A pior lembrança
- Severo, o que foi? - disse, Lilian, olhando para Snape. Ele continuava quieto, sentado, os braços apoiados sobre os joelhos e a cabeça entre eles. A brisa fria que vinha do lago de Hogwarts balançava levemente seus cabelos.
Ele não falou. Levantou a cabeça e olhou o horizonte. Parecia triste demais para falar, talvez aflito.
- Você está preocupado com os exames? - Lilian perguntou, tentando entender - Meu amor, fale comigo.
As palavras "meu amor" fizeram efeito na mente de Severo (ou seria no coração?), e ele olhara aqueles olhos verdes à sua frente - os olhos que eram sua única fonte de felicidade na vida. Não conseguia falar - era desespero. O desespero sempre o levara ao silêncio e, talvez, por esse motivo, ele estivesse ali, parado, lutando contra si mesmo, esperando uma resposta aparecer em seu coração, para o que teria que dizer.
- Devemos nos separar - ele disse.
Lilian expressou preocupação durante alguns segundos mas, encarando-o, começou a rir. Severo continuava sério.
- Ah, meu amor, sempre querendo me pregar uma peça... - disse, sentando ao seu lado e enlaçando seu braço ao dele - Mas não diga isso não. Vai ser difícil alguma coisa nos separar.
- É verdade - ele disse - Nós... Temos.
- E por quê? - perguntou Lilian, zangada.
Nada poderia descrever o turbilhão de idéias que passaram pela cabeça de Snape naquele momento. Eles estavam prestes a fazer os primeiros exames dos NOMs, Lilian era a única pessoa a quem amava no mundo, mas ele caíra em um caminho do qual não poderia voltar...
Lembrou-se da noite anterior, da varinha de Voldemort apontada para seu rosto, sua mãe morta no chão... Ele não tinha saída... Não poderia colocar Lilian em perigo, ele a amava demais...
Todos os anos que passaram juntos acabariam ali. Ela foi a única pessoa em toda a escola que talvez tenha se importado com ele um dia - e ele sabia que ela o amava. Mas não tinha alternativa. O Lord das Trevas o humilhou e o obrigou - ele teria que seguir o seu caminho, sem Lilian...
- Eu...
Sua voz não saiu. Ele queria contar a verdade, mas sabia que, se contasse, Lilian o forçaria a ficarem juntos. Eles se amavam... Ele a amava demais, para colocá-la em perigo. Não havia o que fazer. Ele se tornaria um servo de Voldemort, obrigado pelas circunstâncias, pela morte de sua mãe... Não queria, nada mais restava... Precisava fazê-la desistir dele, dizer algo ruim, muito ruim, que a fizesse sair de sua vida para sempre...
"Melhor longe do que morta", ele pensou, e a olhou nos olhos pela última vez. Ela pareceu não entender, o que o levou a perceber que seus estudos sobre oclumência finalmente estavam dando resultado. Esconder seus sentimentos fora a coisa mais difícil que já fizera. Engolindo seco, juntou todas as suas forças para dizer:
- Não quero ofender a memória de minha mãe andando com uma sangue-ruim.
Uma Lilian aflita, mas confusa, olhou bem em seus olhos. Ele precisava esconder. Precisava. Era a vida dela em jogo e a amava mais do que qualquer outra pessoa no mundo.
- Nunca mais chegue perto de mim - ela disse, pegando seu material e levantando. Correu em direção à escola, suas mãos no rosto, visivelmente escondendo as lágrimas.
Severo olhou e, pela primeira vez na vida, chorou. Jamais tinha chorado por alguém, nem quando sua mãe morreu. Tinha tirado de sua vida a única pessoa que realmente importava. Ele sabia que jamais amaria alguém novamente - seu coração estava fechado, assim como sua mente e todas as suas emoções. Nada mais lhe restava a não ser levantar e ir para o castelo prestar seu primeiro exame dos NOMs. Estava totalmente desequilibrado, mas ficou aliviado por saber que era o exame de sua matéria preferida, Defesa Contra as Artes das Trevas.
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Encontrou-se no meio do salão principal, mas as mesas das quatro casas haviam sumido, dando lugar a mais de cem mesinhas, todas dispostas da mesma maneira, e em cada uma delas se sentava um estudante.
- Severo, sente aqui, por favor - disse o baixinho professor Flitwick, no qual Snape obedecera prontamente. Tentou não olhar para Lilian sentada um pouco atrás. Não suportaria olhar.
