F.A.L.E.
F.A.L.E.
Na manhã do primeiro dia de aula de Hermione no quarto ano, já não chovia mais, embora o céu ainda estivesse repleto de nuvens cinza-escuro. Ela sentou-se à mesa da Grifinória com Rony e Harry, examinando o novo horário. Ao mesmo tempo em que registrava na cabeça as aulas que teriam naquele dia, repensava sua atitude da noite anterior, de não ter comido por causa do trabalho dos elfos.
Realmente, como Rony dissera, eles não seriam libertados se ela simplesmente não comesse as refeições preparadas por eles. Poderiam, porém, ser libertados se ela fizesse alguma outra coisa. Era isso que estava tentando decidir: o que poderia fazer para ajudá-los. Começou a passar manteiga num pão, e Rony não perdeu tempo em comentar:
— Voltou a comer? E quanto aos direitos dos elfos domésticos?
Ela revirou os olhos.
— Existem outras maneiras de defender os direitos dos elfos.
— E pelo jeito você está com fome.
Ele ria. Ela ignorou, simplesmente.
Seguiram os três juntos para a aula de Herbologia, onde estudaram bubotúberas, esquisitíssimas plantas com inchaços cheios de pus. Segundo a profa. Sprout, o líquido era muito útil, especialmente no tratamento de acne. Por outro lado, poderia causar reações desagradáveis se entrasse em contato com a pele sem estar diluído. Os alunos precisavam, portanto, usar luvas de pele de dragão para lidar com as plantas. Ao final de uma aula inteira espremendo os inchaços das bubotúberas, tinham conseguido armazenar em pequenas garrafinhas vários litros de pus, que a professora prometeu entregar à enfermeira da escola, Madame Pomfrey.
Logo depois, os três foram para a aula de Trato das Criaturas Mágicas, que continuava sendo junto com a Sonserina. Encontraram Hagrid parado em frente a sua cabana, rodeado de caixas e mais caixas contendo alguma coisa que cheirava a peixe podre. Hermione acelerou o passo para abraçar o amigo.
— Queria que você tivesse ido à Copa Mundial de Quadribol com a gente — disse ela.
— Imagine se Dumbledore me deixaria... Tivemos tanto trabalho aqui durante as férias, preparando tudo! E vocês três, como estão?
— Tudo bem — respondeu Harry.
— Que são essas coisas? — Rony perguntou, apontando para as caixas.
Hermione aproximou-se e pôde ver dentro delas estranhas criaturas parecidas com lagostas, de cujas caudas saíam faíscas eventualmente. Tinham cerca de quinze centímetros de comprimento, pernas nos lugares mais improváveis e ela não conseguiu distinguir se tinham cabeça.
— Explosivins — disse Hagrid, animado. — Achei que poderíamos criar como bichinhos de estimação. Por hoje, só tentaremos alimentá-los.
Hagrid deu início à aula com a chegada dos alunos da Sonserina. De repente, Lilá Brown soltou um grito.
— Essa coisa me espetou, Hagrid! — reclamou ela.
— É, alguns deles têm espinhos — disse Hagrid sem se alterar.
— Ah, claro, que incrível — Draco Malfoy comentou. — Quem não ia querer ter como bichinho de estimação uma criatura que pode queimar, picar e morder, tudo ao mesmo tempo?
Hermione inflamou-se. No ano anterior, as ofensas de Malfoy a Hagrid a tinham levado a dar um tapa no rosto do garoto, e teria dado mais se Rony não a tivesse segurado.
— Só porque eles não são bonitos — disse — não significa que não possam ser úteis. Sangue de dragão é algo assombrosamente mágico, mas você ia querer criar um?
Malfoy ficou sem resposta, apenas olhou feio para ela, que na verdade também não via vantagem nenhuma em criar explosivins. Dissera aquilo somente para defender Hagrid.
Hermione almoçou apressada; tinha decidido passar na biblioteca antes da aula de Aritmancia para verificar se achava alguma coisa sobre movimentos em defesa dos direitos dos elfos domésticos. Madame Pince fez uma cara esquisita quando ela lhe perguntou onde poderia encontrar a informação, e disse:
— E por que alguém criaria um movimento em defesa dos direitos dos elfos? — ela sorriu, e Hermione nunca vira a bibliotecária sorrir antes. Era um sorriso debochado. — Não creio que vá encontrar nada aqui, aliás, nada nem na maior biblioteca do mundo. Você pode, no entanto, ler sobre a história dos elfos domésticos.
Madame Pince foi até uma prateleira e tomou nos braços alguns títulos, para depois trazê-los para Hermione. — Talvez, depois de terminar de lê-los você entenda por que nunca houve um movimento para libertá-los.
Hermione ignorou o deboche da bibliotecária, e tirou da mochila um rolo de pergaminho, uma pena e tinta. Começou a anotar fatos importantes que ia encontrando na leitura sobre os elfos. Absorta, quase perdeu a hora para a aula, então pediu que Madame Pince reservasse para ela os livros, pois ela voltaria mais tarde, e correu para a sala da profa. Vector.
Aritmancia era a matéria favorita de Hermione. Era uma espécie de interpretação da vida e das possibilidades futuras através de um estudo numérico. Para sua decepção, a professora não passou dever de casa para os alunos.
Ela encontrou Rony e Harry no caminho para o jantar. Eles vinham extremamente entediados de uma aula de Adivinhação com a profa. Trelawnay. Enquanto Rony reclamava da quantidade de deveres, eles ouviram a insuportável voz de Draco Malfoy.
— Weasley! Seu pai está no jornal.
Eles viraram-se para o garoto e ele leu em voz alta a matéria do Profeta Diário, escrita por Rita Skeeter. Como nas férias, ela continuava criticando duramente o trabalho do ministério, e nesta matéria ela se referia ao pai de Rony sobre o caso em que ele fora ajudar Olho-Tonto Moody no dia anterior. Acusava-o de irresponsabilidade, entre outras coisas. Havia uma foto dos pais de Rony na porta da Toca, e Draco disse tudo o que podia para ofendê-los.
— Sua mãe deveria perder uns quilinhos, hein? Parece uma barrica!
Hermione e Harry tiveram de segurar Rony fortemente pelos braços para que ele não avançasse em Malfoy. Harry atacou-o verbalmente:
— E a sua mãe, hein, Malfoy? Por que ela tem aquela expressão no rosto de quem tem bosta debaixo do nariz?
— Não se atreva a ofender minha mãe, Potter.
— Então feche essa sua boca.
Harry, Hermione e Rony deram as costas a Malfoy, mas no instante seguinte ouviram um grito. Era a voz de Moody, e dizia:
— AH, NÃO VAI NÃO, GAROTO!
Quando viraram-se para trás outra vez, Draco tinha sido substituído por uma doninha que quicava cada vez mais alto no chão. Enquanto movimentava-a com a varinha, Moody resmungava algo sobre não gostar de pessoas que atacavam pelas costas.
— E nunca mais faça isso! — disse depois o professor, num tom de voz mais alto.
A profa. McGonagall apareceu e ficou horrorizada; brigou com Moody, alegando que nunca a transfiguração era usada como castigo contra os alunos, e ao invés disso eram aplicadas detenções. Moody então pegou Malfoy pelo braço, já em sua forma normal, prometendo levá-lo a Snape, que era o diretor da Sonserina, para negociar uma detenção.
Depois que eles já tinham desaparecido e a profa. McGonagall também, Rony disse:
— Não falem comigo.
Hermione ficou surpresa. Por um instante, pensou que ele estava irritado com as ofensas de Malfoy. Mas depois viu que ele sorria.
— Por que? — perguntou.
— Porque eu quero registrar isso na minha memória para sempre! Draco Malfoy, a doninha quicante!
Novamente, Hermione comeu rápido para poder passar mais uma vez na biblioteca antes de retornar à sala comunal da Grifinória. Lá, anotou mais uma porção de informações sobre os elfos domésticos, e como eram livros muito grandes e em grande quantidade que ela estava usando, deixou-os na biblioteca mesmo, pedindo a Madame Pince que os guardasse.
— Não tem problema — disse a bibliotecária. — Quem vai querer ler sobre elfos domésticos?
Nos dias seguintes, Hermione continuou trabalhando no movimento que estava criando a favor dos elfos domésticos. Além das pesquisas e do planejamento da mobilização, mandou uma coruja a uma gráfica mágica de Hogsmeade encomendando cinqüenta distintivos de cores variadas com a sigla F.A.L.E., que significava Fundo de Apoio à Libertação dos Elfos.
Devido aos preparativos, na quinta-feira quase atrasou-se para a primeira aula que teriam com Olho-Tonto Moody, depois do almoço. Desde que o professor transformara Malfoy numa doninha, Rony estava imensamente ansioso para ter aulas com ele. Hermione ofegou, quando encontrou ele e Harry do lado de fora da sala de aula:
— Eu estava na...
— Biblioteca — completou Harry.
Os três entraram e sentaram-se juntos bem na frente, perto da escrivaninha do professor. Eles souberam que Moody estava chegando quando o ouviram mancando pelo corredor, com sua perna de pau.
