Invasão de privacidade



Janeiro derreteu assim como a neve, dando lugar a um fevereiro nublado e ventoso. O tempo parecia correr mais rápido do que um pomo de ouro no céu, e logo eles já estavam às portas de março. Antes que Gina se desse conta, a partida entre Grifinória e Lufa-lufa já tinha passado, e o tão esperado confronto pela taça entre Grifinória e Sonserina se aproximava, criando, como de costume, um violento clima de tensão entre as duas Casas, mesmo fora do campo.

A vitória folgada sobre a Lufa-lufa fez com que a Grifinória praticamente empatasse com a Sonserina na corrida pela taça; a diferença entre as Casas rivais era de apenas dez pontos, o que significava que bastava Harry pegar o pomo para que vencessem. No entanto, essa disputa pelo primeiro lugar estava causando sérios desentendimentos entre os grifinórios e sonserinos, fazendo com que Madame Pomfrey tivesse trabalho extra, sem contar o leque de pontos perdidos e detenções aplicadas nos estudantes.

Rony aproveitou para tirar vinte pontos de Gregory Goyle, algo que desejava fazer há muito tempo, por ter atirado o seu vidro de fígado de sapo em Harry numa tarde, antes da aula de Poções. Felizmente, o garoto percebeu a tempo e se abaixou antes que o objeto o atingisse exatamente na cabeça (e Gina não queria nem imaginar o que teria acontecido se isso chegasse a acontecer). O vidro de Goyle se quebrou em mil pedacinhos na parede oposta, respingando, para horror de Harry, Rony e Hermione, as vísceras de sapo bem no rosto de Snape, que estava chegando à sala. Obviamente, Draco Malfoy intercedeu contra os garotos e colocou toda a culpa em Harry. Não foi surpresa alguma que Snape tenha tirado da Grifinória os exatos vinte pontos que Rony tinha tão alegremente descontado de Goyle, e ainda dado uma enorme bronca em Harry. Para coroar, Hermione tentou, junto aos outros grifinórios, explicar o que tinha acontecido, e a Casa acabou perdendo mais dez pontos. Quando Gina ouviu a história através das bocas indignadas de Rony e Hermione (Harry não estava ligando muito; ele andava levando na brincadeira esses desentendimentos por causa do quadribol), Gina conseguiu achar algo bom resultando de toda a confusão:

- Pelo menos Snape não colocou Harry em detenção. – ela disse aliviada. – Imaginem só o que ele poderia perceber.

Essa “coisa” que Snape poderia perceber ainda persistia como o maior problema que os garotos enfrentavam. Hermione iniciara uma busca insana por algo que pudesse ajudar na biblioteca, e Rony dizia constantemente que ela estava realizando seu sonho de ler todos os livros do lugar. Apesar disso, não era apenas Hermione que pesquisava; Rony, Gina e Harry também faziam o que podiam, mesmo que este último, que possivelmente era o mais interessado no assunto, não se importasse tanto quanto deveria. Quando Hermione, certa tarde na sala do A.D. (eles costumavam utilizar a sala para se reunirem, pesquisarem e discutirem), revoltou-se contra esse fato, Harry apenas respondeu que não estava ansioso por se lembrar das coisas terríveis de sua vida, as quais Gina tinha lhe contado numa noite distante, ao pé da lareira da sala comunal da Grifinória. Um silêncio constrangedor pairou no ar quando Harry disse isso, e Hermione nunca mais reclamou por ele não dar essencial importância à pesquisa.

Ao mesmo tempo, Gina, agora, estava imensamente aliviada por Rony e Hermione saberem a verdade. No início, ela sentiu a diferença; os dois realmente tinham se magoado por ela ter escondido a verdade, por tanto tempo, mesmo que tentassem não transparecer e apenas se dedicarem ao problema de Harry em si. No entanto, com o passar do tempo, eles voltaram ao normal. Apesar disso, Gina ainda sentia algo diferente em Hermione; certa vez, ela tinha lhe perguntado se algo tinha acontecido entre ela e Harry durante todo aquele tempo. Gina quase disse que os dois, por duas vezes, quase se beijaram, mas Rony apareceu bem no momento que Gina ia contar, e a conversa foi esquecida. Mas a garota ainda sentia os olhares diferentes e significativos que Hermione lançava a ela quando estava perto de Harry.

Foi Hermione que sugeriu contarem a verdade sobre a memória de Harry para alguém da Ordem da Fênix – a primeira pessoa que pensaram, obviamente, foi Dumbledore – e os quatro tiveram uma longa conversa sobre o assunto na sala do A.D. Rony sugeriu que fossem até a sala do diretor, mas o único que poderia saber a senha estava desmemoriado e nem imaginava sequer onde se localizava a sala de Dumbledore, quanto mais saber a senha. Apesar de serem monitores-chefes, Rony e Hermione não tinham acesso a essa informação. Gina se manifestou contra; contar a verdade para Dumbledore, na sala dele, era uma coisa; contar para ele ou outra pessoa em algum outro lugar de Hogwarts era arriscado – todos sabiam que as paredes tinham ouvidos naquele castelo. Hermione sugeriu Lupin; ele era extremamente confiável e discreto. No entanto, toda a tensão pela qual passava a escola – exames, revisões, aulas e quadribol -, além do fato dos professores membros da Ordem estarem sempre tensos, cochichando secretamente, dificultou todo o processo, até surpreendentemente o próprio Harry se pronunciar, dizendo que talvez não fosse necessário contarem a Dumbledore se eles estavam se empenhando tanto em descobrir uma cura. Aquilo somente os lembrou que era obrigação deles, em vista disso, acharem alguma reversão para o problema sozinhos.

