A grande decepção
O chão era frio como gelo e duro como pedra. Seu rosto doía em contato com o piso. Todo o seu corpo estava dolorido, como se tivesse levado uma surra. O silêncio era tanto, que assustava.
O primeiro pensamento de Gina era que estava morta. Mas isso não fazia sentido, pois ela sentia seu coração bater e seu corpo doer cada vez que inspirava e expirava o ar.
O segundo pensamento era que estava paralítica.
Não conseguia mover um membro sequer, e a força que fazia só tornava tudo pior e mais doloroso. Cada tentativa de algum simples movimento era mais um motivo para seu desespero aumentar.
O único som agora era o da sua respiração descompassada pelo esforço que fazia.
Ela não saberia dizer por quanto tempo permaneceu ali, apenas deitada naquele chão frio, naquela posição desconfortável, tendo pensamentos cada vez mais horríveis, a angústia e o medo correndo por suas veias como veneno. Ela esperou, esperou, mas nada aconteceu, até que, finalmente, conseguiu abrir os olhos bem devagar, sentindo uma dor latente na cabeça.
Enxergou o chão polido muito próximo a seus olhos. Não conseguia mover a cabeça para ter uma visão mais ampla. Acompanhou a linha que o chão fazia no seu campo de visão e viu estranhas estantes altas e compridas; não conseguia enxergar o teto, o lugar onde estava deveria ser muito grande. Tudo estava escuro, apenas parcialmente iluminado por luzes toscas e opacas.
Gina piscou, exausta. Seu braço direito estava estirado em paralelo ao seu rosto, e ela conseguia enxergar sua mão espalmada ao longe, seus dedos levemente flexionados e abertos. Tudo o que ela mais desejava naquele instante era vê-los se moverem, nem que fosse um único milímetro. Ela se esforçou o máximo que pôde, sentindo a dor dominá-la em toda a extensão de seu corpo.
Ela gemeu alto, derrotada. Não adiantava. Ela não conseguia se mover. Aquele maldito feitiço! Draco Malfoy tinha realmente se vingado dela em grande estilo, mergulhando-a naquele desespero sem fim. Mas para onde tinha sido levada, afinal?
Aquele lugar não era Hogwarts, definitivamente. O fato era que aquela enorme sala, aquelas estantes... tudo lhe parecia vagamente familiar, como se ela já tivesse, algum dia, estado ali. Mas ela não conseguia imaginar que lugar seria aquele.
Gina pensou nos outros... será que estariam numa situação tão ruim quanto a dela? Aquela imagem de Rony desacordado, sob o lustre, sangrando, veio à sua mente. Será que seu irmão ainda estaria vivo? Gina sentiu a garganta dar um nó. Não suportaria perdê-lo.Ela pensou nos pais, e em como se sentiriam se perdessem mais dois filhos. Pensou em Hermione, que também tinha sido derrotada como ela. Lembrou-se de Luna e de Neville... e de todos os seus colegas de Hogwarts... e de todas as pessoas que gostava e poderiam estar numa situação como a dela... ou pior.
Ela pensou em Harry e teve vontade de chorar.
Os seus dedos se moveram num reflexo, e ela soltou um novo gemido – mais alto do que o primeiro – pela dor que o movimento lhe causou.
Tudo era tão surreal... não dava para acreditar que realmente estava acontecendo. Não dava para acreditar que Hogwarts tinha sido invadida. Não dava para acreditar que as pessoas que mais amava poderiam estar mortas. Não dava para acreditar que ela poderia morrer dali a cinco minutos.
Não dava para acreditar que Harry tivesse mentido para ela.
Ela escutou passos cadenciados. Sentiu a aproximação de uma pessoa. O barulho dos sapatos contra o piso percorria a superfície deste e fazia-o vibrar. Gina apenas permaneceu paralisada – sua única opção –, esperando... esperando... sentindo o coração bater muito depressa... esperando... sentindo aquela dor horrível no seu corpo, que a fazia suspirar e gemer... esperando...
Ela viu o reflexo de uma pessoa no chão polido. Enxergou sapatos. Uma longa capa preta arrastava no chão. Silêncio. A pessoa tinha parado de caminhar.
- Dói... não é?
Ela reconheceria aquela voz arrastada e aquele tom de desprezo em qualquer lugar.
Gina gostaria muito mesmo de poder falar para poder xingar aquele maldito Draco Malfoy de todos os nomes mais grosseiros possíveis.
Ele se acocorou ao lado dela, de modo que ela, com seu reduzido campo de visão, pudesse enxergar seu rosto debochado com clareza. Os olhos cinzentos dele cintilavam com um prazer selvagem ao vê-la daquela maneira...
Indefesa, fraca e totalmente vulnerável.
A única coisa que ela pôde fazer foi lançar um olhar de puro ódio contra ele.
Malfoy soltou uma gargalhada satisfeita.
- Acho que você não está mais me menosprezando agora, não é, pirralha Weasley? – ele passeou a ponta do seu dedo indicador, fino e gelado, pelo rosto suado, sujo e ferido de Gina, e ela nunca pensou que pudesse sentir tanto nojo assim de uma pessoa em sua vida. – Você sabe do que eu sou capaz agora, não é?
Ele sorriu maliciosamente.
Gina o viu se levantar pelo seu reflexo no chão. Ela enxergou a varinha apontada e sabia:
Iria morrer.
Ele disse quase as mesmas palavras mágicas que disse antes, quando estavam duelando em Hogwarts, e Gina sentiu uma luz cinzenta a atingir fortemente, e seu corpo explodiu em dor. Foi como se todos os seus músculos tivessem se distendido ao mesmo tempo. Em seguida, foi como todos os seus músculos estivessem com uma enorme e dolorosa câimbra. Ela sentiu a garganta arder e arranhar, e pôde, então, finalmente gritar com todo o desespero que a atingiu. Sentiu que seu corpo tinha deslizado pelo piso numa velocidade absurda, até que atingiu uma estante próxima, batendo as costas com violência e parando; vários globos de vidro se estilhaçaram no chão e romperam, fazendo com que vultos esbranquiçados flutuassem e começassem a competir para falar, numa confusão de vozes. Sua cabeça pendeu molemente até sua testa bater no chão, rompendo com o choque. Uma pequena poça de sangue se formou no lugar.
Ela ficou paralisada por algum tempo, apenas sentindo toda a dor que se intensificava em seu corpo. Flexionou os dedos lentamente e percebeu que já podia se movimentar, mesmo que a dor, no momento, a impedisse de fazer qualquer coisa.
- Isso é para você aprender... – Gina ouviu a voz arrastada de Malfoy em algum ponto distante de sua mente perturbada. - ...a nunca mais se atrever a me desafiar...
Ela permaneceu em silêncio, respirando baixinho, os olhos fechados. Não conseguia dizer todas as grosserias que queria a ele, tamanha era a sua exaustão e dor. Naquele instante, realmente desejou que ele a matasse... que morresse... só para aquela humilhação terminar.
Mas então ela pensava nas pessoas que amava e sabia que tinha que lutar para viver. Mas como?
Os passos recomeçaram. Ela abriu os olhos, que ardiam fortemente, e divisou os sapatos de Malfoy caminhando de um lado para o outro.
- Que trabalho tedioso. – ele resmungou num tom de fingida lamúria. – Ter que ficar aqui, vigiando uma inútil como você... – Gina sentiu suas entranhas revirarem de ódio. – Nem me deixaram matá-la para me divertir um pouco...
Não deixaram que me matasse?Os passos pararam por um momento. Gina viu os sapatos à frente de seus olhos, e sabia que ele tinha parado para ver sua expressão surpresa – que, infelizmente, ela não tinha conseguido reprimir.
- Ah, você pensou que eu iria te matar, Weasley? – ele perguntou naquele tom sádico. – Sinto muito... era o que eu queria também, mas acho que vou ter que me contentar em apenas te humilhar como você fez comigo naquele dia em Hogwarts...
