SACRIFÍCIO
Alguns dias atrás e a milhares de quilômetros da casa dos Dursleys, duas figuras apressadas surgiram entre as árvores secas e negras do local. A neblina rastejante rodopiava quando eles passavam a passos largos. Os galhos partiam ao simples toque e caiam sobre o chão úmido de lama escura. Aquele que se encontrava um pouco atrás olhou de relance para tas assustado e acabou tropeçando em alguma raiz exposta. Ele caiu de joelhos e começou a soluçar.
- Pare de se lamentar e continue andando.- Snape sequer olhou para Draco quando falou. Continuou andando apressado.
- Mas... a missão foi cumprida, não foi? – Draco levantou os olhos lacrimejantes. Snape parou.
- Você não entende a gravidade da situação, não é garoto? – O antigo professor virou-se e encarou com um olhar de reprovação para o garoto ajoelhado no chão.
- O objetivo era matar Dumbledore e foi o que aconteceu. Não há motivos para fugir. – Draco levantou-se com dificuldade e passou a mão enlameada na calça para limpá-la.
- A missão era desestruturar a Ordem da Fênix com a morte de Dumbledore... – Snape deu três passos para se aproximar de seu ex-aluno.
- E isso aconteceu realmente. – Draco quis forçar um sorriso no rosto sujo e abatido.
- E a minha missão era estar lá na sede da Ordem para poder passar informações relevantes para o Lord depois que isso acontecesse. O que não vai acontecer. – Snape voltou a dar três passos largos e chegou bem em frente ao garoto. – E tudo graças a você.
- Eu não pedi que intercedesse. – Draco ficou vermelho. – Eu estava quase conseguindo. Eu não pedi a sua ajuda. Eu consegui levar os Comensais até Hogwarts apesar das limitações. Ninguém desconfiava de mim.
- O Potter desconfiava. – Snape sorriu sarcasticamente.
- Sempre o Potter. – Draco ficou ainda mais vermelho, dessa vez de ódio pela simples menção daquele nome. – Ninguém levaria a sério o que ele falasse. Ele sempre chegava às conclusões erradas, era o que o meu pai dizia. Ele tinha apenas sorte em algumas situações extremas.
- Seu pai dizia isso? E onde ele está agora? Em Azkaban. Trancafiado pelas mãos de um certo sortudo. – Snape percebeu a expressão de ódio no rosto do garoto. – Isso não vem ao caso no momento. O fato é que Dumbledore sabia de sua missão.
- Como assim? Ele sabia... – Um estalo em um galho próximo fez Draco cambalear para o lado e Snape sacar a varinha num ato de reflexo. – O que será...?
- Não podemos parar para conversar nesse momento. Venha, estamos quase chegando.
- Para onde estamos indo afinal? – Draco recobrou o passo apressado de antes, mas continuava olhando para os lados assustado.
- Para um refúgio seguro... – Snape hesitou. – Aparentemente.
- Você está me levando pra um lugar “aparentemente” seguro? - Draco parou repentinamente.
- Se prefere ficar e tentar explicar ao Lord que fraquejou na missão, por mim tudo bem. – Snape mais uma vez virou e continuou a correr sem ao menos olhar para trás. – Do contrário, me siga e eu explico quando chegarmos.
Draco seguiu o seu antigo professor, que mais podia fazer? Não havia alternativa... Ou melhor, havia. Ficar e morrer, ou seguir adiante e ter uma chance de sobrevivência. Mas uma dúvida surgiu na mente dele, Snape era realmente confiável? Dumbledore gabava-se de sua fidelidade, isso era de conhecimento geral, o que não o impediu de matá-lo. O Lord das Trevas sempre o teve como seu braço direito e ele rompeu com a missão que Ele lhe atribuiu para matar Dumbledore. Que interesse Snape teria em salvá-lo.
Uma árvore imensa, morta e extremamente negra ornamentava à frente de uma cabana rústica no meio daquele cemitério de árvores em forma de bosque. A madeira aparentava podridão e podia-se perceber que não havia presença humana naquele lugar por um longo tempo. Snape guardou a varinha sob as vestes e empurrou a porta da cabana com cuidado. Ela se abriu num rangido e com extrema dificuldade.
- Não vejo segurança numa cabana no meio do nada prestes a cair com uma rajada de vento. – Draco tapou o nariz com as costas das mãos ao entrar na cabana mofada e coberta de poeira. A cada passo um rangido seguido de um estalo era ouvido.
- Esse pode ser o local ideal para você se esconder. – Snape deu um passo em direção a uma mesa de canto com alguns objetos de preparo de poções sobre ela, todos estavam cobertos de poeira. – Foi um ótimo refúgio para alguém a quase dezessete anos.
