Tortura!



— Crucio!
Na mesma hora, as pernas da aranha se dobraram sob o corpo, ela virou de barriga para cima e começou a se contorcer horrivelmente, balançando de um lado para o outro. Não emitia som algum, mas se tivesse voz estaria berrando. Moody não afastou a varinha e a aranha começou a estremecer e a se debater violentamente.
Neville estava branco. Nunca imaginara tal horror. A imagem foi se formando lentamente em sua mente... quatro Comensais da Morte, com vestes e capuzes negro, apontando o círculo de luzes de suas varinhas para um casal que berrava e se debatia de uma forma feroz no chão. Terror. O choque de saber exatamente como seus pais haviam perdido a sanidade, de observar uma demonstração da maldição que deu a eles uma temporada permanente em St. Mungus, era forte demais para agüentar. O medo que tinha ao ouvir sobre Voldemort e seus Comensais parecia estar sendo invadido por um ódio que nunca havia sentido até então. Perguntando-se porque aquele show de horror não terminava, ergueu os olhos. O prof. Moody sorria debilmente, os dois olhos na aranha, captando cada segundo de sua agonia...
— Pare! — Gritou uma voz aguda e distante, que Neville reconheceu ser de Hermione
Moody ergueu a varinha. As pernas da aranha se descontraíram, mas ela continuou a se contorcer. Neville sentiu um formigamento nos nós dos dedos e notou que tinha se agarrado à carteira.
— Dor — murmurou Moody, após recolocar a aranha ao frasco. — Não se precisa de anjinhos nem de facas para torturar alguém quando se é capaz de lançar a Maldição Cruciatus... ela também já foi muito popular — sim, disso Neville sabia, amargamente. — Alguém conhece alguma outra?
Neville pensou no que poderia acontecer a próxima aranha, e chocado, chegou a conclusão de que o professor não a utilizaria na sala. A voz de Hermione mais uma vez se ergueu, trêmula.
— Avada Kedavra! – Sussurrou.
Neville a olhou exasperado, mas mesmo assim o professor não a demonstraria. Não podia ser, Moody não teria coragem de mostrar a mais perigosa de todas as maldições... surpreso, viu-o pegar outra aranha.
— Ah, Avada Kedavra... a maldição da morte — Moody exclamou, com outro sorrisinho enviesado.
Tudo aconteceu tão rápido. A aranha correndo pela superfície de madeira, Moody apontando a varinha, berrando “Avada Kedavra”, um raio esverdeado, um rumorejo e o corpo morto do aracnídeo escorregando, de dorso para cima.
— Nada bonito... e somente uma pessoa no mundo já sobreviveu a ela e esta sentada bem aqui, na minha frente.
Neville acompanhou os olhos do prof. Moody e viu que ele se dirigia a Harry. O menino que sobreviveu, Harry Potter. A história fantástica dele ainda reverberava nos seus ouvidos, sua avó não cansava de a repetir, sempre exaltada de emoção. Quando Voldemort se virou para matar o bebê de pouco mais de um ano, misteriosamente perdeu seus poderes, corpo e possivelmente sua vida. Era surpreendente. Ah, como Neville desejava esse poder e essa fama que o nome Harry Potter carregava...
O resto da aula transcorreu resvalando pela mente de Neville. Seu cérebro, quando não pensava na inutilidade da própria vida, era assaltado por gritos horríveis de dor e imagens assustadoras de uma mulher babando na frente do próprio filho...
Neville nem mesmo soube como conseguiu sair da sala de aula. Ouvia poucos comentários, mas para ele nunca houve pior Defesa Contra as Artes das Trevas. Ela havia trazido a tona lembranças e sentimentos que ele lutava para enterrar.
— Neville? — Chamou a voz de Hermione, baixinho.
Neville virou a cabeça.
— Ah, alô — disse ele numa voz aguda, as palavras saíram num atropelo, tentando manter a normalidade. — Aula interessante, não foi? Que será que tem para o jantar? Estou... estou morto de fome, vocês não?
— Neville, você está bem? — Perguntou Hermione?
— Ah, claro, estou ótimo — balbuciou Neville, não contaria seu segredo. — Jantar muito interessante.... quero dizer, aula... que será que tem para se comer?
— Neville, que?
