Uma serpente escondida
A manhã ainda se insinuava quando o jovem Fortescue terminou de selar seu cavalo e outro baio, menor mas resistente, em frente ao castelo do clã Griffindor. Rowena e Godric estavam à porta, silenciosos e apreensivos e, Helga não estava a vista. Provavelmente ainda chorava e fremia as mãos em súplica diante da inarredável Hepzibah. A moça reunira seus pertences, varinha, uma escova de cabelos, um pequeno diário e outros poucos livros e os guardara em um bolso mágico, entre suas muitas saias. Decidira seguir o soldado e protegê-lo, e dissera isso aos pais e tia de forma a não deixart dúvidas de que cumpriria sua tarefa inapelavelmente. Mas Helga não conhecia tal palavra e usara de todos os meios e artifícios para convencer a amada sobrinha a abndonar aquela loucura abjeta. Concordara que o rapaz era galante e belo mas não, em nenhuma hipótese permitiria que Zibby arriscasse sua vida em uma jornada Tão perigosa. Chorara diante da porta de moça pela noite toda, tivera crises de falta de ar e uma síncope cardíaca mas jã estava, a esta altura, a esgotar seu repertório e perder as esperanças de convencer a teimosa bruxa.
– Zibby... pelo que é mais sagrado...- balbuciou quase sem voz Helga Hufflepuff.
Zibby ergueu-se de diante da penteadeira, onde amarrava os cabelos escuros cacheados, e aproximou-se da sofrida bruxa. Com voz macia e cheia de sinceridade e calor, disse:
– Querida tia, o que mais me espanta não é sua insistência, infinita, nem mesmo toda a dor e temor por meu bem-estar que demonstra. O que realmente me surpreende é que você tenha tão pouca fé em mim e em tudo que me ensinou.
A bruxa ergueu-se brevemente, inundada pela esperança renovada em dissuadir a bruxa de seu arriscado intento. Sua boca tremeu e seus olhos brilharam e começava a articular novas súplicas ao perceber que o olhar de Zibby era cheio de determinação e seus lábios sorriam com uma impressionante e desconhecida sabedoria.
Helga deu-se por vencida e enxugou as lágrimas que desciam por sua face com a barra da saia da sobrinha. Zibby pegou-lhe a mão e a fez erguer-se. Depois, desceram as escadas abraçadas em direção das gigantes portas do castelo. Ao transpor o umbral, Zibby viu Fortescue já montado em seu cavalo; segurava as rédeas do baio e a olhava intensamente. Voltou-se e abraçou longamente a mãe, que não chorava mas mordia os lábios, e o pai, que não demonstrava nenhuma aceitação pacífica do destino imposto à filha.
– Cuide-se – disse ele- e chame a qualquer suspeita de perigo. Entenda, Hepzibah, não é um pedido o que lhe faço.
Zibby soube imediatamente que seu pai estava tão determinado quanto ela a não permitir que sua filha corresse mais riscos que o absolutamente inevitáveis.
– Sim, meu pai, -aquieceu Zibby- farei como me ordena.
Beijou-o na face e dirigiu-se a sua montaria. Deteve-se ainda um momento antes que partissem para olhar aqueles que amava mais que tudo e a quem deixava imersos na mais profunda consternação.
Fortescue puxou as rédeas e fez os cavalos trotarem compassadamente para longe da segurança.
Cavalgaram em silêncio por muito tempo. Zibby guardava para si seus pensamentos, sua preocupação com os acontecimentos inesperados da noite anterior e a decisão irrevogável que tomara quando viu-se forçada a admitir aos pais que lhes escondera coisas muito graves. Seu envolvimento com artes das trevas jamais teria sido admitido naquele castelo sendo sua família quem era. Mas Zibby estava também eufórica por estar finalmente vivendo a grande aventura que sonhara e confusa por que todos esses sentimentos conflitantes avançavam sobre ela numa torrente furiosa. Além de tudo havia o jovem Richard, que cavalgava ao seu lado e aceitara aterrível incumbencia que lhe fora a bem da verdade imposta pela Senhora do Lago.