Dedos rudes se fecharam ao redor de seus cabelos, puxando-os, arrancando-os... Gina sentiu uma dor lancinante nas raízes deles, que a deixou praticamente cega, quando Malfoy levantou sua cabeça, utilizando-os, fazendo-a sentar, obrigando-a a olhar diretamente para ele. Ele estava mais uma vez acocorado ao seu lado, seu rosto pálido e fino muito próximo ao dela, tanto que ela podia sentir seu hálito quente bafejando-lhe a face. Sua expressão era de profunda fúria. Aquela era sua vingança particular.- Você se lembra? – ele sussurrou mansamente no ouvido dela, respirando na sua nuca. Ele ainda agarrava os cabelos dela, mas Gina não mostraria fragilidade gemendo de dor; ela mordeu os lábios com força, sentindo o sangue de seu ferimento na testa escorrer por seu rosto até atingir a boca, fazendo-a provar o gosto salgado. – Você se lembra, Weasley, quando me humilhou na frente de toda Hogwarts?
Houve uma pausa. Malfoy sorria alucinadamente, parecendo saborear sua superioridade naquele momento.
- Eu faria tudo de novo. – Gina murmurou com selvageria, fazendo esforço para falar, sua voz saindo rouca e falha. – Só pra te ver jogado no chão daquele jeito... como uma barata espezinhada sob meus pés...
O olhar dele se transformou em puro ódio.
Gina sentiu que vários fios de seu cabelo tinham dado adeus à sua cabeça quando Malfoy a puxou mais para perto dele. O nariz gelado dele encostou-se à sua bochecha, e Gina teve novamente aquela sensação de profundo asco. Os lábios dele tocaram o lóbulo de sua orelha quando sussurrou, o hálito esquentando sua nuca:
- Onde está o Potter agora, hein? Você gostaria que ele estivesse aqui, huh? – ele provocou maldosamente; Gina sabia que ele tinha tocado no seu ponto fraco. Mas ela não queria que Harry aparecesse... não queria sua ajuda... não precisava dele...
– Ele não está... será que ele se esqueceu de você? Talvez esteja longe... morrendo...
Malfoy fez uma careta de nojo quando Gina cuspiu selvagemente bem no meio dos seus olhos.
- SUA PUTA! – ele gritou enraivecido, jogando-a contra o piso novamente com brutalidade.
Gina não foi capaz de amortecer a queda com as mãos e sentiu, pela segunda vez, a testa chocar-se contra o chão, aumentando ainda mais o rasgo em sua pele. Ela não soube por quanto tempo permaneceu paralisada, de cara para o chão, apenas sentindo a dor que se alastrava por todos os membros de seu corpo. Ela desejava que Malfoy pensasse que ela estivesse desmaiada e parasse de torturá-la pelo menos por um minuto, mas ele parecia alucinado demais para deixar de machucá-la para seu próprio deleite.
- Eu queria que tivesse muita gente aqui, Weasley. – ele disse num ponto distante, o som de seus passos ecoando e fazendo o piso vibrar novamente. – Só para te ver assim... mas acho que vou ter que, mais uma vez, me contentar com as migalhas. – ele lamentou. – Isso não deve ser novidade para você, não é, vindo daquele chiqueiro que vive... – Gina teve o desejo de causar muita dor a ele, assisti-lo gemer e gritar, mas não havia nada que pudesse fazer naquele estado. Malfoy tinha o mais completo domínio da situação. O que ela poderia fazer naquelas condições, e ainda por cima sem uma varinha? – Mas agora... o que vou fazer com você?
Ela esperou, ouvindo os passos dele reboarem contra o piso. Sua cabeça funcionava a mil, mas não enxergava uma única saída sequer. Ela apenas via um linha infinita sobre o piso, seus cabelos sobre seu rosto, e não havia luz no final do túnel.
- Tem que ser algo que te marque para sempre... – ele continuou a falar, deliciando-se a cada palavra. – Algo que você nunca esqueça...
Ela sentiu uma mão apertar seu braço com força e arrastá-lo brutalmente até que seu rosto emparelhasse pela segunda com os olhos insanos de Malfoy. Ele sorriu maliciosamente por um segundo, então a empurrou contra a estante mais uma vez.
Gina bateu a cabeça contra a quina da estante e não conteve uma exclamação de dor. Quando abriu os olhos, vendo estrelas, o rosto de Malfoy estava assustadoramente próximo do dela, a apenas poucos centímetros.
- Acho que já sei o que posso fazer com você, garota...
Seus olhos se arregalaram de terror. Ela percebeu, horrorizada, o que ele estava prestes a fazer um segundo antes que começasse.
- NÃO, ME SOLTA, ME SOLTA! – ela gritou o mais alto que pôde, enojada, tentando afastá-lo com um pânico maior do que jamais sentiu na vida, plenamente consciente do que iria acontecer se não conseguisse detê-lo.
Ele esgueirou sua mão nojenta por baixo da saia do seu vestido... tocando-a... subindo por sua perna...
- ME LARGAAAAA!!! NÃOOOO!!!
Ela agitou suas mãos aleatoriamente, tentando socá-lo, estapeá-lo, afastá-lo, qualquer coisa que o fizesse parar... Ele não podia fazer aquilo... Gina começou a se sentir suja, imunda... Ela gritava, mas aquilo só parecia fazê-lo ter mais desejo de continuar... Gina nunca imaginou que pudesse existir um desespero tão grande, mas aquilo superava todas as piores situações que já tinha passado na vida. Ela preferia morrer a ter que passar por aquilo.
Ele apalpou sua cintura... subiu a outra mão por sua barriga... atingiu seu colo... esgueirou a mão até seus seios... mergulhou a cabeça no seu pescoço... mordendo-a... desceu pelo decote... rasgou-o, produzindo um som de tecido sendo esfiapado... seu sutiã ficou à mostra... a outra mão espalmada subia pela coxa...
- NÃAAOOOOOO!!! ME SOLTA, SEU NOJENTO!!! ME SOLTAAA!!!
Ela gritava... chutava-o... socava-o... mas seu corpo estava esgotado, suas forças se esvaíam, e ela sabia que seus ataques não faziam nem cócegas nele... Ele era muito mais forte que ela e imobilizou seu corpo com facilidade, enquanto continuava sujando-a... tocando-a... Ele era repugnante...
A mão dele envolveu sua coxa e a arrastou com força... obrigou-a a afastar as pernas... ele colocou seu corpo asqueroso sobre o seu, imobilizando-as... os seus pés não conseguiam mais atingi-lo... a outra mão dele explorava suas curvas, seus seios... ele lambeu a linha do seu ombro até o pescoço... o nariz dele roçava sua bochecha suja e suada... machucada e cheia de hematomas... lentamente... como se o desespero dela e as tentativas frustadas de impedi-lo apenas o divertissem e excitassem ainda mais...
Gina enxergou vingança e crueldade nos olhos frios dele quando Malfoy parou por um segundo para encará-la, seus rostos assustadoramente contíguos. Agora que suas pernas estavam imobilizadas, ele aproveitou as mãos livres para segurar ambas as mãos dela acima de sua cabeça, apertando seus pulsos com uma força tamanha que suas mãos começaram a formigar pela falta de oxigenação, impedindo Gina de continuar a bater inutilmente nele. Não havia nada mais que ela pudesse fazer. Gina apenas o encarou de volta, desalentada, seus olhos implorando para que parasse. Sua respiração era rápida e rasa como a de um bichinho assustado. Todo o seu corpo tremia de terror. Ela soluçava. Havia lágrimas em seus olhos... de raiva... de desespero... de ódio... de aflição... de angústia... de derrota... Ele iria sujá-la, e não havia nada que ela pudesse fazer para impedir aquilo... Ele iria marcá-la para sempre, e ela nunca mais poderia sentir-se limpa outra vez.
Ele aproximou seus lábios do ouvido dela e fechou os olhos.
- Aposto que você é virgem. – ele sussurrou com diversão, um prazer sádico em sua voz. – Potter é frouxo demais para te comer, não é?