Mas eles ouviram um som seco e metálico e, ao se virarem, vira o prof. Moody vindo em sua direção. Os quatro ficaram em silêncio, observando-o apreensivos, mas quando ele falou, foi com um rosnado bem mais baixo e gentil do que tinham ouvido até então.
— Está tudo bem, filho — disse ele a Neville. — Por que não vem até a minha sala? Vamos... podemos tomar uma xícara de chá...
O terror em Neville aumentou consideravelmente ante a perspectiva de tomar chá com Moody. O que ele havia feito?
Moody virou o olho mágico para Harry.
— Você está bem, não está, Potter?
— Estou — disse Harry, com uma expressão desafiadora.
— Vocês têm que saber. Parece cruel, talvez, mas vocês têm que saber. Não adianta fingir... bom... venha Longbottom, tenho uns livros que podem lhe interessar.
Neville não queria ir, mas estava assustado demais para negar ou arrumar uma desculpa. Olhou suplicante para Harry, Rony e Hermione, mas eles não disseram nada, forçando Neville a ser conduzido pela mão nodosa de Moody.
Neville estava aterrorizado. O que o professor lhe mostraria? Será que a aula não fora o suficiente? Será que iria lhe demonstrar novas técnicas de tortura, concedendo mais detalhes a sordidez da lembrança que ainda enchia sua cabeça?
Moody abriu a porta de sua sala e Neville entrou. No seu interior havia objetos que ele estava familiarizado, o que aumentou a dor em seu coração. Eram todos objetos típicos de um auror. E seus pais eram aurores.
Moody o olhava atentamente com o olho normal, enquanto o olho mágico rodava.
— Suponho que já conheça esses detectores de bruxos das trevas.
— Já — e com uma pontada no peito, completou. — Meus pais eram aurores... ainda guardo o bisbilhoscópio de meu pai.
— Eu sei, meu filho, sei que é cruel... mas é necessário. Vocês precisavam saber...
— O senhor disse que me daria alguns livros — disse Neville, depressa, temendo que o professor lhe mostrasse de novo a maldição.
— Oh sim, tome — Moody disse, empurrando um livro nas mãos do menino. Neville leu na capa: Plantas Mediterrâneas e suas propriedades mágicas. — A Profª Sprout disse que você é um aluno excelente em sua matéria. Achei que gostaria de ler este.
Neville ficou em silêncio. Nunca havia sido elogiado dessa forma antes. Olhou para Moody e sorriu. Seu coração estava mais leve e aliviado.
— Obrigado — mas algo parecia pulsar em sua garganta, até que escapou. — Professor, o senhor não conheceu os meus pais, conheceu?
A expressão no rosto de Moody se agravou, e quase se encolerizou. Moody, talvez, tinha tanta raiva dos Comensais da Morte que os atacaram quanto Neville. Estava apanhando uma xícara e um bule. Colocou-os lentamente em cima da mesa antes de falar.
— Sim, conheci, eles foram alunos exemplares na academia. Uma pena ter acabado do jeito que estão.
— Mas senhor... eu queria...
— Não se preocupe. Você será tão bom quanto seu pai — abriu a tampa do bule e espiou o seu conteúdo. — Oh, mas que pena, o chá acabou, parece que teremos que marcar esse nosso encontro para outra hora. Tenho muito trabalho a fazer também. Bom, até mais, Longbottom.
Moody levou Neville até a porta e com uma piscadela séria, fechou-a, deixando o menino muito perturbado.

Neville não jantou aquela noite, estava sem um pingo de fome. Ouviu passos na escada do seu dormitório, limpou rapidamente as bochechas e esfregou os olhos. Eram Harry e Rony.
— Você está bem, Neville? — Perguntou Harry, preocupado.
— Ah, estou. Estou ótimo, obrigado. Lendo o livro que o prof. Moody me emprestou... parece que a profª Sprout disse a ele que sou realmente bom em Herbologia. O professor achou que eu gostaria deste.
Harry sorriu. Ele e Rony apanharam seus materiais e desceram. Neville achou que também precisava adiantar os seus deveres. Pegou todas os materiais de adivinhação, mas não desceu: alguém logo perceberia o que aconteceu, e o bombardearia com perguntas.
