CAPÍTULO 20



CAPÍTULO 20


 


- Eles podiam ficar de olho nele até nos seus períodos de folga. - disse Gina, dirigindo o carro a toda a velocidade, em direção às Torres do Luxo. - E há grandes probabilidades de Neville e ronald encontrarem outras pinturas cheias de grampos por lá, com gravadores e transmissores ocultos.


- Por que será que os técnicos anti-grampos de Harry não conseguiram descobrir esses quadros?


- Neville vai descobrir como é que fizeram para os quadros não serem detectados. Conseguiu alguma ligação com ela?


- Não, senhora. Tudo o que achei nas pesquisas é que ela tem quarenta e sete anos, nasceu em Connecticut, estudou na Julliard, fez três anos na Sorbonne, em Paris, e outros dois na oficina de arte da estação espacial Rembrandt. Dá aulas particulares e também ministra aulas de graça no Centro de Intercâmbio Cultural. Mora em Nova York há quatro anos.


- Ela tem ligação com este caso. E o nosso assassino deve ter trocado os dados dela no sistema. Juro que como com garfo e faca o medonho chapéu de palha de Neville se ela for de Connecticut. Pesquise todas as mulheres da conexão irlandesa. Todas as que têm parentesco com os seis homens que mataram Marlena. Coloque as fotos no monitor, para eu poder ver.


- Espere um instante. - Hermione abriu a caixa de arquivos de Gina, achou um disco etiquetado e o inseriu na máquina. - Mostrar apenas as mulheres, com dados completos!


Gina já estava a um quarteirão das Torres do Luxo quando os rostos começaram a aparecer.


- Não. - balançou a cabeça, fazendo sinal para Hermione passar para a foto seguinte, e depois a próxima e a próxima. Xingou baixinho ao ver a carrocinha de lanches que se elevava acima da calçada, apregoando suas ofertas. - Não, droga, não é nenhuma dessas, mas ela está aí, sei que está! Espere, pare aí... volte uma foto!


- Mary Patrícia Calhoun. - leu Hermione. - Nome de solteira: McNally, viúva de Liam Calhoun. Reside em Doolin, na Irlanda. Artista. Sua declaração de rendimentos está atualizada. Quarenta e seis anos e um filho, também com o nome de Liam, que é estudante.


- Acho que são os olhos. Eles se parecem muito com os do menino do quadro. Ela mudou a cor dos cabelos, de castanhos para louros, e passou por algum tratamento facial. Está com o nariz um pouco mais comprido e mais fino, as maçãs do rosto salientes, o queixo menor, mas é ela. Divida a tela em duas e mostre-me a imagem de Liam Calhoun, filho.


A foto apareceu, mostrando os rostos de mãe e filho, um ao lado do outro.


- É ele, o menino do quadro! - Olhou com raiva para o rosto, mais velho, porém não menos angelical, com os brilhantes e expressivos olhos verdes. - Peguei você, canalha. - murmurou, e voltou a se concentrar no tráfego.


O porteiro, que era o mesmo da primeira visita, empalideceu ao vê-las. Gina fez apenas um gesto com o polegar e ele saiu de lado.


- Devem ter planejado isto durante anos, começando por ela. - Gina entrou no elevador com paredes de vidro e se colocou no centro da cabine. - O menino tinha uns cinco anos quando o pai morreu.


- Não chegara ainda à idade da razão. - comentou Hermione.


- Certo. E foi ela que lhe deu uma razão de vida. Ela deu a ele uma missão, um propósito. Transformou-o em assassino. Seu único filho. Talvez a índole já estivesse ali, através de padrões genéticos, mas ela os explorou, ela as usou. Ela o dominou. Foi exatamente isso o que Minerva descobriu. Uma figura feminina de autoridade e muito dominadora. Misture um pouco de religião, tempere a mistura com vingança, acrescente um bom cérebro para eletrônica, faça um treinamento dirigido e você conseguirá criar um monstro.


Gina tocou a campainha e colocou a mão no cabo da arma. Audrey abriu a porta e exibiu um sorriso inseguro.


- Tenente?!... Achei que havíamos combinado o encontro para amanhã de manhã. Será que fiz confusão com os horários novamente?


- Não, houve uma mudança de planos. - Entrando no apartamento, Gina se colocou diante da porta enquanto analisava a sala de estar. - Temos algumas perguntas para lhe fazer, viúva Calhoun.


Os olhos de Audrey piscaram, surpresos, e em seguida se mostraram frios e controlados, mas a voz permaneceu suave:


- Como disse, tenente?


- Dessa vez quem dá as cartas sou eu. Descobrimos tudo sobre você e o seu único filho.


- O que fez com Liam? - Audrey curvou as mãos, formando garras com os dedos, e pulou sobre Gina, mirando direto nos olhos. Gina se abaixou, girou o corpo e deu uma gravata em Audrey, segurando-a com força pelo pescoço. Ela tinha metade da altura de Gina e não foi difícil subjugá-la.


- O sotaque irlandês dela está em dia, você reparou, Hermione? Connecticut uma ova!... - Com a mão livre, Gina pegou as algemas no bolso de trás. - Reparou como este sotaque tem uma musicalidade única?


- É o meu sotaque favorito. - concordou Hermione, segurando Audrey pelo braço depois de Gina ter fechado as algemas.


- Vamos ter uma longa conversa, Mary Pat, a respeito de morte, mutilação e maternidade. Os velhos três “emes”, sacou?


- Se você tocar em um fio de cabelo do meu menino, arranco seu coração e faço uma refeição com ele.


- Se eu tocar nele? - Gina levantou as sobrancelhas e, por baixo delas, seus olhos estavam gélidos. - Você o condenou desde o primeiro dia em que o colocou na cama, o protegeu sob as cobertas e contou a ele uma historinha de vingança.


Enojada, ela se virou, pegou o comunicador e disse:


- Comandante, houve uma reviravolta no caso. Solicito um mandado de busca e apreensão para o domicílio e os artigos pessoais de Audrey Morrell, - fez uma pausa - também conhecida como Mary Patricia Calhoun.