Durante a aula, ele falou sobre maldições ilegais, que segundo o ministério da magia, só deveriam ser vistas depois do sexto ano de escola. Ele, Moody, já acreditava que quanto mais cedo eles descobrissem com o que poderiam vir a se deparar, melhor. Ele demonstrou as três maldições imperdoáveis, que, se cometidas por alguém, garantiam a essa pessoa uma sentença de prisão perpétua em Azkaban. Ele as demonstrou em aranhas, e chamou alunos para lhe dizerem os nomes. Primeiro, chamou Rony, que disse:
— Bem, meu pai falou de uma... Imperius...
— Muito bom, muito bom. — o professor tirou de seu vidro uma das três aranhas, colocou-a sobre a mesa e gritou: — Imperio!
A aranha passou a obedecer à vontade de Moody, que a movimentava como queria com a varinha. Ele explicou que para essa existia um contrafeitiço, que ele ensinaria mais adiante. Quando ninguém esperava, ele deu um berro que assustou a todos: — VIGILÂNCIA CONSTANTE!
O próximo a ser chamado foi Neville, que sugeriu a maldição Cruciatus.
— É Longbottom o seu nome, não é? — Moody perguntou, com um sorriso no rosto. — Pois bem. — Moody pegou mais uma aranha e pousou-a sobre a mesa. — Crucio!
Hermione observou, horrorizada, que o inseto contorcia-se completamente, numa expressão crua de dor. Olhou para Neville, que parecia estar sendo igualmente torturado; o garoto segurava-se com força à mesa em frente a ele e tinha os olhos arregalados.
— Pare! — ela gritou, não pela aranha, mas por Neville.
Moody pareceu perceber, e parou imediatamente.
— Dor, — explicou ele. — tortura.
Voltou-se novamente para a turma e perguntou se alguém saberia dizer a terceira e última maldição imperdoável. Vendo que ninguém o fizera, alguns porque provavelmente não a conheciam e outros porque não tinham coragem de mencioná-la, Hermione levantou a mão, trêmula.
— Sim? — disse Moody a ela.
Hermione hesitou por um instante, depois disse quase num sussurro:
— Avada Kedavra.
— Muito bem! A última e mais terrível de todas. A maldição da morte. — Moody tirou a última aranha do frasco, e colocou-a sobre a escrivaninha. Apontou-lhe a varinha: — Avada Kedavra!
Um relâmpago de luz verde irrompeu pela varinha e atingiu a aranha, que caiu com as pernas amolecidas, totalmente inanimada. Não havia marca ou corte, mas sem dúvida estava morta. — Não existe contramaldição. — disse Moody, em tom grave. — Até hoje uma única pessoa sobreviveu a ela, e está sentada bem aqui na minha frente.
O professor fixou os dois olhos em Harry. Hermione engoliu em seco; lera sobre Voldemort ter assassinado os Potter e depois ter tentado assassinar Harry. Como conhecia a maldição, sabia que era o que o bruxo tinha usado para matar, mas ela soube que Harry estava descobrindo isso naquele momento.
— VIGILÂNCIA PERMANENTE! — berrou Moody, sobressaltando os alunos novamente.
Durante o resto da aula, o professor ditou sobre as maldições. No final, Hermione procurou Neville. Rony e Harry vinham logo atrás dela. Neville estava parado no corredor, com a mesma expressão de terror que fizera na aula.
— Neville? — ela chamou. Ele virou-se para ela. — Você está bem?
— E-estou — gaguejou o garoto. — Espero que tenha alguma coisa boa para o jantar; estou morrendo de fome.
Olho-Tonto Moody surgiu de algum lugar para convidar Neville para um chá em sua sala. Neville aceitou o convite, um tanto contrafeito. Hermione, Rony e Harry desceram para o jantar. Novamente, Hermione comeu rápido, para o espanto de Rony.
— Biblioteca, de novo?
Hermione deu de ombros, levantou-se e saiu correndo ainda com a boca cheia. Pouco depois de sentar-se a uma mesa da biblioteca, ela ouviu insistentes batidas em uma janela. Madame Pince estranhou, e foi ver o que era. Uma coruja média carregava uma caixa. A bibliotecária trouxe-a para a mesa de Hermione, dizendo:
— Está endereçada a “Srta. Granger”.
— Obrigada — disse ela, pegando a caixa.
Abriu-a e viu os distintivos; tinham ficado realmente bons. Já tinha um resumo satisfatório anotado em um rolo de pergaminho, e considerou seu trabalho pronto, pelo menos por enquanto. Animada, juntou suas coisas e saiu da biblioteca, levando em uma mão a caixa e na outra o pergaminho.