Depois de um tempo, Neville percebeu que todo aquele esforço seria inútil. Não estava fazendo nenhum progresso na lição. Adivinhação era uma das matérias que menos gostava.
Deitou-se, mas não conseguia dormir. Os minutos passavam lentamente e ele foi ouvindo seus colegas de dormitório entrando. Dino e Simas, como sempre, estavam numa discussão entre quadribol e futebol, dormiram ainda gritando um com o outro. Logo depois, Harry, entrou com estardalhaço e, pensou Neville, muitíssimo irritado. Rony entrou em seguida, em silêncio.
Passaram muitos minutos e os gritos começaram a invadir sua mente novamente. Neville mordeu o travesseiro, evitando uma nova torrente de lágrimas. Os gritos não cessaram e seus sonhos foram infestados por mulheres berrando e varinhas iluminadas.

Na manhã seguinte Neville acordou tarde. Harry já havia se levantado e saído, Rony já estava a caminho da porta e Dino e Simas estavam terminando de se trocar. Esperaram neville, mas o garoto disse que não era necessário.
Desceu as escadas e seguiu os corredores lentamente. Apesar de estar morrendo de fome, ainda queria evitar os colegas. No saguão de entrada encontrou um garoto negro com uma expressão arrogante no rosto, sozinho.
— Olha se não é o rechonchudo inútil.
Já estava acostumado com as implicâncias do pessoal da Sonserina, principalmente dos amiguinhos de Malfoy. Blás Zabini continuou.
— Volte aqui bolinha. Venha, preciso te mostrar... o prof. Snape me emprestou. Olhe essas fotos: pessoas sofrendo sob a cruciatus. Lindo não? Soube o que ocorreu com você na aula do Olho-tonto, achei que iria gostar — e mostrou a foto de uma mulher com os olhos revirando e com as pernas e braços em posições estranhas.
Neville foi pego de surpresa. A raiva avassaladora começou a domina-lo novamente. Iria rasgar as vestes de Zabini, causar dor a cada centímetro do corpo do menino. Parecia que ele seria sua válvula de escape, para extravasa todo o ódio.
Zabini tinha reflexos rápidos, pois participava do clube de duelos. Puxou a varinha rapidamente, mas Neville não ligou, não se importava se seria atingido pelo feitiço que fosse. O feitiço foi lançado... e desviado. Bateu em uma estátua que soltou uma nota rápida e aguda. Alvo Dumbledore estava parado às portas do Salão Principal.
— Quanta animosidade logo de manhã — disse sorrindo, sua varinha já estava guardada dentro das vestes.
Zabini começou uma explicação desenfreada com a voz aflita, ocultando e alterando muitos fatos da história inteira, apesar de suas feições ainda conservarem o desprezo de sempre e ainda um levíssimo sorriso brincar em seus lábios. Neville já nem tinha força para pará-lo. Não se importava com que fosse acontecer.
— Obrigado, Blás, pela ansiosa explicação. Não se preocupe, não o punirei, entendo que uma ou outra brincadeira possa ser tolerada, pelo menos uma vez. Contudo, peço que não faça isso que fez de novo — disse friamente, olhando o espanto no rosto de Zabini. Virou seu rosto para Neville e o garoto sentiu como se estivesse sendo radiografado. — Porém gostaria que me acompanhasse, Neville. Não, não o punirei. Apenas um passeio no jardim. Blás, acredito que tenha Transfiguração agora, e Minerva odeia atrasos, estou errado?
— Não, estou indo — e saiu com passos elegantes, rindo discretamente para Neville. Ele sabia, ninguém da Sonserina iria parar de implicar com ele.
— Vamos então, Neville? Está uma linda manhã.
E a manhã estava realmente linda. Os jardins brilhavam sob a luz cálida do Sol. A superfície do lago brilhava, e muitas vezes um tentáculo da Lula Gigante foi visto. Porém esta paisagem de Hogwarts era também melancólica, pois estavam vazios. Ao longe, na orla da floresta, era possível ver o vulto gigantesco de Hagrid cercado pela turma que ensinava.
— Lindo não? Pena que em uma escola as pessoas não tenham tanto tempo para apreciar tudo isso. Oh, Neville, por que está chorando?