- De quem você está falando? – Draco passou o dedo sobre uma mesa no meio da sala. Tossiu quando assoprou sobre ela. – Você não podia ter achado um refugio mais, vamos dizer, limpo?
- Agradeça por eu não ter lhe levado diretamente ao Lord e explicar o motivo de minha desobediência às suas ordens. – Snape não demonstrou alteração no seu tom de voz. Mexia em alguns objetos, como se tentasse buscar no passado alguma recordação.
- Em primeiro lugar, eu não pedi para que você me ajudasse, como eu já lhe informei. – Draco enrubesceu momentaneamente, meio que em aflição. – Em segundo se era simplesmente sentar e conversar com o Lord e tentar explicar...
- “Sentar e conversar”? – Snape soltou uma gargalhada. – Você acha que teria chance de “sentar e conversar”?
- Mas você acabou de dizer... – Draco assustou-se com a repentina mudança de temperamento de Snape.
- Como você mesmo me disse uma vez: eu sou o “queridinho” do Lord. Ele está esperando de mim uma explicação. Mas de você? – Snape o encarou com seriedade. – Dumbledore era missão sua. Você fracassou na missão que ele lhe confiou. Como era de se esperar...
- Você me fez fracassar. – Draco precipitou-se à frente de seu ex-professor, derrubando uma cadeira logo atrás. – Você o matou antes de eu fazê-lo.
- Você não conseguiria matar Dumbledore. Todos sabíamos disso, até mesmo o Lord. Havia um plano de contingência quando você fracassasse.
- Então, por quê? Por que me dar uma missão que Ele acreditava não ser capaz de cumprir? – Draco caiu mais uma vez de joelhos.
- Punição. – Snape foi curto na resposta.
- Não havia motivos para ele me punir. – Draco não levantou o rosto tamanho era seu constrangimento.
- Não a você, mas ao seu pai, que fracassou na sua missão. – Snape se abaixou diante de draco. - Ele fez o Lord perder um objeto precioso a tempos atrás e deu vexame contra um bando de crianças no Departamento de Mistérios. Merecia uma punição. A morte do filho era a punição ideal para Lucius.
- Mas eu não entendo...
- Sua morte seria um sacrifício necessário para os objetivos do Lord. – Snape levantou a cadeira e sentou-se com cuidado para evitar que ela se quebrasse. – Ele lhe deu essa missão como punição para o seu pai, mas também como provação para você. Apesar de saber que o seu fracasso era iminente, havia uma possibilidade de você conseguir, mas era possivelmente absurda. Era mais provável que você morresse tentando, o que desestruturaria Dumbledore com a morte de um outro aluno seu. Ele morreria pelas mãos de uma outra pessoa nesse momento.
- Quem poderia chegar tão perto dele além de você. – Draco levantou o olhar pra encarar Snape. - Você disse que a sua missão era estar lá quando a ordem estivesse desestabilizada depois da morte de Dumbledore.
- Ao contrário do que os Comensais e todos pensam, eu não sou o único espião do outro lado. Há um outro esperando o momento certo para agir. E já havia data para a morte de Dumbledore e de mais um de seus aliados. – Snape se levantou num sobressalto, talvez por pensar que falara demais. Andou em direção à porta. – Fique aqui, quieto. Volto em algumas horas.
- Aonde vai? Não vai me deixar sozinho aqui, não é? – Draco levantou-se num pulo, quebrando parte do piso onde estava. – Essa casa vai desabar.
- Trarei comida e uma solução para o seu problema de segurança. – Snape ia fechando a porta quando lembrou-se de algo. – Não faça nenhum tipo de magia, ok?
- Por quê? – Draco começou.
- Obedeça. Se quiser manter-se escondido e a salvo. – Snape puxou a porta num longo rangido, e sumiu entre as árvores secas.
Draco viu Snape sumir no meio daquele bosque sombrio e ouviu um rangido fraco vindo do cômodo ao lado. O garoto tremeu um pouco e sentiu um calafrio. Ficou parado por um instante, mas decidiu procurar alguma coisa pra fazer. Mas... Naquele lugar? Pensou em desobedecer às ordens de Snape e usar magia pra tornar o ambiente mais habitável, mas hesitou.
Caminhou em direção a uma poltrona empoeirada e encardida, o manto que o cobria estava completamente em farrapos. Ele estava tremendamente cansado e faminto, passara a noite toda fugindo, aparatara a muitos quilômetros dali e seguiram a pé pelo bosque. Queria sentar, mas as condições da poltrona indicavam que ela não era segura. Mais um rangido foi ouvido ao fundo. Draco começou a pensar que não estava sozinho na casa e uma sensação de estar sendo observado começava a aumentar.