Ela fechou os olhos, sentindo as lágrimas rolarem, os lábios tremendo. Lembrou-se daquele dia, na sala da A.D., quando ela e Harry quase fizeram amor... Lembrou-se do dia na cachoeira, quando ela estava com medo e ele a abraçou... Lembrou-se de quando dançaram e ele cantou no seu ouvido suavemente... Lembrou-se do primeiro beijo deles...
E agora ela estava sozinha. E Malfoy iria sujá-la.
Quando ela abriu os olhos, sua visão turva pelas lágrimas e seu corpo agitando-se por causa dos soluços angustiados, o rosto de Malfoy estava a centímetros dela. Ela estava exausta... não conseguia mais resistir... Ele entreabriu os lábios finos, seu olhar com um desejo vazio e cruel, aproximando-se da boca dela. Gina virou o rosto, sentindo aquele nojo angustiante novamente. Ele não poderia beijá-la... não, por favor... beijá-la, não... Só Harry podia beijá-la...
Gina fechou os olhos, chorando de medo... de terror... de derrota... angústia... desespero... nojo... Não queria ver aquilo... queria morrer e não sentir...
Foi então que, inesperadamente, Malfoy ficou paralisado; aconteceu tudo muito rápido, mas foi como se Gina visse em câmera lenta. O aperto dele ao redor de seus pulsos afrouxou, o peso do seu corpo sobre o dela diminuiu bruscamente, ele gritou de susto, e Gina viu-o ser jogado para longe por uma força invisível, até aterrizar a vários metros, imóvel. Ela mal podia acreditar que estivesse livre dele.
Ela deixou que suas mãos escorregassem até o chão, pesadas e frouxas. Seu corpo ainda tremia intensamente pelo terror que tinha acabado de passar. Ela estava exausta. Sentia a face lavada pelas lágrimas. Os soluços esparsos. O sangue do seu ferimento ainda escorria por seu rosto.
Gina levantou os olhos lentamente, temendo o que iria ver a seguir. Não podia suportar mais. E quando o viu, não sabia se ficava aliviada ou decepcionada. Ela não sabia o que sentir.
Harry abaixou lentamente a varinha que tinha usado para enfeitiçar Malfoy. Ele estava pálido. Seus olhos estavam fundos... o verde-esmeralda escurecido... Aquele olhar que ela conhecia tão bem... como se estivesse protegendo-a... E Gina finalmente enxergou o que lutara para não ver por tanto tempo.
Aquele era o verdadeiro Harry Potter.
Hermione puxou um pouco mais o corpo para o lado, para que pudesse ter uma visão mais ampla do que estava acontecendo. Ela enxergou aqueles dois comensais cochichando próximos à porta da sala, sigilosamente. Um deles era aquele horrível Teodoro Nott, que provavelmente fora quem a trouxe para aquele lugar; o outro, baixo e franzino como Nott, continuava com o capuz no rosto, de modo que ela ainda não tinha descoberto de quem se tratava.
Calculava que tivesse passado muito tempo desacordada, mas mesmo depois que despertou, fingia que ainda estava desmaiada para não atrair a atenção deles para poder planejar com calma uma maneira de fugir. Seria quase impossível, mas ela não desistiria. Além disso, o tempo que passava ali estirada no chão servia para que pudesse recuperar as forças e ao menos pudesse correr quando fosse necessário.
Ela lembrava muito bem daquela sala onde estava. Localizava-se no Departamento de Mistérios, no Ministério da Magia. Tinha luminárias baixas, presas ao teto por correntes douradas, algumas escrivaninhas, e o que fez Hermione reconhecê-la: um enorme tanque de vidro, bem no centro, cheio de um líquido muito verde, onde vários cérebros branco-pérola flutuavam com uma aparência fantasmagórica.
Talvez aquele tanque pudesse servir para sua fuga. Se ao menos conseguisse fazer com que aqueles cérebros atrapalhassem os comensais, como tinham feito com Rony no quinto ano... Mas como poderia fazer uma coisa dessas sem atrair atenção? E sem uma varinha?
Bem, ela tinha nascido trouxa e sabia alguns truques. Teria que agir como uma pessoa normal.
Ela observou novamente os dois comensais conversando, suas imagens ligeiramente distorcidas pelo vidro do tanque onde estavam os cérebros. Aquilo serviria para escondê-la. Hermione, silenciosamente, rezando para que estivessem distraídos demais conversando, ficou de quatro e engatinhou até se esconder bem atrás do tanque, de maneira que ficasse completamente escondida por ele. Ela observou novamente aqueles dois e enxergou sua varinha na mão de Teodoro Nott, junto com a dele. Ele era o alvo. Tinha que conseguir distraí-lo a ponto de poder pegar sua varinha.
Hermione voltou a se esconder atrás do tanque e observou o que tinha ao redor. Apenas escrivaninhas e cadeiras. Ela examinou o tanque; era grande e pesado demais para que pudesse empurrá-lo, porém... a base dele... ela ousou dar uma batucada no vidro e notou que ele era muito fino e frágil pelo som agudo que produzia. Ela teve uma idéia.
Engatinhou novamente até a escrivaninha mais próxima, observando cautelosamente os comensais ao longe. Eles pareciam muito nervosos discutindo alguma coisa. Ótimo, continuem distraídos. Hermione se levantou com cuidado e puxou uma cadeira de madeira silenciosamente, levantando-a apenas um pouco do chão. Ela carregou-a bem devagar, cuidando para não produzir o mínimo ruído; no entanto, quando estava a apenas um metro do tanque, Teodoro Nott se virou e percebeu o que ela estava tentando fazer.
- PARE! – ele gritou, apontando a varinha de Hermione para ela, mas a garota conseguiu ser mais rápida.
Ela chocou a cadeira contra o tanque com o máximo de força que pôde, estilhaçando o vidro da base; uma rachadura começou a se espalhar por todo o vidro, mas Hermione não permaneceu de pé para ver. Ela se jogou contra o chão antes de ser atingida pelo feitiço de Nott, que ricocheteou nas paredes e acabou chocando-se, também, contra o vidro do tanque, estourando-o de vez. Vários esguichos daquele líquido verde saíram pelos buracos do vidro, sujando as paredes, escorrendo nas escrivaninhas, até que as rachaduras se estilhaçaram por completo e todo o líquido começasse a escorrer, junto com os cérebros.
Hermione começou a correr agachada pelo chão melado pela aquela gosma, tropeçando na barra do maldito vestido que ainda usava, jogando-se debaixo das escrivaninhas para escapar dos feitiços de Nott. A confusão tinha se instaurado. Os cérebros, suspensos no ar, começaram a voar em todas as direções, e algo que lembrava fitas de imagens animadas iam saindo das entranhas de cada um deles, desenrolando como um rolo de filme.
- RABICHO! – a voz de Nott soou alta e urgente. – FAÇA ALGUMA COISA PARA ME AJUDAR!
- Não... dá... – Hermione reconheceu a voz aguda de rato de Rabicho, entrecortada, como se ele estivesse lutando contra alguma coisa. – Esses cérebros malucos... estão me enforcando!
Ela corria agachada por debaixo das inúmeras escrivaninhas, sendo seguida pelos feitiços de Nott, que estilhaçavam mesas e cadeiras por onde ela passava. A adrenalina corria por suas veias, e ela sentia seu coração bater tão forte contra o peito que doía. O nível do líquido verde começava a subir no chão, o que atrapalhava que ela continuasse a correr, espalhando aquela gosma ao seu redor enquanto corria. Ela saiu debaixo da última escrivaninha em seu caminho e se jogou naquele líquido antes que um outro feitiço a atingisse.
- MALDITOS CÉREBROS! – Nott praguejou, e Hermione conseguiu ver que um deles tinha agarrado as pernas do garoto. Rabicho ainda se debatia com o cérebro que tentava sufocá-lo. – Diffindo! – ele exclamou, apontando a própria varinha, que estava na mão esquerda, para o cérebro, que pareceu aliviar um pouco o aperto nas pernas.