Neville sentiu que seus olhos borbulhavam e a sua visão embaçava. Ele se virou para Dumbledore, para aqueles olhos azuis brilhantes.
— Senhor... o senhor poderia... po-poderia falar sobre meus pais?
Dumbledore sorriu.
— Neville, meu filho... sei o que passa contigo. A conscientização do crescimento — deu um longo suspiro e disse, sério. — Seus pais eram simplesmente fantásticos. Lembro-me quando eles trabalhavam para a Ordem. Eram ferozes e eficientes contra os bruxos das trevas e, ao mesmo tempo, tinham a capacidade de amar, o que, infelizmente, nem todos os bruxos que lutava contra o mal possuíam... Um poder raro e poderoso. — Dumbledore se sentou na grama, na borda do lago. Neville o imitou.
— E-eles... eles eram populares?
— Assustadoramente. Os melhores aurores que o Ministério já teve, comparáveis até mesmo a Moody. Em Hogwarts eram alunos brilhantes. Sua mãe gostava muito de Herbologia — acrescentou, sorrindo. Neville se sentiu, repentinamente, orgulhoso.
— Ouvi-os gritar no ano passado, quando me aproximava dos dementadores. Torturariam-me, mas minha mãe se jogou na frente e o feitiço a atingiu. Queriam saber onde estava o Lorde deles. Meu pai disse que não sabia, então eles o torturaram também. Não conseguiam me atingir, minha mãe me protegia, mesmo sofrendo de dor — as lágrimas saíram numa corrente inesgotável.
— Não falemos dessas coisas tristes meu filho. Os dementadores têm esse poder pavoroso de desenterrar as lembranças que deveriam se manter soterradas por pensamentos felizes.
— Minha vó diz que eles foram um dos poucos que enfrentaram Voldemort mais de uma vez e sobreviveram — disse Neville, mais calmo.
— Sim, três vezes, especificamente. Uma façanha igual a dos Potter.
— Potter! — Neville levantou-se, impaciente. Será que eles estariam em todas as histórias, roubando a fama de todos?
Dumbledore ficou por um instante surpreso. Um fulgor passou pelos seus olhos azuis, levemente. Disse, lentamente:
— Eles pagaram um preço alto pela fama que possuem...
— Mas o nome de Harry aparece em todos os livros. Todos querem cumprimenta-lo. Meus pais sofreram tanto quanto ele, mas mesmo assim estão esquecidos. Como pode?
— Seus pais sofreram, sim. Mas a dor física não é a única forma de tortura... você descobriu isso nesses últimos dias. Contudo você já parou para pensar no preço que Harry pagou pela fama? No que aconteceu minutos antes de Voldemort perder os poderes? Se Harry desejou um dia essa fama?No que acontecerá com ele no futuro, caso Voldemort volte?
Neville ficou desconcertado, nunca havia pensado nisso. Harry era órfão. Esse foi o preço, perder os pais. Neville ainda possuía os próprios, mas Harry foi privado desse prazer desde pequeno. Abismado, perguntou:
— Voldemort está vivo?
— Receio que sim, embora numa forma completamente fraca e débil. Ele reapareceu há três anos atrás, e parece que está se movimentando de novo. O destino de Harry é pesado, Voldemort não deixa alguém escapar dele tão facilmente. O destino deles está tão entrelaçado, que é possível dizer que a vida de um está nas mãos do outro. Você gostaria de saber que um bruxo das trevas poderosíssimo está aí fora esperando você pôr os pés para fora da sua proteção para te matar, se em troca disso, tivesse uma fama enorme?
Neville enfim percebeu que a sua vida era ótima. Percebeu que a fama não podia nunca ser trocada pela tranqüilidade. Soube que poderia ter a felicidade de gozar da companhia dos seus pais, mesmo que eles não tivessem a sanidade suficiente para retribuir. Dumbledore sorriu:
— Sempre aproveite o que tem, por que nunca se sabe o quanto se esteve próximo de perder tudo... — Dumbledore disse, com uma expressão enigmática. De repente exclamou. — Olhe o que é aquilo.
Uma flor branca em forma de estrela acabava de despontar na superfície do lago, bem próxima a margem.
— Uma Acquamélia Amorphita — exclamou Dumbledore, a expressão radiante
— A flor da paz — Neville, admirado concluiu.

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