Canção ao pé do ouvido

Canção ao pé do ouvido



Hogwarts, 3 de maio de 1998

O que há de errado comigo?

Às vezes essa pergunta surge na minha cabeça. É como se alguma força invisível conspirasse para que tudo na minha vida caminhasse para um desastre. Há certos dias que a gente não deveria levantar da cama; comigo, há mais dias assim do que dias em que eu deveria sair da cama.

Acho que eu estou cansada. Pura e simplesmente exausta. Parece que as paredes desse castelo estão se fechando ao meu redor – e eu tenho medo do dia em que elas se fechem completamente.

Desde aquele dia no qual eu pensei que tivesse perdido esse diário (e isso faz um tempo considerável), eu acabei deixando de escrever. Talvez por medo de que alguém pegasse esse caderno e lesse todas as minhas confissões... ou talvez porque eu não estivesse com o mínimo ânimo de escrever mesmo... Se alguém leu isso aqui? Eu nem sei o que pensar. Depois daquele dia, cansei de pesar as possibilidades; sinceramente não tenho certeza se alguém pegou ou não esse diário. E se pegou, também não veio me dizer ou saiu por aí contando meus segredos – porque ninguém nesse castelo parece sabê-los, e eu fico muito contente que seja assim.

Aquela busca frenética, na qual eu, Hermione e Rony (Harry, nem tanto) tentamos encontrar uma cura para o problema de Harry, continua, mas não surtiu efeito algum. Todos os livros de Hogwarts, juntos, não conseguem responder à pergunta “como reverter a perda de memória?”. Algumas vezes eu olho para Neville e me lembro que os pais dele nunca mais se lembraram dele ou deles mesmos – e fico apavorada só de pensar que talvez Harry também não consiga se lembrar.

No entanto, essa busca insana teve que andar mais devagar de uns tempos para cá; Rony, Hermione e Harry estão entrando na época dos N.I.E.M.s, que serão no começo do mês que vem, e é preciso que eles estudem. Então, a procura caiu um pouco para o meu lado, apesar de que eu também tenha exames – mas eles não são como os N.I.E.M.s, o que eu agradeço, ao menos nisso eu tenho sorte. Além disso, eu, Hermione e Rony estamos dando aulas para Harry, já que, para ele, é mais difícil acompanhar as matérias do que os outros.

Mas há outros assuntos pendentes além dos exames...

Todo esse tempo e – ninguém acreditaria se soubesse – nós ainda não conseguimos falar com Dumbledore sobre aquele assunto. Tanto eu, quanto Hermione e Rony tentamos, mas não conseguimos. Dumbledore parece estar tão ocupado com os assuntos da escola e da Ordem que nós só o vemos nas horas das refeições – e é exatamente nesses momentos que tentamos falar com ele. Conseguimos interceptá-lo algumas vezes, mas é incrível como ele consegue escapar! Houve um dia que ele não teve saída; estávamos nós quatro, eu, Rony, Hermione e Harry; foi Hermione que começou a falar, mas Dumbledore nos dispensou de uma maneira quase grosseira, o que não é normal dele, pois geralmente ele é gentil com os alunos. Isso me fez pensar que ele poderia não querer falar conosco, por algum motivo. Hermione também achou isso. Rony, no entanto, argumentou que ele apenas poderia estar com pressa. O fato é que todo esse tempo se passou e nós continuamos no mesmo ponto: não contamos a ninguém o estado de Harry e, ao mesmo tempo, sabemos que pessoas indesejáveis como Draco Malfoy sabem a verdade.

Ah, nós também tentamos falar com Lupin, mas ele tem a mesma atitude de Dumbledore. Eu não entendo isso... parece que nós somos indesejáveis, ou sei lá o quê. Se eles apenas nos dessem dois minutos para que pudéssemos contar... aposto como passariam a nos dar mais atenção depois disso.

Harry nos contou que Snape não fez perguntas naquela noite da detenção; todo aquele tempo que ele passou por lá deve ter sido apenas birra do seboso mesmo... Ele disse que nós estávamos ficando tão paranóicos que as pessoas descobrissem, que acabávamos pensando que qualquer pessoa poderia descobrir. Harry às vezes não me parece tão preocupado com a situação quanto deveria, mas talvez seja porque ele tenha receio de voltar a ser uma pessoa que não conhece – ele mesmo – quanto tudo isso terminar. Para falar a verdade, eu também tenho medo desse dia.

Parece que eu e Harry fizemos um acordo silencioso para não comentarmos mais aquela noite que discutimos na sala comunal. Também não tive coragem de perguntar a Harry o que ele fez quando voltou e me viu lá, esperando por ele no sofá, dormindo... Tampouco consegui pedir desculpas a ele pela discussão – e nem ele parece querer isso, porque nas vezes que tentei, ele se desviou. Não sei se foi por isso, mas tenho a impressão de que a nossa relação se tornou um pouco fria, apesar de Harry ser muito gentil quando fala comigo. Mas... quando ele está perto de mim... parece que ele fica desesperado com a simples possibilidade de olhar nos meus olhos. E quando olha... é como se algo diferente tivesse surgido em seus olhos, algo que é um mistério para mim; às vezes eu tenho a impressão de que, agora, Harry me vê sob uma perspectiva nova.

Ao mesmo tempo, há momentos em que sinto como se fosse uma intrusa quando estou junto a ele, Rony e Hermione. Eles sempre andaram juntos, sempre foram os três, e agora eu estou no meio deles – por força das circunstâncias, é verdade – mas ainda assim, é como se eu fosse uma invasora. Isso me constrange um pouco.

E eu continuo sendo uma idiota, porque isso tudo dói. Não deveria, eu sei, mas dói. Eu queria que Harry parasse de fugir de mim e simplesmente percebesse... ah, o que ele poderia perceber? Não há o que o perceber. Já faz tempo que eu tenho consciência de essa palavrinha chamada “amor” é apenas uma fantasia para tornar a vida um pouco menos cruel. É como se fosse uma historinha, uma lenda, daquelas que se conta para as crianças antes de dormir. Uma versão adulta para as fantasias infantis, é isso que é. Não é real. É apenas mais uma invenção... uma mentira.

Talvez seja isso que esteja errado comigo.

Virgínia Weasley




Neville desceu depressa as escadas, seus sapatos fazendo um barulho alto contra o piso de mármore. Finalmente suas aulas do dia tinham terminado, e ele não poderia estar mais ansioso por isso. Estava exausto, mas muito mais importante que isso era que ele tinha marcado se encontrar com Luna antes do jantar. Não estava tendo muito tempo para ela àqueles dias – a pressão dos exames e a verdadeira montanha de deveres não estava ajudando – e decididamente estava com saudades.

Era tão esquisito pensar assim. Ele estava com saudades de alguém e sabia que ela também estava. Ele estava junto de Luna. Ele estava com uma garota! O.k., ele teve algumas coisas com outras garotas antes de Luna... mas ninguém como ela e nada como o que ele sentia. Era algo totalmente novo... e Neville gostava daquela sensação.

- Opa, desculpa, Gina, eu estava distraído... – ele disse sem jeito depois de esbarrar fortemente em Gina, que vinha subindo as escadas na direção contrária à dele. – Você está bem?

- Estou, Neville, tudo bem... – ela murmurou gentilmente, apesar de seus olhos a contradizerem; claramente, ela estava muito chateada e não era daquele dia – Neville já tinha notado isso antes.

- Você não parece muito bem, Gina... – ele expressou seus pensamentos, preocupado. Ela levantou a cabeça para vê-lo melhor, seus olhos um pouco tristonhos.

- Ao contrário de você, não é? – ela se desviou do assunto, abrindo um sorriso forçado. – O seu sorriso está enorme, Neville.

Ele não conseguiu deixar de soltar uma risadinha contente.

- Eu vou me encontrar com Luna. – ele admitiu, fazendo-a finalmente abrir um sorriso verdadeiro; sabia muito bem que Gina sabia dos dois, na verdade, grande parte da escola já descobrira e se surpreendera com isso. E, sinceramente, Neville estava feliz demais para se irritar com as piadinhas dos sonserinos a respeito. – Falando nisso, você a viu por aí? Eu já a procurei, ela tinha combinado de me encontrar na biblioteca, mas...

- Ah, eu só a vi na aula de Herbologia, Neville... E isso faz algum tempo já. Por que você não a procura no Salão Principal? Às vezes ela gosta de chegar mais cedo lá para comer sozinha...

