Nossa história nunca tem um fi
Abri os olhos e escutei barulho de chuva. Suspirei, sentando-me na cama. Depois, troquei de roupa e saí para o banheiro.
Parei um instante em frente ao espelho: aquele era meu pior inimigo, o que sempre falava a verdade. Lá estava ele, mostrando a mim mesma o meu reflexo. A face que todos viam e julgavam ser eu.
Mas eu sabia que aquela garota - a do espelho - era muito diferente de mim - a verdadeira Lyra.
"Qual delas Orion pode ver quando olha pra mim?" - foi o que me perguntei enquanto riscava um O no vapor da respiração contra o vidro. Enquanto escrevia outras letras, ia pensando em tudo o que vivera até ali. Eu já não era mais a mesma. Mas será que agora eu era realmente a pessoa que queria ser?
- Não. - eu respondi a mim mesma, irritada, passando a mão no vidro e apagando o escrito.
Desci as escadas silenciosamente percebendo que estava sozinha. E quando me sentei no confortável sofá da sala, havia chego a uma conclusão: eu tinha que aprender a odiá-lo. Fechei os olhos, teria que começar por parte, por pontos.
Nós já não éramos mais crianças, e ele continuava agindo como se ainda tivesse treze anos e pudesse apenas curtir e azarar algumas garotas. Ponto negativo.
Mas nesses dias difíceis, onde nós nos escondíamos para o bem de outros e lutávamos sem certeza do que aconteceria no próximo dia, eram coisas como essas que me faziam rir, eram as piadas e o bom humor constante dele que não me deixavam desmoronar por dentro. Ponto positivo.
Eu tinha que me concentrar mais. Ele era insolente e barulhento. Por outro lado tinha os olhos mais profundos que eu já tinha visto e um dos melhores corações. Diabos! Como era difícil!
Ele era desrespeitoso... Mentira, pelo menos comigo. Se concentre Lyra. Ele era infantil. E me fazia chorar. E não conseguia manter as calças fechadas. E era tão diabolicamente lindo que me obrigada a fitá-lo. Espera, a beleza é um ponto negativo ou positivo?
Ouvi as risadas vindo do corredor. Leo e Orion haviam chego da rua animados. Mas Leo passou direto para a cozinha berrando alguma coisa inteligível.
- O que você está fazendo? - A voz dele era definitivamente um ponto negativo. Quando eu estava tentando odiá-lo.
- Tentando te odiar. - Aparentemente ele se surpreendeu. Eu também, não acredito que disse a verdade desse jeito.
- E como está indo, até agora?
- Nada bem. Não sou muito boa nisso. - E ele sorriu um sorriso fraco nos lábios, mas completo com os olhos.
- Que bom. - Eu estava fracassando e ele achando bom? Hum.
- Bom para quem? - Ele deu os ombros e saiu para o corredor, parando na porta da casa. Droga. Me esqueci o porquê de tudo isso, ia ter que começar tudo de novo. Concentração. Inspire, expire, inspire...
- Lyra, venha. - ele me chamou, segurando a porta aberta para mim.
Eu suspirei, me levantando. Deixa pra lá, eu devo ser uma péssima odiadora de qualquer maneira.
O tempo passou tão rápido. Talvez fosse porque, pela primeira vez em tantos dias, eu me sentia feliz e as horas pareciam durar apenas alguns segundos.
Quando ele me chamou para vir ao parque hoje de manhã, eu tinha certeza que ia me divertir - sempre que eu saía com Orion, embora brigasse e não aprovasse algumas brincadeiras que ele fazia, eu me divertia um bocado.
Minha relação com Orion sempre foi meio tempestuosa. Nós somos amigos há muito tempo, nos conhecemos ainda crianças, em uma das muitas reuniões chatas que famílias conhecidas costumam fazer. Quando entramos na escola, costumávamos brigar de vez em quando. E, claro, não posso esquecer das provocações.
Não peça para entender, eu também nunca entendi porque ele gostava tanto de me provocar e porque eu gostava tanto de provocá-lo. Palavras, ações, tapas, beijos, gritos... Nossa relação nunca foi de amor e ódio, como a de Ella e Leo. Sempre foi mais uma questão de provocação. Mas, como eu disse, não peça para entender...