No fim de uma tarde livre para o sexto ano da Grifinória, Gina estava sentada nos bancos dos jardins de Hogwarts, o vento ameno e menos frio agitando seus cabelos, escrevendo todas essas suas aflições no seu diário. Tinha pegado aquele costume e, agora, seria difícil largá-lo. Ela não se importava, afinal, aquele simples caderno não lhe responderia, o que era um alívio.

- OI!

- AAAHHH!!!

Com um salto de susto, Gina fechou seu diário com estrondo, olhando feio para Luna. Sem que notasse, a amiga tinha se aproximado sorrateiramente e gritado por trás no seu ouvido. Gina teve um rápido dèjá vú daquela cena, e se lembrou da outra vez que também estava nos jardins, escrevendo, e Luna tinha aparecido daquela maneira. Só que, daquela vez, Gina não estava escrevendo aqueles segredos perigosos sobre Harry no diário.

- Você leu alguma coisa? – perguntou emburrada, observando com os olhos estreitos Luna se sentar ao seu lado no banco, esfregando as mãos.

- Claro que não. – a outra respondeu com seu tom sonhador. – Eu prezo pela minha vida.

- Ah, que bom que você é tão sensata. – Gina riu, zombando. – Apesar de ser uma maluca.

Luna se virou para a amiga com um grande sorriso nos lábios, que chegava aos olhos. Até os seus brincos de rolhas de cerveja amanteigada pareciam balançar alegremente em suas orelhas.

- Aconteceu... – Gina começou, guardando o diário cuidadosamente entre seus livros na mochila. - ...algo para que você ficasse assim tão contente?

- Na verdade, eu apenas me dei conta de uma coisa. – Luna disse misteriosamente, observando o lago ao longe com os olhos sonhadores e perdidos. – Todo esse tempo ajudou para algo, afinal.

Gina não tinha a mínima idéia do quê, exatamente, Luna estivesse querendo dizer, mas mesmo assim não se importou. Uma vaga idéia percorreu-lhe a mente.

- É algo com Neville?

Subitamente Luna ficou séria, o que era esquisito para ela, e suas bochechas se avermelharam sensivelmente. Ela piscou e tentou não olhar para Gina, que se lembrou que as duas não conversavam sobre isso há muito tempo. Gina andava tão preocupada com seus próprios problemas e Harry durante aqueles meses que não tivera cabeça para conversar com Luna sobre assuntos simples como aquele.

- Bem... – Luna começou, encabulada. – Faz um tempo que eu não falo com ele...

- Um tempo? Como assim?

Gina estava intrigada. Realmente, ela não via Luna e Neville juntos em lugar algum, mas pensara que os dois estavam apenas sendo discretos. No entanto, Neville estava bastante mal-humorado há muito tempo. Algo adormecido na mente de Gina despertou com um baque repentino.

- Não vá me dizer... não vá me dizer...

Luna se encolheu um pouco, torcendo as mãos e fazendo uma careta com a boca torta. A atitude dela fez Gina ter certeza da burrada que a amiga tinha aprontado.

- Você não falou com ele... DESDE AQUELE DIA!?

- Anh... – ela parecia indecisa. - ...foi exatamente isso.

Gina estava pasma. Ela se levantou, postou as mãos na cintura e encarou Luna severamente.

- LUNA! VAI FAZER DOIS MESES!

- Dá pra parar de ser escandalosa, Weasley? – Luna pediu, e realmente parecia aborrecida. Gina parou de gritar, mas ainda estava inconformada.

- Por que diabos você fez isso? Não é à toa que Neville anda uma pilha de nervos... E eu que pensei serem só os N.I.E.M.s...

- Ele anda mesmo nervoso? – Luna perguntou, e Gina teve certeza de que ela era mesmo maluquinha quando viu a sombra de um sorriso flutuar em seu rosto.

- É claro, toda a Grifinória percebe! – ela bufou, exasperada. – E tem toda a razão, com uma doida como você deixando-o a ver navios...

Luna parecia afastar uma mosca.

- Eu só precisava pensar. É tão difícil entender isso?

- Como assim pensar?

A corvinal também se levantou, ligeiramente transtornada.

- Ora, Gina, pensar... Pensar! PENSAR, SUA ESTÚPIDA!

Gina fez uma careta. Luna não precisava ter gritado tão estridentemente no seu ouvido; ela tinha entendido apenas com o olhar significativo que ela lhe lançou no segundo “pensar”.

- Mas agora você vai falar com ele, não é?

- É claro que vou. – Luna resmungou, rolando os olhos. – Se alguém me dissesse qual é a última aula da turma do sétimo ano da Grifinória...

- Defesa Contra as Artes das Trevas! – Gina disse num fôlego só. – SUMA DAQUI!

Luna deu uma risadinha antes de sair correndo; Gina esperava que ela pegasse a turma antes que eles saíssem correndo da sala de aula, mas não tinha o que se preocupar, pensou, sentando-se novamente. Luna teria todas as oportunidades do mundo para falar com Neville...

