Réquiem



N/A: No capítulo, as lembranças se intercalam de Draco pra Hermione e vice-versa. As de Hermione, como sempre, narrados em terceira pessoa com discurso direto e indireto.
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Meus olhos estavam fixados nos olhos castanho do garoto na fotografia. Logo, percebi que os olhos dele eram exatamente iguais aos de Hermione. O cabelo era mais claro, mas não chegavam a loiros, e bem penteados. O sorriso maroto no rosto me incomodava, talvez fosse saudades por não tê-lo conhecido, talvez indignação do comensal que o matara, talvez fosse desespero, quem sabe até impotência por Hermione. Será que ela sabia? Será que estava bem? Meu dedo contornou a fotografia e engoli em seco.

-Sinto muito. –Falou Weasley. Continuei a olhar a lápide a minha frente. –Muito mesmo.

-Você sabia! – Falei rouco. Pensar que eu tinha um filho com Hermione deixava-me de certo modo, feliz. Mas saber que agora ele estava morto e eu nem o conhecera, transtornava-me. – Sempre soube!

-Não podia falar.

-Eu olhava para você todo santo dia. Rezava que você viesse com alguma notícia de Hermione, e você sempre soube desse garoto e nunca me disse.

-Não podia falar. Jurei que não falaria.

Levantei-me e olhei as flores. Violetas eram as mais presentes, também vi rosas brancas, tulipas, copos de leite e umas azul-arroxeadas que não sabia o nome. –Por quê? Pra quem?

-Harry.

Minhas mãos fecharam-se. Sempre ele...

-Potter. Sempre têm que obedecê-lo?

-Realmente acreditei que fosse a melhor solução. Acreditamos que você não seria um bom pai.

Senti meu sangue esquentar nos meus dedos. As unhas começavam a me machucar pela força que atingiam minha palma da mão.

-Ele deveria ficar comigo, não com estranhos.

- Hermione havia pedido que você ficasse com ele. Acontece que achamos melhor não saber dele.

O suor começava aparecer nas mãos. Hermione tinha pedido que eu ficasse com ele? Então ela confiava em mim! Acreditava que eu seria um bom pai! Com que direito tiravam meu filho de mim?

-Pensamos também em entregar o William para os avós, mas Harry disse que seria ruim para ele. Harry sabe como é viver em casa de trouxas, disse que William sentiria-se melhor perto da gente.

-Com que direito Potter se mete na vida do meu filho?

-Ele é o padrinho dele.

Se minha raiva já era grande, ela havia aumentado. Fechei os olhos canalizando a raiva dentro de mim. Já estava quase sem voz, parecia que aquele chão sugava toda a minha força vital, não sabia que ver que seu filho está morto era tão angustiante. Senti meu corpo ficando mole...

-William no começo se dava bem com todos, principalmente com o Harry. Mas depois começou a comportar-se diferente.

-Diferente?

-Talvez sentisse isolado da casa, não sei, mas ele sabia que não fazia parte daquela casa. Quando ele fez dois anos, Harry o levou até Hermione.

A moleza parecia ter ido embora por um segundo. Meu coração começou a acelerar. Abri minhas mãos. Limpei o suor na calça e olhei para Weasley.

-E aí?

-Não queria mais sair de perto dela. Só que ele não podia ficar com ela, e tinha que voltar com Harry. Pedia ao Harry todo dia que visse Hermione. Depois, William começou a perguntar sobre você.

Sobre mim? Ele perguntava sobre mim? Um sorriso se fez no meu rosto. Será que ele gostaria de mim?

-Então, Harry foi parando de levá-lo. Hermione entendeu que era melhor até para o William.

-E ele não falou mais com ela?

-Hermione escrevia todos os dias, Harry lia as cartas para ele e respondia por ele. Harry decidiu leva-lo até Hermione no aniversário dele de quatro anos. Ele ficou com ela o dia todo. Quando o Harry foi embora para casa, Hermione pediu que o William ficasse aquela noite com ela, Harry não deixou e levou-o para casa. Decidiu fazer uma festinha pra ele, aí ele bateu no Jimmy.

-Por quê? – Perguntei curioso.