Hermione se levantou e correu até uma escrivaninha caída no chão, protegendo-se atrás de seu tampo. Todo o seu rosto e corpo estavam sujos daquele líquido verde, que ardia, coçava e grudava.
- Saia daí, sangue-ruim! – Nott gritou lá atrás. – Não vai poder se esconder para sempre!
Hermione fechou os olhos por um segundo, pensando. Sua respiração era rápida e nervosa. O que ela faria agora? Estava totalmente desprotegida sem uma varinha. Precisava se aproximar de Nott. Ele estava com a sua varinha, era a única saída...
- Saia ou vou matá-la, sangue-ruim...
Ela se jogou no chão antes que ele pudesse colocar a cara ali e amaldiçoá-la; Hermione agarrou-o pelas pernas e derrubou-o no chão, espalhando gosma verde quando seus corpos caíram um sobre o outro. Ela tentou segurar os braços dele, mas Nott, apesar de franzino, tinha uma certa força, e se desvencilhava dela. Hermione, porém, estava determinada, e não permitiu que ele a imobilizasse. Eles rolaram sobre a gosma, que aumentava mais e mais seu nível, e Hermione sentia aquele líquido sujar-lhe a face e se grudar em seus cabelos, enquanto eles lutavam entre si – ela para conseguir sua varinha, entre os dedos da mão direita dele, e ele para segurar seus braços.
- SUA TROUXA DESGRAÇADA! – ele gritou, e Hermione viu fúria no seu rosto no qual espirrava gosma verde. Ele estava sobre ela no momento, lutando para segurar os braços da garota, que se debatia e tentava arrancar sua varinha da mão direita dele.
Nott finalmente conseguiu empurrar as mãos dela para trás, enterrando-as na gosma. Hermione gritou de raiva e se debateu, o líquido começando a penetrar em seu nariz e sufocá-la. Ele sorria de um jeito macabro, e ela percebeu que o intuito dele era afogá-la ali mesmo, lentamente, enquanto aquele líquido ia subindo e impedindo-a de respirar.
- Sua grifinória de merda, como ousou pensar que poderia me vencer? – ele provocou, cuspindo as palavras nela, enquanto Hermione se debatia violentamente para se livrar dele. Ela sentiu que uma de suas pernas estava livre e teve uma idéia. – Eu vou ficar aqui, assistindo você morrer... bem devagar... – ele sussurrou em seu rosto com um prazer cruel.
Hermione sorriu vitoriosa.
- Não desta vez...
Ela flexionou o joelho direito e atingiu com força o ponto frágil dele, bem entre suas pernas. O garoto urrou de dor com todo o fôlego que possuía e soltou-a, caindo para o lado, espalhando gosma. As varinhas voaram das mãos dele. Nott segurou com ambas as mãos seu membro, gemendo de dor, seu corpo encolhido.
Hermione se sentou, arfando de cansaço, mas muito satisfeita. Ela olhou para o lado e apreciou, orgulhosa, a visão do estado em que tinha deixado o garoto. Então, lembrou que precisava fugir logo dali; levantou-se, recolheu sua varinha suja daquela gosma e apontou-a para Nott, que tinha pânico e dor estampados no rosto.
- Eu poderia estuporá-lo agora. – ela provocou com um sorriso. – Mas vou deixá-lo saborear sua dor. Será que é tão ruim assim? – ela perguntou num tom cínico. – Bem, não importa, eu nunca vou saber mesmo, não é?
E ela deixou a sala bem depressa, passando por um Rabicho que ainda lutava com aquele cérebro maluco.
Rony bateu a porta atrás de si e lacrou-a com um feitiço um segundo antes que eles o alcançassem. Ainda os ouviu baterem na porta do outro lado, furiosos, mas eles não conseguiriam passar.
Se alguém perguntasse a ele como tinha conseguido escapar, Rony com certeza não saberia responder. Tudo tinha sido tão nebuloso e confuso, que ele só poderia ter fugido mesmo por sorte. Mas ele tinha fugido, e era isso que importava. Estava naquela sala dos planetas, e a única coisa que lembrava era que correra por aquele corredor escuro, e alguns comensais flutuaram e se atrapalharam com os planetas, dando tempo para que ele pudesse escapar.
Estava, agora, naquela sala negra e circular, que começou a girar assim que ele bateu a porta. As velas de chamas azuis, que separavam as portas, começaram a se deslocar para o lado. Rony começou a se sentir enjoado. Sua cabeça doía muito, e seus vários ferimentos no rosto e no corpo não paravam de sangrar.
Onde poderiam estar os outros? Ele pensou desesperado, lembrando de tudo que tinha acontecido até ali. Tudo fora tão rápido. Ele estava preocupado com Hermione e Gina... como será que estariam? E se não tivessem conseguido escapar? E se estivessem mortas?
E Harry... como ele pôde? Rony observou a sala parar de girar lentamente, com desânimo. Aquela era a batalha final... estava chegando a hora. O que ele tinha descoberto estava prestes a acontecer...
A sala tinha parado. Os candelabros nas paredes sustentavam chamas azuis que não estavam mais borradas. Rony encarou as doze portas iguais. Por onde deveria ir?
Tinha que encontrar os outros... não iria fugir sem eles. Onde estariam?
Como se respondesse à sua pergunta, uma das portas se abriu. Uma pessoa veio correndo por ela e bateu-a com urgência, fazendo a sala começar a girar novamente. No entanto, Rony e a pessoa estavam parados, um de frente para o outro, encarando-se.
Ele nunca tinha se sentido tão aliviado em toda a sua vida.
- Hermione... – ele sussurrou, engasgado. – Hermione, você está aqui...
Ela sorriu para ele, toda suja de um líquido verde, ferida, com uma grande marca roxa no seu pescoço – onde aquele brutamontes do Goyle a tinha machucado – e algumas outras nos pulsos e no rosto. Mas ela estava inteira, inteira e viva.
- Rony... – ela murmurou emocionada. – Que bom te ver.
Gina não saberia precisar por quanto tempo ela e Harry apenas se encararam, como que hipnotizados. Ele, com uma expressão vazia nos olhos verdes, cobertos por uma sombra negra. Ela, confusa, envergonhada, exausta, amedrontada...
Decepcionada.Harry correu até ela e praticamente se jogou no chão para vê-la melhor, uma visível preocupação estampada em seu rosto. Gina o encarou de volta, sem saber o que fazer, o que dizer ou o que pensar... sem saber o que sentir...
- Você está bem? – ele sussurrou com urgência, um temor real pairando em seus olhos. Ele abaixou seus olhos por um instante, chocado com a visão que tinha, sua boca entreaberta em espanto ao ver o estado da garota. – Gina... – ele murmurou transtornado, desviando o olhar por um segundo até o lugar onde estava Malfoy, voltando a fitar seu rosto em seguida. Sua voz assumiu um tom selvagem e implacável quando perguntou, entredentes, enfurecido: – O que... o que aquele filho da puta fez com você?
Houve uma pausa. Harry, os dedos trêmulos, tentou confortá-la, postando uma mão em seu ombro nu. Gina, por reflexo, deu um sonoro tapa na mão dele, afastando-se, tremendo. Estava imunda. Ela puxou o que tinha restado do tecido do seu decote, numa tentativa desesperada de parecer mais digna, escondendo o sutiã. Encolheu-se, como um bicho acuado, e desviou-se dos olhos de Harry.
Não queria que ele a olhasse. Não queria que ele a visse naquele estado deplorável. Sentia-se nua, suja, marcada. Não queria que Harry, tampouco, encarasse-a com aquele olhar penalizado. Não queria que justo ele estivesse ajudando-a. Justo ele que tinha mentido tanto para ela...
Sentia raiva de si mesma por ter-se deixado dominar por Malfoy. Era sua obrigação impedi-lo, sozinha, tinha que ter protegido a si mesma. Mas ela não tinha conseguido, tinha fracassado, e precisara de Harry para escapar. Ela era uma vergonha para si mesma.