Gina suspirou, apoiando o queixo nas mãos. Tinha que parar de pensar em Harry a todo momento. Estava se tornando uma obsessão.

Mas, cinco minutos depois ela já estava novamente sorrindo ao imaginar aqueles olhos verdes brilhantes mirando-a com um sorriso.




- Cinco rolos de pergaminho! – Rony exclamou rouco; já era a terceira vez que ele repetia a mesma coisa. – Cinco malditos rolos de pergaminho!

Harry colocou a mão na boca, tentando reprimir o riso. Hermione achava ótimo que Harry ficasse de tão bom humor com esse tipo de ataque histérico do Rony, porém, quanto a ela, já estava achando aquilo extremamente irritante.

- São cinco, cinco rolos de pergaminho! Como vamos terminar isso até segunda?

Hermione jogou a mochila nas costas, olhando furiosa para Rony. A última aula do dia, Defesa Contra as Artes das Trevas, tinha acabado de terminar, e os últimos alunos que restavam na sala estavam arrumando suas mochilas e tagarelando. O Prof. Lupin tinha passado uma redação sobre maldições de cinco rolos de pergaminho para segunda; Hermione não via problema algum, já que as idéias que tinha preenchiam, pelo menos, seis ou sete rolos. Rony, porém, estava revoltado e revoltante.

- Ora, se vocês dois... – ela disse, indicando os dois garotos com os olhos estreitos. - ...se esforçassem mais e simplesmente fizessem os deveres, não estariam tão atrasados!

- Eu não estou atrasado! – Harry se defendeu. – Estou?

- Isso porque é a Gina que faz os seus deveres... – Rony replicou azedo. – Se não fosse por isso, amigo, você estaria tão ferrado quanto eu! Isto é, a não ser que...

E ele lançou um perigoso olhar significativo para Hermione, que estava distraída observando Neville. Ele estava no fundo da sala, tentando enfiar uma quantidade impressionante de livros e coisas na mochila; não estava funcionando, e ele começou a xingar a mochila de nomes que Hermione não sabia que ele conhecia. Realmente, Neville às vezes era surpreendente.

- Eu não vou fazer os seus deveres, Rony. – Hermione se virou para ele, sua voz demonstrando um tom de final de conversa.

- Você faz os do Harry!

- E você sabe muito bem o porquê, Rony Weasley!

Rony não respondeu, mas bufou e cruzou os braços. Hermione não entendia porque ele tinha aqueles ataques de infantilidade. Harry parecia envergonhado.

- Bem, eu... se vocês estão falando daquele dever de Poções... – ele murmurou, referindo-se ao espinhoso questionário de Snape que Hermione tinha feito na íntegra para Harry, já que ele estava com muita dificuldade. – Eu posso fazer os deveres sozinho, só preciso de um pouco de ajuda, vocês sabem...

Os ombros de Rony caíram levemente desanimados, e ele sussurrou para Harry desnecessariamente; Hermione pôde ouvir tudo.

- Eu só estou tentando convencê-la a fazer os meus deveres também, Harry... Ela sempre fez os nossos, por que não continuar com a tradição? Mais um pouco e eu consigo.

Hermione viu a piscadela que Rony lançou a Harry, que sorriu de um jeito confuso. A garota suspirou; no final das contas, acabaria ficando com dó de Rony e praticamente faria o dever por ele, de tanto que teria que ajudá-lo. Mas ela preferia deixá-lo em pânico até o momento que isso acontecesse.

- Eu ouvi isso, Rony.

Podia ter sido somente impressão sua, mas o garoto tremera ligeiramente. Hermione teve que se segurar para não rir.

- Ahan. – uma voz disse à porta. – Posso entrar, professor?

Neville deixou cair todas as suas coisas no chão; Hermione não entendeu muito bem, mas parecia ter algo a ver com a pessoa na porta. Ela se virou e viu ninguém menos que Luna Lovegood, com seus brincos de rolhas de cerveja amanteigada balançando. Hermione não ia muito com a cara daquela garota; ela sempre estava rondando Rony, ela lembrou, tremendo ligeiramente de raiva reprimida, para logo após se xingar mentalmente por ser estúpida. Ela estava com ciúmes de Rony? Isso era ridículo!

- Oh, claro, Srta. Lovegood. – o Prof. Lupin respondeu gentilmente, parando com seu trabalho de arrumar alguns papéis sobre a mesa. – Gostaria de conversar comigo?

- Não, professor. – Luna disse alegremente. – Eu queria falar com Neville, ele ainda está na sala?

Num canto da sala, Simas Finnigan e Dino Thomas fingiram sons de beijos, rindo em seguida. Hermione ouviu Rony murmurar atrás dela, num tom de zombaria: “Neville, há! Uhu!”

- Francamente, Rony! – Hermione sussurrou, mas Harry e Rony já riam baixinho atrás dela. Ela observou um Neville cor de pimenta praticamente se esconder debaixo da mesa, com o pretexto de recolher suas coisas que tinham caído.

- Anh... Ele está lá no fundo, Srta. Lovegood. – o Prof. Lupin indicou ligeiramente incerto, um sorriso pairando em seus lábios. – Eu acho.