- É, eu sei, ela não gosta muito de ficar perto do pessoal da Corvinal... nem dos outros. – ele completou; Luna às vezes evitava ficar perto das pessoas, pois elas nunca deixaram de chamá-la de “Loony Lovegood” e fazer piadas. – Eu vou procurá-la, Gina, obrigado.

Eles se despediram, Neville ainda tendo a impressão de que alguma coisa estava errada com a garota. Ele chegou no fim da escada, observando com atenção o Hall de Entrada. Luna não estava ali. Ele foi até o Salão Principal, mas não encontrou os cabelos loiros da garota na mesa da Corvinal. Alguma coisa estava errada... Tá certo que Luna não era a pessoa mais pontual do mundo e era realmente avoada, mas não o deixaria ali plantado. Bem, talvez ele só estivesse ansioso demais para vê-la e pudesse estar exagerando um pouquinho. Não era tarde demais... ela poderia ter-se atrasado. Aliás, ela poderia ter ido para a biblioteca, e ele, na sua afobação em encontrá-la, acabara se perdendo dela.

Neville pensou em voltar, mas decidiu esperar mais um pouco. Ele sabia que ela tinha aula de Poções no último horário de segunda-feira e poderia aparecer por ali. O garoto se aproximou de uma das enormes janelas, suspirando longa e impacientemente. Distraído, ele observou os jardins pelos vidros.

Caía uma chuva fina lá fora, apesar do clima estar bem ameno. Os jardins estavam bonitos, pois finalmente o inverno tinha ido embora de vez, dando lugar à primavera. Neville observou os canteiros floridos próximos à cabana de Hagrid, a chuva molhando-os tranqüilamente...

Ele esfregou o vidro da janela e depois os olhos, imaginando que eles poderiam estar enganando-o. Tinha acabado de ver Luna saindo da cabana do Hagrid? Não era possível... O que ela poderia estar fazendo lá?

Esbarrando em uma primeiranista assustada da Lufa-lufa, Neville se esgueirou para fora dos portões do castelo. Ao descer os degraus de pedra, ele sentiu seus pés fazerem contato com a grama e a terra molhada, fazendo seus sapatos se encharcarem. A chuva fina que caía era suficiente para molhar seu rosto e cabelos. Confuso, ele observou Luna andar apressada pelos jardins por causa da chuva, seu jeito muito diferente da habitual garota aérea que ele conhecia.

- Ei! – ele a chamou, correndo para atravessar a distância que os separava naquele instante. – Ei, Luna!

Ela parou de andar, levantando o rosto para vê-lo. Por alguns instantes, ela apenas o encarou, a boca entreaberta, deixando que algumas gotas de chuva que molhavam seu rosto penetrassem por seus lábios. Seus olhos estavam mais arregalados do que nunca e ligeiramente avermelhados. Neville correu até alcançá-la, espirrando água e sentindo as gotas de chuva ficarem mais grossas ao tocarem seu corpo.

- Eu estava te procurando, Luna! Você não apareceu na biblioteca!

- Biblioteca? – ela repetiu sonhadoramente, enxugando os olhos, que voltaram a ser molhados pela chuva. Neville ia sugerir que fossem para um lugar coberto quando levou um choque com o que ela disse em seguida. – Biblioteca, do que você está falando? – e então ela soltou um “gulp” assustado, encarando um desanimado Neville à sua frente, sem saber o que dizer. – Biblioteca... Eu esqueci...

- Você... esqueceu? – Neville repetiu desapontado, esquecendo completamente que estavam no meio da chuva. – Você esqueceu que tinha que me encontrar?

- Ah, Neville... você sabe como eu sou!

Ele suspirou desanimado, toda a felicidade que sentia antes se esvaindo tão rápido quanto aquelas gotas de chuva.

- Foi mal, Neville... É que... aconteceram tantas coisas hoje, que...

- Que coisas? – ele indagou, sentindo uma pontinha de irritação. – Pensei que o único momento que conseguimos para ficar juntos fosse mais importante!

- Ah, é claro que é, Neville! – ela exclamou impaciente, seus cabelos molhadas espirrando água enquanto ela movia a cabeça suavemente. – Mas, é que hoje... ah, não, esquece!

- O que foi que aconteceu? – ele observou um ponto atrás dela. – Você estava na cabana do Hagrid, não é?

A boca dela se entreabriu novamente; por um instante, Neville pensou ter visto apreensão nos olhos azuis dela. A garota contornou-o, caminhando no sentido oposto. Neville a seguiu, sentindo ainda a chuva fustigando seu corpo.

- Ei, você vai me ignorar, é?

- Nós não precisamos ficar na chuva o tempo todo, não é? Eu vou acabar virando um pinto molhado desse jeito!

- Por que você está fugindo do assunto? Você estava na cabana do Hagrid, não é? Eu não sabia que você costumava visitá-lo.

- Há algo errado nisso? – ela perguntou distraída assim que chegaram nos degraus de pedra, onde a chuva não podia mais alcançá-los. Luna torceu os cabelos, deixando algumas gotas d’água pingarem no chão.

- Eu só comentei porque não sabia que você...

- É, há muitas coisas sobre mim que você não sabe, Neville. – ela completou aborrecida, girando a cabeça de um lado para o outro para espantar a água; Neville teve que se desviar para não ser atingido pelo cabelo dela. – Simplesmente há coisas que as pessoas não precisam saber.

- Uau. – ele desabafou. – Pensei que comigo fosse diferente, afinal, eu não fico te chamando de “Loony” como as outras pessoas.

Ela parou por um momento de tentar se secar, seu rosto inexpressivo, mesmo que estivesse observando Neville atentamente. Ele ficou imaginando se Luna notaria que ele tinha se magoado com o que ela tinha acabado de dizer.

- Alguém já te disse... que eu sou esquisita?

- Eu notei. – ele afirmou sarcasticamente, preferindo observar a chuva que caía perto deles. Ele sentiu uma pressão no queixo quando Luna o virou para que ele pudesse vê-la.

- Então entenda isso. – ela disse seriamente, o que não era algo normal. – Porque há coisas que eu não vou te dizer agora e eu espero que você compreenda.

Por alguns segundos, eles apenas ficaram em silêncio. Neville ouvia o som da chuva, enquanto olhava para aqueles olhos azuis arregalados, que devolviam seu olhar com intensidade. Luna ainda segurava seu queixo; num gesto rápido, ela se colocou na ponta dos pés e tocou seus lábios depressa. Neville apenas sentiu o gosto adocicado da boca dela misturado à água da chuva até que, alguns instantes depois, estivesse novamente encarando-a sem ação, novamente pego de surpreso – Luna sempre fazia isso e ele nunca aprendia. Ela sorriu, soltando seu queixo e fitando-o com um olhar matreiro.

- Eu realmente não quero brigar com você por causa disso, Neville. – e, sem mais palavras sobre o assunto, ela lhe deu as costas.

- Aonde você vai? – ele perguntou abobado.

- Me secar... – ela respondeu com um gesto displicente, sumindo ao passar pelas portas duplas de carvalho.

Neville apenas ficou ali, parado, sem saber o que fazer por vários minutos. Que coisas seriam aquelas que ela não queria lhe dizer? Ele sabia que Luna era meio excêntrica, mas a convivência com ela lhe provara uma coisa: ela não era totalmente maluca como todos diziam. O.k., ela acreditava em coisas que ninguém mais acreditaria, dizia esquisitices, às vezes sem sentido, mas havia um motivo para que ela estivesse na Corvinal; Luna era inteligente e, Neville sempre lhe dizia que ela, tinha um lado grifinório também. De tanto que ele repetia isso, um dia, ela lhe contara que o Chapéu Seletor tinha ficado em dúvida entre a Corvinal e a Grifinória quando a escolheu. Mas uma coisa que Neville não entendia era porque Luna claramente se mostrava como “Loony” para os outros, se ela não era assim o tempo todo – pelo menos com ele, ela não era assim. Neville observou o lugar por onde ela tinha ido embora, imaginando o que ela poderia esconder...

- Ah, olá, Harry! – ele cumprimentou o garoto, que vinha subindo os degraus, quase tão distraído quanto Luna.

Harry parou de andar, surpreso ao ver Neville. Ele estava bastante molhado, seus óculos tão embaçados que Neville não sabia como ele conseguia ver alguma coisa daquele jeito. Por um momento, Harry apenas tirou os óculos, agitou-os para que o excesso de água saísse, coçou os olhos e olhou para Neville, já com os óculos de volta. Neville reparou que os olhos dele, assim como os de Luna, estavam um pouco avermelhados. Harry abriu um sorriso fraco, acenando para Neville com a cabeça em cumprimento, para depois também sumir pelas portas de carvalho.

Neville teve a sensação de que algo estranho estava acontecendo.




- Então, qual sua opinião sobre o assunto, Hermione?

A garota não conseguiu esconder um tímido sorriso ao ouvir novamente seu primeiro nome pronunciado pela austera Profª. McGonagall naquele tom leve, tão raro nela. McGonagall estava pedindo sua opinião; e Hermione tinha que ter uma boa resposta em mente. Sentada de frente à diretora de sua Casa, com as mãos no colo, a jovem monitora-chefe observou por alguns segundos a mesa da professora, buscando algum tempo para pensar na questão. Havia vários pergaminhos metodicamente organizados sobre a mesa, um peso de papel em forma de um leão de cristal, algumas penas e tintas, e uma lata de biscoitos, com uma estampa escocesa.

- Bem, professora... – ela começou lentamente, sua habitual confiança ao falar menos acentuada por estar a sós com aquela bruxa que ela admirava. – É claro que os alunos se sentiriam mais confortáveis com essa atitude. A senhora sabe, eles estão apavorados com essa situação, principalmente os mais novos...

- Sim, eu sei... – McGonagall suspirou profundamente, seus olhos pensativos postos por um momento no peso de papel sobre a mesa. Então, ela desviou novamente o olhar, ajeitando os óculos quadrados de aros de tartaruga, fitando Hermione atentamente. – O Prof. Dumbledore acha que seria uma boa maneira de lembrá-los de que, apesar da guerra, eles ainda são jovens e têm todo o direito de... – ela pigarreou, sua postura tornando-se ainda mais ereta, se isso era possível. - ...o direito de se divertirem.

Era muito estranho ouvir a Profª. Minerva, com seu coque milimetricamente preso e postura rígida na cadeira, dizendo que alguém precisava “se divertir”. Hermione imaginou o que Rony diria, mas segurou o sorriso para não ser indelicada, observando em seguida a mulher à sua frente. Apesar de toda aquela severidade, ela sabia que a professora era uma boa pessoa, que se preocupava com os outros. Aquele sim era o tipo de mulher que Hermione gostaria de ser algum dia.

- Mas... – a garota argumentou. - ...não seria perigoso fazer isso?

A professora ponderou a questão por alguns instantes, ajeitando novamente os óculos. Sua expressão era ligeiramente preocupada. Quando ela voltou a mirar Hermione, era como se estivesse estudando-a.

- Acho que posso confiar a você essa informação, Hermione. – ela disse, e a garota sentiu seu corpo invadido por uma onda de orgulho e responsabilidade. – Eu também fiz essa mesma questão ao diretor, e ele me respondeu que não há perigo; o Prof. Snape já o assegurou que os olhos de... – ela hesitou quase imperceptivelmente. – ...Voldemort, neste momento, não estão focados em Hogwarts, apesar da pessoa que ele quer estar aqui.

O olhar que a bruxa lhe dirigiu era bastante significativo, mas este não era necessário; Hermione sabia muito bem a que pessoa McGonagall se referia: Harry. Por um momento, a garota se esqueceu do assunto que estava tratando e se lembrou da situação do amigo. Aquela era uma boa oportunidade de contar a algum membro da Ordem da Fênix o que estava acontecendo. As tentativas que ela e os outros fizeram de contar a Dumbledore, que era a primeira opção, e Lupin, a segunda, se mostraram infrutíferas. Parecia que ambos estavam dispostos a ignorar o que eles tinham a dizer. No entanto, McGonagall estava ali, disposta a ouvir a opinião de Hermione, e seria muito difícil que ela não ouvisse a garota quanto a um assunto desses. Ela se repreendeu intimamente por não ter pensando em McGonagall logo de cara; era a opção mais simples, ao menos para ela e, além disso, a professora passaria essa informação a Dumbledore imediatamente. Hermione lembrou que não tinha discutido com os outros sobre essa opção, mas não havia tempo para isso no momento; aquela era sua chance, e ela tinha que assumir a responsabilidade.

- Hermione? – a bruxa chamou a aluna, suas sobrancelhas levemente erguidas, sem compreender por que a garota demorava tanto para dizer algo. Hermione sentiu suas bochechas coraram sensivelmente pelo olhar que a professora lhe lançou.

- Bem, se não há perigo, professora...

- Então você acha uma boa idéia? Responda como uma adolescente, Hermione, não como monitora-chefe. – a professora se permitiu um leve sorriso. Hermione a acompanhou, torcendo as mãos sobre o colo.

- Se a senhora diz assim... – ela respondeu timidamente. – Eu acho uma boa idéia.

- Ah, então passarei isso para Alvo. – a professora pareceu mais aliviada. – Ele me pediu uma opinião e deu algum tempo para que sondasse o que os alunos achariam, e é claro que a senhorita era a pessoa mais adequada para essa conversa.

Hermione decididamente sentiu-se fervendo e percebeu que deveria estar muito vermelha. Ela se surpreendeu com toda a confiança que a professora depositava nela. A garota mordeu ligeiramente o lábio inferior, lembrando-se que, apesar da euforia que estava sentindo, havia ainda um outro assunto importante, com certeza o maior, a tratar.

- Professora, eu gostaria de conversar com a senhora sobre outro assunto também... – ela começou, voltando a fitar a bruxa, que a encarou de volta com interesse. – É sobre...

Houve um crack<^/i> na lareira, apesar das brasas estarem frias, por causa do tempo ameno que fazia. Tanto Hermione, quanto McGonagall, dirigiram seus olhares para a lareira apagada. Um rosto tinha aparecido ali. Hermione se ajeitou melhor na cadeira ao reconhecer a pessoa. Os olhos azuis de Alvo Dumbledore, emoldurados pelos óculos de meia-lua e os cabelos e barba prateados, primeiramente fitaram a Prof. McGonagall, para depois mirarem Hermione com uma educada surpresa e, depois, deu um aceno de cabeça, ao qual ela respondeu timidamente.

- Aconteceu algo, Alvo?

- Sinto muito atrapalhá-la, Minerva, mas eu vou ter que pedir para que venha até minha sala imediatamente. – seu tom era muito sério; McGonagall também assumiu o mesmo ar. – Severo e Remo estão aqui, eles vieram conversar comigo, e agora eu preciso que você também esteja presente.

- Estou indo agora mesmo. – a professora respondeu prontamente, levantando-se. Hermione fez o mesmo rapidamente, ainda observando os professores em silêncio. – Precisa de mais alguma coisa, Alvo?

- Sim, Minerva. – ele instruiu em um tom urgente e grave. – Procure Hagrid e peça para que ele venha junto com você. Eu também preciso dele aqui.

- Claro, Alvo, como quiser.

As chamas se extinguiram tão subitamente quanto apareceram, e o rosto de Dumbledore sumiu da lareira. A Profª. McGonagall se virou para Hermione, sua habitual postura rígida retomada.

- Eu vou ter que pedir para que se retire agora, Srta. Granger, preciso atender o chamado do diretor.

Apesar da ordem da professora, Hermione não pôde deixar de tentar falar o que queria. O assunto que ela tinha a tratar também era muito grave e já estava sendo adiado por um tempo maior do que deveria. Hermione sentiu a frustração atingi-la ao perceber que sua oportunidade estava se esvaindo sem que pudesse controlar.

- Mas, professora, sobre aquele assunto...

- Não tenho tempo agora, você entende que o chamado do diretor é mais urgente, não, Hermione?

A garota percebeu que não havia mais conversa e limitou-se a assentir, desanimada. A professora se adiantou, abrindo a porta da sala.

- Podemos discutir isso outro dia.

Hermione percebeu a deixa. Acenando com a cabeça e murmurando um desalentado “boa noite”, a garota deixou a sala, McGonagall seguindo-a e andando na direção oposta, apressada.

Enquanto caminhava na direção da Torre da Grifinória, com desânimo e frustração, Hermione lamentou a chance perdida. Mais uma chance perdida. Aquilo estava ficando preocupante; o tempo corria enquanto eles estavam parados... Harry sem saber quem era, o que representava... McGonagall tinha dito que os olhos de Voldemort não estavam voltados para Hogwarts. Como, se Harry tinha tido aquele sonho? Tudo bem que já tinha sido há algum tempo, mas mesmo assim aquilo ainda a preocupava. Naquele estado, Harry estava à mercê de qualquer ataque. A Ordem precisava saber a verdade. Mas como, se ninguém dava ouvidos a eles?

Ao mesmo tempo, poderia Dumbledore não ter percebido nada diferente em Harry ainda? Hermione, às vezes, achava isso impossível, mas como ele se manteria em silêncio, sem tomar atitude alguma, se soubesse o que estava acontecendo? Era totalmente incoerente! Era sério demais para que mantivessem os braços cruzados!

Ela pensou naquela noite da detenção de Harry com Snape. Esse assunto martelara em sua cabeça por algum tempo e ainda a perseguia de vez em quando. No dia seguinte àquela detenção, Harry não explicara muito bem o que acontecera. Ele respondera às perguntas que Hermione, Rony e Gina lhe fizeram, dizendo que o professor tinha sido bastante antipático o tempo todo, mas que não tinha descoberto nada sobre sua memória. Hermione, no entanto, continuava achando que alguma coisa não se encaixava; era como se uma peça do quebra-cabeça estivesse faltando... Pelo jeito de Snape naquele dia, ela tivera a sensação de que ele sabia de algo. E Snape, definitivamente, não era burro. Não seria surpreendente se ele notasse algo. Além disso, nos dias que se seguiram, havia algo diferente nas atitudes dele acerca de Harry nas aulas de Poções. Apesar do mestre continuar com o mesmo jeito implicante de sempre, reclamando de tudo que Harry fazia e tentando transformar sua vida num inferno, ainda assim, Hermione tinha a impressão de que algo estava fora do lugar...

Entrementes, qual seria aquele assunto tão urgente que o diretor queria tratar? O que seria tão importante que ele chamara McGonagall, Hagrid, Snape e Lupin imediatamente a sua sala? Assuntos da escola não poderiam ser, já que ele fez questão de chamar especificamente os membros da Ordem presentes no castelo. Que assunto poderia ser, então? O que de tão grave poderia ter acontecido?

A cabeça de Hermione fervilhava em pensamentos e, quanto mais ela pensava, mais ficava irritada consigo mesma por não conseguir chegar a alguma resposta que pudesse satisfazê-la.




Rony suspirou profundamente. Seus olhos estavam turvos ao reler aquelas letrinhas miúdas. Seu queixo, apoiado pesadamente sobre a palma de sua mão, começava a dar sinais de que queria cair; e sua cabeça parecia pesar algumas toneladas por causa da sonolência que aquele livro chato lhe causava, estava começando a dar sinais de que não estava mais com vontade de permanecer de pé.

- Não, não é assim, Harry! – Gina repetia nervosa, a sua frente. Ela estava tentando explicar Transformação Humana para Harry, o que era bem complicado até para Rony. Aliás, ele achava que só Hermione entendia completamente aquela matéria. – Se você fizesse isso, cresceriam orelhas de abano e não o nariz...

- Ei, isso não seria bom, hein? – Rony se intrometeu, sonolento, na conversa. Harry e Gina levantaram os olhos para ele.

Os três estavam sentados na sala comunal, estudando, coisa que não era privilégio deles; vários quintanistas e setimanistas estavam fazendo o mesmo. Gina lançou um olhar irritado ao irmão, enquanto Harry soltava uma risadinha baixa.

- Seria bom se usássemos em alguém desagradável. – Harry emendou, um leve tom selvagem em sua voz. Rony riu junto a ele, um brilho maléfico idêntico presente nos olhares de ambos.

- É, eu posso pensar em uma pessoa... – Rony sugeriu maldosamente, fechando seu livro de Transfiguração e afastando-o de si. – Mas eu estou cansado demais para aprender maneiras de fazer crescerem orelhas de abano em Malfoy, mesmo que a visão me agrade.

Harry recostou-se à cadeira, rindo e se espreguiçando. Rony sentiu quase como se estivessem de volta aos velhos tempos, quando ele e Harry se reuniam naquelas mesmas cadeiras para inventar acontecimentos catastróficos para a tarefa de Adivinhação, rindo das bobagens que faziam. Gina observou cada um dos dois severamente.

- Eu acho que vocês não perceberam que nós ainda não acabamos. – ela lembrou. – Ainda há muita coisa para revisar.

- Revisar, revisar! – Rony repetiu. – Assim você parece a Mione, Gina!

- Eu não pareço a Mione! – ela protestou imediatamente, sem perceber que o fazia. Quando se deu conta, tentou remendar o que havia dito, envergonhada. – Você diz como se fosse algo ruim...

- Nesse ponto é sim.

- Estão falando de mim?

Rony deu um salto na cadeira ao ouvir a voz de Hermione bem atrás de si. Ela se abaixou até que seu rosto se encostasse ao ombro direito dele, seus olhos fuzilando-o. Rony se encolheu ligeiramente.

- É, eles estavam acabando com você, Mione! – Gina acusou, seu sorriso malvado correndo de Rony para Harry, como se estivesse pronta para entregá-los ao Filch numa bandeja.

- Com licença, eu não disse nada! – Harry disse na defensiva. – Eu estou muito quietinho aqui!

- Traidor! – Rony replicou com um olhar estreito para o amigo. – Você deveria estar do meu lado!

- Só quando isso não faz mal a minha saúde.

Hermione sentou ao lado de Rony, rindo levemente, bem como Gina. Rony cruzou os braços, sem achar nenhuma graça, observando a garota de lado; ele percebeu que, discretamente, Hermione estava zangada com alguma coisa. Ela puxou o livro que Gina estava usando para ensinar Harry, olhando-o por cima, pensativa.

- Transformação Humana... Teve algum sucesso, Gina?

- Não. – a garota retrucou emburrada. – Esses dois... – o gesto dela abrangeu Harry e Rony. - ...resolveram tirar uma folga.

- Ainda temos muita coisa para revisar! – Hermione repetiu com severidade. Harry e Rony se entreolharam, rindo.

- Vocês duas estão se unindo contra nós, é? – Rony retrucou displicentemente, seus olhos correndo da irmã para Hermione.

- Ah, vocês sempre serão iguais... – a garota resmungou desanimada, fechando o livro de Transfiguração. – Mas eu tenho novidades para todos. – ela completou num tom que sugeria que não estava tão animada assim com as tais “novidades”.

- A sua reunião com a McGonagall foi produtiva, então?

- Sim, Rony, e para sua informação, se você não tivesse fugido e ficado lá comigo, como um bom monitor-chefe, teria escutado o que ela tinha a dizer. – ela retrucou mordaz. Rony bufou, revirando os olhos.

- Eu prefiro não me intrometer. – ele disse sinceramente. – Tem vezes que ela dá a impressão de que só quer conversar com você. Ela confia muito mais em você, Hermione, ou vai me dizer que não é assim?

Ela abriu a boca para protestar, mas então a fechou sem dizer nada. Rony sabia que tinha tocado no ponto fraco dela; Hermione poderia ser bastante orgulhosa acerca de certos assuntos.
- Ela me disse algumas coisas bem interessantes, a Profª. McGonagall. – Hermione continuou pressurosa, seu olhar focalizando Gina e, depois, Harry. – Parece que Dumbledore está pensando em fazer outro baile em Hogwarts, como aquele do quarto ano.

Rony escorregou um pouco na cadeira. Um baile? Ele se lembrava muito bem do Baile de Inverno do quarto ano, e não era uma boa recordação, definitivamente. Só de pensar em Hermione dançando com aquele... Vítor Krum, que nem sabia pronunciar o nome dela direito! As entranhas dele reviraram desagradavelmente.

Hermione abriu um meio sorriso, observando os três como se quisesse estudar a reação de cada um deles. Gina estava sem ação; os olhos dela correram rapidamente para o chão, preferindo não dizer palavra alguma que a incriminasse. Harry, por sua vez, continuava encostado na cadeira, observando os outros calmamente.

- Já houve algum baile, aqui? – ele perguntou. – Como assim?

- Anh... é, eu me esqueci que você não sabe... – Hermione coçou a orelha, sem jeito, novamente dando a impressão de estar irritada com alguma coisa. – Já tivemos um, no quarto ano. Foi por causa do Torneio Tribruxo... – ela provavelmente percebeu que Harry continuava na mesma, ou seja, sem entender nada, pois logo afastou o assunto com a mão. – Uma longa história...

- Por que eles querem fazer um baile? – Gina perguntou estranhamente aborrecida, seus olhos escapando dos de Harry. – Quer dizer, eles nunca fazem isso... Daquela vez foi uma exceção...

- Bem... – Hermione ficou séria de repente, cruzando os braços e assumindo um tom sigiloso. – A Profª. Minerva me disse que o diretor quer desanuviar a tensão dos alunos... – ela respirou mais fundo. – ...em torno da guerra. Quero dizer, vocês sabem, faz muito tempo que os alunos não saem desse castelo... Nós não podemos mais visitar Hogsmeade desde... o que aconteceu na última vez.