-Porque Jimmy tinha dito que ele não tinha pai e que a mãe era uma assassina. Ele ficou dois meses de castigo. No meio do castigo, fugiu de casa. Luna o encontroou e o levou até para casa. Mais duas semanas de castigo.

Meu sangue esquentou mais uma vez. Saber que Potter estava sendo abusivo com meu filho era algo terrivelmente irritante.

-Quando saiu do castigo, fomos ao parque da cidade. Todos juntos. Voltamos ao entardecer, Luna e eu fomos para casa e Harry e Gina subiram para o quarto. James e William ficaram no jardim brincando...James saiu correndo quando viu comensais chegando. Ele trancou a porta, mas esqueceu o William do lado de fora.

Esqueceu? Meu peito arfava com dificuldade...culpa do Potter. Mesmo que seja o júnior, mas era um Potter. E parecia que esse nome ia me seguir até o inferno. Toda minha vida perdi pra esse garoto. E um deles, havia tirado a do meu filho também. Descobri que a vida não é justa. Ela é oportunista.

-Quando Harry saiu de casa, William estava no jardim, tinha o nariz sangrando e alguns arranhões. Desconfiamos que tenham tentado estrangulá-lo antes de ser atingido por crucius e depois, o avada kedavra.

Se meus joelhos não fossem grudados juntos ás pernas, eles teriam se soltado. Como não são, minhas pernas dobraram-se pelo peso do meu corpo que pareceu enorme, e meus joelhos tocaram a grama do cemitério. Minha mão esquerda fechou segurando um pouco de grama. Grama macia. Pensei em puxar, mas desisti. Queria sair dali, queria pelo menos olhar nos olhos dele. Weasley colocou uma mão no meu ombro e abaixou ao meu lado.

-Vai pra casa, Malfoy. – Neguei com a cabeça.

Ele tirou o que pareceu ser um canivete do bolso. O cabo era verde-esmeralda.

-Hermione deu para o William. Na verdade era um presente para você, mas ela não teve tempo de lhe entregar. – Ele disse estendendo a mão. – Toma. Tente ver como uma lembrança dos dois.

Ele colocou o canivete em cima da grama ao meu lado e depois aparatou.

Peguei o canivete. No cabo pude ler Draco Malfoy. Passei dedo no nome, e lembrei-me dela. Eu odeio amar aquela garota. Odeio ter que viver comigo e o mundo. O silêncio da morte é enorme. O do meu coração, maior ainda.

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Declaramos que no dia 03 de outubro de 1998 nasceu em registro do número 4.675.889 uma criança do sexo masculino com o nome de William Draco Malfoy, filho de Draco Lucius Malfoy e Hermione Jane Granger, na cidade de Londres, Inglaterra, ás 04h30min da manhã.

"Mamãe,

Estou falando essa carta para Harry escrever. Ele disse que só faltam dois anos pra eu aprender a ler e a escrever. Mal posso esperar pra ler os livros das histórias que você me conta.
Hoje, briguei com o Jimmy e Harry ficou muito chateado, disse que por isso não iria visitá-la no sábado, me desculpe, eu não sabia que ia ficar de castigo. Ah, não vai acreditar, o tio Rony me deu uma vassoura de presente e a gente joga quadribol quase todo domingo, ele me deu várias dicas como defender as mais difíceis das goles, precisa ver como tô bom!!
Sinto sua falta, espero que não demore para que eu te veja.
Com amor,

Will”


Fotografias bem cortadas, jornais, cartas, papéis com desenhos e livros enfeitavam o catre. Na parede, rabiscos da conta dos passar dos dias. No chão, Hermione. Os olhos dourados não conseguiam distrair as olheiras que a cada dia ficavam mais visíveis e o cansaço da vida a matava poucos a poucos. Olhou para o céu e parecia escuro, será que já era tarde? Na mão esquerda, a última carta que recebera do filho, e na mão direita, um espelho mágico. Espelho que estava quebrado e para Hermione aquele espelho era simplesmente de papel. Não conseguia nem ver o seu próprio rosto pelas muitas rachas no vidro, e o que conseguia ver, quase que, não se reconhecia. Onde estava aquela garota saudável e inteligente? Morta. Onde estava aquela garota que sonhava com o futuro mais brilhante? Morta. Onde estava a garota que acreditava em seu país como sendo o mais perfeito do mundo? Morta. Só o que não estava morta era sua alma. O que não faltava muito para acontecer.
“Meus dias são folhas morrentes;
Não há mais flores nem frutos do amor;
O verme, o cancro e a dor
São meus somente.¹”

“E por que não?
Se no correr da vida
Tanto mal, tanta dor ai repousa
É bom, fugindo da podridão do lodo
Servir na morte enfim p’ra alguma coisa¹”.