 


Elas descobriram o esconderijo de Liam por trás da parede falsa de uma despensa. Junto com o equipamento estava uma mesa coberta com uma toalha feita de renda irlandesa. Havia velas sobre a mesa, em volta de uma imagem da Mãe de Deus maravilhosamente esculpida em mármore. Acima dela o seu Filho pendia em uma cruz dourada.


Era assim que ela queria que Liam visse a eles mesmos, mãe e filho? Perguntou Gina a si mesma. Como santos e sofredores? Como mãe divina e filho santificado? Audrey no papel de alguém pura, intocável, sábia, escolhida?...


- Aposto que ela trazia para ele uma xícara quentinha de chá e um sanduíche de pão de forma sem casca enquanto ele preparava seu material aqui dentro. Depois devia rezar um pouco com ele, antes de enviá-lo para matar alguém.


Neville mal ouviu o comentário de Gina, pois estava passando as mãos, com visível admiração, sobre o equipamento.


- Você já viu máquinas como estas, Ronald? Já viu este oscilador? Que coisa linda! E o transmissor cruzado com opções multitarefas? Não há nada desse tipo no mercado.


- Vai haver, daqui a alguns meses. - disse-lhe Ronald. - Vi um aparelho igualzinho a esse na Divisão de Pesquisa e Desenvolvimento das Indústrias Potter. Mais da metade desses componentes veio das fábricas dele, e muitos ainda nem foram lançados comercialmente.


- Com quem você conversou na fábrica de Harry? - perguntou Gina, agarrando-o pelo braço. - Com quem você trabalhou lá? Quero todos os nomes, Ronald.


- Tive contato com três técnicos apenas. Harry mantinha tudo sob uma capa de discrição. Não queria que o departamento inteiro soubesse que havia um policial xeretando os novos projetos. Eis os nomes deles: Suwan-Lee, Billings Nibb e A.V. Dillard.


- Suwan... esse nome é de mulher?


- Sim, uma gracinha de oriental. Ela era...


- E esse Nibb?


- Técnico das antigas. Saca tudo o sujeito... o pessoal da equipe brincava, dizendo que ele era tão velho que testemunhou a primeira ligação telefônica entre Graham Bell e Watson.


- E esse Dillard?


- Muito esperto. Eu lhe falei a respeito dele. Tem mãos fantásticas!


- Louro, de olhos verdes, vinte anos, um metro e sessenta e cinco, uns setenta quilos?


- Isso mesmo! Como é que você...


- Caramba! E Harry ainda vem pagando um salário para esse filho-da-puta! Neville, você consegue ligar esse equipamento, entrar nos arquivos e analisar tudo?


- Claro que sim.


- Vamos, Hermione.


- Vamos interrogar Mary Calhoun?


- Logo, logo... nesse instante, estamos indo entregar o bilhete azul para A.V. Dillard.


 


A.V. faltara ao trabalho. Era a primeira vez que isso acontecia, conforme Nibb, o chefe do departamento, informou a Gina. A.V. era um funcionário-padrão. Sempre preparado, eficiente, criativo e com espírito de equipe.


- Preciso examinar todas as pastas dele, arquivos pessoais, trabalhos realizados aqui na empresa, projetos em execução, relatórios, tudo que houver disponível. - informou Gina.


Nibb, que não era tão velho assim a ponto de ter conhecido Alexander Graham Bell, apesar de já ter completado cem anos no último verão, cruzou os braços, pensativo. Por trás do hirsuto bigode branco, seus lábios ficaram rígidos.


- Muitos destes registros incluem material confidencial, tenente. A área de pesquisas e desenvolvimento de novos produtos, especialmente no campo da eletrônica, é altamente competitiva, uma guerra sem lei. Uma única informação que vaze pode provocar...


- Trata-se de uma investigação de assassinato, Nibb. Além do mais, é pouco provável que eu saia por aí vendendo informações sigilosas para os concorrentes do meu marido.


- Mesmo assim, tenente, não posso lhe entregar os relatórios dos trabalhos em fase de execução sem uma autorização pessoal do chefão.


- Pois já a tem. - disse Harry, que entrava na sala naquele exato momento.


- O que veio fazer aqui? - quis saber Gina.


- Estava seguindo meu faro. Aliás, farejei certo, pelo que estou vendo. Nibb, entregue à tenente tudo que ela solicitou. - acrescentou, puxando Gina para o lado. - Estive revendo a gravação da confusão que aconteceu no saguão do Central Park Arms e resolvi analisar as imagens utilizando um programa que estamos desenvolvendo aqui. Para evitar o jargão técnico, posso resumir dizendo que esse programa analisa ângulos, distâncias e assim por diante. A probabilidade de que o assassino fixou o olhar em Ronald, e não no policial que estava do lado de fora da porta foi muito elevada.


- Então você se perguntou quem, entre as pessoas que tinham ligação com você, poderia saber de antemão que Ronald era tira.


- E a resposta foi essa: alguém aqui deste departamento. Acabei de pesquisar nos arquivos dos funcionários. A.V. é quem mais se encaixa na descrição do assassino.


- Até que você daria um policial mais ou menos decente...


- Não vejo motivos para ser insultado. Acabara de descobrir o endereço de A.V. quando ouvi rumores de que havia tiras farejando algo por aqui. Acho que nossos narizes sentiram o mesmo cheiro.


- Qual é o endereço? Vou mandar alguns guardas até lá para prendê-lo.


- O endereço que temos é da catedral de Saint Patrick, na Quinta Avenida. Acho pouco provável que você vá encontrá-lo lá, almoçando tranqüilamente.


- Que furo do seu departamento de pessoal, hein, Harry?


- Pode acreditar que eles serão repreendidos. - Seu sorriso não era nada divertido. - E você, o que conseguiu?


- Ele é Liam Calhoun, o filho. E descobri quem é a sua rainha, Harry. Achei sua mamãezinha. - Gina contou-lhe tudo, observando seus olhos, que começaram a ficar sombrios e frios. – Neville e Ronald estão trabalhando no equipamento que encontramos no apartamento de Audrey. E eles vão analisar os aparelhos de escuta e gravação que foram instalados nos aposentos de Moody. Por falar nisso, onde Moody está neste momento?