Eles sabiam muito bem o desastre que tinha sido a última visita a Hogsmeade; em grande parte porque as marcas daquele dia ainda estavam presentes – Harry e sua amnésia estavam ali para provar.

- Vocês sabem... – Hermione continuou; o clima ameno que pairava sobre eles antes daquela conversa agora tinha se tornado tão pesado, que era quase palpável. - ...todos estão apavorados com o que está acontecendo fora desse castelo, ninguém vive tranqüilo. Pode ser que estejamos seguros aqui, mas... lá fora os nossos parentes não estão... E a qualquer momento...

- Eu sinto isso também. – Gina murmurou devagar, seu olhar recaindo sobre Rony, que se remexeu na cadeira. Ele compreendia muito bem ao que sua irmã se referia; eles, os Weasleys, eram uma família grande... sempre havia o risco... de algo acontecer, como o que ocorrera com Percy no ano anterior... Rony não queria nem pensar nisso. Eles não conseguiriam suportar perder mais alguém. – E, então é isso? – ela prosseguiu. – Dumbledore quer nos distrair?

- Para não pensarmos em Voldemort... – Hermione continuou pensativa. – Sim, parece que é mais ou menos isso.

- Isso é ridículo! – Gina exclamou revoltada. – Eles acham que, com isso, nós esqueceremos o que está acontecendo?

- Talvez não seja tanto assim... – Rony falou lentamente, seus olhos perdidos. Ele sentiu todos o encarando e não era confortável. – Quer dizer... às vezes é bom esquecer um pouco as coisas, não é? Eu bem que gostaria de esquecer algumas coisas, pelo menos por um único momento... – ele focalizou Harry, que o encarava quase cautelosamente, do outro lado da mesa. – Você tem sorte, Harry.

Por um instante, eles apenas se encararam.

- Não adianta fugir. – o amigo finalmente se pronunciou, fitando Rony com um ar grave. – E tentar esquecer é uma fuga... mas nem sempre isso é possível.

Houve um instante em que eles apenas ficaram em silêncio. Rony se arrependeu do que tinha acabado de dizer; deveria ser horrível para Harry não se lembrar de nada, nem mesmo de quem era. Hermione se sentou mais ereta na cadeira, pigarreando.

- A Profª. McGonagall disse que não havia nada confirmado ainda... Ela queria saber minha opinião, e eu disse que talvez isso fosse bom para alguns... Quer dizer, os mais novos estão entrando em colapso com tudo que está acontecendo... Eles precisam de uma distração e, talvez, esquecer por uma noite o que está acontecendo não fosse ruim até para os mais velhos... – ela respirou fundo. – Ela também me disse que Dumbledore não quer que deixemos de viver por causa do que está acontecendo... Ele diz que é isso que Voldemort quer, que nos apavoremos e deixemos de viver...

Gina deu uma risadinha chateada.

- É, uma idéia dessas é bem a cara de Dumbledore, não é? – ela disse num tom levemente sarcástico, mas logo depois não parecia mais tão certa em suas convicções. – Talvez... por uma noite... não seja uma má idéia...

Hermione respirou fundo, observando os três com uma certa frustração.

- Ainda há uma coisa que eu não contei para vocês.

Utilizando um tom sussurrante e mais secreto do que em qualquer momento, Hermione contou para os amigos a história de como perdeu mais uma oportunidade de dizer a algum membro da Ordem o que estava acontecendo com Harry. No final da história, quando Hermione finalizou com desânimo, dizendo que McGonagall a dispensou para atender um chamado urgente de Dumbledore, Rony teve a impressão de que Harry estava um pouco desconfortável.

- E nós nem tínhamos pensado na McGonagall antes... Eu não pensei. – Hermione resmungou, repreendendo a si mesma. – Que burrice!

- E Hagrid? – Rony sugeriu. – Ele nos escutaria.

- É meio perigoso contar para Hagrid, não é? – Gina disse esquiva. – Não é muito difícil ele abrir a boca na hora errada.

- Gina, aquela coisinha nojenta do Malfoy já sabe! – Rony sussurrou indignado. – De que adianta continuar escondendo?

- Mas a informação ainda não vazou na escola! – Gina retrucou irritada com o irmão. – E se todos souberem, será um caos para Harry, já imaginou?

- Vocês podem parar de falar de mim como se eu não estivesse presente? – Harry interveio, parecendo muito chateado. – Mais do que isso, nós podemos falar de alguma coisa mais agradável ao menos por uma noite? Eu não agüento mais!

Um silêncio constrangedor caiu sobre eles após essas palavras. Gina cruzou os braços, voltando a observar o tapete. Rony suspirou mais uma vez, sem saber o que dizer. Hermione, no entanto, observava Harry atentamente.

- Se nós acharmos uma cura... Você está disposto a tentar, Harry? – ela perguntou incisivamente. – Você quer mesmo voltar a ser o que era?

Harry devolveu o olhar de Hermione, estudando-a de volta bem como ela fazia com ele. Antes de falar, ele umedeceu os lábios, seu olhar tornando-se mais desafiador.

- Nós podemos simplesmente parar de falar sobre isso? Por favor? Eu já estou de saco cheio dessa droga de assunto!

Hermione se recostou na cadeira, apenas murmurando um “tudo bem”, apesar de sua expressão mal-humorada denunciar que ela não queria parar de falar sobre aquilo.

- Ei... – Rony exclamou depois de algum tempo, quebrando o silêncio. – Sobre esse baile... – ele fez uma careta, atemorizado com a simples idéia de viver uma situação parecida com a anterior, no quarto ano. – ...vai ser como o outro?

- É claro, a Profª. McGonagall disse que os alunos teriam que ir em pares, como da outra vez... – Hermione disse com relativa calma, apesar de seus olhos terem perfurado Rony perigosamente após essa frase.

Ele apenas moveu lentamente seus olhos, percebendo a indireta. Da outra vez, ele não tinha convidado Hermione por pura... vergonha. E então, ela tinha ido com aquele carinha. Mas agora...

- Rony... – a garota se virou totalmente para ele, sua voz soando como um alfinete. - ...você não tem que dizer alguma coisa agora?

Novamente a indireta. Rony sentiu as orelhas quentes, mas sorriu marotamente ao encontrar uma saída para a enrascada na qual Hermione queria lhe colocar. O garoto se sentou ereto na cadeira, observando Hermione atentamente. Ele segurou o rosto dela com ambas as mãos, movimentando-o de um lado para outro, enquanto a garota o encarava com os olhos arregalados, sem entender.

- Anh... certo, Mione. – ele disse com ar de quem analisa o caso. – Acho que você não tem o nariz fora do esquadro. Tudo bem, eu vou com você se houver mesmo esse baile. – ele concluiu em tom de brincadeira, apesar de saber que suas orelhas definitivamente estavam da cor do seu cabelo, esperando em seguida a reação da garota. Ele esperava que ela ficasse bem irada.

- Ora, seu, seu... SEU DESGRAÇADO!

Harry e Gina se entreolharam, caindo na gargalhada depois disso, enquanto Rony e Hermione continuavam discutindo (Hermione tentando encontrar algum ponto em que ainda não tivesse batido em Rony, ao mesmo tempo em que ele tentava impedi-la, rindo). Quando se entreolharam novamente, Harry e Gina preferiram desviar os rostos. Gina ficou imaginando se aquele baile seria mesmo uma boa idéia...




- Ah, Gina, você não está cansada?

A garota suspirou, observando Harry. Ele tinha uma expressão que implorava com todas as letras “diga que sim, diga que sim”. Ela finalmente fechou o livro, respirando profundamente.

- O.k., você<~/i> está cansado, Harry. Vamos parar.

- Oh, obrigado! Mil vezes obrigado! – ele exclamou com as mãos juntas, olhando para o céu. Gina não conseguiu deixar de rir. Ela gostava quando ele estava de bom humor.

A sala comunal já estava vazia há algum tempo. Depois de muita discussão e risadas, Rony e Hermione se entenderam. Hermione conseguiu a promessa de que, se houvesse algum baile, Rony iria convidá-la formalmente – o que ele reclamou por muito tempo, mas depois acabou aceitando. Tinha sido uma ótima oportunidade para Gina dar umas boas risadas com aqueles dois; ela realmente estava precisando disso.

