Capítulo Um



Capítulo Um


Sempre fui um cara com grandes sonhos, ou pelo menos para mim, e achava que teria tudo aquilo que se fala, inclusive o final feliz ao lado da mulher com quem escolhi casar, certo?


 Errado.


Acho que ninguém imagina no dia do casamento que está nos 46% que não vivem felizes para sempre. E também, nunca pensei que passaria meus dias, semanas e anos trabalhando em uma agência de publicidade tentando descobrir como fazer as crianças comerem aveia em vez de Sucrilhos. Mas a vida não é de todo ruim: as terças e sextas são meus dias favoritos. Saio cedo do trabalho e vou buscar minha filha, Maya, na escola. Hoje é um desses dias, mas quando cheguei à escola me deparei com uma cena inesperada. Caos. Não existe palavra mais certa para descrever...


As crianças estavam histéricas, o local era uma confusão de pais desesperados, gritos, acusações em vozes infantis e exclamações entusiásticas de alguns dos garotos. De repente, uma das mães se aproxima e pergunta:


- Harry, sabia que teria uma aula de educação sexual hoje?


- Eles não são meio novos?- perguntei incerto.


- É! Um completo desastre!- ela estava indignada.


- Pelo menos estão lendo!- era um outro pai se aproximando, parecia lívido de surpresa.


Virei de lado e vi um grupo de garotinhos em volta de um livro, pareciam hipnotizados, fascinados pelo que viam. O menino que tinha o livro nas mãos começou a ler em voz alta:


- Os 250 milhões de espermatozóides são ejaculados e começam sua jornada perigosa em direção à trompa de Falópio!


Deus! O que era aquilo?! Precisava encontrar minha filha o quanto antes. Não demorou muito, logo a achei. Ela olhava para mim alheia a toda aquela confusão, os olhos azuis fixos nos meus, exigindo explicação. E no mesmo instante eu soube, aquele olhar cheio de significado não deixava dúvidas, eu estava ferrado, teria de enfrentar um daqueles momentos dos quais os pais mais procuram se esquivar, adiar. Falar sobre sexo. Principalmente quando se tratava da filha e o responsável pelo assunto era o pai, não a mãe, mas no meu caso era ainda pior, Maya não era muito mais que uma criança! Como eu esperava ela logo soltou:


- Precisamos conversar.


 


Já entravamos no edifício onde moro quando, ainda absortos na mesma conversa indesejada (na qual eu mais ouvia do que falava), Maya simplesmente disse:


- Mas o que eu não entendo é que a irmã do Sammy disse que ele foi um acidente! Como é que alguém...Oi Louis!- ela cumprimentou animadamente o porteiro - Como que alguém acidentalmente enfia o pênis...


- Maya! Não pode usar outro nome?Algo “engraçadinho”, pipi ou pintinho seria melhor filha...


- Por favor, explique como o Sammy foi um acidente.


- É complicado.


- Pênis! Pênis! Pênis!


Ok, ela tinha ido ao caminho certo, tinha derrubado qualquer muralha de resistência.


- Certo, já chega. Não é como se ele, o pai do Sammy, tivesse escorregado numa casca de banana. O acidente foi a mãe do Sammy engravidar.


- Então, se eles não queriam um bebê, por que transaram?


- Ótima pergunta. Bem, acho que se pode dizer que estavam ensaiando.


Entramos no elevador e apertei o botão do meu andar. Assim que entramos no meu apartamento Maya perguntou:


- Eu fui um acidente?


- Não.


- Fui, não é?


- Não.


- Você foi totalmente de propósito. Eu sabia em que estava me metendo.


Graças a deus ela pareceu se convencer, tudo o que eu menos queria naquele momento era que ela pensasse que não era planejada e ansiada, como se já não bastasse eu e mãe dela estarmos nos separando... Ela não precisava, nem podia, achar que era a culpada disso, que era um bebê indesejado.


 


Preparar o jantar juntos tinha se tornado uma espécie de ritual para nós, era um momento de cumplicidade, só meu e dela. Normalmente conversávamos, comíamos e então Maya ia dormir. Mas hoje foi diferente, eu já esperava isso, aquela menininha não tinha matado toda curiosidade ainda, ela mal esperou acabarmos de guardar a louça e disse:


- Acho que devia me contar sua história com minha mãe.


- Por que fica dizendo “minha mãe” como se eu não a conhecesse?- era um hábito que ela estava adquirindo esses dias.


- Por que agora que estão se divorciando, ela é minha não sua.


- É mesmo?


- Pai, me conta como aconteceu! Quero a verdadeira história, não a: “Nos conhecemos, nos apaixonamos, então decidimos usar todo aquele amor e formar uma família, e foi como fizemos você” - a última parte ela falou de um modo teatral.


- Quer saber? Vou te contar a história verdadeira de como conheci sua mãe.


- Quando eu tiver idade suficiente - ela falava imitando minha voz.


- Isso mesmo!


- Pai, sei que amor não um conto de fadas.


Aquela era minha filhinha falando?


- Mesmo?- perguntei.


- Mesmo.


- Teve outra namorada antes de conhecê-la? Vamos, pode dizer a verdade.


- Tive duas namoradas sérias. E algumas outras mulheres com quem saí sabe...


Então ela começou a falar com ares de especulação:


- Aposto que você não foi o primeiro namorado dela. Pode ter sido um cara muito inteligente, ou talvez um malvado. Ou talvez... Vocês foram amigos um bom tempo e aí quando você estava prestes a colocar seu pênis na vagina de alguém... Percebeu que gostava da mamãe!


Entramos no quarto dela e eu arrumei a cama, logo depois ela se aconchegou entre os lençóis e o travesseiro, mas não se deitou para dormir, estava apoiada nos cotovelos e tinha o olha fixo em mim, como se estivesse esperando algo.


- Certo. Boa noite, Maya. Hora de ir pra cama - disse de um jeito que não aceitava mais discussão.


- Não! Ainda tem que me contar como se apaixonou por ela.


- Me apaixonei por ela por que era esperta, bonita e divertida.


- E agora ela é burra, feia e chata?


- Claro que não.


Ela não aceitaria aquela explicação simples.


-Então, qual é o problema?


- É complicado, Maya.


- Tudo pra vocês, adultos, é complicado - disse entediada - Aposto que se me contasse a história veria que não é tão complicado assim... Que você apenas, a ama!


Ela falou isso de um jeito tão esperançoso que me deu um aperto no coração, ela estava sofrendo, tudo que queria era ver os pais juntos novamente.


- Filhinha... Sei que é difícil pra você, mas o que está pensando? Que vou te contar a história e tudo se resolve? Não funciona desse jeito.


- Talvez sim e talvez não. Me conte e vamos descobrir!


- Não, não. Hora de dormir.


- Não! Não, é hora de me contar a história - ela parecia desolada - Preciso saber!


- Tá bom!

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