- Em casa. A fiança determinada pelo juiz já foi paga. - Enrijeceu o maxilar. - Colocaram um bracelete de localização nele.


- As acusações vão ser retiradas, e com elas o bracelete. Vou cuidar pessoalmente disso assim que chegar à central. Lupin está indo para lá, para se encontrar comigo e acompanhar o interrogatório da mãe.


- Creio que você vai descobrir que nós mesmo fabricamos o equipamento que o assassino usava, e estamos testando um novo escudo que serve para evitar que ligações sejam detectadas pelos scanners que estão atualmente no mercado. Eu mesmo estava bancando o jogo dele, o tempo todo. Isso é incrivelmente irônico.


- Já o cercamos, Harry. Mesmo que ele tenha recebido a dica de alguém e esteja fugindo, vamos pegá-lo. Estamos com a sua mãe. Todas as indicações apontam para o fato de que ele não consegue e não vai funcionar sem ela. Vai ficar perto. Vou levar todos os dados daqui para a central e guardá-los sob uma senha secreta que só vai ser conhecida por mim e por Neville. Você tem direito a essa proteção contra espionagem industrial, por lei. - Gina expirou com força. - Vou daqui direto para a sala de interrogatório e, pelo jeito, temos um longo caminho pela frente. Vou chegar em casa bem tarde.


- Obviamente eu também tenho um bocado de trabalho por aqui. Provavelmente vou chegar mais tarde que você. Conversei com o chefe da equipe médica que está cuidando de Patrick Murray. Ele já voltou à consciência. Nesse momento, ainda não consegue falar nem mover as pernas, mas eles acham que, com o tratamento adequado, ele vai se recuperar de todo.


Gina sabia que Harry ia pagar por aquele tratamento adequado e tocou o seu braço de leve, dizendo:


- Coloquei dois guardas de plantão na porta do quarto dele. Vou visitá-lo amanhã.


- Nós dois vamos visitá-lo. - Harry avistou Nibb que voltava trazendo uma caixa cheia de discos. - Boa caçada, tenente.


 


Depois de cinco horas de interrogatório com Audrey, Gina trocou o café pela água. A cafeína artificial que a cafeteria da polícia fornecia tinha a alarmante tendência de corroer o revestimento do estômago com o uso continuado.


Audrey insistia em beber litros de chá, e, embora mantivesse a maior pose, bebendo delicadamente hora após hora, seu ar de polidez estava começando a se desmanchar. Seus cabelos estavam perdendo a forma e começavam a tombar para o lado. Os fios estavam úmidos e grudados nas têmporas, por efeito do suor. Sua maquiagem estava derretendo, deixando a pele demasiadamente pálida e a boca fina e rígida, sem o tom suave do batom. O branco dos olhos estava começando a se avermelhar.


- Vamos resumir o que temos até agora. - propôs Gina, olhando para a interrogada. - Quando o seu marido morreu...


- Foi assassinado. - interrompeu Audrey. - Assassinado a sangue-frio por ordem daquele rato de rua canalha chamado Potter. Foi morto por uma prostituta contratada, que me deixou viúva e fez meu filho crescer sem a presença do pai.


- Então era nisso que você queria que o seu filho acreditasse. Você o alimentou com esta história, dia após dia, ano após ano, distorcendo a sua mente e escurecendo o seu coração. Ele estava destinado a ser a sua arma para obter vingança.


- Não lhe contei nada além da verdade de Deus, desde o dia em que ele nasceu. Eu estava destinada a me tornar freira, devia ter passado a vida toda sem conhecer um homem. Mas Liam Calhoun me foi enviado pelo céu. Um anjo me levou até ele, nos deitamos juntos e concebi um filho.


- Um anjo a levou... - repetiu Gina, recostando-se na cadeira.


- Uma luz fulgurante. - disse ela, com os olhos brilhando. - Uma luz dourada. Então, eu me casei com o homem que era apenas um instrumento para gerar o menino. E ele foi assassinado. Sua vida foi tomada, e eu compreendi o propósito de seu filho. Ele não nascera para morrer pelos pecados de ninguém, mas para vingá-los.


- Você lhe ensinou isso: que o seu propósito na vida era matar.


- Tomar de volta o que lhe foi arrancado. Equilibrar a balança. Ele foi um menino muito doentinho. Sofreu muito para se purificar para essa missão. Dediquei toda a minha vida a ele, para orientá-lo. - Seus lábios formaram um sorriso. - E fiz isso muito bem. Você jamais vai encontrá-lo. Ele é muito esperto. Uma cabeça ótima o meu menino tem... é um gênio. Com uma alma tão pura quanto neve que acabou de cair. Nós dois estamos além do seu alcance. - terminou ela, com um sorriso de arrepiar.


- Seu filho é um assassino, um sociopata com complexo de Deus. Você simplesmente se certificou de dar a ele uma boa educação na área que decidiu que seria mais útil.


- A mente dele foi sua espada.


E quanto à sua alma? Perguntou Gina a si mesma. Se essas coisas realmente existiam, o que ia ser de sua alma?


- Você levou quase quinze anos para treiná-lo e moldá-lo, antes de largá-lo no mundo. Você também é uma mulher esperta, Mary Pat.


- Audrey! Meu nome agora é Audrey. É isso que está escrito em todos os registros oficiais.


- Ele também ajeitou isso. Criou Audrey para você. Havia grana, você tinha dinheiro suficiente para investir neste projeto. E tinha paciência, o bastante para esperar, planejar, fazer a sintonia fina dos detalhes. Ele não tem toda essa paciência, Audrey. O que acha que ele vai fazer agora, sem ter você para orientá-lo?


- Ele vai ficar bem. Terminará o que começou. Nasceu para isso.


- Você acha que o programou assim tão bem? Espero que esteja certa, porque quando ele voltar a atacar eu vou desmontá-lo. Ele tem outros equipamentos escondidos, não tem? Não muito longe daqui, não é?