O exame começara e ele decidiu escrever a maior quantidade de informações que pôde a respeito dos lobisomens. Não olhava para os lados - concentrava-se em seu pergaminho e escrevia o máximo que podia. se deixasse sua mente divagar, pensaria apenas no que acabara de fazer e não terminaria o exame, correndo o risco de voltar a chorar ali mesmo. E tudo o que menos queria no momento era ser esculachado por Tiago e Sirius.
O sol entrava pelas janelas altas e incidia sobre as cabeças inclinadas, refletindo tons castanhos, acobreados e dourados na luz ambiente. Seria um dia maravilhoso se não tivesse acabado de expulsar de sua vida a única pessoa que importava nela... Mas não podia pensar nisso, não podia... Sua mão voava sobre o pergaminho; já escrevera pelo menos mais de trinta centímetros, e sua caligrafia era minúscula e apertada.
- Mais cinco minutos!
A voz o tomou de surpresa - ainda tinha tanto a escrever! Tinha poucos minutos até que o mesmo professor virasse para todos e começasse a dizer...
- Descansem as penas, por favor! Você também, Stebbins! Por favor, continuem sentados enquanto recolho os pergaminhos. Accio!
Mais de cem rolos de pergaminho voaram para os braços do professor Flitwick, derrubando-o para trás. Várias pessoas riram, alguns ajudaram. Snape só queria ir embora dali, ficar sozinho finalmente, pensar em tudo o que tinha acontecido...
Finalmente o professor mandara todos os alunos embora. Snape levantou-se, retraído, andando o mais rápido que podia para não ser visto por ninguém. Trazia à mão a folha do exame, mas pouco lhe importava. Sabia que tinha ido bem, melhor que a maioria, possivelmente. Mas ficar olhando para aquela folha significa não ter que encarar as pessoas ao seu redor, as gozações, ou pior: o olhar de Lilian magoada por ele.
Andava cada vez mais rápido, notando que Lilian vinha com as amigas logo atrás. Ele não podia fazer nada. Seus cabelos sacudiam pelo rosto e ele virou para sair do caminho delas, indo em direção a um lugar calmo e vazio onde pudesse sentar e ficar sozinho.
Ao se sentar, viu que Lilian fora para o lago com as suas amigas. Todas riam, exceto ela, que parecia tentar disfarçar sua tristeza. Ele não ficou olhando muito - o que fez estava certo. Não poderia colocar a vida dela em risco. Ele poderia sofrer quanto quisesse, mas ela não. A amava demais para isso. Olhou mais uma vez para as garotas risonhas que estavam sentadas no lago, sem sapatos nem meias, refrescando os pés, e voltou sua atenção para a folha do exame. Tivera sorte ao se sentar ali, pois o sol forte era abafado por alguns arbustos e ele pôde ficar sentado na sombra, sozinho, com seus pensamentos.
Tinha vontade de chorar, mas não podia. Logo abaixo, viu um animado Pedro batendo palmas para seu amigo Tiago, que bancava o aparecido mais uma vez com o pomo. Não suportava aquele garoto - nem ele, nem seu amigo, Sirius Black. Ele os odiava porque, de todos as pessoas de Hogwarts, eles eram os que mais lhe faziam passar vexame. Jamais se esqueceria do que fizeram na semana passada, com as bombas de bosta.
Decidiu então evitar qualquer confusão e entrar no castelo. Estudar mais um pouco não seria nada mal, para afastar os pensamentos. Se ficasse ali, tinha certeza que, uma hora ou outra, Tiago e Sirius o avistariam. Tudo o que menos queria era ser importunado por eles. Não ali, com Lilian tão perto...
Guardou o pergaminho do exame na mochila e atravessou o gramado. Quando estava quase chegando à escola, no entanto, seus piores medos se realizaram: Sirius e Tiago se levantaram. Tinha que dar tempo, pensou, tinha que dar tempo de chegar à escola...
- Tudo certo, Ranhoso? - falou Tiago em voz alta, e Snape fechou os olhos, parado, já sabendo o que estava por vir.
Ele tentou pegar sua varinha, mas estava no fundo da mochila, provavelmente, e quando a encontrou foi tarde demais:
- Expelliarmus! - gritou Tiago.
Sua varinha voôu quase quatro metros de altura e caiu com um pequeno baque no gramado às suas costas. Sirius soltou uma gargalhada.
- Impedimenta! - disse, apontando a varinha para Snape, que foi atirado no chão ao mergulhar para recuperar a varinha caída.
