Varinhas na hora do chá
Harry Potter e o Arco dos Mundos
CAPÍTULO I
Varinhas na hora do chá
- Acorde, sua tola, ou te botam no olho da rua rapidinho – disse a cozinheira chefe, dando um tapa na nuca da colega que dormia encostada na mesa.
- Hã... quê? – resmungou a outra, levantando o rosto da mesa. – Já é hora do chá da noite?
- Daqui a pouco vai ser o café da manhã – disse a outra, ríspida. – e você ainda vai estar aí babando nas torradas da ra...
- Ah, está bem, está bem! – irritou-se. – Eu já estou indo...
A mulher que estava tirando um cochilo se levantou e pegou das mãos da cozinheira uma enorme bandeja dourada, repleta de bules, xícaras, torradas, bolinhos e potinhos de geléia.
- Caprichou hoje, hein? –disse ela, ao pegar a bandeja.
- Cale e boca, Charlotte, e ande rápido – retrucou a cozinheira-chefe. – A família mais importante do país não pode esperar...
- ...por uma lesma de uma empregada, é, já sei! – completou Charlotte, saindo da cozinha e seguindo por um espaçoso corredor.
“A família mais importante do país”... ora, eram as pessoas mais chatas e sem-graça que ela já tinha visto na vida. Sempre falando bobagens, e exigindo coisas... Tratavam os empregados e mordomos como escravos, e eram raras as gratificações. Ela mesma não tinha aumento há anos, e olha que um deles uma vez disse que ela “era realmente eficiente”.
A que ela menos gostava era a velha, pensava Charlotte, enquanto subia uma imponente escadaria. Era rabugenta, e costumava gritar muito. Impossível aparecer na frente dela sem receber uma advertência: “Seu colarinho está mal dobrado” ou “Há quanto tempo você não lava esse cabelo?” eram típicos daquela mulher idosa e cheia de manias. Queria, por exemplo, que os empregados da cozinha começassem a usar um uniforme em desuso há décadas, com a desculpa de que “é preciso nos apegar às tradições nesses tempos difíceis”. Charlotte não ia usar aquele uniforme mofado por nada nesse mundo.
Ela entrou numa grande sala, repleta de almofadinhas e mesinhas, e com um grande lustre de cristal no teto. A velha estava sentada como de hábito, rígida e orgulhosa, esperando o chá. Seu filho, um homem magro de uns cinqüenta anos ou mais, estava sentado numa poltrona ao lado, o queixo apoiado nas mãos, concentrado na televisão.
- Demorou mais do que de hábito hoje – disse ela, friamente, olhando para Charlotte.
- Sim, senhora – ela respondeu, submissa. Deixou a bandeja na mesinha começou a servir o chá.
- A senhora deve ser mais complacente com os empregados, mamãe – disse o homem na poltrona, parecendo entediado, e sem tirar os olhos do aparelho de TV.
- Você é que deve ser menos indulgente, meu filho – retrucou a mulher mais velha.– A pontualidade é uma regra sagrada, que deve ser seguida sem exceções. Mesmo – acrescentou, olhando com desagrado para o filho – quando não se tem nada para fazer.
- Por favor, mamãe...
- Sim, está bem – interrompeu a velha, exasperada. – Eu sei muito bem que Camilla está de viajem. Sei que seu cérebro só funciona na presença dela, Charles.
- Torradas, senhora?
- Não, só me dê o chá! – exasperou-se a velha, pegando a xícara. Charlotte afastou-se, cruzou as mãos atrás do corpo e abaixou a cabeça, permanecendo em pé. Era a posição preferida pela senhora, e ela achava que era porque ela ficava com uma aparência ainda mais servil.
A mulher mais velha olhou uma última vez para Charlotte, com um olhar repreensivo, e então se concentrou na televisão. O repórter dizia que mais um estranho acidente havia acontecido hoje em Londres. Carros pelos ares, vários mortos, e uma destruição estranhamente devastadora para o que a polícia havia dito que era apenas “um pequeno acidente com o entregador de gás”.
Não era a primeira vez que aconteciam coisas estranhas. O último ano foi pontuado de acontecimentos misteriosos, e as últimas semanas tinham sido ainda mais catastróficas. Casas de ministros incendiadas, pontes quebradas, furações, mortes estranhas, pessoas enlouquecendo do nada... Alguma coisa estava muita errada, pensava a senhora idosa, beliscando a xícara de chá.
- Espero que quando assumir o trono, Charles – comentou a velha. – estes acontecimentos estranhos já tenham acabado. Não seria bom ter um reinado conturbado logo de início...
- Eu também, mamãe – respondeu o filho, sonhador, e sem parecer estar prestando atenção a uma palavra sequer.
Charlotte tossiu levemente. A velha olhou-a irritada.
- Sim, pode ir, também não aprecio a sua companhia.
Charlotte curvou-se rapidamente e saiu apressada. Quanto mais rápido longe dali, melhor. Ficar um tempo muito longo na presença da rainha e seu filho era um esforço que ela não conseguia desferir. Mas enquanto virava um outro corredor, pensando no seu quarto e na cama confortável, ouviu um grito vindo da sala de onde acabara de sair. Era a velha.