Os olhos de Harry estavam vazios novamente. Sua expressão era de profunda revolta... ódio e vingança. Quando voltou a falar, tinha assumido mais uma vez aquele tom selvagem:
- Ele te tocou?
Gina notou na hora o que ele queria dizer por “tocar”. Apesar de Malfoy não ter chegado ao fim, ela mesmo assim não queria responder. Sentia-se profundamente envergonhada pelo que tinha acontecido. Estava com nojo de si mesma. Queria se lavar, tomar um banho, esfregar-se até retirar toda aquela sujeira, mas sabia que talvez nunca chegasse a se livrar daquela imundice. Ela se encolheu um pouco mais, tremendo, fazendo de tudo para não fitar os olhos de Harry.
- Malfoy te tocou? – ele repetiu severamente, exigindo uma resposta.
Gina fechou os olhos, os lábios tremendo e sua voz muito falha.
- Quase...
Mas se Harry não chegasse...
- Aquele maldito! – Harry sussurrou com ódio. – Eu vou fazê-lo pagar por isso, Gina, eu vou fazê-lo pagar por ter se atrevido a encostar as mãos sujas em você!
Eles ouviram passos reboarem contra o piso.
- Eu quero ver você tentar, Potter.
Malfoy tinha a varinha apontada, os olhos estreitos em provocação e um sorriso maldoso nos lábios.
Luna corria por um corredor enorme e escuro; havia uma luz, bem lá no fundo, mas parecia que quanto mais ela corria, mais a luz se afastava. Olhou para trás por um segundo, e viu aquela comensal em seu encalço. Continuou correndo, dobrando corredores estreitos e batendo nas paredes.
Aquele lugar estava cheio... cheio deles... e era horrível vê-los. Eles eram feios, alguns com aparências animalescas, outros mutilados... Eles a puxavam, queriam falar com ela, machucavam-na...
Ela dobrou mais um corredor... e outro... Já fazia muito tempo que estava sem fôlego, mas não podia parar de correr. Não podia deixar que a pegassem. cheio deles... Ela correu até que o visse. Ele estava ali também. Aqueles seres horríveis se afastavam dele, pois parecia que uma luz emanava de seu corpo. Ele indicou uma porta para que ela passasse. Luna entrou sem nem ver para onde ia.
Era uma sala escura também, circular, aliás, parecia que até o chão era esférico; era como se várias estrelas brilhassem ao seu redor, apagando e acendendo repetidamente. Luna estaria maravilhada, se não estivesse tão assustada. A porta atrás dela se fechou com um clique, e quando ela se virou, não havia mais nada ali – era quase como se a porta tivesse desaparecido na parede.
“Você não está sozinha, menina.”
Ela sorriu, uma emoção muito forte tomando conta de todo o seu ser. Ele sorriu para ela, seus olhos azuis cintilando.
“Você me ajudou”, ela murmurou com a voz fraca. “Por que você me ajudou?”
“Por que você me ajudou primeiro.”
“Eu não fiz nada. Eu não quis fazer.”
“Você fez sim. Se não fez tudo que eu pedi, foi por medo, e eu entendo muito bem seu medo. Mas tudo que você fez me ajudou imensamente, menina.”
Ela sentiu um embargo na garganta. Ele continuou sorrindo, de um jeito triste.
“Essa sala...”, ele fez um gesto que abarcou o ambiente. “...representa os sonhos. Algumas pessoas sonham que podem se tornar estrelas quando morrem. Outras, olham para as estrelas e sonham. Você não pode ter vergonha do seu dom, menina. Você ajuda as pessoas que não viraram estrelas. Como eu...”
Uma lágrima escorreu por seu rosto. Luna a limpou com a ponta dos dedos, respirando fundo.
Uma porta surgiu na parede oposta. Um segundo que Luna desviou sua atenção foi o suficiente para que ele desaparecesse. Quando a porta se abriu, os olhos dela se arregalaram em espanto ao ver a pessoa que entrou. Era maravilhoso demais para que pudesse acreditar.
- Luna! – Neville exclamou com um enorme sorriso no rosto. Ela apenas permaneceu parada, muda, encarando-o e lembrando as palavras dele: “Você não pode ter vergonha do seu dom, menina.” – Luna, você está viva!
Neville correu até ela e a abraçou com emoção. Ela demorou em retribuir o abraço, de tão atônita que estava. Quando retribuiu, abraçou-o com força, enterrando a cabeça na roupa dele, deixando as lágrimas rolarem. Estava aliviada por ele estar ali, com ela.
Por saber que ele simplesmente estava ao seu lado.
Harry se levantou lentamente, sem jamais deixar de encarar os olhos cinzentos de Malfoy, que permanecia com a varinha apontada. Ao mesmo tempo, a varinha de Harry estava ao lado de seu corpo, seus dedos flexionados em torno dela com tal força, que os nós deles estavam esbranquiçados. Em seus olhos verdes havia apenas faíscas de fúria.
- Então, Potter? – Malfoy provocou com um sorriso debochado. – O que você sabe fazer?
Aconteceu tão rápido, que Gina mal pôde acompanhar com os olhos. Muito menos Malfoy, para seu prejuízo. Num momento, Harry estava com a varinha abaixada; no instante seguinte, ele já tinha apontado-a tão rápido para Malfoy, que este foi pego de surpresa e não pôde se proteger a tempo.
- Crucio! – Harry gritou fora de si, um ódio que não parecia pertencer a ele dominando-o.
O feitiço derrubara Malfoy, fazendo-o cair de joelhos. Ele não conseguiu reprimir um grito de pura surpresa, e em seu rosto ficou marcada uma expressão de espanto, seus olhos tão arregalados que dava a impressão de que saltariam das órbitas. Houve uma pausa, em que ele provavelmente não encontrou forças para falar. No entanto, ele não se contorceu de dor no chão como acontecia com quem era atingido por aquela maldição.
Gina estava chocada. Ela não conseguia acreditar que tinha mesmo presenciado Harry lançar uma Maldição Imperdoável numa pessoa – mesmo que não tivesse certeza se poderia chamar um ser desprezível como Malfoy de “pessoa”. Era totalmente inacreditável. Seus olhos deveriam estar enganando-a, com certeza. Mas Harry permanecia com aquele olhar frio, de ódio, em seu rosto. E Gina sentiu que não o conhecia de verdade.
Malfoy voltou a ficar de pé, levemente cambaleante. Aquele sorriso de deboche tinha sumido por completo de seu rosto fino. Ele levantou os olhos fundos, encobertos em parte por sua franja loura, e fitou Harry como se estivesse estudando-o. Este, por sua vez, permaneceu calado, apenas encarando Malfoy de volta com um olhar gelado.
- Raiva justificada não adianta, Potter, tem que ter prazer em ver o oponente gritar e gemer para funcionar... – Malfoy explicou calmamente, como se estivesse num sala de aula. – Você nem sabe fazer um feitiçozinho ridículo qualquer, como tem a pretensão de usar uma Maldição Imperdoável?
Harry sorriu sinistramente.
- Eu não sei...? – ele repetiu vagamente. Seu olhar se estreitou, e agora era a vez da sua voz assumir um leve tom de deboche. – Você se acha muito esperto, não, Malfoy? Você acha que sabe tudo sobre mim? Tem essa... pretensão?
Gina sentiu o estômago despencar alguns metros. Ele iria falar. Iria tornar tudo real... Ela respirou fundo, sem saber se suportaria ouvir a verdade da boca dele.
Malfoy riu, um pouco nervoso.
- Onde você está querendo chegar, Potter?
Harry sorriu vitorioso, como se estivesse se divertindo com a reação de Malfoy. Gina engoliu em seco, sentindo a respiração mais rápida e rasa novamente.
- Estou querendo chegar, Malfoy... naquilo que você... hum... – Harry soltou um risinho ainda mais debochado, que não combinava com ele. - ...descobriu?... sobre mim...