Do chão, ele viu que os estudantes ali perto se aproximavam para assistir. Mais uma vez, seria humilhado na frente de todos, e tudo o que queria era estar longe dali, longe de Sirius, Tiago, longe de Lilian...
Estava no chão, ofegante. Tiago e Sirius avançaram empunhando as varinhas. Snape viu quando Pedro se levantou para olhar melhor. Se ao menos pudesse ter sua varinha...
- Como foi o exame, Ranhoso? - perguntou Tiago.
- Eu vi, o nariz dele estava quase encostando no pergaminho - disse Sirius maldosamente - Vai ter manchas enormes de gordura no exame todo, não vão poder ler nem uma palavra.
Várias pessoas riram. Ele tinha que se livrar da azaração; precisava pegar sua varinha... Se vingaria de Tiago na frente de todos, e jamais o humilhariam novamente... Mas, por mais que se esforçasse, seus movimentos não faziam diferença; sentia-se como se estivesse amarrado ao ar por cordas invisíveis.
- Espere... para ver - tentava dizer, olhando furiosamente para Tiago, que continuava com o olhar sarcástico em sua direção - Espere... para ver!
- Espere para ver o quê? - retrucou Sirius, calmamente - Que é que você vai fazer, Ranhoso, limpar seu nariz em nós?
Snape tentou retrucar, mas não conseguia pensar em mais nada: Lilian estava vindo. Era tudo o que ele menos queria... Precisava sair dali... Tentou usar alguns feitiços para se livrar, mas sem sua varinha não fizeram qualquer resultado...
- Lave sua boca - disse Tiago friamente - Limpar!
Sentiu um gosto amargo na boca, e ele descobriu que estava cheia de sabão, as bolhas cor de rosa pingando em sua roupa. Ele estava sufocando... desejava morrer agora, desmaiar, qualquer coisa menos ver Lilian chegando perto...
- Deixem ele em PAZ!
Tiago e Sirius se viraram. Snape notou como Tiago levou a mão aos cabelos, tentando fazer charme. Odiava aquela mania insolente de querer aparecer para todas as garotas da escola.
- Tudo bem, Evans? - disse Tiago, e Snape sentiu ódio do tom de voz ameno do garoto. Poderia lhe humilhar na frente de todos, mas na frente de Lilian não, e ainda por cima cortejá-la...
- Deixem ele em paz - repetiu Lilian. Ela olhava para Tiago com um imenso desagrado - O que foi que ele lhe fez?
Snape não sabia o que pensar. Por um lado, ficou surpreso por Lilian lhe defender, por outro... Não podia fazer nada a respeito.
- Bom - explicou Tiago - É mais pelo fato de ele existir, se você me entende...
Todos riram, exceto alguns poucos, como Lilian.
- Você se acha engraçado - disse ela com frieza - Mas você não passa de um cafajeste, arrogante e tirano, Potter. Deixe ele em paz.
- Deixo se você quiser sair comigo, Evans - respondeu Tiago depressa - Anda, sai comigo e eu nunca mais encostarei uma varinha no Ranhoso.
Ele sabe, Snape pensou. Ele sabe que terminamos.
Começara a recuperar os movimentos novamente. O efeito da azaração estava indo embora... Lentamente... Começou a se arrastar pelo chão, sua varinha estava perto, ele logo a alcançaria... Todos estavam olhando para Lilian e Tiago, ninguém o veria...
- Eu não sairia com você nem que tivesse que escolher entre você e a lula-gigante - replicou Lilian, e Snape não pôde deixar de sorrir com o comentário. Estava quase alcançando a varinha quando ouviu Sirius balbuciar alguma coisa.
- OI!
Mas era tarde demais; conseguira pegar a varinha, mas assim que a apontara para Tiago ele lhe lançou um feitiço de volta - o mesmo feitiço que ele inventara. Mais uma baque e, pronto, ele estava vendo todos invertidos - Tiago usara o Levicorpus. Agora sim queria morrer. Todos riram - ele não queria imaginar Lilian vendo-o daquele jeito. Fechou os olhos, esperando tudo simplesmente terminar.
- Ponha ele no chão! - escutou Lilian dizer, mas sua voz era abafada pelas risadas de todos ao redor.
- Perfeitamente - disse Tiago, e agora Snape caíra duro como uma pedra ao som de "Petrificus Totallis", no que todos continuavam rindo.
- DEIXE ELE EM PAZ! - berrou Lilian. Puxara a própria varinha agora. Tiago e Sirius a olhavam preocupados. Snape abriu os olhos. Lilian o estava defendendo...