- Meu Deus, a mulher deve ter visto um rato – pensou Charlotte assustada. Deu meia volta e correu pelo corredor. Quando se aproximava da porta da sala, no entanto, parou, ouvindo um diálogo com vozes de outras pessoas que não estavam ali antes. Assustada, o coração palpitando, encostou-se na parede e procurou ouvir.
- Quem são vocês? – ela ouviu o príncipe perguntar, agora sem o menor tédio e aterrorizado.
- Sim, como se atrevem... – começou a mulher, mas foi bruscamente interrompida por uma violenta voz masculina.
- Cale a boca, velha! É melhor ficar quieta, para seu próprio bem...
- Como conseguiram entrar aqui?
- Calada, sua tola! – irrompeu uma voz feminina, mas não menos grossa. – Agora, nos sigam, não temos tempo a perder...
Um forte estampido fez Charlotte dar um pulo e bate o cocuruto da cabeça na parede. Outras pessoas pareciam ter aparecido do nada na sala. Novas vozes começavam uma discussão.
- Vocês estão cercados, não podem sair – disse uma outra voz masculina. – Desistam, seus planos não deram certo!
- Não, nunca! – berrou a voz de mulher.
Instantaneamente uma série de relampejos de luz iluminou o corredor, juntamente com barulho de coisas explodindo. Charlotte abaixou-se bruscamente, no exato momento em que a parede, no lugar onde estava sua cabeça, explodiu espalhando fumaça branca por todo lado.
- Abaixem-se! – gritou uma voz, mas foi abafada pelo estrondo que pareceu ser o lustre caindo do teto. Charlotte, aterrorizada, engatinhou até o campo de visão da porta e quase foi atingida por um jato de luz verde.
A velha e seu filho estavam entrincheirados atrás do luxuoso sofá, agora virado no chão, enquanto cerca de dez pessoas lançavam lampejos de luzes umas às outras com uma velocidade incrível. O barulho de explosões e estampidos era ensurdecedor, enquanto uma nuvem densa de pó enevoava sua visão.
Após o que pareceram dez minutos de batalha, o grupo de pessoas encapuzadas e mascaradas já tinha vários de seus membros no chão, enquanto os outros se encarregavam de lançar cordas para prender os restantes. Apenas dois ainda lutavam com disposição incansável, um dos quais era uma mulher.
- Chega, Bellatrix, desista! – gritou o homem, lançando um jato azul da ponta de uma vareta.
- Não vão me pegar, Moody! – berrou ela, desviando-se do jato azul, mas lançando um vermelho contra o oponente, que voou longe. Logo depois, desapareceu com um forte estampido.
Com a poeira diminuindo, a empregada pode ver que os vencedores se encarregavam de amarrar os inimigos desacordados, e de ajudar o homem chamado Moody a voltar à consciência. A mulher idosa, e o filho Charles, estavam em estado de choque. Haviam se levantado do chão, agarrados um ao outro; suas vestes formais e caras cobertas por uma grossa camada de poeira.Um dos combatentes, após ter recuperado o companheiro chamado Moody, se empertigou e caminhou até a mulher velha e trêmula agarrada ao filho.
- Não se preocupe, senhora – disse ele bondosamente, procurando sorrir. – A senhora está a salvo, agora. Eles não podem mais lhe fazer mal.
A mulher, então com o olhar turvo, pareceu despertar de um sonho.
- Eles? Querem eram eles? – e arregalando mais ainda os olhos – Quem são vocês?
- Sua curiosidade aflorou rápido, majestade – disse o homem repleto de cicatrizes chamado Moody. Havia se recuperado do estranho jato de luz que a mulher que combatia lhe lançara, embora ainda parecesse um pouco cambaleante, mas talvez isso se devesse à sua perna de pau. – Mas, para sua sorte, não precisará se lembrar disso.
Dito isso, apontou a varinha para a mulher e, instantaneamente, lhe retirou da memória todos os últimos acontecimentos. Fez o mesmo com o filho dela e, depois, pediu aos outros que os levassem da sala e que arrumassem a bagunça. Virou-se e viu Charlotte, e logo lhe lançou um feitiço. Esta caiu em sono, e a levaram da sala.Olhando para os inimigos capturados, reconheceu com amargura alguns velhos conhecidos.
- Teremos que dar uma explicação ao Ministério – disse Lupin. – Era o pessoal deles que estava encarregado de cuidar da proteção da rainha dos trouxas.
- Sim – confirmou o outro. –, mas como eles não conseguiram dar conta do trabalho, a Ordem teve que dar uma ajudinha. Eles vão entender.
Lupin olhou para Moody com um olhar que, se não fosse a situação, poderia parecer cômico.
- Alastor, eu não acho que Rufo vai ficar muito feliz ao saber disto. Ele afirma que apenas o Ministério têm autoridade para combater os Comensais...
- Isso é o que ele diz – interrompeu Moody, impaciente. – Mas sozinhos, eles não podem fazer nada, e não creio que Scrimgeour esteja em situação de recusar ajuda. Hoje, o Lorde das Trevas tentou seqüestrar, ou matar, ou fazer sabe-se lá o que, a rainha dos trouxas, e o pior é que não foi a primeira vez.
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