Malfoy ficou ainda mais pálido do que já era. Então, subitamente, ele tentou disfarçar sua confusão e riu, mais nervoso ainda.
- Isso é piada, não é, Potter? Você não está falando sério... – ele falou devagar, como se estivesse tentando convencer a si mesmo. Então, sua voz tomou um tom mais grave. – Você... se esqueceu... de tudo!
Dessa vez foi Harry que riu. Gina torceu as mãos de nervosismo, seu estômago dando voltas; ela não tinha se enganado... era real... Harry concentrava seus olhos apenas em Malfoy, jamais a encarando, nem por um segundo sequer.
- Certa vez... – Harry disse com selvageria, seus olhos cintilando ao encarar Malfoy. – Uma pessoa me disse que “gente decente é muito fácil de manipular”. – Harry riu em zombaria. – Eu descobri que gente como você, Malfoy, que está longe de ser decente, também é bem fácil de manipular... principalmente se for alguém ridiculamente burro...
Toda a cor do rosto de Malfoy pareceu escorrer dele.
- Você está dizendo... – o sonserino gaguejou, aparentemente sua voz se esvaindo tal era sua estupefação. – Está dizendo que...
- Será que você é tão estúpido assim que ainda não descobriu, Malfoy? – Harry retrucou, abrindo os braços e deixando-os cair em seguida ao lado do corpo. – Acho que o superestimei, porque não pensei que pudesse ser tão idiota! Sinceramente... você é muito burro!
Harry riu mais uma vez. Ele era frio... calculista... Gina o encarou desalentada, seu olhar vago e vazio. Por um instante, o olhar de Harry bateu com o seu, mas ela não conseguiu ver o que ele sentia – se sentia algo –; ele desviou o rosto rapidamente e voltou a fitar Malfoy, que parecia tão incrédulo que nem conseguia falar.
- Você não se tocou, Malfoy... que eu o usei como... garoto de recados?
- Ora, seu... seu... – o sonserino mordeu os lábios de raiva. – SEU FILHO DA MÃE DESGRAÇADO! – ele gritou, seus olhos saltando das órbitas, apontando a varinha. – Crucio!
Harry produziu um escudo de luz dourada ao seu redor que rebateu a maldição de Malfoy; o feitiço atingiu-o em cheio, fazendo seu corpo voar para trás e chocar-se contra uma estante com estrondo. Malfoy caiu no chão, gritando e se contorcendo com uma dor real, enquanto vários outros globos opacos se estilhaçavam no chão, e vultos branco-pérola competiam entre si para proclamarem suas profecias... Profecias...
Gina por um segundo se desligou da confusão e apenas viu sua varinha, que estava com Malfoy, voar com o baque e aterrizar a alguns metros dele. Ela tinha que recuperá-la.
Harry desfez o escudo, que brilhou por alguns instantes ao seu redor, e com um olhar de vingança, ele avançou até Malfoy encolhido no chão, segurando a barriga, ao mesmo tempo em que apontava a varinha diretamente para ele.
- Levante-se, Malfoy. – exigiu com a voz grave. – Eu não vou lutar com você no chão.
O olhar do sonserino era de pura fúria misturada à humilhação que estava passando. Ele já tinha parado de gritar. Moveu-se lentamente, ainda no chão, para fuzilar Harry com os olhos.
- “Raiva justificada não adianta”, Malfoy. – Harry repetiu, imitando-o só para provocá-lo. – Você esqueceu, é?
Gina focalizou sua varinha a alguns metros de distância do seu corpo. Desviou o olhar rapidamente para Harry e Malfoy, mas eles pareciam ocupados demais para prestarem atenção nela. Melhor pra ela. Gina tentou se levantar, mas percebeu que seu corpo debilitado por tudo que tinha acontecido ainda não suportava o próprio peso; ela, então, começou a engatinhar, buscando suas últimas forças para tentar alcançar a varinha, jogada entre vários cacos de vidros dos globos quebrados.
Malfoy praticamente se arrastou, na tentativa de ficar de pé depois de ser atingido pela maldição que ele mesmo conjurou. Harry apenas observou o movimento, parecendo apreciar o esforço que o inimigo fazia. Malfoy cambaleou, suas pernas ainda muito bambas, mas encarou Harry de frente, seu olhar demonstrando que seria capaz de matá-lo apenas com os olhos se fosse capaz.
- A carta... – ele murmurou entredentes, enfurecido. – Aquela maldita carta que eu recebi...
Harry sorriu quase divertidamente.
- Sim, fui eu mesmo, Malfoy. Fui eu quem mandou aquela carta “anônima”, explicando exatamente o que você tinha que fazer para descobrir a minha... amnésia.
Gina paralisou, ainda naquela posição de quatro que utilizava para chegar até a varinha. Ela fechou os olhos por um instante, sentindo-se despedaçada por dentro. Harry fingiu... fingiu o tempo todo... Ela fechou as mãos com força, sentindo-se traída, enganada, feita de idiota. Como pôde se enganar tanto? Como pôde ser tão estúpida? Como fora tão cega?
Como Harry teve coragem de fazer aquilo com ela?
Ela abriu os olhos, mordendo os lábios trêmulos, e recomeçou a engatinhar o mais depressa que podia, antes que alguém percebesse o que estava fazendo.
Os olhos de Malfoy se estreitaram e ele apontou a varinha, gritando uma nova maldição. Harry a rebateu, e os dois começaram a trocar feitiços numa velocidade impressionante, mas Gina não estava nem um pouco interessada naquele duelo idiota. Muito menos preocupada. Harry sabia se cuidar muito bem sozinho, não é? Aquele mentiroso de uma figa...
- Você fez tudo como eu queria, Malfoy! – Harry gritou, rebatendo feitiços, seu tom de gozação. – Assim que descobriu o que eu te conduzi a descobrir, você foi correndo contar para o papai! E Lúcio Malfoy foi direto a Voldemort, exatamente como eu e Dumbledore queríamos! Acho que se eu tivesse mandado lembranças ao Lorde, você também teria passado o recado, não é?
Gina paralisou pela segunda vez, transtornada. Não queria acreditar... Fora Harry que conduzira Malfoy a descobrir sobre a amnésia – que talvez nunca tivesse existido – e tudo de caso pensado! Ela, Rony e Hermione quase morrendo de preocupação por Malfoy ter descoberto, por Voldemort ter descoberto, e era exatamente tudo isso que Harry desejava, fora ele quem fizera tudo! Eles sempre desesperados pela segurança de Harry e ele ali, o tempo todo, como sempre fora, sabendo de tudo, mentindo dia após dia!
“...exatamente como eu e Dumbledore queríamos!”
Gina colocou uma mão na boca aberta em espanto, chocada. Harry e Dumbledore... o diretor sabia de tudo! Sempre soube! Era por isso que os ignorava, era por isso que não permitia que contassem sobre a “perda de memória” de Harry, porque ele já sabia, porque tinha inventado tudo isso!
- Você mentiu, Potter! – Malfoy gritou exasperado, enquanto trocavam feitiços, numa chuva de cores. – Mentiu todo o tempo! Você é tão sórdido quanto sempre disse que eu sou! Sempre se fingindo de bonzinho, você é uma fruta podre, é o pior de todos!
- Pode até ser, Malfoy, mas pelo menos eu não sou burro como você... – Harry zombou. – Você caiu feito um patinho, e ainda ficava se achando muito esperto! Você não sabe o quanto eu tinha que me segurar para não rir da sua cara toda vez que o via...
Gina também tinha caído feito uma idiota naquela esparrela. Tinha sido tão tola! Desde o começo ele a enganou... tão facilmente! Desde o início se aproveitou dela, dos sentimentos dela, para prosseguir com aquele... aquele plano! Era isso que era. Tudo um plano! Um maldito plano!
- Você caiu tão fácil... tanto, que eu até pensei que não fosse possível! Mas era verdade, você que era muito imbecil mesmo! E depois... Voldemort! Voldemort acreditou em cada palavra, e era exatamente o que precisávamos... que ele simplesmente acreditasse na farsa! E ele caiu também! Caiu tanto que mudou todos os seus planos! E fez tudo... tudo errado!