A chegada intempestiva de Taliesim fora inesperada, surpreendente e terrível. Suas palavras, proferidas diante de todos, tão calados de assombro quanto as pedras que erguiam aquele velho castelo, os deixara estarrecidos. Inimaginável que a magia pudesse desaparecer para sempre de sobre a terra e, com ela, o mundo bruxo inteiro. Todos que conhecia perderiam seus poderes no mínimo e Zibby temia, como temera Godric, que as consequências não seriam tão suaves quanto apenas isso. A natureza mágica dos bruxos, bem como de muyitos outros seres mágicos, poderia ao desaparecer infligir-lhes muito mais danos que tornarem-se trouxas. A morte não estava descartada. Difícil saber já que jamais tal acontecimento absoluto sucedera e ninguém ousara imaginar tal coisa jamais.
As relíquias roubadas implicariam em completa subversão da ordem das coisas. O mundo nunca mais seria o mesmo quando o equilibrio entre as forças opostas viesse a ser quebrado. O mundo poderia perecer completamente. Sim, meditava Zibby, a gravidade da situação é inédita. Pensando nisso já não se sentia tão confiante quanto demonstrara há poucas horas atrás mas não vislumbrava nenhuma alternativa. Eram eles dois ou ninguém. Deviam não apenas impedir o roubo das relíquias mas serem capazes de protegê-las de qualquer ousadia futura que porventura viesse a ocorrer. Isso implicava em...
– Milady está muito calada. Posso perguntar o que a absorve?
Zibby interrompeu os pensamentos com uma sensação de alívio. Estava sentindo-se só e enfraquecida diante de tamanha responsabilidade.
– Pensava, meu senhor Le Fort, a quem poderia interessar que as reliquias desaparecessem da face da terra.
– Malfeitores, minha senhora, existem muitos, mas seria obrigatório que tivessem conhecimento da extensão dos danos causados por tal desaparecimento. Alguém que tivesse plena ciência do poder que encerram e onde encontar tais artefatos mágicos. Um bruxo, eu diria.
De fato, um bruxo. Mas que bruxo teria o atrevimento, para não dizer temeridade, de condenar seu próprio povo ao aniquilamento?
– Estranho que pergunte, Milady, pois recentemente conheci um homem que vestiria essa definição como uma luva veste a mão.
– Que dizes, Lorde Le Fort? Conhecestes um bruxo malfeitor? Por ande tens andado se não entre seus comandados? Muito me espanta sua desenvoltura entre magos.
Não sem reprimir um sorriso, Le Fort não se fez de rogado.
– Pois devo conceder-lhe a prerrogativa da dúvida de minha lealdade ao mundo a que pertenço mas por pouco tempo. Eis que seu pai estava presente quando tal fato incomum aconteceu.
– Meu pai? Diga-me logo onde isso houve pois começo a afligir-me.
– Na taverna Dois Dragões, que a senhora por certo não ouviu sequer falar; mas lá estava seu pai e abordou-o esse homem, certamente um bruxo e sem dúvida um malfeitor. Ouvi partes esparsas do que falaram e pareceu-me de mau caráter e maus hábitos. Mal sabia eu que era um mago ou teria aguçado o ouvido.
– Sei a quem se refere, sim, malgrado meu. Meu pai falou-me desse encontro, a todas nós que o esperávamos. Sim, é bem possível, provavel até, que seja ele.
– E de quem falamos, Milady?
– Slytherin.
Diante do olhar inquisitivo de Richard, Zibby iniciou a longa narrativa pricipiada muito antes que nascesse, que sabia de ouvir falar, da fundação de Hogwarts e de seus fundadores, amigos inseparáveis, e a da traição do melhor amigo de seu pai após a morte de Arthur. Quanto mais pensava nisso mais convencida ficava de que Salazar teria a coragem, ou a covardia, de aniquilar sua própria gente tão somente, como cabe a um avarento, por ter sido abandonado com seus sonhos de grandeza e dominação. Fosse mesmo Slytherin enfrentariam grandes dificuldades pois era mago de grande poder e guerreiro de valentia inquestionável. Seu pai o admirara muito em seus dias de amizade e lamentava ainda o desencontro de ambições que os separara.
Mas teriam de ser o bastante, eles dois contra Slytherin, pois não havia mais ninguém.
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