- Você jamais vai encontrá-lo em sua cidade gigantesca, sua cidade imunda... sua Sodoma e Gomorra. - Audrey sorriu com suavidade e tomou um pouco de chá. - Ele, no entanto, saberá onde você está. Você e o seu amante de mãos ensangüentadas. Eu fiz a minha parte e Deus é testemunha disso. Sacrifiquei tudo, ofereci tudo o que podia ao deixar aquele tolo de Moody me tocar. Na verdade, ele praticamente não me tocou, pois Audrey é uma mulher séria e honrada, e eu queria que ele continuasse voltando a mim. Ele me desejava, ah, sim, como me desejava!... Foram noites tranqüilas em seus aposentos, ouvindo música e pintando.


-... E você instalando câmeras e microfones.


- Com facilidade, diga-se de passagem. Ele era cego no que dizia respeito a mim. Comentei que o quadro que eu lhe dei merecia ficar na parede do quarto e ele o prendeu lá. Podíamos vê-lo, saber tudo o que ele fazia e quando fazia. Ele se transformou em um simples peão de xadrez para o meu Liam.


- E foi você quem mandou Liam colocar a bomba no meu carro? - Gina sorriu ao notar que os lábios de Audrey se apertaram. - Creio que não... você é sutil demais para atos como aquele e não queria me ver fora do jogo tão cedo. Ele fez aquilo por conta própria. Tem um pavio curto e explode à toa se você não estiver por perto para controlá-lo. Como não está por perto, agora.


- Ele cumpriu penitência por aquele ato. Não vai tornar a se desviar do caminho que traçamos.


- Será que não?... Ou será que ele vai estragar tudo, vindo direto para os meus braços? A coisa pode ficar feia, Audrey. Ele pode até morrer. Você pode perdê-lo. Se me disser onde ele está, posso trazê-lo vivo. Prometo que ele não será machucado.


- E você acha que eu quero que ele passe o resto da vida em uma cela ou em um hospício? - Levantando-se da cadeira e se inclinando para a frente, continuou: - Prefiro vê-lo morrer como um homem, como um mártir, com o coração vingado de forma justa e o sangue do seu pai finalmente em paz. Honra o teu pai e a tua mãe. Este é o mais sábio dos mandamentos, pois o pai e a mãe trazem a vida para nós. Ele jamais vai se esquecer disso. Jamais se esquecerá, isso eu lhe garanto. Ele vai estar pensando nisso quando terminar o que começou.


- Ela está irredutível. - disse Gina a Lupin quando Audrey foi encaminhada para uma cela. - Ela não o entregará nem mesmo para salvá-lo e vai vibrar de alegria se ele acabar morrendo ao tentar terminar o que começou.


- Essa senhora vai passar por uma avaliação psiquiátrica e provavelmente vai passar o resto da vida em uma instituição para deficientes mentais com tendências violentas. - comentou Lupin.


- Ela não é assim tão louca quanto quer fazer parecer, nem de perto, comandante. O garoto poderia ter tido uma chance. Nunca se sabe, mas ele poderia ter se tornado algo melhor sem a criação horrível que recebeu.


- Não há como modificar o passado. Vá para casa, Weasley. Você já fez tudo o que podia esta noite.


- Vou só dar uma olhada no trabalho de Neville antes.


- Não há necessidade. Ele e Ronald estão com tudo sob controle. Se conseguirem decodificar e localizar o outro equipamento de transmissão dele, certamente entrarão em contato com você. Vá para casa, tenente. - repetiu ele, antes que ela tivesse a chance de dar alguma desculpa. - Seu organismo já deve estar quase sem combustível a essa altura. Vá descansar, vá se reabastecer para continuar amanhã de manhã.


- Sim, senhor. - De qualquer modo, já passava das nove da noite, pensou, enquanto se encaminhava para a garagem. Ela ia para casa comer alguma coisa e tomar conhecimento do que Harry descobrira em suas investigações. Talvez, se eles repassassem todos os nomes usando o equipamento dele, aparecesse alguma possível localização para o esconderijo.


Nova York era uma cidade muito grande para alguém que estivesse a fim de se esconder. E se ele ainda não soubesse que sua mãe estava presa... Gina ligou o tele-link e ordenou:


- Entrar em contato com Nymphadora Tonks, no Canal 75.


- Aqui é Nymphadora Tonks. No momento não posso atender. Por favor, deixe uma mensagem ou entre em contato comigo por e-mail ou fax.


- Transferir a ligação para a residência dela! Droga, Tonks, isso lá é noite para tirar folga?


- Olá, aqui é Tonks. Não estou em casa no momento. Se desejar, deixe uma mensagem...


- Merda! Tonks, se você está ouvindo esta mensagem, atenda à ligação. Tenho um furo de reportagem para você!


- Por que não disse logo? - perguntou Tonks, aparecendo na tela, entre sorrisos. - Trabalhando até tarde, Weasley?


- Mais tarde que você.


- Ora, os seres humanos normais ocasionalmente tiram uma folga.


- Estou falando de repórteres, não de seres humanos. Você vai querer jogar isso no ar ainda hoje... a polícia acaba de efetuar a prisão de uma pessoa ligada à recente série de homicídios. Seu nome é Mary Patrícia Calhoun, também conhecida como Audrey Morrell. Ela está sob custódia, acusada de cúmplice nos assassinatos de Thomas X. Brennen, Shawn Conroy e Jennie O’Leary. Também foi acusada de cumplicidade na tentativa de assassinato de Patrick Murray.


- Ei, ei, espere um instante!... Ainda nem consegui ligar o gravador!


- Primeira e última chance. - disse Gina, sem dar muita colher de chá. - As autoridades estão à procura do filho dela, Liam Calhoun, também ligado aos crimes. Ligue para o Departamento de Relações Públicas da central de polícia se quiser fotos dos possíveis assassinos.


- É o que vou fazer. E quero uma entrevista exclusiva com a mãe, ainda hoje.


- Continue acreditando em milagres, Tonks, porque isso é lindo.


- Weasley...