No entanto, agora, ela e Harry estavam sozinhos na sala comunal, o que não acontecia há muito tempo. Talvez, desde o dia no qual Rony e Hermione descobriram o segredo dos dois. E então, naquele momento, quando não havia mais livros entre eles para acabar com aquele silêncio constrangedor, ela não sabia o que fazer ou dizer.

Já fazia um bom tempo – desde aquela discussão entre eles – que a situação entre os dois estava estranha. Não que Harry fosse mal-educado ou grosso com Gina, nunca isso acontecera; pelo contrário, ele continuava sendo muito gentil com ela, mas Gina sentia quase como se ele fosse o antigo Harry: gentil, porém distante. Bem, ela não podia reclamar, não é? Ela tinha praticamente pedido por isso naquela discussão. Ela não vivia repetindo para si mesma que teria sido muito melhor para todos se aquele dia, quando Harry bateu a cabeça, jamais tivesse acontecido e que ele tivesse continuado a ser o mesmo? Pois bem, o pedido dela tinha sido atendido. E agora ela não queria ter sido ouvida.

- Gina... – ela ouviu a voz dele chamando-a. Ela se forçou a sair de seus devaneios, encarando-o; Harry tinha o olhar perdido na sala vazia. - ...me conte sobre o baile que vocês estavam comentando.

- O baile do quarto ano, você quer dizer?

- É, fale sobre ele... – ele pediu. – Se você não se importar, é claro.

Sim, ela se importava. Falar sobre aquela ocasião envolvia muitas coisas, como por exemplo, como ele preferiu convidar Cho Chang e ser dispensado por ela do que convidá-la. Mas é claro, tinha sido bobagem de Gina... Harry não teria olhos para a pequena irmãzinha do seu melhor amigo...

Por outro lado, ela não conseguia negar o pedido dele. Não quando ele falava com ela utilizando aquele tom de voz calmo e suave, seus olhos verdes perdidos tristemente em algum ponto inimaginável da sala vazia. Gina suspirou uma outra vez, preferindo brincar com uma linha solta de sua roupa a olhar para Harry.

- Aquele baile... – ela começou, sentindo o quão era difícil falar daquele assunto, principalmente com quem estava falando. - ...foi um evento do Torneio Tribruxo... Acho que já te contei sobre ele, não foi?

Harry apenas assentiu. Gina observou-o discretamente pelo canto dos olhos antes de voltar a mexer na linha solta, tentando continuar.

- Todos tinham que ir em pares... Principalmente você, já que era um dos campeões... – ela respirou fundo antes de prosseguir. – Você queria ir com Cho Chang, uma garota da Corvinal do quinto ano na época, que você gostava há bastante tempo.

Ela parou de falar por alguns instantes, como se quisesse registrar alguma reação em Harry após a menção de Cho Chang. É claro, isso não aconteceu. Por um momento, Gina tinha se esquecido de que aquele Harry que estava ouvindo-a não era o mesmo daqueles anos anteriores e que ele não se lembrava, no momento, quem era Cho Chang ou o que ela tinha representado.

- Mas você não foi com ela. – Gina continuou narrando, percebendo um leve tom selvagem de satisfação em sua voz nessa parte da história. – Ela te dispensou para ir com outro. Então, você foi com Parvati Patil, não porque quisesse, mas porque não tinha opção.

- Com quem você foi?

A pergunta repentina que ele lhe dirigiu quebrou as pernas de Gina. A couraça que ela estava tentando construir, como que para juntar os cacos de seu próprio orgulho, voltou a virar pedacinhos ainda menores apenas com aquela simples pergunta e, somado a isso, o tom de voz que Harry usou. Deveria ser apenas imaginação de Gina, sim, é claro que era só imaginação, mas... havia um leve quê de interesse na voz dele, como se ele se importasse com quem Gina tinha ido ao baile naquela ocasião.

- Eu fui com Neville. É claro que você sabe quem ele é, não? – e sem esperar resposta, como se fosse mais fácil falar tudo depressa. – Bem, eu fui com ele. Eu era do terceiro ano na época, e o baile era para os alunos do quarto ano em diante, de maneira que era minha única chance de ir... Eu tinha que ser convidada por alguém mais velho. Neville, de início, queria ir com Hermione...

- Hermione?

- Sim, mas ela foi com Vítor Krum, uma outra história... Bem longa...

- E você queria ir com Neville?

A pergunta dele foi incisiva. Novamente ela sentiu (ou imaginou?) que ele estava interessado em saber, como se a resposta fosse algo muito importante. Gina pensou por alguns instantes um método de se desviar; ela não queria dizer que sonhava ir com ele na época. Era ridículo.

- Não foi ruim, Neville é muito legal, apesar de ter pisado no meu pé algumas vezes enquanto dançávamos.

Harry soltou uma risadinha baixa.

- Eu acho que também não sei dançar.

Gina riu, aliviada por tê-lo desviado da questão inicial.

- Ah, eu acho que não sabe mesmo. – ela caçoou. – Que eu me lembre, foi Parvati quem o conduziu na dança daquela vez.

- Hum, isso é embaraçoso...

- Eu diria que sim, para um garoto. – Gina retrucou num tom descontraído de zombaria, levantando os olhos para ver Harry. Ele a encarava, com um sorriso que chegava até os olhos, como se achasse engraçada aquela história. No entanto, aos poucos, os olhos dele escureceram e ele se tornou mais sério, ao que ela sentiu novamente que ele a fitava com outros olhos... como se visse algo a mais nela...

- Você queria mesmo ir com Neville?

Gina respirou fundo, ainda encarando-o. Ele tinha repetido a pergunta, e seu tom interessado (talvez preocupado com a resposta?) parecia ainda mais acentuado. Ou talvez a imaginação de Gina estivesse criando asas maiores. Mesmo assim, ela não desviou o olhar do dele. Por um instante, eles apenas se encararam, medindo-se. Gina estava tentando ganhar tempo para responder, até que tomou uma decisão: de quê adiantava continuar fugindo, escondendo a verdade, fingindo que não era aquilo que sentia? Ela tinha feito isso por longos anos e não tinha ajudado em nada. Seria assim tão difícil encará-lo novamente se contasse a verdade, se jogasse a verdade na cara dele? Ela sentiu alguma coisa enrolada em sua garganta e seu coração bateu mais rápido. O máximo que ele poderia fazer era rir dela. Ela podia suportar isso; não era nenhuma garotinha fraca que não pudesse passar por cima disso mais tarde.

- Não, eu não queria ir com Neville. Eu queria ir com outra pessoa.

Eles ficaram em silêncio novamente. Ela sentiu os olhos verdes de Harry, fitando-a como se fosse a primeira vez que a visse. Gina sustentou o olhar, em desafio, apesar de seu estômago estar dando voltas completas e seu coração bater tão depressa que chegava a doer. Sua respiração estava começando a ficar mais rápida agora, e ela ficou imaginando se Harry notaria. Uma parte sua queria desesperadamente olhar para qualquer outra coisa que não fossem aqueles olhos, mas outra parte estava irremediavelmente hipnotizada por eles. Harry também respirou fundo, umedecendo os lábios antes de perguntar exatamente o que Gina estava com medo de ouvir.

- E com quem você queria ir, Gina?

Houve apenas um segundo entre a pergunta dele e a resposta dela, mas este pareceu uma eternidade para Gina, e ela hesitou mais uma vez. Um espaço tênue de tempo, no qual ela decidiria entre continuar do mesmo jeito, fingindo para ele e para si mesma que aquilo dentro dela não significava nada, ou dizer a verdade e suportar as conseqüências disso.

- Eu queria ir com você, Harry.

Gina teve a impressão de que ele esperava aquilo, sabia aquilo... mas queria ouvir pelos lábios dela. Talvez fosse porque Gina estava emocionada demais para notar direito alguma coisa, mas os olhos de Harry escureceram um pouco mais, sem nunca pararem de fitá-la. Gina não suportou aquilo.

Ela virou o rosto, finalmente sentindo o que estava tentando reprimir desde o começo. Seus olhos marejaram e aquilo que estava entalado em sua garganta tornou-se ainda mais forte, quase a engasgando. Gina fechou os olhos, tonta demais por aquela avalanche de sentimentos reprimidos que a acorriam para agüentar olhar para Harry. Podia sentir a temperatura de seu corpo subir, seus membros tremerem e algo quente escorrer por seu rosto... Ela sabia que Harry estava vendo-a naquele momento, mas era incontrolável. Tinha a completa noção de que estava, a exemplo do tempo em que era apenas uma garotinha, sendo ridícula... boba, estúpida... Antes que se desse conta, ela estava chorando e dizendo para ele tudo que somente conseguia dizer para si mesma até aquele momento.