- Ah, Evans, não me obrigue a azarar você - pediu Tiago sério.
"Se encostar um dedo nela...", Snape pensou.
- Então desfaça o feitiço nele!
- Pronto - Tiago disse, enquanto Snape caía dolorosamente no chão. Levantou a cabeça e, apesar de seus cabelos cobrirem seu rosto, pôde ver Lilian olhando para ele, suplicando pelo olhar, dizendo que o perdoava... Ele queria levantar e abraçá-la, sair com ela dali, mas se lembrou do que fizera antes dos exames... Lembrou que sua vida agora estava marcada, que nada poderia fazer a não ser protegê-la... Não poderiam ficar juntos...
Lilian o olhava com uma expressão de angústia, esperando para conversar, fazer as pazes, resolver tudo... Tinha que ser forte. Ele a amava, mas era algo muito maior que estava em jogo. Mais uma vez, engoliu em seco ao ofuscar seus sentimentos e, olhando profundamente naqueles olhos verdes, disse sem piscar:
- Não preciso da ajuda de uma Sangue-Ruim imunda como ela!
Uma lágrima percorreu todo o rosto de Lilian, enquanto ela e Snape trocavam olhares. "Seja forte", ele pensou, "seja forte".
- Ótimo - ela respondeu, enxugando a lágrima sem ninguém ver - No futuro, não me incomodarei. E eu lavaria as cuecas se fosse você, Ranhoso.
Aquilo o tocara profundamente. Sentiu uma dor lhe rasgar o coração como nunca havia sentido antes. Fechou os olhos.
- Peça desculpas a Evans! - berrou Tiago para Snape, apontando-lhe a varinha ameaçadoramente. Ele não ligava, sua vida tinha acabado. Não teria mais Lilian, Tiago poderia fazer o que quisesse. Ele sabia que tinha que ser assim.
- Não quero que você o obrigue a se desculpar - gritou Lilian, ainda olhando para Snape, esperando uma reação qualquer, como se esperasse que ele estivesse fingindo, mas ele continuava de olhos fechados, se esforçando para não chorar - Você é tão ruim quanto ele.
- Quê? Eu nunca chamaria você de... você sabe o quê!
As vozes e os ruídos ao redor foram sumindo aos poucos da visão de Snape. Não estava mais ouvindo a discussão entre Tiago e Lilian, tentou se abster... Seus olhos continuavam fechados, só queria que tudo aquilo acabasse, fosse embora, esquecesse...
BAQUE!
Estava de cabeça para baixo de novo. Viu que Lilian não estava mais lá, mas não a procurou.
- Quem quer tirar as cuecas do Ranhoso? - Tiago gritou, e todos riam.
Snape fechou os olhos e engoliu em seco. "Não aguento mais...", pensou, "prefiro morrer, prefiro morrer a...".
- POTTER!!
Todos viraram para ver Dumbledore chegando no gramado, extremamente insatisfeito com a cena. Acenando a varinha, desfez o feitiço e Snape caíra no chão novamente.
- Recolha seu material, Severo - disse calmamente o professor, e Snape agradeceu imensamente em pensamento por ele ter aparecido - Vá para a sua sala comunal. E você, Tiago - disse, virando para o garoto - Venha comigo.
Snape não viu o que aconteceu depois, além de Sirius fazendo um gesto com as mãos, indicando que ele estava enforcado. Tiago riu e acompanhou Dumbledore. Snape foi para o outro lado, para as masmorras da Sonserina, em meio aos olhares de todos, como sempre... Só queria ficar em paz... Desta vez, precisava...
Colocou a mão no bolso e encontrou um pedaço de pergaminho, escrito há algumas semanas, onde estava escrito:
"Eu não me importo, eu te amo."
Lembrou do dia em que Lilian lhe entregara isso e seu rosto se contraiu. Não podia chorar. Só queria ir para a sua cama, em paz, dormir, quem sabe para sempre. Sua vida tinha acabado ali, nada mais importava. Mas Lilian estava a salvo, e assim ele poderia cumprir seu destino negro sem laços que pudessem prejudicar alguém. Deitou em sua cama e, mesmo sem tirar suas roupas, fechou os olhos e tentou dormir. Só queria esquecer os olhos verdes de Lilian, apagá-los da memória... "Acabou", pensou, e em seguida dormiu.
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Esse capítulo foi inspirado no capítulo "A pior lembrança de Snape", no livro A Ordem da Fênix, e contém diversos trechos deste.
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