Gina desligou na cara dela e ficou sorrindo no escuro. Conhecendo Tonks, sabia que a matéria ia ao ar em trinta minutos.


No momento em que passou pelos portões e foi seguindo em direção à casa, sentiu que seus olhos ardiam de cansaço, mas sua cabeça permanecia ligada. Dava para trabalhar ainda umas duas horas, pesquisando novos dados, decidiu. Precisava apenas de um pouco de comida, talvez uma ducha rápida e um cochilo de, no máximo, meia hora.


Deixou o carro parado bem na porta de casa e, mexendo os ombros e o pescoço para aliviar a tensão muscular, foi subindo os degraus. No saguão, tirou o casaco de couro e o pendurou na coluna do corrimão, junto do primeiro degrau. E suspirou. Preferia evitar o encontro com Moody, mas ele merecia saber que escapara por completo das acusações. Normalmente, ele já teria se materializado do nada, com a sua costumeira cara de bunda.


- Deve estar emburrado em algum canto por aí. - murmurou em voz alta e se virou para o localizador doméstico. - Informe-me onde está Moody.


 


Moody está na sala de estar principal.


 


- Com cara de emburrado, sem dúvida. - Soltou o ar com força. - Sei que você me ouviu chegando, seu bunda-magra. Embora prefira a sua usual rodada de reclamações, eu... - começou a falar enquanto entrava a passos largos na sala de estar.


Então parou. A mão que pensou em levar à arma se elevou devagar, junto com a outra, as duas espalmadas para fora.


- Ora, não precisou nem eu mandar levantar os braços. Obrigado. - Liam sorria atrás da cadeira onde Moody estava amarrado por uma corda. - Você sabe o que é isto? - perguntou ele, movendo de leve o instrumento pontudo, de prata, que segurava a um milímetro do olho direito de Moody.


- Não exatamente, mas parece eficiente.


- É um bisturi a laser. Um dos mais refinados instrumentos médicos atualmente em uso. Preciso apenas ligá-lo para destruir este olho. E no caso do dono do olho, um cafetão, pretendo deixá-lo ligado até que o raio lhe atravesse todo o cérebro.


- Não sei se isso vai funcionar, Liam, porque o cérebro dele é muito pequeno. Talvez você não acerte o alvo.


- Ora, mas você nem mesmo gosta dele... - Seu sorriso se alargou enquanto Moody simplesmente fechou os olhos. Por um instante, Liam pareceu um rapaz muito jovem e atraente, com olhos brilhantes e um sorriso charmoso e promissor. - Essa foi a parte que eu mais gostei. Você trabalhou tanto para defendê-lo e, no entanto, o odeia tanto quanto eu.


- Ahn, não é bem assim... eu me sinto meio dividida com relação a ele. Por que não afasta um pouco esse laser? A não ser que você curta robôs, bons empregados são algo difícil de encontrar, hoje em dia.


- Antes, preciso que pegue a sua arma, tenente, usando apenas o polegar e o indicador. Coloque-a no chão, com movimentos lentos, e depois a chute na minha direção. - Fez uma pausa. - Estou vendo que você parece hesitar. - acrescentou. - Devo avisá-la de que ajustei este instrumento, ampliando o seu alcance. - Com ar divertido, girou o bisturi, apontando-o para a cabeça de Gina. - Dá para atingi-la daqui, eu lhe garanto, e então é o seu cérebro que vai ser atravessado.


- Detesto médicos. - Ela tirou a arma devagar, mas ao se agachar, antes de largá-la no chão, agarrou-a com força. Um raio brilhante saiu do bisturi e fez um risco fumegante ao longo do seu bíceps. Seus dedos ficaram dormentes e a arma de atordoar caiu no chão, fazendo barulho.


- Receio que antevi o que ia fazer. Eu a conheço muito bem. - Foi caminhando devagar na direção dela enquanto falava e pegou a arma que caíra no chão enquanto Gina lutava para se levantar, brigando com a dor e tentando se manter focada. - Ouvi dizer que a dor provocada por um bisturi a laser é terrível. Sempre recomendamos o uso de anestesia. - Ele riu, recuando. - Mas você vai sobreviver. Talvez queira enfaixar esse braço. Está espalhando sangue pelo chão todo. - Com jeito de quem quer ajudar, ele se inclinou junto dela e rasgou a manga de sua blusa, jogando-a no colo de Gina. - Tente isso aqui.


Ficou observando enquanto ela enrolava a tira de pano em volta do braço, de forma desajeitada. Em seguida, ouviu sua respiração ofegante no momento em que tentou amarrar a atadura com apenas uma das mãos e os dentes.


- Você é uma oponente obstinada, tenente, e muito esperta. Só que se deu mal. Estava destinada a se dar mal desde o início. Só os justos triunfam.


- Poupe-me de suas abobrinhas religiosas, Liam. Por baixo de todo esse papo de missão sagrada, isso é apenas um jogo para você.


- Pois demonstre júbilo, tenente. Apreciar o trabalho de Deus é um tributo a seus poderes, e não um pecado.


- E você curtiu tudo.


- Muito. Cada passo que você deu, cada movimento que fez serviu para nos juntar todos aqui esta noite, como estava destinado a acontecer por vontade de Deus.


- Esse seu deus é um idiota.


- Não ouse blasfemar! - Esbofeteou Gina com as costas da mão. - Não faça pouco de Deus na minha presença, sua piranha! - Deixando-a encolhida no chão, pegou o cálice de vinho que servira para si mesmo enquanto a esperava. - Jesus também bebeu o fruto da vinha sentado entre seus inimigos. - Provou um gole e pareceu mais calmo. - Quando Harry chegar, o círculo vai ficar completo. Tenho o poder do Senhor em minhas mãos... - sorriu, olhando para as duas armas -... e tecnologia de ponta.


- Ele não vai chegar. - A voz de Moody estava meio engrolada por ação das drogas que Liam lhe aplicara. - Já lhe disse que ele não vem para casa hoje.


- Ele vem sim... não consegue ficar longe desta meretriz.