Luna agradeceu alegremente ao professor e começou a se dirigir até onde Neville estava escondido, sequer ouvindo as gracinhas que Dino e Simas diziam (ou ela fingia muito bem, pensou Hermione), enquanto a observavam caminhar. Hermione estava surpresa: Luna e Neville? Era inacreditável. Ela bufou exasperada, decidida a sair da sala, quando sentiu Rony segurar seu braço.

- Vamos ficar para ver o que vai acontecer! – Rony murmurou animado. – Ou depois como vou zombar de Neville no dormitório?

- Francamente- – Hermione repetiu chocada. – Você está parecendo uma... uma... velha fofoqueira, Rony!

Ele pareceu ligeiramente ofendido. Harry segurava o riso a custo.

- Ah, mas é engraçado! – ele disse com a voz trêmula pelo riso contido. Hermione lançou um olhar tão feio para ele, que Harry remendou rapidamente a sua frase. - Talvez não seja tanto, afinal.

De qualquer maneira, eles permaneceram lá por tempo suficiente para verem um emburrado Neville ressurgir do chão e enfiar suas coisas na mochila de qualquer jeito enquanto Luna murmurava algumas coisas a ele parecendo um pouco nervosa, mas ainda sorridente. Dois minutos depois, Neville jogou a mochila nas costas, praticamente saindo correndo da sala, ainda ao som dos beijos falsos de Simas e Dino. Luna o seguiu, novamente dando a impressão de ser surda às gozações.

- Teremos muitas risadas hoje no dormitório. – Rony disse alegremente, cruzando os braços e piscando para Harry. Hermione rolou os olhos, sinceramente não acreditando no que estava ouvindo.

Finalmente, eles estavam saindo da sala, mas antes que chegassem à porta, Lupin os chamou à mesa dele. Os três deram meia volta, Hermione sentindo um frio na barriga ao imaginar o que poderia ser.

Dino e Simas saíram da sala, ainda imersos em risadas. Lupin os esperou sair até disparar para os três, seus olhos castanhos brilhando:

- Tudo bem com vocês, não é?

- Anh... – foi Rony que respondeu, engasgando. – Tudo bem, professor.

Hermione olhou chocada para Rony. Estava claro que nada estava indo bem. Mas deveriam aproveitar a oportunidade e contar o que estava acontecendo a Lupin? Os olhos de Hermione correram para a porta aberta; e se alguém estivesse ali, à espreita? Estava ficando paranóica. Lupin ainda os observava. Ela teve que tomar uma decisão.

- Tudo certo, professor. – foi ela quem se pronunciou, sua voz ligeiramente trêmula. – Por que a pergunta?

Lupin sorriu; seus olhos observaram Harry atentamente por alguns segundos antes de se voltar novamente a Hermione.

- Eu só achei estranho... que vocês estejam tão... quietos.

Hermione sentiu Rony tremer ligeiramente ao seu lado. Ela pisou no pé dele, e o garoto ficou vermelho por segurar a exclamação de dor. Harry respirou mais fundo, também observando Lupin atentamente.

- Está tudo bem mesmo, professor. – Hermione insistiu. Depois de engolir em seco, Rony disparou:

- Eu não entendo vocês! – Harry e Hermione o olharam intrigados. – Primeiro reclamam quando nós nos metemos, chegam a nos trancar no quarto, e depois reclamam por estarmos quietos? Qual é o problema?

Lupin abriu um largo sorriso. Hermione ficou surpresa com a genialidade de Rony.

- É, eu também costumava pensar dessa maneira quando era jovem. – Lupin falou nostalgicamente; ele observou Harry novamente. – Não se preocupem, eu só queria saber se estava tudo certo mesmo. Podem ir jantar.

Não foi preciso que ele falasse duas vezes. Harry, Rony e Hermione saíram aos atropelos da sala de Defesa Contra as Artes das Trevas, esperando até que estivessem pelo menos dois corredores distantes para que juntassem suas cabeças e começassem a murmurar de uma forma que, para quem os ouvisse, dava a impressão de estarem falando em algum tipo de código.

- Ele sabe? – Hermione perguntou.

- Será?

- Por que não contamos? – Harry perguntou subitamente. – Vocês não disseram que ele era confiável?

- É uma pergunta justa. – Rony ponderou. – Por que não contamos, Hermione? Você deu para trás.

- Você também! Não me acuse!

- Mas por que vocês dois deram pra trás? – Harry insistiu.

Rony e Hermione pararam no meio do corredor vazio e se entreolharam, confusos. Harry os observava.

- Talvez... – Hermione começou, indecisa. - ...pelo mesmo motivo que nunca contamos o que aprontamos todas as outras vezes.

Rony sorriu, entendendo a mensagem.

- É exatamente o que eu pensei. – ele disse. – Porque nós podemos resolver sozinhos.

- Ou pelo menos achamos que podemos. – Hermione emendou.

Harry olhou de um para outro e depois permaneceu alguns segundos pensativo, até murmurar:

- Eu não contava com isso...




- Você não vai ao menos me ouvir? – Luna pediu pela milésima vez.

Neville ainda parecia fugir dela pelos corredores do castelo; eles já tinham dobrado quatro cruzamentos, desviado de dois grupos de alunos e descido três lances de escadas. No entanto, daquela vez, ele parou, e foi tão repentino que Luna deu um encontrão nele sem querer. Ela fechou os olhos com força, sentindo seu nariz roçando o uniforme dele na altura do peito do garoto, sentindo o cheiro bom que emanava de seu corpo. As bochechas de Luna esquentaram, e ela recuou um passo rapidamente, tentando não encará-lo nos olhos naquele momento.