Gina prosseguiu se arrastando pelo chão, com raiva de Harry, com raiva de si mesma por ter sido tão burra. Ela nunca poderia perdoá-lo! Como ele pôde? Como conseguiu olhar em seus olhos e falar tantas mentiras? Como pôde fazer todos de otários, como pôde simplesmente fingir enquanto as pessoas estavam preocupadas com ele, seus melhores amigos? Ele mentiu... mentiu todo o tempo. Tudo aquilo que disse para Gina, tudo aquilo que fez... tudo que aconteceu... tudo era uma grande mentira. Somente uma grande mentira!
- E aquelas suas piadinhas medíocres sobre mim, Malfoy... Sabe pra que elas serviram? Só para que eu tivesse certeza que você era mesmo um tonto e que tinha feito tudinho do jeito que eu queria... Se eu mandasse não seria tão fácil. Você é ridículo, Malfoy, tão ridículo que dá até vontade de rir...
Gina finalmente parou de engatinhar, seu corpo exaurido de forças e seus joelhos doloridos. Ela se sentou e viu sua varinha, ali, entre todos aqueles cacos de vidro. Ela olhou por um segundo para o duelo, apenas enxergando as luzes que eram os feitiços de Harry e Malfoy, voando de um lado para o outro, enquanto os dois gritavam, discutindo. Gina não quis mais olhar. Ela esticou a mão para apanhar a varinha, mas seus olhos se arregalaram ao enxergar o que tinha ali, bem ao lado dela.
Ela se virou para olhar mais uma vez o duelo por um segundo. Malfoy estava completamente descontrolado; xingava Harry de todos os nomes possíveis e inimagináveis, os mais grosseiros, sua raiva chegando ao ponto de ebulição por ter sido usado, enganado e humilhado. Harry apenas debochava dele, rebatendo seus feitiços com tranqüilidade, como se estivesse se divertindo, como se aquela vingança fosse tudo que ele mais desejara todo o tempo.
Quando Gina se virou novamente, embasbacada com o que via, estendeu os dedos em direção àquele globo de vidro, intacto. Então se lembrou que não podia tocá-lo, já seu nome não estava nele. Gina se lembrou daquele dia muito distante, quando estava naquele mesmo lugar, e Harry pegou aquela profecia sobre ele e Voldemort. Aquela profecia que quebrou e cujo conteúdo nunca foi conhecido...
Mas aquela profecia que ela via agora... era outra... era diferente...
Em uma letra garranchosa, estava escrita uma data recente, de um mês de dezembro, quase final do ano de 1996, e embaixo dela:
Lorde das Trevas,
Harry Potter
e Neville Longbottom
Os olhos de Gina estavam arregalados. Não era possível! Será que seus olhos estavam enganando-a? Lorde das Trevas... Harry Potter... e Neville Longbottom? Neville? O que raios o nome dele estava fazendo ali, numa profecia?
Gina balançou a cabeça, como que para espantar o assunto e seu espanto por alguns instantes. Estava perdendo tempo. Ela apanhou sua varinha com o máximo de firmeza que pôde, e mirou bem na direção de Draco Malfoy. Ela via Harry e Malfoy trocando vários feitiços desconhecidos para ela, maldições, azarações, movimentando-se rapidamente. Mas Gina não podia ficar de braços cruzados. Harry podia muito bem saber o que fazer, mas ela, por seu próprio orgulho, não ficaria ali, apenas esperando, sem fazer nada. E Malfoy tinha que receber o troco pelo que tinha lhe feito, por suas próprias mãos.
A ponta da varinha tremia. Gina estreitou os olhos, mirando o máximo que conseguia...
- Petrificus Totalus!
O feitiço acertou em cheio. Os braços de Malfoy aderiram ao seu corpo, bem como as pernas, desequilibrando-o até que ele caísse com um baque surdo no chão de pedra. Imóvel. Sem poder mexer um único dedo. Gina abriu um sorriso mínimo. Não tinha como conjurar aquela horrível maldição que ele tinha lhe imposto antes, mas pelo menos ele teria algum gostinho de qual era o desespero que ela passou. Era mesmo uma pena que não soubesse alguma maldição horrível, que o fizesse gemer, gritar e agonizar, pois ele merecia tudo isso. E mesmo que soubesse alguma maldição, ela não tinha certeza se conseguiria conjurá-la, tal era seu estado de exaustão. Tinha que admitir isso. Mas vê-lo ali no chão, imóvel e indefeso, já era alguma coisa para alimentar o seu ego. Nem que fosse bem pouco.
Harry abaixou a varinha e se virou para encará-la. Gina deixou o braço cair, de tão cansada que estava, e fitou Harry de volta. O olhar dele... era exatamente o mesmo daquele dia, há tanto tempo, no qual ele lutara com Bellatrix Lestrange e Gina tinha lançado um feitiço na mulher no meio do duelo dos dois. Então ela finalmente conseguiu entender aquele brilho inexplicável nos olhos verdes de Harry: era algo como orgulho, ou admiração...
Mas aquele olhar não importava para Gina. Ela subitamente se lembrou de toda a raiva que tinha por Harry, e o que ele sentia ou deixava de sentir não tinha a mínima importância para ela depois de tudo que ele tinha feito. Ele tinha mentido para ela, por todo aquele tempo, enganado-a, e isso era imperdoável.
- Não olha pra mim! – ela exigiu num tom selvagem, puxando novamente o que restava do seu decote para cobrir seu colo. – Eu não quero que você me olhe!
Harry, como se tivesse levado um choque elétrico, abaixou o rosto rapidamente, desviando o olhar, a franja negra, descabelada e suada caindo sobre o rosto. Gina ainda o fitou por alguns instantes, zangada, então puxou sua varinha, apontou-a para o decote e murmurou um feitiço qualquer que o consertasse pelo menos um pouco. Mas aquilo não melhorava o fato de que ainda se sentia imunda depois de tudo o que acontecera. Porém, naquele instante, o sentimento que a dominava era toda a raiva que sentia por Harry.
- Gina... – a voz de Harry saiu baixa, sussurrante, falha... engasgada. – Eu sei que lhe devo muitas explicações...
- Não, Harry. Não deve. – ela respondeu entredentes, enxergando pelo canto dos olhos a expressão confusa do rapaz. – Eu acho que já entendi tudo muito bem. Você simplesmente mentiu... mentiu dia após dia... Fingiu para mim... para Rony, para Hermione e para todo mundo que era uma pessoa... quando continuava a ser o mesmo. Quer dizer, eu nem quem você é. Eu não o conheço.
Ela respirou fundo por um momento. Aquilo estava sufocando-a e ela precisava vomitar toda aquela mágoa, naquele instante.
- Parabéns, Harry. – ela disparou com um sarcasmo que não lhe pertencia, sua voz quase irreconhecível, de tão carregada de rancor que estava. – Meus sinceros parabéns... Você montou uma farsa muito bem feita. Você atuou muito bem. Todo mundo acreditou na sua encenação. Não houve ninguém que duvidasse... Você lida muito bem com a mentira...
Gina levantou os olhos, buscando os de Harry. Ele não tinha coragem de encará-la; fitava o chão, com um olhar vazio. Gina teve vontade de bater nele, mas nem para isso tinha forças. Não sabia se pelo o que tinha acontecido ou por causa do seu desânimo mesmo.
- Eu só queria saber há quanto tempo, Harry. Há quanto tempo você está fingindo? Ou foi sempre assim? Você nunca perdeu a memória de verdade? Aquele dia, em Hogsmeade, você simplesmente achou que era o momento perfeito para começar a enganar todo mundo? Você se divertiu?
- Não, é claro que não! – ele finalmente disse algo, virando-se para encará-la. Seus olhos estavam mais fundos do que nunca e havia uma tristeza muito profunda no brilho do verde-esmeralda. – Enganá-los... foi a pior coisa que eu fiz na vida... o que me fez sentir mais miserável do que tudo...