Gina tentou agüentar a dor e conseguiu se colocar de joelhos. Ao olhar para o rosto de Liam, percebeu que, para ele, já era tarde demais. A loucura que sua mãe plantara na criança criara raízes no adulto.


- Como é que você foi dar a mancada de deixar esse maluco devorador de bíblias entrar em nossa casa? - perguntou Gina a Moody.


- Quer que eu a machuque mais uma vez? - intrometeu-se Liam. - Quer mais dor?


- Não estou falando com você.


- Eu achei que ele era da polícia. - explicou Moody com a voz cansada. - Chegou dirigindo uma radiopatrulha e usava farda. Disse que a senhora o enviara.


- Não conseguiu desativar o sistema de segurança desta casa, não foi, Liam? Ele era sofisticado demais para a sua cabeça.


- Com um pouco de tempo eu conseguiria. - Fez uma cara de mau humor, como uma criança a quem negaram o doce predileto. - Não há nada que eu não consiga fazer! Mas já estou cansado de esperar.


- Você errou nas duas últimas vezes, não foi? - provocou Gina, forçando-se a ficar em pé e cerrando os dentes com força ao sentir a dor que a percorria. - Você não conseguiu pegar Brian e não acabou com Patrick Murray. Ele vai se recuperar de todo e vai apontar o dedo para você no tribunal, no dia do seu julgamento.


- Essas falhas aconteceram apenas para testar o meu compromisso. Deus sempre testa os Seus discípulos. - Colocou os dedos sobre os lábios, esfregando-os ali, com ar pensativo. - Mas agora já estamos quase acabando. Essa é a última rodada e você perdeu. - Com os olhos muito brilhantes, colocou a cabeça meio de lado. - Talvez queira se sentar, tenente. Você perdeu sangue e me parece muito pálida.


- Prefiro ficar em pé. E agora, você não vai me contar dos seus planos? É assim que a coisa funciona. Qual é a graça de acabar com tudo sem se gabar um pouco antes?


- Não considero isso ficar me gabando. Estou honrando a memória de meu pai, vingando sua morte a sangue, ponto por ponto. Quando acabar aqui, vou voltar para pegar Brian Kelly e Patrick Murray, e mais um. Um será morto por asfixia, outro por afogamento, e o terceiro por veneno. Seis assassinados pelos seis homens que foram martirizados, e mais três aqui para completar a novena. Depois disso, meu pai repousará em paz.


Abaixando a arma a laser, passou as pontas dos dedos pelo véu da imagem da Virgem Mãe que colocara sobre uma das mesas.


- A ordem das mortes foi modificada, mas Deus compreenderá. Esta noite, Harry vai entrar em seu inferno particular. Seu velho companheiro, seu amigo leal, morto. Sua prostituta pessoal, sua tira vadia, morta. Tudo vai parecer como se um tivesse matado o outro. Uma luta terrível travada aqui mesmo, em sua própria casa, uma luta de vida e morte. Por um instante, apenas por um instante, ele acreditará nisso.


Sorriu para Gina, continuando:


- Nesse momento, eu entrarei em cena e ele descobrirá a verdade. A dor vai ser ainda maior, então... insuportável. Ele vai descobrir o que é perder, o que é ver tudo o que lhe importa na vida ser tirado dele. Saberá que, por meio do seu próprio mal, ele trouxe o anjo da morte para esta casa. A espada da vingança.


- Anjo?... Anjo Vingador. - Gina precisava arriscar, ganhando tempo enquanto manipulava a sua loucura. - A.V.? Foi por causa disso que você escolheu essas iniciais? Sabemos de tudo sobre você. Tudo! Sabemos como você fez para se infiltrar na empresa de Harry, com o intuito de trabalhar com o seu equipamento. Sabemos como você fez para roubá-lo. - Gina foi chegando mais perto, com os olhos fixos nos dele. - Sabemos de onde você veio e onde esteve. Já achamos o seu esconderijo. Sua foto está no noticiário neste exato momento, ao lado da foto da sua mãe.


- Você está mentindo. Sua piranha mentirosa!


- E como acha que eu sei quem você é? Como acha que eu sei a respeito de A.V.? Como acha que eu sei tudo sobre o seu quartinho secreto no apartamento de sua mãe, onde você guarda os seus aparelhinhos? E sobre o outro local também, no centro da cidade. - O segundo esconderijo tinha que ser no centro, disse Gina para si mesma. - Como acha que eu descobri tudo a respeito dos aparelhos de escuta que a sua mãe instalou nos aposentos de Moody? Nós acompanhamos o seu jogo o tempo todo, Liam, e derrotamos você. As coisas que ainda não havíamos descoberto, Audrey nos entregou... pouco antes de eu trancafiá-la atrás das grades.


- Você está mentindo! - gritou ele, investindo furiosamente contra Gina.


Pronta e com os pés firmes, ela encarou o ataque usando seu braço bom para bloquear o golpe, enfiando o cotovelo em seu estômago. Dando-lhe uma rasteira, Gina jogou todo o peso do corpo nesse movimento, fazendo com que os dois caíssem no chão. Ignorou a dor terrível que sentiu ao cair sobre o braço ferido e, levantando o punho com força, sentiu o impacto de seu queixo. Só que ela calculara mal a força que um acesso de raiva poderia lhe fornecer.


Foi ela que gritou quando os dedos dele se enterraram em seu ferimento e a sala toda pareceu desaparecer na escuridão. Quando sua visão voltou a clarear, ele estava com a arma de atordoar junto de sua garganta, a uma distância de onde, mesmo com a arma preparada para força mínima, o golpe seria fatal.


- Sua puta mentirosa! Vou arrancar a sua língua para acabar com essas mentiras.


- Então ligue o telão! - Gina queria se encolher, queria se esconder da agonia e da dor que sentia no braço. - Comprove por si mesmo. Vá em frente, Liam, ligue o telão no Canal 75.