Encolheu-se atrás da poltrona e puxou a varinha. Tremia descontroladamente. Começou a desejar nunca ter assumido aquela missão, embora o Lord não ter lhe dado opções. Pensou em sua mãe, onde ela estaria nesse momento? Seu pai, em Azkaban, já estaria sabendo do que houve em Hogwarts? As notícias voam mais rápido do que firebolts. Pensou em Snape saindo pra trazer comida e uma hipótese não tão absurda surgiu em sua mente. Será que ele podia confiar mesmo em seu ex-professor. A última pessoa que confiou cegamente nele acabou sendo morta por suas mãos. No entanto, Snape era sua única esperança de sobrevivência e apenas lhe restava isso.
Draco continuou recolhido no canto mergulhado em pensamentos até que caiu no sono. Acordou horas depois com alguém lhe tocando o ombro.
- Hora de acordar garoto. Temos coisas a fazer. – era uma voz feminina e bastante conhecida. Draco abriu os olhos e deu de cara com sua tia Bellatrix bem em sua frente.
- Como...? – Draco percorreu a sala com o olhar e viu Snape em pé olhando pela janela. Era a sua tia que ele trouxera para assegurar o seu esconderijo?
- Snape, já estamos aqui. O que devemos fazer agora? – Bellatrix levantou-se e foi em direção a janela. Olhou para fora um instante e depois para a sala empoeirada. – Então era aqui que ele se escondeu? Eu devia ter imaginado...
- Você sabe que ninguém encontraria esse lugar na época, a não ser que persuadissem a pessoa certa. – Snape não tirava o olho do bosque à frente. – Eu só soube desse local depois do que aconteceu com ele.
- Eu nunca entendi muito bem o que aconteceu. Se ele conseguiu se esconder aqui por tanto tempo, por que afinal ele saiu? Sempre o achei um idiota, mas ele se superou sabia? – Bellatrix encostou-se na parede perto a Snape. - Afinal o que você quer que façamos?
- O mesmo que ele, não é óbvio? – Snape virou-se para Draco de relance e voltou a fitar a paisagem pela janela. – Por isso preciso de você.
- Precisa de mim? – A mulher o olhou com um ar de desdém. – Quem diria, não é verdade? E quem disse que a vida não é irônica.
- Não me venha com sarcasmo, a vida de seu sobrinho está em jogo. – Snape falou secamente.
- E por que eu? – Bellatrix olhou pra Draco numa forma forçada de afeto. O garoto encolhido por trás da poltrona mofada. Tremia e não parecia alegre com aquela conversa sobre sua segurança. – O que o faz pensar que eu sou confiável para essa tarefa.
- Esperava que o vínculo familiar lhe fosse suficiente. – Snape olhou para ela com um olhar de puro ódio. – Mas vejo que me enganei. Realmente foi estupidez minha confiar em você. – Snape virou-se rapidamente para Draco e gritou. – Saia daqui rápido.
Num rangido brusco, a porta se escancarou. Uma figura feminina sob um capuz verde escuro cruzou a entrada. Draco estava paralisado de pavor, mas um súbito alívio percorreu seu corpo e ele enfim conseguiu falar.
- Mãe? – haviam lágrimas nos olhos de Narcisa quando ela abraçou o filho. Os dois não perceberam o olhar letal que Snape lançara para Bellatrix do outro lado da sala.
- Meu querido, fiquei extremamente preocupada com você. – Narcisa beijou a testa de seu filho de leve. – Nós vamos sair dessa, você vai ver.
- Que idéia foi essa estúpida foi essa, Narcisa? – Snape se aproximou dos dois, seu tom de voz não era normal, demonstrava claramente uma mistura de raiva e medo. – Você sabe que a sua vinda aqui pode ter custado a vida de seu filho?
- Por que você não me avisou que ele estava aqui?
- Exatamente por causa de seus atos impensados e temperamentais. – Snape segurou firme no ombro da mulher. – Devia saber que você é a primeira pessoa que o Lord seguiria para saber onde Draco está escondido.
- Eu não fui seguida. – Narcisa falou num tom de dúvida.
- E você, Bellatrix. A que horas falou pra ela aonde íamos. Não lembro de termos cruzado com ela e nem tirei você de minhas vistas. – Snape olhou para as mãos de Bellatrix e percebeu.
- Um espelho? – Draco também percebera o pequeno objeto preso no pulso da tia. – Esse é o espelho que a senhora usa pra se comunicar com ela, mãe?
- Eu o usei sem que você percebesse. – Bellatrix falou assustada para o homem à sua frente.
- Isso tudo foi estupidez. Eu devia ter ido direto falar com o Lord no final das contas, ao menos tentaria me explicar.
- Eu ainda exijo suas explicações Severus.- Voldemort estava parado diante da porta empunhando sua varinha. - Nunca pensei que me decepcionaria tanto com você, meu caro.