Olhos fechados. As pontas dos dedos sangravam pela força que segurava o pedaço de vidro. Se ela morresse, pra onde iria? Lá pros cantos ardentes do inferno de Dante? Ah, que saudades que não tenho da aurora da minha vida. Então é isso, saio da vida sem entrar na história. Escutou alguém dizer “Hermione!” Seria ele? Quem sempre sonhara em ver de novo? Abaixou o rosto quando viu o amigo Rony. Ele notou o sangue que escorria dos dedos da castanha.

-Hermione? Que estava pensando?

-Morrer.

-Está doida? Não pode se matar!

-Eu não agüento mais, Rony.

-Ele morre se você morrer.

-Acha mesmo? – Perguntou levantando o rosto para ver o amigo.

-Ele só está vivo por sua causa, Hermione. Sabe disso. Morrer por amor não é pecado, você está morrendo por covardia.

-Covardia? Muito fácil falar né, Rony? – Revoltou-se se levantando do chão. Por pouco não caiu, - Não foi o seu filho a quem mataram. Não foi você a quem condenaram.

-Mas não pode fazer isso.

-Se eu morrer e ele se matar nos encontraríamos na eternidade. Não parece melhor?

-Sim, parece. Acontece que as pessoas que se matam vão para o inferno, Hermione.

-O que é o inferno perto do que estou vivendo, Rony?

Rony olhou para o chão. Parecia triste. – Contei a ele sobre o William.

-Contou? – Indagou se aproximando do amigo. Segurou as barras de ferro e ficou a olhar os olhos azuis. – E ele?

-Está mal.

-Não pode trazê-lo aqui? Preciso falar com ele, tentar explicar. Ele está com raiva não está?

-De quê?

-Do Harry ser o padrinho do Will. De nunca terem falado nada pra ele.

-Acho que sim. Qualquer um ficaria.

-Então, Rony. Por favor!

-Está bem. – Disse afirmando com a cabeça. Depois, beijou a mão de Hermione sutilmente. Rony apertou forte a mão direita de Hermione. – Não se importa de esperar alguns dias?

-Pra quem já esperou anos, não é nada ruim.

-Certo. Prometo que você verá o Malfoy de novo.

Hermione sorriu para o amigo. Disse “obrigada” e viu Rony descer as escadas destruídas. Voltou para o catre e ficou observando as fotos pregadas na parede. Com um carvão rabiscou oito traços verticais. Estava pronta para esperar aqueles dias.
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Saí do quarto. O fraque bem passado, o cabelo bem penteado, os sapatos bem engraxados. No salão comunal, Parkinson e Bruce já estavam prontos. Notei que o vestido de Parkinson não era o que ela estava usando em Hogsmeade, era amarelo e mais curto. Bruce usava um fraque tradicional.

-Draco! – Parkinson levantou do sofá que estava sentada. – Não vai acreditar! Sabe qual é a banda que irá tocar no baile?

-Canto dos Malditos na Terra do Nunca². – Respondeu Bruce antes de mim. –Não vejo graça na banda.

-É a favorita do Draco.

Saí do salão sendo acompanhado pelos dois. Crabbe e Goyle não iam, não tinham com quem ir. Eu também não, mas eu conseguia arranjar qualquer uma em segundos, o problema é que não queria qualquer uma.

Chegamos ao salão principal. Estava todo enfeitado, tudo em cor branca representando o ano novo, já que era dia 31. Fomos os primeiros a ficar prontos, havia mais algumas pessoas prontas, mas não sabia quem eram. Vi um clarão e olhei para cima, depois ouvi o trovão, iria chover? Vi as nuvens prateadas ficarem pesadas. Senti que aquela noite não seria boa pra mim. Olhei para o palco, mas a banda ainda não havia chegado. Olhei para a escada esperando Hermione descer, mesmo que soubesse que ela não viria. Vi Potter e Weasley descerem juntos. Potter como sempre com aqueles óculos e de fraque preto, Weasley com um vestido meio-curto verde.