- Eu ficava imaginando... – sua voz embargada soou. - ...como seria maravilhoso se você me convidasse... E não era... só isso... Eu queria que você... percebesse... e olhasse para mim... só uma vez... Eu queria... que você... parasse de fingir... que não sabia... o que eu... o que eu sentia... – ela percebeu que estava começando a soluçar, mas não se importou. Continuou a falar, mesmo que fosse difícil, mesmo que fosse ridículo, mesmo que soubesse que se arrependeria mais tarde. Ela tinha que terminar. – E-eu... achava... que era... bob-bagem... uma-ma paixão... b-boba... de uma... cri-criança... mas n-não era... Eu cheguei... a desis-sistir de vo-você... Ima-magine... nunca que vo-você... ia me n-notar... B-besteira mi-minha... p-pensar... que algum d-dia... isso pud-desse... s-ser possível...

Ela não podia mais controlar sua respiração; seu peito chegava a doer pela força que fazia para tentar manter o último fiozinho de autocontrole, o que chegava a ser burrice – estava claro que era perda de tempo, que não conseguiria. Ela abraçou a barriga, encolhendo-se, curvando-se sobre si mesma, seu corpo se balançando para frente e para trás pelo vão esforço que ainda fazia para que aquela situação fosse um pouco mais digna. Ela tinha certeza, agora, de que nunca mais conseguiria encarar Harry nos olhos novamente.

- Você é cruel, Harry... – ela o acusou, sentindo as lágrimas quentes rolarem e com vontade de se bater por deixar que isso acontecesse. Ela estava regredindo, voltando a ser uma garota vergonhosa na frente dele. – Vo-você sabia, você perceb-beu... mas, m-mesmo assim... você fingia... que n-não via...

Ela finalmente chegou a tal ponto que era impossível falar. Suas mãos correram para seu rosto, cobrindo-o, tentando estancar as lágrimas inevitáveis. Seu corpo se movia todo por causa dos soluços. Por vários minutos, ela permaneceu ali, chorando, com a plena consciência de que Harry estava assistindo-a, o que só fazia tudo ficar pior. E então, quando a raiva superou a tristeza, a frustração e a vergonha, ela conseguiu elevar a voz:

- Você nunca tentou ser diferente! Nunca tentou olhar de outra forma! NUNCA!

Ela deixou que as palavras pesassem sozinhas, dando ao silêncio a tarefa de se encarregar de transmiti-las para Harry. Sentia seus olhos inchados e molhados; esfregou-os com força, como se quisesse limpá-los da vergonha que a invadia, e passou a observar o chão – não conseguiria olhar Harry nesse momento e duvidava que conseguisse algum dia.

Foi então que seu estômago despencou; ela ouviu passos, praticamente sentiu a aproximação dele. Mas ela queria que Harry ficasse longe, ele não podia vê-la daquela maneira, de perto, era humilhante! Gina fechou os olhos, preferindo ficar na escuridão a ver o seu rosto quando Harry se ajoelhou perto dela. No entanto, esse gesto não impediu que ela sentisse as mãos quentes e grandes envolvendo sua mão esquerda, com uma delicadeza que a confortava, mesmo que ela não quisesse permiti-lo.

Ele entrelaçou seus dedos nos dela. Gina sentiu a respiração dele próxima, alta, profunda. Por que ele não parava de fingir que se importava? Ela não precisava de pena, pelo contrário, era a última coisa que ela queria!

- Não é verdade, Gina...

- Ora, cale a boca, Harry! – ela retrucou revoltada, sem olhá-lo. Ainda sentia os dedos dele nos seus. – Pare de fingir!

- Eu não a mereço, Gina... – a voz dele era baixa e (Gina estava imaginando coisas?) tremida, como se aquilo fosse complicado para ele também. – Eu sou o cara mais errado do mundo... Eu não mereço que alguém goste tanto de mim... Você pode me perdoar algum dia?

Ela respirou fundo, novamente encarregando o silêncio de transmitir sua mensagem. Conseguia ouvir apenas a respiração lenta e pausada de Harry nos minutos que se seguiram, até que sentisse os dedos dele no seu queixo, quase carinhosamente. Quando ela finalmente se forçou a abrir os olhos, grudados pelas lágrimas que haviam secado, seus olhos encontraram os dele – o que ela mais temia – e inexplicavelmente, ela não conseguiu desviá-los. Ela se perdeu dentro daqueles espetaculares olhos verdes, que a fitavam com um misto de carinho e arrependimento.

Os dedos que levemente seguravam seu queixo passearam com ternura pelo seu rosto, num afago que acalmou Gina sensivelmente, apesar de seu corpo ainda tremer um pouco. Harry a mirava como se estivesse hipnotizado, e Gina devolvia o olhar. Ele sentiu o rosto dela, passeando seus dedos, até que chegasse nos cabelos e sentisse sua textura, num toque sutil e vagaroso, como se registrasse em sua mente aquela descoberta. Eles permaneceram daquela maneira por um tempo que Gina não conseguiria medir, mas sabia que poderia ficar presa naqueles minutos por toda a eternidade.

Súbita, porém lentamente, Harry se levantou, sem nunca desviar os olhos de Gina, que inclinou ligeiramente seu rosto para continuar a observá-lo. Ele aumentou sensivelmente a pressão de seus dedos em volta dos dela, como se estivesse se certificando de que ela não poderia se soltar... e então puxou com cuidado seu braço, estendendo a outra mão, num convite.

- Eu acho que estou lhe devendo isso...

- O que você vai fazer? – ela perguntou com a voz fraca, enquanto se levantava, Harry entrelaçando os dedos da outra mão na direita dela, o calor que ele emanava correndo por todas as suas veias.

- Algo que eu deveria ter feito há muito tempo... – ele respondeu num sussurro, conduzindo-a de mãos dadas até um espaço na sala sem móveis. Os dois não paravam de se estudar, de registrar cada milímetro do rosto do outro nem por um segundo sequer.

Ele colocou as duas mãos dela em seus ombros; Gina sentiu uma corrente elétrica correr todo o seu sangue ao tocá-lo, e essa corrente se tornou ainda maior quando Harry posicionou suas mãos quentes na cintura dela, encontrando uma brecha na blusa, sentindo sua pele. Gina enlaçou seus braços em volta do pescoço dele, cruzando-as e inclinando seu rosto à medida que se aproximava ainda mais do corpo de Harry, sempre focalizando seus olhos. Ele apertou-a um pouco mais em seus braços, como se não quisesse perdê-la, e Gina se sentiu magicamente plena quando envolta por Harry; a distância entre seus corpos era tão exígua, que chegavam a respirar com a mesma freqüência.

Então Harry começou a conduzi-la, lentamente, de um lado para o outro... no mesmo lugar... num ritmo doce e lânguido. Gina sentiu o corpo maravilhosamente leve, relaxado, apenas seguro pelos braços de Harry. Ela sentiu que confiava nele... Seus corpos estavam tão contíguos, que o calor que emanava dele se misturava ao dela... Não havia lugar melhor para se estar...

Ela sentiu que sorria...

- O que você está fazendo?

Sua voz tinha um tom alegre, quase tão infantil quanto se estivessem apenas brincando... Uma doce brincadeira... Ela tinha vontade de rir, de sorrir... Ela sentia uma alegria imensa invadir seu ser...

- Ora, nós estamos dançando...

O tom dele também era ameno, de brincadeira... Harry sorria, e aquele sorriso sincero, que invadia seus olhos e fazia-os cintilarem tão intensamente, transformava tudo ao redor... Gina sentiu que tudo que precisava era olhar para ele, e nada mais estaria errado no mundo... nada mais precisaria ser consertado, nada mais importaria...

- Isso é ridículo, nós nem temos música... – ela respondeu rindo, sabendo que não havia problema algum em não ter música. O que importava era eles dois, somente ela e Harry...

- Eu posso cantar para você...

- Você não sabe cantar... Você não sabe nenhuma música...

- Você está me menosprezando...

Ela riu novamente, todo o seu ser repleto daquela alegria. Harry se aproximou ainda mais dela, abaixando o rosto e posicionando-o ao lado do seu, seus lábios tão próximos da orelha de Gina, que ela podia senti-los roçar levemente em sua pele, fazendo os pêlos da nuca da garota se eriçarem com aquele toque suave. Ela, por sua vez, encostou a testa lentamente no peito dele, abraçando-o, sentindo aquele calor ao seu redor, enquanto ele ainda a conduzia vagarosamente...

“I got sunshine... on a cloudy day... when it’s cold outside... I got the month of May...”