Quando ele diminuiu a força da mão que lhe apertava o braço como um torno, Gina se viu obrigada a engolir o soluço de alívio. Ele se afastou dela e foi correndo para o telão embutido, gritando:


- Ela está mentindo, mentindo! Ela não sabe de nada! - repetiu para si mesmo várias vezes, como uma cantiga de ninar, enquanto sintonizava o aparelho no canal que ela indicara. - Ave-maria, cheia de graça... ela vai morrer. Todos eles vão morrer. Este é o vale da sombra da morte e eles vão ter medo. Deus vai destruí-los, todos eles, através de mim. Através de mim!


- A senhora precisa parar com isto. - gemeu Moody, remexendo o corpo para se livrar das cordas. - Vá embora daqui. Ele é louco! Dá para a senhora escapar enquanto ele está envolvido com o telão. Ele já nem sabe mais onde está. Dá para a senhora escapar. Ele vai matá-la se a senhora não sair daqui agora!


- Eu jamais conseguiria chegar à porta. - O ferimento de Gina voltara a sangrar, empapando a atadura improvisada. - Preciso mantê-lo focado em mim. Enquanto ele estiver comigo, não vai ficar interessado em você. Tenho que mantê-lo ocupado, distraído, e talvez assim ele não escute a hora em que Harry chegar. - Ela se forçou a ficar de joelhos. - Se ele não ouvir a porta, Harry vai ter uma chance de atacá-lo.


- Audrey é a mãe dele?


- Sim. - Gina conseguiu se colocar em pé. - Ela é a responsável por tudo isso. - Olhou para o outro lado da sala, enquanto Liam gritava diante das imagens que estavam sendo transmitidas. - Ela é a culpada por tudo. Por ele. - Tentou se firmar, inclinando-se para a frente, quando os joelhos fraquejaram. - Liam!... Eu posso levar você até onde ela está. Você quer ver a sua mãe, não quer? Eu o levo até ela...


- Você a machucou? - Lágrimas começaram a escorrer de seus olhos.


- Não, claro que não. - Gina deu um passo à frente, meio trêmula. - Ela está bem. Está à sua espera. Ela poderá dizer a você o que fazer agora. Ela sempre lhe diz o que fazer, não é?


- Ela sabe tudo. Deus fala através dela. - Começou a abaixar a arma, com ar distraído. - Ela é abençoada. - sussurrou. - E eu sou o seu único filho. Eu sou a sua luz.


- Ela quer ver você, agora. - Mais um passo, pensou Gina. Só mais um passo. Tudo o que precisava fazer era afastar a arma de atordoar de perto dele.


- Ela me disse quais são os planos de Deus. - A arma se firmou de novo na mão dele e Gina congelou. - Devo matar vocês! Deus exige este sacrifício. Primeiro ele! - afirmou, com um sorriso manhoso, enquanto apontava a arma para Moody.


- Espere! - Por instinto, Gina se lançou na frente do raio e recebeu o golpe em cheio. O choque em seu corpo foi tão forte ao percorrer o seu sistema nervoso que ela caiu no chão como um trapo. Seu corpo se esqueceu de como respirar e seus olhos se esqueceram de como ver. Toda a dor se fora. Ela nem mesmo sentiu o momento em que ele chutou suas costelas, enquanto praguejava, gritava e corria pela sala.


- Você sempre tem que estragar tudo. Tudo! - reclamou de forma bombástica, empurrando uma das mesas de pernas para o ar junto com um lindo e antiqüíssimo vaso Ming. - Trapaceira! Puta! Pecadora! Até mesmo sua arma é de qualidade inferior. Olhe só para isso... é patético! Você tem que aumentar a potência da arma de forma manual. Tudo bem, tudo bem... para que matá-la logo de uma vez?


- Ela precisa de um médico! - disse Moody. Sua respiração falhava e seus braços e pulsos estavam feridos e trêmulos pela luta contra as cordas. - Ela precisa de cuidados médicos!


- Eu poderia ter sido médico, como meu tio queria, mas não foram esses os planos de Deus. Minha mãe sabia disso. Ela sabia disso. Meu pai me amou, ele me deu tudo. Então, foi tomado de nós. A vingança é minha, diz o Senhor. Eu sou Sua vingança.


Estremecendo de tanta dor, Gina se virou de lado. Se ia morrer, pelo menos queria ter a última palavra.


- Você é apenas uma ferramenta defeituosa e patética usada por uma mulher que se importava mais consigo mesma do que com o próprio filho. Agora vocês dois vão passar o resto de suas vidas atrás das grades.


- Deus vai me indicar um rumo, vai direcionar meu caminho... - Liam caminhou até onde Gina estava e parou em pé ao seu lado, com a arma apontada para ela, preparada para força máxima -... assim que eu enviar você para o inferno.


Gina manteve os olhos abertos e deu um chute para o alto com o resto de forças que lhe restavam. O chute o atingiu na altura do joelho, fazendo-o dar um passo para trás, meio desequilibrado. Ao mesmo tempo, ela aproveitou a oportunidade e se impulsionou para cima, com a esperança de conseguir agarrar a arma de sua mão. Mas o ruído agudo de um raio atordoador veio da porta da sala, lançando Liam contra a parede.


Seu corpo começou a se sacudir convulsivamente, executando uma dança que ela já vira antes. Seu sistema nervoso entrou em colapso e ele continuou balançando como um fantoche descontrolado, até se desligar de todo.


Escorregou lentamente para o chão, e Harry entrou correndo na sala.


- Fim de jogo. - disse Gina com a voz sem expressão. - Amém.


- Ah, meu Deus, Gina, olhe só para você... você está um desastre!


Pequenos círculos de luz dançavam em torno de seu campo de visão, de modo que ela mal conseguiu ver o rosto de Harry quando ele se lançou ao seu lado.


- Eu quase o peguei!


- Claro. - No instante em que ele a ajudou a se levantar e a embalou nos braços, ela desmaiou. - Claro que sim.


Ao voltar a si, já estava sobre o sofá, com Moody ao lado; ele tratava do ferimento em seu braço com muita eficiência.


- Ei, sai de perto de mim! - reagiu ela ao vê-lo.


- Isso precisa de cuidados. A senhora sofreu um ferimento muito grave, mas Harry parece acreditar que a senhora vai cooperar mais se ficar aqui do que se for a um centro médico.