- O que você quer? – o garoto perguntou entredentes e parecia zangado.

“O.k., Loony, você vai conseguir dizer. Respire fundo... Um, dois, três!”

Ela finalmente o encarou nos olhos; Neville estava zangado, aquilo era uma certeza em sua vida. Talvez ela não devesse tê-lo feito esperar, daquela maneira, sem nenhum aviso, por quase dois meses! Mas ela tinha chegado em um ponto que era preciso parar e pensar. E isso a ajudou bastante.

- Certo... – começou, escolhendo as palavras. Sua voz saiu frouxa aos seus ouvidos, e ela pigarreou, o que não foi de muita ajuda. – Eu queria... pedir desculpas, Neville.

Ela mordeu os lábios, esperando a resposta dele. Neville bufou, cruzou os braços, desistiu em seguida, e segurou a cintura. Parecia estar avaliando a situação, ou escolhendo as palavras. Luna não sabia o que era pior; mas ela sinceramente esperava que ele dissesse algo rápido ou ela realmente enlouqueceria com aquela espera.

- Eu espero que você tenha percebido... – Neville começou, seu tom soando aborrecido. - ...que você não me dirigiu a palavra por quase dois meses!

- Eu sei... – Luna murmurou envergonhada. – Mas...

- Você me evitava nos corredores! – Neville a acusou e, agora, parecia mesmo magoado. – Eu te chamava e você fingia que não era com você! Pelo amor de Deus, eu cheguei a te mandar corujas e você não me respondeu nenhuma delas! Qual é o seu problema?

- Eu...

- Luna, eu fui sincero com você! Dá pra você imaginar o quanto foi complicado te dizer aquelas coisas pra você aquele dia na estufa de Herbologia? Eu não sou tão corajoso quanto os outros garotos, sabia? Mas eu tive que ser naquele momento!

- Você foi...

- E depois você some desde aquele dia, sem nenhuma palavra, sem explicação! E agora você aparece, me pedindo...

Certamente, aquilo era a última coisa que Neville esperava naquele momento. Luna também não sabia que o faria, mas ela fez. Em um impulso, a garota se colocou na ponta dos pés, segurou firmemente o rosto arredondado do garoto e encostou seus lábios nos dele. Neville parecia tão chocado, que demorou alguns instantes para perceber o que estava acontecendo, mas quando ele começou a retribuir o beijo, Luna percebeu que era exatamente aquilo que ela queria para ela.

Ela ouviu quando ele deixou a mochila que carregava em um único ombro escorrer por seu braço e cair no chão com um baque surdo. E foi maravilhoso sentir os braços dele a envolvendo depois disso, segurando-a, suas mãos encontrando deliciosamente sua cintura e trazendo-a mais para perto dele, para que ela pudesse sentir aquele cheiro bom. Ela sentia seu corpo colado ao dele e era fantástico... era uma sensação que ela jamais tinha sentido, pois parecia inundar seu ser e correr por suas veias. Luna não esperava um dia sentir aquilo por alguém, mas estava sentindo naquele momento, e era tudo que ela poderia querer. Era melhor do que qualquer coisa que ela poderia imaginar. Era único, era muito mais mágico do que qualquer feitiço. Era algo que ela queria sentir para sempre.

Quando eles se separaram, Luna quase riu do sorriso bobo que pairava nos lábios ainda ligeiramente avermelhados de Neville. Ele parecia totalmente sem palavras. Luna percebeu que era o momento certo de se explicar.

- Eu também só quis ser sincera com você, Neville... – ela despejou, achando que seria mais fácil se falasse tudo de uma vez e de preferência, bem rápido. – Não dava para tentar se eu não soubesse o que eu estava sentindo. Eu preferi ficar distante esse tempo, e peço desculpas por ter sido tão grossa com você, mas foi o único jeito que eu consegui achar de poder pensar sobre o que estava acontecendo...

- Você gostava de outro garoto. – Neville a interrompeu; Luna arregalou os olhos. – Antes de eu entrar na sua vida, não é?

Ele não parecia zangado agora, e isso acalmou Luna. Neville tinha até mesmo um tom compreensivo.

- Era mais uma obsessão...

- Era Rony, não é? – ele disparou e foi como se Luna fosse atingida por um balde de água gelada. Novamente, ela sentiu o olhar e tom de Neville compreensivos. Luna apenas assentiu, envergonhada; não tinha palavras para repetir aquilo em voz alta. – Mas e agora? Você sabe o que sente? – Neville insistiu, observando-a com atenção.

- Eu gosto de você. – Luna disparou, sentindo-se bastante quente, mas com uma sensação de alívio que era muito agradável.

Neville abriu a boca, parecendo chocado por ter ouvido aquelas palavras. Ele levou uma mão ao cabelo e começou a andar de um lado para outro. Luna se sentiu um pouco confusa e insegura; não era isso que ele gostaria de ouvir? O que ela tinha dito de errado? Ele deu uma risadinha, e Luna subitamente se sentiu ofendida.

- Mas o quê...?

- Você imagina... – Neville parou de andar e a encarou abobado. - ...que eu nunca tinha ouvido alguém me dizer isso? Com essas palavras?