Gina riu sem alegria. Harry a fitou por mais alguns instantes, até desviar o olhar mais uma vez, desolado.
- Deixa pra lá... nem você nem ninguém vai acreditar em mim mesmo...
- Ah, pelo amor de Deus, Harry! – Gina exclamou indignada. – Pare de se fazer de coitado! Você não é a vítima aqui!
- É óbvio que não! – ele retrucou impaciente. – Eu não disse isso, Gina. Eu não pedi perdão.
Houve uma pausa. O silêncio era quase palpável.
- Então você não quer perdão? – ela perguntou. – O quê, então por acaso você acha que o que fez... foi certo?
- Eu não pedi perdão, Gina... porque sei que não mereço. Porque o que eu fiz foi horrível, e ninguém merece perdão por ter enganado as pessoas que mais am... – ele mordeu o lábio, e o que disse não pareceu ser o que pensou. - ...que estão ao seu lado. Eu sei que você nunca vai me perdoar e com razão, e por isso não vou pedir que me perdoe.
Silêncio novamente. Eles apenas se encaram por alguns instantes; Harry engoliu em seco, fazendo seu pomo-de-adão se movimentar na garganta. Gina respirou fundo e estava preste a abrir novamente a boca para falar quando Harry se aproximou, sem olhar direito para ela, e disse num tom prático:
- Nós precisamos ir logo embora daqui. Você está bem para andar sozinha?
- É claro que estou. – ela retrucou num tom rude. Não precisava da ajuda de ninguém, muito menos da dele. Não aceitaria sua ajuda, não depois de tudo.
Ela começou a tentar se levantar, suas pernas teimando em não sustentar o seu peso e cambalear fortemente. Então ela bateu o olho pela segunda vez no globo na profecia e acabou se largando no chão, exausta e esbaforida, fitando o globo com o olhar vago.
- Você viu isso?
- Viu o quê?
Gina se virou para ele e viu que Harry parecia confuso. Ela apontou para o globo.
- Tem o seu nome neste também, assim como naquele outro... aquele que quebrou há muito tempo.
Poderia ter sido apenas impressão, mas Harry ficou tenso após a frase. Ele se abaixou e fitou o globo que Gina apontava. Por um instante, apenas o encarou, os olhos perdidos e fundos, então estendeu a mão e o apanhou, limpando a poeira dele e lendo os nomes escritos em sua superfície.
- Essa profecia tem uma data recente. – Gina pressionou, estudando a reação dele. – Você sabia dela?
Harry não respondeu. Ele apenas se levantou e guardou o globo em um dos seus bolsos.
- Por que o nome de Neville está nela? O que você, ele e... Voldemort... têm em comum?
Harry a encarou por alguns instantes, como se avaliasse a situação.
- Você vai saber no momento certo. – ele desviou o olhar. – Nós precisamos sair daqui depressa.
Gina bufou, exasperada, e começou novamente a tentar se levantar, suas malditas pernas frouxas demais para sustentá-la direito.
- Você... – Harry murmurou hesitante, observando-a se esforçar. - ...quer que eu te ajude?
Ela observou por um instante a mão dele estendida, então deu um sonoro tapa brusco nela. Harry recuou um passo, seus olhos se arregalando por um segundo em espanto, e logo depois voltando a ficar vazios.
- Eu não preciso da sua ajuda, Harry, muito obrigada.
Ele assistiu por mais um minuto as tentativas frustradas dela até que perdesse a paciência e segurasse-a pela cintura, colocando-a de pé e depois aprumando-a pelos ombros. Gina, sem pensar, segurou-se no braço dele para não cair, e eles ficaram próximos um do outro por alguns instantes. O olhar dele era um tanto melancólico, mas Gina não tinha pena alguma. Ela lhe lançou um olhar frio em resposta e o empurrou para trás, afastando os braços dele que estavam ao seu redor.
- JÁ DISSE QUE NÃO QUERO SUA AJUDA!
Harry recuou, observando-a com o olhar perdido, uma expressão de culpa e arrependimento, então bufou e virou o rosto, começando a caminhar.
- Então venha logo.
Gina fitou com raiva as costas dele e começou a caminhar, muito devagar e ainda com as pernas hesitantes, mas determinada a prosseguir sem sua maldita ajuda.
Por alguns minutos, eles caminharam calados por aquela enorme sala de profecias, apenas o som de Gina mancando para romper o silêncio. Ela encarava Harry à sua frente, irritada, com raiva, e ficava se lembrando de todas as coisas que ele tinha lhe dito... tudo mentira, obviamente.
- Você não me respondeu... há quanto tempo, Harry? Há quanto tempo você está mentindo para mim... E se... nunca perdeu a memória de fato.
Ele parou de caminhar. Gina também, aliviada por um instante, já que suas pernas estalavam de dor a cada passo. Harry virou apenas um pouco o pescoço para trás, olhando-a de esguelha, e disse lentamente:
- Eu realmente perdi a memória, Gina. – houve uma pausa. Ela permaneceu em silêncio, fitando-o com atenção, decidindo se deveria mesmo acreditar. – Aquele dia, em Hogsmeade... quando caímos do barranco... eu realmente perdi a memória ali. – ele respirou fundo e decidiu olhar para frente, de costas para a garota. – É uma sensação estranha. Fiquei confuso, minha cabeça rodopiava... Algumas coisas me eram familiares, outras pareciam completamente desconhecidas...
- E você recuperou a memória sozinho e decidiu fingir que não, foi isso? – ela disparou num tom rascante de acusação.
- Não, não foi sozinho. – ele suspirou lentamente. – Você me deixou na ala hospitalar aquele dia e, de madrugada, Dumbledore foi me ver. Tinha descoberto o que tinha acontecido. Ele deu um jeito para que eu recuperasse a memória.
- Como?
- Com a mesma poção que Hermione fez agora. A diferença é que Dumbledore, poderoso do jeito que é, sabia uma maneira pela qual eu não me esquecesse do que tinha acontecido entre perder a memória e recuperá-la.
- E vocês decidiram... juntos... que iriam enganar a todos e montaram essa farsa?
Harry engoliu em seco, suspirando muito profundamente.
- Sim. Foi o método que encontramos... de atrasar o avanço de Voldemort... enganando-o. Para que ele pensasse que eu estava fora de combate... e fosse obrigado a mudar os planos.
- E mentindo para seus amigos também.
- Eu não podia contar, Gina!
- Ah, por favor, Harry! Corta essa! – ela revidou com impaciência. – Você nunca respeitou regras, porque iria começar agora? É claro que você podia contar!
- Era um segredo da Ordem da Fênix. – ele se virou para ela, seu olhar muito sério. – Mas sim, Gina, a verdade é que eu não quis contar!
- É claro, você quis mentir para a gente, não foi?
- Não, não foi! Eu não queria que vocês acabassem como Sirius, por exemplo!
Gina se calou. Harry respirou fundo, tentando se controlar. A garota umedeceu os lábios, sem saber o que dizer a seguir. Ele tinha mencionado Sirius... ele nunca fazia isso. Mas isso não diminuía a raiva e a mágoa que ela sentia por Harry. Ele, por sua vez, bufou mais uma vez e se virou novamente, recomeçando a caminhar.
- Se você pode andar sozinha, faça isso logo para sairmos daqui. – ele disse com a voz ligeiramente falha, como se tentasse esconder alguma emoção. – E coloque a varinha em punho.
Gina encarou as costas dele por mais algum tempo, parada no mesmo lugar.
- Harry?
Ele parou de andar, mas permaneceu calado.
- Tudo o que aconteceu entre nós... as coisas que você me disse... o que você disse que sentia... – ela engoliu em seco. Doía fazer aquela pergunta. – Foi tudo mentira também?
- O que você acha, Gina? – ele retrucou, sem se virar, a voz distante.
- Eu não sei o que pensar.
- Então não vou ser eu que vou responder essa pergunta.
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