Sentei numa mesa e apoiei o rosto na mão esquerda. Tédio era a palavra exata do que seria aquela festa. Até que eu estava bem enganado.
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-Você gosta de violetas, Will? – Perguntou Hermione ao ver um desenho do filho que tinha um jardim cheio de flores roxas.

-Aham. – Respondeu deitado no catre pintando flores no desenho.

-Por quê?

-Porque são roxas. – Respondeu pintando mais flores. – Também gosto das azuis, mas não sei os nomes delas.

-Tem uma flor que contém cinco pétalas, algumas vezes são azuis, outras vezes são roxas. Ela é chamada de pervinca. Algumas pessoas dizem que ela é a flor dos feiticeiros. Acho que você ia gostar.

-Tio Rony diz que não posso gostar de flores.

-Por quê?

-Porque ele disse que flores são para garotas. Flores são só para garotas? – Perguntou parando de desenhar e olhando para a mãe.

-Não. Há muitos homens que gostam de flores.

-Papai também gosta de flores?

-Não. – Respondeu meio triste. – Ele não é muito fã de flores não.

-Do que ele gosta?

-De poucas coisas. Há mais coisas no mundo de que ele odeia.

-O que ele odeia?

-Harry, os Weasleys, grifinórios em geral, lufas-lufas, Blaise Zambini, aspargo, palmito, lagartixa, carne de porco, salada, pimenta, aula de Adivinhação, leite, Lucius Malfoy, elfos domésticos, Bicuço, queijo, Hagrid, torresmo, Voldemort e por aí vai. – Disse com um tom de saudade. –Necessariamente nessa ordem.

-Ele gosta de histórias?

-Todos gostam de histórias, Will. Ele só não gosta das bestas. – Hermione sentou encostando-se á parede suja. Will soltou o lápis de cor e ajeitou-se sentando no colo da mãe. – Qual você mais gosta?

-A do Dorian Gray³.

-Você conhece a do passador de gado?? – Perguntou ajeitando o cabelo do filho. William negou a cabeça desarrumando-o um pouco mais. Hermione ajeitou-o de novo. – Um homem morava numa fazenda no interior do país. Ele era casado com uma moça bem mais nova que ele. Na fazenda, havia um rapaz que trabalhava como passador de gado e outro que domava os cavalos. O que domava cavalos era primo do dono da fazenda e era apaixonado pela mulher dele. Uma vez, o dono da fazenda viajou.

-Pra onde?

-Pra Edimburgo. – Inventou Hermione na mesma hora.

-Fazer o que lá?

-Precisava comprar rações para o gado.

-E ele não podia comprar as rações numa mercearia perto da fazenda onde morava?

-Podia, mas ele não confiava no dono da mercearia.

-Por quê?

-Porque o dono da mercearia não era confiável. Havia gente que dizia que ele colocava produtos químicos nas rações causando efeitos colaterais no gado. E Edimburgo ficava só a uma hora.

-Hm..- William fez gesto com a cabeça que havia entendido o motivo da viagem. Hermione soltou o ar aliviada. – Continua.
-Então, a mulher do dono da fazenda e o domador de cavalos acabaram tendo um caso. Eles se encontravam toda noite. O passador de gado sabia, mas não dizia nada. O dono da fazenda chegou de viagem e descobriu.

-Como? O passador de gado contou?

-Não. Ele viu os dois juntos.

-E o que ele fez? – Perguntou assustado.

-Ele mandou o passador de gado matar o domador de cavalos da pior forma possível. O passador então, matou um touro e tirou todo o couro do animal. Depois, costurou o couro na pele do domador.

-E depois?

-Colocou ele no sol, em pleno meio-dia. Com o calor, o couro foi encurtando e foi apertando o corpo do domador de cavalos.

-Ele morreu?

-Morreu. O couro apertou os órgãos do domador, e ele acabou morrendo. O dono da fazenda disse para o passador de gado que ele podia ir embora da fazenda porque não acreditaria em nenhum dos seus empregados mais. Também disse para deixar o corpo do domador ali mesmo no chão. O passador de gado sentiu pena do companheiro e decidiu enterrá-lo para que ele não ficasse a vagar pelo mundo.