- Não? – Luna perguntou confusa. – Tá brincando. Nem a sua... – ela quase disse “mãe”, mas se refreou; seu pai já tinha lhe contado certa vez sobre a história dos Longbottom. – Quer dizer...

- Não dessa maneira. – Neville parecia sinceramente feliz e emocionado. – Sabe, nunca me disseram isso com todas as palavras, tão.. sinceramente. As pessoas podem até gostar de mim, de certa forma, mas nunca dizem e... – ele suspirou, observando-a com um sorriso. – É uma sensação muito boa ouvir. – a garota também sorriu fracamente. – Obrigado, Luna.

Ela deu uma risadinha baixa.

- Não que a minha palavra valha alguma coisa, não é? – ela observou Neville, que parecia intrigado. – Quer dizer, eu sou a Loony Lovegood, não sou?

- A sua palavra, para mim, já é o bastante.

Luna não se lembrava de ter se sentido tão completamente feliz em algum momento de sua vida.




Gina parou no meio do corredor, indecisa para onde ir. Ela já tinha percorrido toda a escola à procura daqueles três. Onde Harry, Rony e Hermione tinham se enfiado, afinal?

Era um fim de tarde de sexta-feira. Ela sabia que era tarde livre do sétimo ano da Grifinória e sabia também que aqueles três iam aproveitar o horário livre para pesquisarem sobre memória na sala de A.D. O problema era que Gina já tinha ido na sala de A.D. e nenhum dos três estava lá! E Hermione tinha lhe dito que era para encontrá-los lá!

Gina parou por um momento, encostando-se à parede, próxima a uma janela. Ela observou o pôr-do-sol reluzente, refletindo raios vermelhos no lago de Hogwarts. Onde ela ainda não tinha procurado? Seus olhos recaíram na cabana de Hagrid, mas Gina achou improvável; Hagrid provavelmente tinha acabado de dar sua última aula de Trato de Criaturas Mágicas do dia. Além disso, dois minutos após esse pensamento, Hagrid saiu da cabana sozinho, caminhando em direção ao castelo.

“Pense, Gina burra, pense...”

Ela quase deu um murro em si mesma, ao invés disso bateu com força no parapeito da janela e sentiu uma dor excruciante nos nós dos dedos. “ESTÚPIDA!”, ela se xingou, sua voz ecoando em seu cérebro. Como não tinha pensado antes naquele lugar?! Era o mais lógico depois da sala de A.D.!

Ela recomeçou a caminhar, seguindo o sentido oposto e ainda murmurando xingamentos variados para si mesma por ser tão imbecil.

A biblioteca estava consideravelmente entupida de alunos. Gina achou que seria complicado enfiar mais um mísero livrinho de bolso naquele lugar, mas ainda assim ela se esgueirou por entre os alunos tentando encontrar os amigos. Era difícil. Gina teve a impressão de que toda a população de quinto e sétimo ano estava ali dentro, correndo de um lado para outro à procura de livros, estudando feito loucos para os N.O.M.s e N.I.E.M.s. Gina arregalou os olhos ao ver Draco Malfoy e sua turma de sonserinos estudando em um canto. Até eles! A garota respirou fundo e engoliu em seco, pensando em quanto tinha que agradecer por ainda não estar no sétimo ano e seu quinto ano já ter passado.

Ela se desviou de um grupo de meninas da Corvinal que discutiam sobre qual livro deveriam escolher na prateleira. Gina viu Madame Pince olhar feio para as garotas e correu para longe dali antes que também recebesse uma bronca. A garota passou pelos corredores, olhando para todos os lados, até finalmente enxergar, no fim de um deles, um ponto, castanho cheio, e outro, cor de fogo, cochichando com as cabeças juntas.

- O que vocês dois estão fazendo aqui? – Gina perguntou com a voz aguda, por trás deles.

Rony e Hermione deram um salto tão grande, que foram parar um encostado em cada estante, seus olhos e bocas arregalados, respirando muito rápido. Hermione colocou uma mão sobre o colo, arfante, enquanto Rony, do outro lado, seus olhos tão arregalados como duas goles.

- O que há com você, Gina? – ele exclamou. – Quer nos matar de susto?

- Ufa... – Hermione suspirou. – Avise antes que é você, Gina, nós pensamos que alguém poderia ter-nos ouvido...

Gina encarou os dois, desanimada.

- O.k., não vou fazer mais isso. Mas, afinal, por que vocês não estavam na sala de A.D.?

- Harry está lá. – Hermione retrucou, um pouco mais calma depois do susto, devolvendo o livro que segurava a uma prateleira próxima.

- Não está, não.

- Talvez ele tenha apenas ido ao banheiro ou coisa do gênero. – Rony espantou o assunto, sem dar muita importância. – Nós o deixamos lá, olhando alguns livros.

- Mas a sala não se transformaria em penicos se ele... – Hermione fez uma careta. - ...bem, se ele ficasse com... necessidades...

- Eu voto que Gina não tenha olhado direito o lugar, de tão insana que ela está hoje! – Rony acusou. Gina fez uma careta.

- Eu não vou assustar mais vocês desse jeito! Eu prometo!

- De qualquer maneira... – Rony disse, juntando alguns livros que estavam amontoados sobre o parapeito da janela. – Nós terminamos por aqui, Mione, não é? Nós podemos montar outra biblioteca com todos os livros que juntamos!