- Tenho que dar o alarme do que aconteceu aqui.


- Mais alguns minutos não farão a mínima diferença. O rapaz não vai ficar menos morto do que está.


Gina fechou os olhos, cansada e abatida demais para brigar. O lado do seu corpo parecia gritar de agonia, e o que quer que Moody estivesse fazendo com o seu braço parecia apenas aumentar ainda mais a tortura.


Suas mãos eram tão gentis como as de uma mãe que cuida do filho, mas ele sabia que ela sentia dor.


- A senhora salvou a minha vida. Pulou na frente do raio que estava destinado a mim. Por quê?


- Esse é o meu trabalho, não leve para o pessoal. De qualquer modo, a arma nem estava ligada em força máxima. Ai, merda!... - Um gemido lhe escapou pelos dentes cerrados. - Sou tira há dez anos. É a primeira vez que recebo uma descarga de raio atordoante no corpo. Puxa, isso dói à beça, em toda parte e ao mesmo tempo. Onde está Harry?


- Ele já vem. - De forma instintiva, ele afastou as pontas dos cabelos de Gina que estavam grudados em sua testa. - Não fique se contorcendo, pois isso só vai lhe trazer mais desconforto.


- Isso é impossível. - Abrindo os olhos novamente, olhou para ele. - Fui eu que apertei o gatilho da arma que matou Liam Calhoun. Atirei antes de Harry entrar na sala. Você compreendeu bem?


Moody olhou para ela, analisando-a por algum tempo. A dor estava impressa em seus olhos, e devia estar atravessando-a por dentro, atingindo todo o seu organismo, mas ela só pensava em Harry.


- Sim, tenente, compreendi.


- Não, não foi você quem o matou. - corrigiu Harry. - Moody, espero que você faça uma declaração clara e precisa de tudo o que viu. Não quero que você seja obrigada a enfrentar uma bateria de testes psicológicos, Gina. Não por causa disso. Vamos lá... agora você precisa se sentar para beber um pouco disso.


- Você nem mesmo devia estar portando essa arma. Isso só vai complicar as coisas. Onde conseguiu a arma, afinal?


- Você a entregou para mim. - Sorriu enquanto a ajeitava no encosto, com o braço amparando-lhe o pescoço. - Foi a sua arma extra. Eu não a devolvi.


- Havia me esquecido dela.


- Não creio que as autoridades venham me causar problemas por causa disso. Agora beba.


- O que é isso? Eu não quero.


- Não seja criança... é só um relaxante. Leve, eu garanto. Vai ajudar a acalmar a dor.


- Não, eu... - Ela engasgou um pouco quando Harry simplesmente forçou um pouco do líquido para dentro de sua boca. - Preciso dar o alarme sobre o que aconteceu.


- Moody... - Suspirou Harry. - Será que você poderia entrar em contato com o comandante Lupin para lhe contar tudo o que aconteceu aqui esta noite?


- Sim. - Depois de hesitar um pouco, pegou o pano ensopado de sangue e agradeceu: - Sou muito grato à senhora pelo que fez, tenente, e sinto profundamente que tenha sido atingida no cumprimento do dever.


- Acho que preciso ser atingida assim em cheio mais vezes. - cochichou ela depois que Moody saiu. - Ele nem fez aquela cara de desdém.


- Ele me contou tudo o que aconteceu, e disse que você é a mulher mais corajosa e tola que ele jamais conheceu. No momento, concordo com ele.


- É... bem, todos escapamos com vida. Vou tomar o restinho desse calmante agora que ele foi embora. O braço já começou a melhorar, mas o lado do corpo é que está me matando...


- É que você levou um chute nas costelas. - Com carinho, ele a levantou mais um pouco e a empurrou para o lado, a fim de poder sentar ao seu lado e recostá-la de encontro a ele. - Minha corajosa e tola tira. Eu amo você.


- Eu sei. Ele só tinha dezenove anos, Harry.


- O Mal não é território exclusivo dos adultos.


- Não. - Fechou os olhos ao sentir que a dor ia sumindo em meio a um embotamento completo dos sentidos. - Eu queria pegá-lo vivo. Você o queria morto. Ele mesmo fez a maré virar a favor de você. - Ela virou a cabeça. - De qualquer modo, você o teria matado.


- Quer que eu negue essa afirmação? - Ele baixou os lábios e os fez repousar em cima da sobrancelha dela. - A justiça é fraca e tênue sem o suporte do castigo.


Ela suspirou e deixou a cabeça repousar, tornando a fechar os olhos.


- O que diabo nós dois estamos fazendo juntos, afinal, hein?


- Compartilhando vidas que, de vez em quando, nos oferecem momentos muito interessantes. Minha querida Gina, eu não modificaria um só desses momentos.


Ela olhou para a área devastada em que se transformara a linda sala de estar e observou o rapaz no chão, com a vida desperdiçada. Sentiu então os lábios de Harry roçando em seus cabelos e concordou com ele.


- Nem eu.


 


 


 


Agradecimentos especiais:


 


gilmara: Realmente a perseguição foi bem ao estilo Velozes e Furiosos. Quanto ao lance da mãe dele você quase acertou como viu no capitulo, mas isso não tira o fato dele ser um psicopata maluco... Quanto ao Pat ter entrado na lista, quem sabe como funciona a mente de um psicopata e de uma maluca controladora, não é mesmo? Não precisa se desculpar pelo capitulo que eu pulei, sem problema algum. Espero que tenha gostado da fic no geral, agora vamos para Natal Mortal, que acho que vai surpreender muitos. Abraços;


 


Ana Eulina: Com certeza o carro da Gina quem providenciou foi o Secretario Diggory, e ela vai ficar com a belezinha sim, eu também não sou muito fã do verde, mas fazer o que, não é? E como eu digo, não reclame quando a esmola é boa... brincadeira, não fui eu que disse isso, eu me lembro de ter ouvido em algum lugar... Espero que tenha gostado do desfecho da história. Abraços.


 


 


 


 

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