-Mas o domador não tinha morrido? – Perguntou virando-se para frente de Hermione.

-Tinha, mas as pessoas que morrem e não são enterradas ficam a vagar pelo mundo.

-Por quê?

-Porque não sabem que estão mortas.

-Então, todas as pessoas que morrem têm que ser enterradas para que não fiquem a vagar por aí?

-Basicamente.

-Quando eu morrer, então, terei que ser enterrado?!

Hermione sentiu o coração bater mais forte. Há muito tempo não sentia isso. Se o William morresse, acabou. Não teria mais ninguém. Afastou o pensamento de morte do filho e acenou com a cabeça.

-Quero um monte de violetas. – Pediu. Hermione levantou as sobrancelhas. – Quero também rosas, tulipas, e essas pervincas de quais falou.

-Will, não pense nisso está bem? Você só tem quatro anos, não pode ficar pensando quais tipos de flores vai querer no seu funeral.

-Mas o funeral é meu não é? E se eu não disser agora, eu poderei esquecer depois, e aí quando eu morrer, vão colocar flores das quais não gosto.

-Está certo. Prometo que você terá todas essas flores no seu funeral.

-E depois que a gente morre, pra onde a gente vai?

-Pro céu.

-Junto com os anjos? – Perguntou dengoso.

-Você acredita em anjos, Will? – Perguntou Hermione. Ela sorriu quando ele afirmou com a cabeça.

-Você não acredita, mamãe?

-Acredito. - Ele acreditava em anjos, e porque acreditava, eles existiam.
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Ouvi algumas risadas. Notei que o salão estava cheio. Nunca pensei que um baile pudesse ser tão tedioso. Nem a minha banda favorita consegue animar a festa. Estava considerando a idéia de seguir o exemplo de Hermione e ir para o dormitório. Parkinson e Bruce desapareceram e não fazia questão de saber onde estavam. Weasley e Brown também não pareciam muito animados. Já Potter e a Weasley se divertiam como o último dia na Terra.

Decidi me levantar e sair dali. Saí do castelo e sentei no banco em frente ao chafariz do jardim. Mal sentei e gotas de chuva começaram a cair sobre meus cabelos despenteando-os e molhando meu fraque. Droga, comprei um fraque em vão.

-Malfoy? – Indagou Hagrid. – O que está fazendo nessa chuva?

-Me molhando.

-Por que não está no baile com seus amigos?

-Porque não tenho amigos.

-Conversa é essa, rapaz, todos têm amigos.

-Sou uma exceção no mundo.

-Desculpe, Malfoy, não quero me intrometer na sua vida, mas não seja tão pessimista. Não tem realmente ninguém com quem possa ficar essa noite? Está tão bonita e além do mais, nessa chuva, pode pegar um resfriado.

-Eu prefiro ficar sozinho.

-Então, está certo, se você fica eu entro. Boa noite, Malfoy.

A chuva ficou mais forte assim que ele entrou. Gostaria de sair dali, mas ao mesmo tempo não. Decidi ficar, não tinha nada demais pra mim lá dentro mesmo. Aqui fora, pelo menos, eu tinha a chuva. Olhei para a lua. Lua cheia. Será que ela estava cheia por falta de atenção? Repentinamente, lembrei-me de minha mãe cantando “a lua, tal qual a dona de um bordel, pedia a cada estrela fria, um brilho de aluguel”.

-Vai pegar uma pneumonia, loiro. – Escutei a voz de Hermione ao lado do chafariz. Também parecia não se importar com a chuva. – Por que não está no castelo?

-Porque você não está lá.

-Já te disse que não vou, Malfoy. – Falou sentando no banco ao meu lado.

-Não foi uma pergunta.

Senti minha circulação na ponta dos meus dedos. Consegui escutar “And pray for the thunder and the rain to quietly pass me by” de dentro do castelo.

-Devia entrar, Hermione, o homem da sua vida está lá dentro. – Falei referindo-me ao Potter.

-É. – Ela falou de cabeça baixa. – Mas o amor da minha vida ta aqui fora.