Hermione resmungou algo e recolheu os livros, prontificando-se a ir registrar a saída deles com a atarantada Madame Pince. Demorou um pouco, devido à toda a movimentação da biblioteca, mas finalmente os três saíram do lugar, Gina ainda imaginando como poderia ser possível que ela não tivesse enxergado Harry na sala de A.D. quando fora lá mais cedo. Ao entrarem na sala, Gina entendeu o porquê.

Eles enxergaram Harry deitado sobre as almofadas, escondido a um canto, um livro largado na sua mão esquerda. Gina só tinha colocado a cabeça na porta, observado a sala e chamado pelos amigos. Da porta, não dava para enxergar Harry. Rony tinha um sorriso maroto no rosto e sugeriu que jogassem algumas almofadas em Harry para acordá-lo com um susto. Gina e Hermione prontamente o impediram, e Rony fez uma careta de frustração. Hermione murmurou que poderiam continuar a pesquisar sozinhos e deixarem Harry descansar um pouco.

Eles se sentaram em círculo no chão, despejando os livros ao seu lado. Era um trabalho penoso e enfadonho, mas Gina já estava começando a se acostumar e, afinal, era pelo bem de Harry. Rony geralmente já ficava com sono quando estava vasculhando o segundo livro. Hermione parecia imune a esse efeito; ela vasculhava vários volumes com a mesma disposição do primeiro. Gina a achava incrível por isso, pois ela também ficava com sono já no quarto ou quinto livro.

Já era noite quando Harry começou a resmungar algo ininteligível em seu sono. Os três pararam a pesquisa para escutar, mas depois Harry voltou a ficar em silêncio. Gina, Hermione e Rony se entreolharam, aparentemente tendo o mesmo pensamento; poderia ser normal qualquer outra pessoa murmurar durante o sono, mas Harry não. Os sonhos dele eram diferentes.

Gina se levantou, caminhando até Harry e se ajoelhando sobre algumas almofadas. Por alguns instantes, ela se esqueceu do que viera fazer e apenas observou Harry dormindo. Ele parecia tão calmo, tão tranqüilo, tão... ela sorriu. Ele parecia até mesmo um garoto indefeso daquela maneira. Ela observou como sua respiração era tranqüila, pausada, e como seu peito subia e descia num ritmo suave a cada vez que ele inspirava e expirava. Os olhos da garota focalizaram as mãos dele, largadas ao lado do corpo, uma delas apenas com os dedos estendidos e levemente flexionados na direção do livro que ele tinha deixado cair de lado quando adormeceu; a outra, segurando com desvelo os óculos redondos.

A garota desviou seu olhar para o rosto dele, seus olhos fechados suavemente, sua boca levemente aberta... Gina a encarou por muito tempo, imaginando qual seria seu sabor, que ela queria sentir há tanto tempo. Os cabelos dele, desalinhados e tão negros como a noite, caíam-lhe sobre os olhos e o braço no qual apoiava a cabeça. Gina achava que o rosto de Harry era tão bonito... e tão diferente sem óculos... Estava sereno, sereno como dificilmente estava. Nem dava para imaginar que aquele garoto adormecido fosse mesmo Harry Potter, o tão famoso “menino-que-sobreviveu”. Para Gina, ele era apenas Harry... só Harry. O Harry que ela queria que fosse dela. O seu Harry...

- Talvez não fosse nada. – Gina sentiu a voz de Hermione murmurar ao seu lado. – Imagine, ele está dormindo tão tranqüilo, não é possível que...

Gina engoliu em seco quando se sentiu observada por Rony, do seu outro lado. O seu irmão tinha um olhar pensativo, quase tristonho. E Gina não conseguia entender. Aliás, às vezes ela achava que seu irmão era apenas um garoto imaturo; outras, ela simplesmente não conseguia entender suas atitudes e seu olhar...

Harry resmungou outra coisa e, dessa vez, os três o observaram atentamente. Gina percebeu que sua expressão não parecia mais tão serena assim; os olhos dele estavam apertados e, inconscientemente, ele fechou o punho direito, apertando os óculos que segurava entre os dedos. Gina quis retirá-los de sua mão para que não se machucasse, mas Hermione não permitiu; parecia que ela não queria acordá-lo para que pudesse escutar o que ele dizia.

Ele se movimentou com aflição, seu rosto se contorcendo numa careta feia. A respiração começou a ficar mais rápida e inconstante; Gina teve o ímpeto de levar sua mão às têmporas dele, que suavam horrivelmente, mas se conteve a muito custo.

- Quando ele sonhava com... – Rony sussurrou, respirando fundo e fazendo uma careta. - ...com V-Voldemort... – tanto Gina quanto Hermione o encararam chocados; Rony nunca tinha dito o nome do bruxo antes. - ...ele ficava exatamente dessa maneira...

Gina, angustiada, voltou a encarar Harry. Realmente, ele parecia estar tendo um pesadelo. Ela não se lembrava de tê-lo visto ter antes algum pesadelo com... Voldemort; não era tão chegada a eles na época que Harry os tinha constantemente, no quinto ano. Não era uma sensação agradável vê-lo daquela maneira; a expressão em seu rosto dava a impressão de que ele estava... transformado em outra pessoa.

- Será mesmo... – Hermione começou a sussurrar, mas parou quando a voz de Harry pôde ser ouvida.