Ela subiu rumo à torre da Grifinória, disse a senha ao retrato da Mulher Gorda e entrou pelo espaço que se fez quando o quadro girou para o lado. Rony e Harry trabalhavam em algum dever de casa em uma mesa.
— Olá! — disse ela. — Acabei!
— Eu também! — disse Rony, descansando a pena sobre a mesa.
Hermione deixou suas coisas em uma poltrona vazia e sentou-se na frente dele. Pegou o pergaminho em que ele estivera escrevendo e começou a ler, enquanto Bichento subia em seu colo, ronronando, pedindo carinho. Era um dever de Adivinhação, em que ele tinha que fazer previsões para o próprio futuro. Conforme o pergaminho, na segunda-feira ele iria pegar uma tosse; na terça-feira iria perder algo valioso; na quarta-feira ia perder uma briga; na quinta-feira ia se afogar na banheira, e assim por diante.
— Semana ruim, hein — ela comentou, sorrindo. — Rony, não fica meio óbvio que você inventou tudo isso?
— Como é que você se atreve? — perguntou ele, fingindo que estava ofendido. — Estivemos trabalhando aqui como elfos domésticos!
Hermione ergueu as sobrancelhas. Aquilo soava como uma provocação. — É só uma expressão! — ele apressou-se em acrescentar.
— O que tem dentro dessa caixa? — Harry perguntou.
Ainda olhando feio para Rony, Hermione pegou a caixa, dizendo:
— Engraçado você perguntar.
Ela abriu a caixa e mostrou a eles os distintivos.
— Fale? O que quer dizer? — disse Rony.
— Não é fale, é F.A.L.E.. Significa Fundo de Apoio à Libertação dos Elfos.
— Nunca ouvi falar desse movimento...
— É claro que não, Ronald! Acabei de fundá-lo! Andei pesquisando na biblioteca. A escravatura dos elfos domésticos já dura alguns séculos, não sei como nunca ninguém fez nada para ajudá-los.
— Mione, abra bem os ouvidos — disse Rony, como se ela estivesse dizendo que dois e dois são cinco. — Eles. Gostam. Disso. Gostam de ser escravizados!
Hermione agiu como se não tivesse havido interrupção.
— A curto prazo — disse — nossos objetivos serão obter um salário mínimo justo e condições de trabalho decentes. Mais adiante, podemos mudar a lei que proíbe o uso da varinha e tentar admitir um elfo no Departamento Para Regulamento e Controle das Criaturas Mágicas, pois eles são vergonhosamente sub-representados.
— E como é que vamos conseguir fazer tudo isso? — Harry perguntou.
— Bem, em primeiro lugar, precisamos recrutar novos membros. Dois sicles por inscrição é justo, pois paga o distintivo e tem uma margem para financiar a distribuição de folhetos. Rony, você é o tesoureiro. Tenho lá em cima uma lata para você fazer a coleta. Você, Harry, é o secretário, por isso talvez queira registrar em uma ata tudo o que estamos estabelecendo nesta primeira reunião.
A reunião do F.A.L.E. foi interrompida por insistentes bicadas na janela da sala comunal; era a coruja de Harry. O garoto estivera esperando ansiosamente por uma resposta de seu padrinho Sirius, e Edwiges trazia um pergaminho amarrado à perna. Ele leu em voz alta.
— “Harry: Estou viajando para o norte imediatamente. A notícia sobre a sua cicatriz é a última de uma série de acontecimentos estranhos que têm chegado aos meus ouvidos. Se ela tornar a doer, procure imediatamente Dumbledore. Dizem que ele tirou Olho-Tonto da aposentadoria, então isso significa que ele também está identificando os sinais, mesmo que os outros não os vejam. Logo entrarei em contato com você. Mande minhas lembranças a Rony e Hermione. Fique de olhos abertos. Sirius.”
O garoto atirou a carta em cima da mesa, furioso. Reclamou que não devia ter contado a Sirius, pois agora o padrinho achava que ele estava correndo perigo e voltaria por causa disso, correndo o risco de ser apanhado. Hermione tentou aproximar-se para consolá-lo, mas ele disse que ia deitar e subiu, sem olhar para trás.
Hermione tornou a fechar a caixa dos distintivos, e por um momento sentiu que seus problemas e os dos elfos eram insignificantes diante dos de Harry. Rony deve ter percebido seu desânimo, pois tomou a atitude rara de pousar a mão em seu ombro, em apoio.
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