Silêncio mortal. E nesse silêncio profundo se esconde toda minha imensa vontade de gritar. Tive a imprensão que havia perdido o tato também porque nem notei que a chuva piorou. Olhei fixamente nos olhos dourados dela. Ela também olhou fixamente para os meus. Como traduzir o encontro real entre nós dois? Você chamaria isso de perfeito. Eu chamaria de estado agudo pleno de felicidade.

-Desculpe, Draco. Desculpe por ter esfregado aquilo na sua cara...você fez mais por mim do que qualquer pessoa faria. Eu fui injusta com você, eu fui insensível. Tava tentando dizer a mim mesma que não gostava de você, que não me preocupava com você porque você era um comensal. Só que eu não sabia que eu ia sentir tanto a sua falta...e depois daquele dia no trem, descobri que não me importo se você é ou não um comensal porque... - faltava a palavra que cederia a alma, mas quem queria ceder a alma? Eu queria!

-Eu amo você. – Falei antes que ela terminasse. Meus pés pareciam feitos de chumbo de tão pesados. Hermione tinha o rosto corado. Engoli em seco. – Desesperadamente.

Tudo voltou ao normal, voltei a ouvir a música de dentro do castelo, senti a chuva forte e meu coração batia mais forte. Curioso. Todos dizem que quando você diz que ama alguém, você escuta sinos sobre sua cabeça, o tempo pára e só existe você e essa pessoa no mundo. Quando falei isso para Hermione, sinos não tocaram, o tempo não parou, anjos não desceram do céu, nem muito menos mudou algo naquele momento. Não espere que mude algo também na sua vez, porque quando se ama alguém, não é preciso entender o que se passa lá fora porque tudo passa a acontecer dentro de nós.
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Hermione abriu os olhos quando ouviu alguém chamando por ela, reconheceu Hagrid com Canino ao lado. Piscou os olhos várias vezes até sentir que estava consciente. Com o ouvido, escutava batidas fortes de um coração.

-Hermione, vamos, levante-se. Rápido!

O latido agudo do cachorro a incomodou. Percebeu que estava um pouco com frio e as mãos estavam geladas. A garganta arranhava um pouco. No chão, vários flocos de neve.

-Vamos, se alguém lhe ver aqui, poderá ser expulsa.

Limpou os olhos com a mão e bocejou depois. Sem muita coragem, afastou-se do corpo de Draco e levantou-se do banco. Hagrid pareceu ficar vermelho.

-Não seria mal você colocar uma calça.

Foi a vez dela ficar vermelha. Percebeu que a única coisa que cobria seu corpo era a camisa preta de Draco que ia só até um pouco abaixo da calcinha, visto que o loiro era quase do mesmo tamanho dela. Hagrid virou de costas para a garota e Hermione vestiu a calça que usara noite passada. Canino latiu quando Hermione já estava pronta, e Hagrid virou-se novamente. Hermione pediu desculpas pela cena e Hagrid fez um sinal de tudo bem.

-Melhor vocês dois saírem daqui. Se alguém descobrir que dormiram fora dos dormitórios, serão expulsos. Acorde Malfoy e saiam.

-Que horas são, Hagrid?

-Quatro e quarenta. Por sorte ainda está escuro e ninguém os viu aqui, agora não abusem da sorte.

-Obrigada, Hagrid! – Agradeceu com um sorriso sincero no rosto. Viu que o rosto do amigo estava sério. – Aconteceu algo?

-Ah, é que não gosto de ver você junto do Malfoy. E bom, pelo visto, vocês já passaram da fase de amigos, não é? – Perguntou meio envergonhado. – Mas tome cuidado, Hermione, precisa entender que estando com Malfoy, acaba se metendo com coisas perigosas e não quero que algo sério aconteça com você.

-O que acha que pode acontecer comigo?

-Talvez Você-Sabe-Quem use você ou até Malfoy para planejar algo contra o Harry. Tome muito cuidado, Hermione, se Você-Sabe-Quem descobrir que você está com o Malfoy, você pode fazer o Harry passar por maus bocados.

-Não precisa me lembrar disso, Hagrid. Acontece que eu não consigo mais ficar longe dele, sei que está com raiva de mim por isso. Os meninos também estão. Harry nem mais fala comigo, Rony ta meio sem saber o que fazer e Gina, bom não precisa nem comentar.

-Eles não estão com raiva, Hermione. Estão preocupados, é diferente. Você sabe disso, e não pode culpá-los por sentirem-se assim, principalmente o Harry, você o compreende e sabe que você se misturando com o Malfoy pode colocar o Harry em alguma enrascada. Talvez até mesmo o próprio Malfoy.

-Não se preocupe, Hagrid. – Respondeu olhando para alguns flocos de neve no pé do banco que Draco estava deitado. Não se perdoaria se algo acontecesse com seus amigos, enlouqueceria se algo de ruim acontecesse com o Harry. Não suportaria se algo acontecesse com Draco. – Vou tomar cuidado, não vai acontecer nada.

-Eu sei que você vai, Hermione, não existe ninguém mais cuidadosa que você nesse mundo. – Respondeu com o sorriso simpático de sempre. Virou-se para ir embora, depois, desistiu e abaixou-se para falar no ouvido de Hermione. – Veja se consegue fazer Malfoy parar de ser azedo.

Hermione riu e concordou com a cabeça. Canino deu dois latidos e Hermione fez um carinho no cão. Olhou para Draco quando Hagrid já descia o morro para sua cabana. Ela sabia onde estava se metendo. Ela não era idiota a ponto de se envolver com Draco sem pensar no que aquilo podia causar a todos á sua volta. O problema é que talvez, a idiotice de Hermione seja não tentar pensar naquilo, o que definitivamente era uma idiotice.
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-Ainda está aqui, Malfoy? – Perguntou Weasley aparatando novamente no cemitério. -Vamos, vai pra casa...

Ele parou de falar quando viu meus olhos vermelhos e a minha calça um pouco molhada por algumas lágrimas. O canivete ainda na mão, e a fotografia do meu filho em cima do túmulo.

-Pode fazer um favor, Malfoy? – Ele perguntou sentando ao meu lado. Depois, tirou o que pareceu ser uma carta do bolso. – Entregue isso ao Harry.

-Esqueça, Weasley. Eu nunca vou olhar na cara do Potter outra vez.

-Você precisa! E quando você fizer isso ele vai entender e vai lhe ajudar.

-Não preciso de ajuda do Potter! E por que não entrega você mesmo a ele?

-Porque não posso. Você tem que fazer isso. – Ela tirou outras cartas do bolso da capa que o cobria. –E isso é para você.

-Que é isso?

-Algumas cartas de Hermione pra você que Harry nunca lhe entregou. –Peguei as cartas, eram cinco. – Ela escrevia toda semana e pedia para Harry lhe entregar, mas ele não o entregava. Aí são só as últimas, depois de um tempo ela foi parando de escrever porque sabia que Harry não ia lhe entregar mesmo. As outras estão com Harry e se não me engano, já viraram pergaminhos há muito tempo.

-Como conseguiu?

-William me deu para que eu te entregasse.

-William? – Perguntei incrédulo.

-Quando ele soube que essas cartas eram pra você e que Harry não entregaria, ele roubava essas cartas do quarto do Harry, me entregava e pedia para que eu lhe entregasse.

-E por que diabos você nunca me entregou?

-Acho que porque não gostaria de ver o Harry com raiva de mim.

-Você nunca me entregou essas malditas cartas porque não queria que POTTER FICASSE COM RAIVA DE VOCÊ! – Falei indignado. – DIABOS, VOCÊ É GAY POR ACASO?

-Não, não sou. Sou casado com Luna e gosto muito dela, acontece, que você não tem amigos, Malfoy e por isso não entende.

-E VOCÊ NÃO ENTENDE O QUE É FICAR ANOS ESPERANDO UMA NOTÍCIA DA GAROTA QUE VOCÊ AMA! – Levantei-me da grama quase cuspindo nele. Era só o que faltava...não entregar as cartas de Hermione pra mim porque não queria que Potter ficasse com raiva!

-Sinto muito.

-Não sente não. Você não sente num um pouco, na verdade. Você só está tentando se desculpar, mas não faz idéia do que estou falando. E isso fica por isso mesmo, Weasley, já que não posso mais ver meu filho nem Hermione. E aí, você e Potter, continuam vivendo suas vidinhas medíocres como se nada tivesse acontecido e como se isso não os importasse, mas talvez isso realmente não importe pra vocês, porque não foram com vocês, e não foram vocês que tiveram suas vidas roubadas. É como diz o ditado popular, pimenta nos outros é refresco, e com o gosto da preferência.

