:: Capitulo 1::



Gina parou na metade da escada do belo chalé. Um sorriso encantador distendia seus lábios e um brilho sonhador e distante alternava a clareza habitual dos inteligentes olhos castanhos. Tivera aquele sonho novamente na noite anterior, o sonho em que o via. Ele. E dessa vez, tudo havia sido ainda mais delicioso e real que antes. Tão real que...

Vermelha, sentiu novamente o prazer aquecendo o corpo. Na noite anterior, quando ele a abraçara e acariciara...

Um violento arrepio a sacudiu e ela subiu os últimos degraus correndo.

Dispunha de uma hora para preparar-se antes de ir buscar Hermione e Rony. Os três sairiam para uma refeição especial de comemoração, e era nisso que devia pensar e não em um homem maravilhoso criado por sua imaginação, por seus sonhos... por sua carência.

Para uma mulher de vinte e três anos sem nenhum amante, a intensidade e a nitidez dos sonhos eróticos envolvendo o homem que passara a chamar de amante perfeito e alma gêmea eram surpreendentes. Seria um sinal da falta de companhia masculina, ou uma indicação do poder de sua imaginação? Não conhecia a resposta.

Tudo o que sabia era que desde o primeiro sonho, nenhum outro homem conseguiu tocar suas emoções.

Estava ansiosa pela noite com os amigos. Afinal Hermione não era apenas sua amiga mais próxima e uma espécie de mãe substituta; também era a medica que salvara sua vida quando outros menos determinados e atentos afirmavam que...

Tensa, ela engoliu em seco. Mesmo cinco anos depois do acidente, a lembrança de como estivera próxima da morte ainda tinha o poder de aterrorizá-la.

Sabia que o raciocínio não era lógico, mas o fato de não ter nenhuma lembrança dos eventos que antecederam e causaram o acidente e das semanas que passara em coma tornava o medo ainda mais intenso, como se ressaltasse a fragilidade da vida.

Ao empurrar a porta do quarto, gina sentiu a fraqueza do braço e usou o peso do corpo para concluir o movimento. Aquele era o único legado físico do dramático acidente. O braço havia sido esmagado, e por causa da extensão e da gravidade das lesões, o medico que a recebera no pronto socorro estivera a ponto de amputá-lo quando, notando a presença de Hermione, pedira a sua opinião. Chefe do departamento de micro cirurgia, ela assumira o comando e decidira que era possível salvar o membro atingido tão duramente.

O rosto de Hermione havia sido o primeiro que vira ai recobrar a consciência, mas só depois de muitas semanas descobrira através de uma enfermeira sobre a sorte que tivera por ser atendida por ela.

Havia sido Hermione quem ficara a seu lado por horas e horas, falando incentivando sua consciência durante o período do coma, tentando despertá-la com seu amor e sua força de vontade. Gina sabia que nunca deixaria de amá-la e reverenciá-la por tudo que fizera.

- você não foi à única a ganhar com aquela experiência-Hermione costumava a brincar-não tem idéia de como o mercado passou a valorizar-me depois daquela cirurgia. Para mim, seu braço vale mais do que o próprio peso em ouro. E vc minha querida é mais especial do que posso expressar. A filha que nunca imaginei que teria...

Ambas haviam chorado na primeira vez em que Hermione fizera a declaração comovente. Qualificada e respeitada em seu meio profissional, a medica perdera o útero e as chances de ser mãe ainda jovem, e Gina já não possuía mais os pais. Apesar de ter sido sempre bem cuidada e tivera todo o amor de seus pais.

Há dois anos, quando Hermione finalmente aceitara o pedido de casamento de Rony, irmão de Gina, ela havia sentindo uma imensa felicidade pelo casal. Ate então, ela sempre recusara as insistentes propostas de Rony, dizendo que um dia ele poderia conhecer alguém especial que fosse capaz de ter filhos, e que teria de estar livre para quando esse dia chegasse. Só os esforços combinados de Gina e Rony a fizeram mudar de idéia.

No final, lançando mão de um argumento quase desesperado, Gina lembrara que, depois de tê-la praticamente adotado como filha, Mione não tinha mais razoes para recusar o pedido de Rony.

- muito bem, eu desisto-ela respondera rindo-mas exijo que retribua encontrando um parceiro especial.

Depois disso, graças à atmosfera relaxante e ao excelente jantar de Natal que haviam preparado juntas, Gina encontrara a coragem necessária para contar a amiga sobre os extraordinários sonhos que passara a ter.

- lembra-se quando o sonho ocorreu pela primeira vês?- Mione indagara com tom profissional.

- não tenho certeza... creio que já tinha por algum tempo antes de me dar conta deles. E quando percebi o sonho, tudo era muito familiar, como se eu o conhecesse.

Havia sido difícil explicar a natureza intensa e inquietante do sonho, a sensação de familiaridade despertada pelas cenas persistentes.

Diante do espelho, enquanto se preparava para vestir o traje que ela e Mione tinham comprado há um mês especialmente para aquela ocasião, Gina sorriu. Tivera sorte por não ter sofrido nenhum ferimento no rosto. Os traços delicados ainda compunham o mesmo conjunto que via nas fotos que possuía da infância. Os cabelos ainda vermelhos, como antes, uma herança dos pais. A maturidade e a confiança a libertaram da agonia de não ter mais os seus pais. