ATRASO
Era uma atípica noite de verão. Um quarto extremamente bagunçado, como se alguém que ali vivesse só passava por ele para pernoitar em dias alternados da semana, se encontrava mais frio e sombrio. A única de fonte de iluminação, naquele momento, era a lua que mal dava conta de iluminar os cantos do cômodo. Os móveis pareciam mais vultos do que madeira trabalhada. A sombra da cama se mexia e rangia constantemente devido a um homem que ali dormia.
Com um movimento súbito o homem se sentou na cama, segurando o pulso esquerdo em um instinto de dor, como se algo estivesse queimando-o.
- AI! – reclamou o homem ainda segurando o pulso – O que será que deve ter acontecido para me chamarem a essa hora da noite? – indagou-se
Devagar e cauteloso ele levantou a manga de sua camisa comprida e fitou uma grande tatuagem que começava do braço e terminava no pulso. Essa que tinha a forma de uma cruz quadrada – com quatro braços de igual comprimento – e ardia em um vermelho berrante. Ele continuou fitando-a com uma feição de desentendido, até que com uma exclamação se lembrou.
- Puta merda! Hoje é dia trinta! Que horas são? – indagou.
E com um pulo acendeu a luz do quarto e, exasperado, começou a procurar algo nos bolsos de um sobretudo preto: tirou um maço de cigarros e jogo-o na cama, uns pedaços de pergaminhos até que achou um relógio de bolso prata.
- Onze e meia! Estou atrasado.
Jogou o relógio na cama e, rapidamente, despiu sua camisa, vestiu camiseta preta e colocou o sobretudo. Pegou o relógio e o maço de cigarros e colocou-os no bolso, foi até a mesinha de cabeceira pegou sua varinha e guardou-a juntamente com os cigarros e o relógio. Parou por um instante. Será que esqueceu de algo? Olhou ao seu redor. Não. Definitivamente tudo parecia estar em “ordem”. Checou seu relógio novamente.
- Vinte para meia-noite! Tenho que ir agora!
Abriu a porta do quarto que deu para um corredor longo, estreito e cheio de portas onde, no fim dele, havia uma escada. Dirigiu-se rapidamente para escada, desceu três lances e se deparou com a recepção.
- Boa noite Sr.Hughes! Saindo para trabalhar? – perguntou o porteiro
- Pois é Joseph! O hospital acabou de me bipar, apesar de eu estar de folga hoje, eles precisam de mim lá – mentiu.
- Hum! Que saco! Bem, bom trabalho para o senhor! – desejou cordialmente o porteiro – Ah! Senhor...
- Olha Joseph, eu realmente tenho que ir! Estou atrasadíssimo!
E deixando o pobre porteiro falando sozinho saiu do prédio. Olhou para os lados e não viu ninguém. Continuou andando e virou no primeiro beco que encontrou. Checou mais uma vez o relógio, eram quinze para meia-noite, em um ato de desconfiança checou mais uma vez se alguém estava vendo ou seguindo-o, já seguro de que estava sozinho guardou o relógio. Fechou os olhos. Concentrou-se. Parecia que estava visualizando um local. E com um giro desapareceu fazendo um estrondo. CRACK!
Teve a sensação de que estava sendo puxado para todos os lados ao mesmo tempo, uma sensação nauseante, porém, não se importava mais, já estava acostumado. Um outro estrondo. CRACK! E ele se deu na esquina de uma rua iluminada pelas janelas das casas e pelas luminárias publicas. Fitou uma placa situada logo a sua frente e sussurrou o que estava escrito nela.
- Rua dos Alfeneiros, números um a vinte sete. Hum. – olhou para esquerda e avistou na fachada da casa o numero vinte sete – Ótimo! – disse com ironia.
Checou o relógio, eram quase dez para meia noite. Começou a procurar algo em suas vestes até achou o que parecia ser um isqueiro de prata. Acendeu-o e, no mesmo instante, todas as luzes da rua foram sugadas para dentro do pequeno isqueiro, deixando o local um breu. E começou a andar em passos largos e rápidos no meio da rua. Sempre olhando para os lados. Ele parecia desconfiado. Muito desconfiado. Como se algo pudesse dar errado a qualquer momento. Finalmente parou. E se dirigiu para casa que, em sua fachada, obtinha o numero quatro. Parou no meio do gramado de entrada da casa e observou-a atentamente. Olhou para o relógio. Eram exatamente dez para meia noite. Abriu um sorriso irônico e disse para si mesmo:
- É, acho que dá tempo.
E tirou de seu sobretudo o maço de cigarros, pegou um e com um estralo de dedos em frente ao cigarro fez com que ele acendesse. Tragou demoradamente. E, com uma expressão de certo prazer, soltou a fumaça.
Logo que terminou jogou a bituca nos meios das flores bem cuidadas do canteiro. Foi a até a porta. Tentou abri-la. Estava trancada, fez uma cara debochada de “eu devia saber”, sem se preocupar pegou a varinha e com um simples movimento a porta se abriu. Com cuidado avançou pela sala de estar e chegou aos pés da escada. Checou novamente o relógio. Cinco para meia noite. Sem mais pensar, e sem cuidado nenhum subiu correndo a escada. Deparou-se com um corredor longo com algumas portas. E agora? Qual delas seria? Pensou. Não tinha mais tempo. Foi na primeira porta do corredor. Esquecendo totalmente de que podia usar a varinha arrombou a porta com o pé.
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