A voz de Harry era lenta, grave... fazia Gina se sentir ainda mais entorpecida, misturada ao cheiro forte e embriagante que exalava do seu corpo, envolto ao dela...

“I guess you say... what can make me feel this way... my girl...”

- Você é desafinado... – ela zombou, rindo, ao mesmo tempo em que eles ainda se balançavam suavemente no mesmo lugar.

- Então, cante você... – ele respondeu, sussurrando em seu ouvido com a mesma voz doce de que quando cantava.

- Eu, não! – ela riu novamente. – Foi você quem quis cantar...

- Então acho que você não tem escolha... porque eu não vou deixar você sair daqui... – ele retrucou num tom sedutor, apertando ainda mais o corpo dela no seu e roçando os lábios no seu ouvido enquanto falava.

Era a sensação mais maravilhosa que Gina imaginou que poderia sentir. Estar ali, segura nos braços dele, sua cabeça recostada ao seu peito, seus corpos perfeitamente juntos, movendo-se suavemente ao ritmo cadenciado que ele imprimia, sussurrando aquela canção ao pé do ouvido da garota... Era mais incrível do que qualquer coisa que ela poderia imaginar... ou sonhar...

“I got so much honey... the bees envy me... I got a sweeter song... than the birds in the trees...”

Ele roçou seu rosto no dela sem pressa, obrigando Gina a desencostar levemente seu rosto do peito dele... mas não importava, porque eles se tocaram até que seus olhos finalmente se encontrassem novamente, suas testas se encostando... Gina retirou uma de suas mãos das costas dele, somente para puxar com cuidado os óculos do rosto dele... então ela voltou a posicionar seu braço sobre o ombro do garoto, os óculos seguros frouxamente entre seus dedos...

“Talkin’ about my girl... my girl...”

Suas testas permaneceram encostadas uma na outra para que os dois pudessem se observar... Seus olhos trocavam confidências apenas através da maneira como cintilavam ao mergulharem dentro um do outro...

“I don’t need no money... fortune or fame... I got all the riches, baby... one man can clame...”

Harry abaixou mais um pouco seu rosto... Gina podia ver, agora, claramente, o cintilar do verde de seus olhos, não mais escondidos pelas lentes dos óculos... Ele recostou sua bochecha no rosto dela, seu nariz acariciando sua face em movimentos suaves... A garota inclinou lentamente a cabeça para o lado, seus olhos se fechando sozinhos, langorosos...

Os lábios dele encontraram primeiro o canto da sua boca, por onde ele começou, apenas passando-os de leve nos dela, como se a provocasse... como se estivesse provando aquele sabor... O corpo de Gina estava praticamente solto nos braços dele, mas ela não se importava; estava segura ali... com os dedos quentes e docemente suados de Harry acariciando sua cintura, ao mesmo tempo em que uma de suas mãos iniciava uma lenta e gostosa subida pelas suas costas, eriçando de vez todos os pêlos do corpo da garota...

Então ele beijou seus lábios, muito devagar, como se quisesse experimentar todas as sensações, sem pressa, cada uma a seu tempo... Ela deixou que ele a conduzisse... ele sabia como guiá-la naquela dança maravilhosa... Então ele a fez abrir ligeiramente os lábios, apenas o suficiente para que pudesse explorar sua boca, o que Gina apreciou... Podia sentir o gosto doce e ao mesmo tempo forte da boca dele, enquanto os dois se exploravam, se conheciam... se descobriam...

Os dedos dele espalmaram contra as costas da garota, pressionando-as e obrigando-a a colar ainda mais, se era possível, seu corpo contra o dele... Gina sentiu os óculos de Harry escorregarem lentamente por seus dedos, até que estivessem livres e pudessem se enroscar nos cabelos dele, acariciando-os, sentindo-os... A sua outra mão livre se posicionou na nuca do rapaz; Gina pressionou-a contra a pele sensivelmente suada de Harry, forçando-o a se abaixar um pouco mais e intensificar o beijo...

Ela sentiu seu corpo suspender-se entre os braços dele, quando apenas a ponta dos seus pés encostava ao chão e Harry abraçava-a tão intensamente, que Gina sentia seu corpo flutuar preso no dele... como se ela mesma estivesse flutuando... voando... Era a sensação mais incrível, mais poderosa... todo o sangue corria mais rápido nas veias, ao mesmo tempo em que o ar faltava, mas mesmo assim nenhum dos dois parecia ter essa noção, pois nenhum deles queria precisar interromper aquele momento único...

Naquele momento, Gina teve a certeza de que estava irremediavelmente apaixonada por Harry e nada, absolutamente nada, conseguiria mudar esse fato... Ele era tão necessário para ela quanto o ar, que naquele momento era escasso, mas o mais imprescindível era continuar aquele beijo... senti-lo em toda a sua intensidade, marcá-lo para sempre na memória, pois era inesquecível demais para que pudesse ser apagado... Harry era tudo que ela precisava e aquele momento... era como se sua vida inteira tivesse conduzido-a até ali e dali ela nunca mais queria se libertar...

Mas seus lábios se desgrudaram, finalmente... suavemente... ternamente... Uma vez mais, eles encostaram suas testas, apenas se encarando, ofegantes demais para que alguma palavra fosse pronunciada... Mas palavras não eram necessárias, palavras eram pequenas e poucas para descrever o que Gina estava sentindo... Harry tocou o rosto da garota com uma das mãos, acariciando-o, e ela fez o mesmo com ele, devolvendo com a mesma sinceridade o olhar que Harry lhe dirigia...

Quando Harry finalmente reuniu forças para falar, sua voz saiu lenta, entorpecentemente grave aos ouvidos de Gina, como se a afagasse...

- Você é a garota mais incrível que existe... Eu te amo, Gina.

Ela não disse nada, apenas o encarou de volta, chocada demais para que pudesse expressar algo mais que seu espanto. Ela ainda sentia os braços dele ao seu redor, o seu cheiro ainda invadia suas narinas... ainda era possível sentir o gosto do beijo em seus lábios entorpecidos... E, em sua cabeça, apenas ecoava a voz de Harry, maravilhosamente... com clareza, com sinceridade, com convicção...

“Eu te amo, Gina.”

Com amor...

Ele a abraçou fortemente, como se quisesse protegê-la, ampará-la, segurá-la para que nunca, nunca a perdesse... E, em seus braços, de olhos fechados, sentindo como se o tempo tivesse parado, Gina ouviu os últimos versos da canção com a qual Harry a embalava.

“I got sunshine on a cloudy day... with my girl... I even got the month of May with my girl...”




Nota: Harry canta, ou melhor “desafina” a música “My Girl”, Temptations, tema do filme “Meu primeiro amor”.

My Girl (Minha Garota)

Temptations


I got sunshine (Eu tenho o brilho do sol)

On a cloudy day (Num dia nublado)

When it's cold outside (E mesmo quando está frio lá fora)

I got the month of May (Eu ainda estou no mês de maio)

I guess you say (Eu acho que você pode explicar)

What can make me feel this way (O que me faz sentir

desse jeito)

My girl (Minha garota)

My girl (Minha garota)

My girl (Minha garota)

Talkin’ about my girl (Falando na minha garota)

My girl (Minha garota)

I got so much honey (Eu tenho tanto mel)

The bees envy me (Que as abelhas me invejam)

I got a sweeter song (Eu tenho uma canção mais doce)

Than the birds in the trees (Do que a dos os pássaros nas árvores)

Well I guess you say (Bem, eu acho que você pode explicar)

What can make me feel this way (O que me faz sentir

desse jeito)

My girl (Minha garota)

My girl (Minha garota)

My girl (Minha garota)

Talkin’ about my girl (Falando na minha garota)

My girl (Minha garota)

ooooooooo

hey hey hey

hey hey hey

ooooooooo yeah

I don't need no money (Eu não preciso de dinheiro)

Fortune or fame (Sorte ou fama)

I got all the riches baby (Eu tenho todas as riquezas,

meu amor)

One man can clame (Que um homem pode pretender)

Well I guess you say (Bem, eu acho que você pode explicar)

What can make me feel this way (O que me faz sentir

desse jeito)

My girl (Minha garota)

My girl (Minha garota)

My girl (Minha garota)

Talkin’ about my girl (Falando na minha garota)

My girl (Minha garota)

Talkin’ about my girl (Falando na minha garota)

I got sunshine on a cloudy day (Eu tenho o brilho do sol

num dia nublado)

With my girl (Com minha garota)

I even got the month of May with my girl (Sempre é mês

de maio quando estou com minha garota)

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