu da ideia. E então soltou uma gargalhada. - E você se assustou com o Dr. House, não foi? - ela riu ainda mais quando eu corei.

- Se ele não tivesse chegado tão de repente... - eu comecei a protestar, mas desisti. Acabei rindo, por fim.

-Tem razão. O Dr. House me assustou. - eu admiti.
Ela zombaria de mim para sempre por causa isso, mas eu acabaria me divertindo também.

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