- Como você não sabia, Bella? – a voz dele soava diferente; fria, quase gelada... sibilante e cruel. Gina sentiu um arrepio; Hermione respirou fundo e Rony observava Harry com muita atenção. – Você tinha que ter percebido!

Gina percebeu que o punho direito de Harry se fechava com mais intensidade; ele suava incrivelmente, e não estava calor para tudo isso. Sua respiração era tão rápida que assustava.

- Malfoy...- – Harry voltou a falar com voz fria. Houve uma pausa tensa. – Você foi útil, finalmente. – outra pausa; Harry soltou uma gargalhada arrepiante. – Não diga tolices... Você sempre foi arrogante demais; mas no fundo, apenas um covarde inútil, como Rabicho...

Uma pausa longa. A face de Harry se contorceu horrivelmente; os punhos dele se fecharam ainda mais...

- Cale-se, Bella! Cru...

O “clec” alto e estridente de vidro quebrando se sobrepôs às palavras de Harry; ele finalmente tinha quebrado os óculos tal era a força que aplicava nos punhos.

- AAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!

Hermione, Gina e Rony deram um salto para trás quando Harry se sentou num movimento brusco, acordando finalmente. A sala era ocupada por um silêncio tenso, apenas entrecortado pela respiração inconstante de Harry. Gina observou-o com agonia: Harry tremia dos pés à cabeça, como se tivesse acabado de sair de uma nevasca; no entanto, ele suava como se estivesse em um forno, tanto que sua camisa tinha manchas de suor. Respirava rapidamente, seu rosto vermelho de cansaço. A cicatriz em forma de raio estava mais visível do que Gina jamais se lembrava de ter visto.

Ele levou sua mão direita à têmpora molhada de suor; abriu-a, deixando os óculos que segurava caírem quebrados ao chão. Havia sangue na palma de sua mão por ter apertado os óculos. Foi Hermione que conseguiu agir primeiro; ela se arrastou sobre as almofadas até ele, segurando seu pulso antes que Harry encharcasse a testa com sangue.

- Você está bem, Harry? – ela perguntou sem fôlego, abrindo a mão dele e observando-a com preocupação.

Rony não deu tempo para que ele respondesse.

- Foi ele, não foi? – ele também parecia sem fôlego e assustado. – Você sonhou com ele!

Harry parecia fora da órbita. Ele piscou algumas vezes, a boca aberta tentando respirar, ainda bastante trêmulo. Gina estava paralisada, observando-o; seu coração também batia muito rápido, pelo pânico que sentia.

- Você está deixando-o confuso, Rony! – Hermione exclamou aguda, num tom repreensivo. Ela se virou para Harry, ainda nervosa, mas tentando falar devagar e com o máximo de calma que conseguia. – O que você sonhou, Harry?

- Eu... eu... – subitamente, ele puxou a mão ensangüentada que Hermione ainda segurava. Harry encarou as duas mãos trêmulas, virando-as várias vezes, tocando-se, examinando-as. – Eu era... – ele murmurou, ainda observando as mãos. Harry abriu novamente a boca para falar, mas então, soltou uma súbita exclamação de... frustração?, e levou a mão esquerda ao rosto, massageando a cicatriz, e depois enfiando os dedos nos cabelos desgrenhados. Com a cabeça baixa, ainda respirando descontrolado, ele murmurou:

- Eu era... pálido... como a morte... – ele segurou com a mão esquerda a outra que sangrava, torcendo-a de nervosismo. – Eu estava furioso... Eu gritava com... aquelas pessoas... ao meu redor...

- Você se lembra do que disse? – Rony perguntou rapidamente. – Consegue se lembrar da conversa?

- Eu... NÃO SEI! – Harry gritou com desespero. – Eu...

- Você tem que tentar se lembrar, Harry! – Hermione pediu com voz rouca. – É importante!

- Eu...

- JÁ CHEGA!

Foi Gina quem gritou. Rony e Hermione a encararam com surpresa. Harry levantou um pouco a cabeça, observando-a através da cortina que sua franja negra fazia sobre seus olhos, ainda respirando com dificuldade. Gina respirou fundo, tentando se acalmar, mas era quase impossível.

- Basta... – ela disse fracamente. – Nós já sabemos o bastante, e podemos perguntar mais a ele depois se for necessário.

Ela permaneceu em silêncio por alguns instantes. Gina não sabia direito o que estava fazendo ou dizendo, ela só percebeu que não suportaria continuar a ver Harry naquele desespero. E as perguntas de Rony e Hermione não estavam melhorando em nada seu estado, apesar da intenção deles ser a melhor possível. Mas Gina percebeu que naquele momento, ela não se importava com o plano de Voldemort, ou o que quer que ele tivesse dito naquele sonho. Ela só queria fazer Harry ficar bem, ela apenas não suportava a idéia de vê-lo naquele estado angustiante nem mais um minuto.

- Vamos apenas... – algo estava preso em sua garganta, mas ela se obrigou a falar. - ...apenas cuidar do ferimento dele e levá-lo para descansar. Por favor...

Gina não saberia dizer se tinha visto direito, mas quando Harry levantou a cabeça para encará-la, havia um assomo de gratidão em seus olhos e algo mais que ela não pôde definir naquele momento... apesar de que um dia, ela fosse entender perfeitamente o que aquele brilho significava.

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