Já anoitecia e eu estava cansada, quando paramos diante do último brinquedo, nosso bota-fora... A roda-gigante.
- Vamos logo, Lyra! - Orion saiu me arrastando, como sempre, mas dessa vez consegui fazê-lo compreender o que é uma fila e que não se pode passar por elas da maneira que ele costumava fazer.
Foi complicado fazê-lo entender que ele não era um deus, mas um mero mortal que, como os outros, tinha que enfrentar filas. Meia hora depois, estávamos afinal dentro da roda-gigante.
- As damas primeiro. – Ele me deixou sentar, surpreendentemente cavalheiro depois de trinta intermináveis minutos de reclamações sobre a demora.
Eu me sentei e ele logo estava ao meu lado. O rapazinho responsável pela roda gigante abaixou a precária segurança e eu senti o vento passar pelo meu rosto enquanto subíamos. Uma melodia conhecida soava pelo parque.
- A vista é linda, não? – Eu observei quando já estávamos na segunda volta, bem lá em cima.
- Não mais que você. – Orion sussurrou, voltando-se para mim.
Ele se inclinou ligeiramente na minha direção e eu comecei a rir.
- Que cantada idiota, Orion!
Ligeiramente desconcertado, ele voltou a se aprumar, e um sorriso discreto apareceu nos lábios dele.
- Acha mesmo? Muitas já caíram nela...
Eu não acredito que ele teve essa audácia...
- Você se esquece com quem está, Orion?
Ele riu.
- Eu sei. Concordo com você, foi uma cantada idiota.
Eu ia responder quando ouvi uma pequena explosão. De repente, todo o parque ficou às escuras. E a roda gigante parou.
- Mas que raios... – Eu o ouvi dizer.
Uma garoa fina começou a cair e eu me encolhi dentro do vestido de verão que usava. Isso está indo de mal a pior...
- Algum gerador deve ter queimado. – Eu me ouvi dizendo.
- E o que vai acontecer agora? – Ele murmurou.
- Vamos ter que esperar. Não podemos simplesmente sair voando daqui, Orion. – Eu respondi, arqueando as sobrancelhas e resistindo ao impulso de rolar os olhos.
- E vai demorar?
- Por quê? Minha companhia está assim tão detestável?
Ele riu, meneando a cabeça.
- Você sempre deturpa minhas palavras, não?
A música continuava lá embaixo e, sem nada para fazer, eu me recostei no assento e fechei os olhos.
- For once in my life I've got someone who needs me. Someone I've needed so long. For once unafraid I can go where life leads me. And somehow I know I'll be strong.
- O que é isso? – Orion perguntou, voltando-se para mim.
- Não estrague o momento, sim? Deixe que A voz faça seu trabalho.
- A voz?
Céus, onde Orion vive com a cabeça? Ops... Me esqueci que quem gosta de música clássica aqui sou eu...
- Frank Sinatra. – Eu respondi, tentando novamente me concentrar na música, o único som que vinha lá de baixo do parque escuro.
- For once I can touch what my heart used to dream of, Long before I knew, Someone warm like you, Could make my dreams come true.
Voltei a fechar os olhos. Aquilo estava cada vez mais perfeito. Embora eu estivesse tremendo de frio...
- For once in my life I won't let sorrow hurt me, Not like it's hurt me before, For once I've got someone, I know won't desert me And I'm not alone anymore.
Então, finalmente, Orion decidiu tomar alguma atitude digna e... Colocou o casaco dele sobre os meus ombros.
- Cante mais um pedacinho. – Ele pediu em um sussurro.
- Já está no final. – Eu respondi.
Ele apenas sorriu e, respirando fundo, eu deitei a cabeça no ombro dele, fechando os olhos.
- For once I can say: "This is mine you can't take it". As long as I've got love I know I can make it! For once in my life I've got someone who needs me…
Antes mesmo de a canção terminar, eu senti a chuva parar de bater no meu rosto e algo quente roçar meus lábios.
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