Ele ficou olhando a grama verde, depois puxou um pouco. Será que William sentiu? Será que doeu? Ele levantou-se do gramado, respirou fundo e afirmou com a cabeça.

-Talvez tenha um pouco de razão, Malfoy. Mas de certo ponto, isso importa pra mim.

-Ah, sim?

-Sim, por isso estou pedindo esse favor.

-Qual o favor, Weasley? – Perguntei impaciente.

-Me mate.

Continua...
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¹: Poemas de Lord Byron. Pra quem não sabe, foi quem escreveu Don Juan, é conhecido como o ultra-romântico. Byron se apaixonava várias vezes por muitas mulheres, costumava dizer "Todo homem sonha em ser o primeiro na vida de uma mulher, a mulher sonha em ser a última na vida de um homem." Byron lutou pela independência da Grécia se tronando um herói pro país. Se apaixonou pela irmã, Augusta, e teve uma filha com ela chamada Ema Byron. (Ema Byron foi quem inventou a calculadora, ou seja, se Lord Byron não tivesse feito coisas feias com a irmã não teríamos essa maravilha na matemática.) Byron morreu de uma misteriosa febre.

²: Canto dos Malditos na Terra do Nunca. A banda existe. Eu não gosto, mas tenho amigos que adoram e decedi homenagá-los. A parte que o Draco fala "pray for the thunder and rain to quietly pass me by" é da música Sweet Child O' Mine do Gun n' Roses.

³: Dorian Gray. História escrita por Oscar Wilde. Dorian Gray era um cara muito bonito e nascisista, fez um pacto com o diabo para ter a juventude eterna. O passar dos anos se mostrava num quadro que ele tinha na parede que era o retrato dele. A história é "O Retrato de Dorian Gray". Era uma crítica á sociedade da época (se bem que hoje ainda se faz presente) ás pessoas que cultuam a beleza exageradamente. Quem quiser ler, é curto, não passa de trzentas págnas. Agora, Divina Comédia, do Dante Alighieri é uma bíblia, mais de setecentas páginas!!

Ah, outra observação. A história do passador de gado é só umas dessas histórias que te contam quando você está no interior e essas coisas. Histórias do nordeste, não sabem como tem muitas. Quando me contaram a história, o povo a chamava de "O encolotado em couro". Outros já conhecem como passador de gado. Decidi deixar passador porque encolotado é uma palavra muito estranha.

Respondendo Comentários (finalmente!):

Teresa: Veja se isso responde suas perguntas sobre o filho do Draco. Ah, você vai ler até o final que eu sei, não adianta, você lerá. Sim, falta pouco, se não for até 12 irá até o 13 no máximo. E não direi nada a partir daqui porque já está ficando tudo muito claro e tenho certeza que você já tá entedendo o que estou tentando fazer. Acha que esse foi pior?

Ariane: Ficou com vontade de chorar, sério? Nossa, não imaginei que tivesse capacidade para tirar lágrimas de leitores, sério. Pois é, mulher, também to preocupada de fiicar muito clichê. Eu não, sei, queria uma coisa meio que chocassem vocês, mas acho que não consigo, nem com vocês. nem com o Draco. Hehe. Ah, a música do zé ramalho, sim eu peguei só de apretecho. Depois, eu descobri que o título estava errada, eu troquei as palavras, o original é "Entre a Serpente e a Estrela". Você também gosta de R.E.M?

Imogen: Já comentei sobre o artigo, e só ó que tenho a dizer aqui, é obrigada. Muito mesmo, bom gosto você tem, ausahushuahua. É, pois é, uma cena muda tudo. E eu estou sentindo que quando terminar vai ser triste pra mim. Mas seguirei firme escrevendo outras histórias. Não sobre HP, porque J.K conseguiu me decpecionar com aquele epílogo. Eu já tenho outra história em mente, se chama, "O mistério de Charlotte Rose". Uma amiga minha disse que pelo título, vai ser ótimo. Vamos ver. né?

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