Com um aceno de varinha Snape caiu sentado sobre a poltrona sem conseguir se mexer. Bellatrix lançou-se de joelhos e foi arrastando-se até o seu mestre. Narcisa se postou à frente de Draco.
- Por favor, meu senhor, não faça mal a ele. – Suplicou a mãe.
- Saia da frente, idiota. - Narcisa foi lançada contra a parede, ouviu-se um estalo na madeira e um gemido alto de dor. A mulher caíra de mau jeito e torceu o tornozelo. - Ele deve ser punido por sua desobediência.
- Por favor, senhor, eu posso explic... – Choramingou Draco.
- Crucius. - Voldemort lançou o feitiço sobre o garoto. Draco tremia de dor no chão empoeirado. Narcisa chorava e suplicava pela vida de seu filho. Bellatrix virou o rosto pra não ver e Snape, paralisado sobre a poltrona, não esboçava nenhum reação. - Se uma missão lhe for confiada por mim, não deve ser ignorada e nem descumprida, entendeu? - Outro aceno de varinha. Dessa vez foi Draco quem voou sobre alguns móveis e pousou na mesa que não agüentou e se quebrou num enorme estalo. - Crucius.
- Por favor, meu senhor. – Narcisa se levantou com dificuldade. Seu rosto molhado de lágrimas e sangue. Draco começava a espumar pela boca. Sangue escorria pelas suas narinas, os olhos reviravam de dor. Os gritos de súplica de Narcisa só não eram mais altos que os gritos de dor de Draco. – Ele vai acabar enlouquecendo. Por favor, pare.
- Parar? - Voldemort sorriu maliciosamente olhando para Narcisa. As convulsões de dor de Draco pararam de repente, quando o Lord das trevas tirou o contato visual. - Há uma forma de parar. Você está disposta a provar fidelidade a mim? A fazer o que eu lhe pedir sem questionar?
- Contanto que pare de torturar meu filho. – Narcisa não desviou o olhar nem um segundo do garoto deitado no chão.
- Mate-o. - Voldemort elevou a varinha de Snape que se encontrava no canto e entregou-a a Narcisa.
- Você disse que o deixaria em paz. – Narcisa segurava a varinha tremendo.
- Eu disse que pararia de torturá-lo, e isso eu acabei de cumprir, não foi? - o tom de calmo na voz de Voldemort era assustador. - Agora eu quero ver você cumprir o que prometeu.
- Não me peça isso, por favor. Ele é meu filho.
- Meu Lord, poupe-os. – Bellatrix levantou-se de cabeça baixa.
- Você me traz aqui e agora quer que eu poupe-os?- Voldemort voltou-se para sua outra Comensal.
- Ela trouxe o senhor aqui? – Narcisa olhou incrédula para a irmã.
- O espelho em seu pulso, não era apenas uma forma de comunicação entre irmãs. - Voldemort aproximou-se de Bellatrix e arrancou o objeto de seu antebraço esquerdo. - A sua intenção era que eu punisse apenas o Severus? Enganou-se, minha cara. Snape terá uma punição adequada sim, mas apesar de tudo ele matou Dumbledore. Quanto a você e a sua querida irmã? Forçaram-no a fazer uma promessa no verão passado...
- O senhor sabia? – Bellatrix espantou-se.
- Você nunca foi uma boa oclumente, Bella. E eu nunca fui idiota.
- Perdão, Cissa. – Bellatrix não conseguiu olhar para a irmã.
- Pode me matar se quiser, mas eu não matarei o meu próprio filho. – Narcisa jogou a varinha aos pés de Voldemort. – Eu sei que não terei chance contra o senhor em um confronto, nem me adianta atacá-lo.
- Você morrerá de qualquer jeito, por me enfrentar desse jeito, mas não pelas minhas mãos. - Voldemort acenou a varinha na direção de Draco. - Imperius.
Draco levantou-se sem resistência pegou a varinha e olhou para sua mãe. Uma lágrima percorreu seu rosto quando ele sacudiu a varinha e lançou o primeiro feitiço. O cruciatus a fez tombar. A dor do tornozelo já não era importante, pois todo o seu corpo doía em agonia. Bellatrix fechou os olhos.
- Em tempos de guerra, os sacrifícios são necessários. A sua morte servirá de exemplo para todos aqueles que ousarem desobedecer minhas ordens. - Voldemort abaixou-se diante do corpo agonizante de Narcisa. - Seu filho será poupado, mas isso não é por piedade minha. Sua punição é ter na consciência a morte da mãe pelas próprias mãos.
- AVADA KEDAVRA. – Logo após Draco lançar a maldição da morte ele caiu de joelhos, o Imperius havia cessado. Seu corpo ainda doía mas ele se arrastou até o corpo da mãe e chorou.
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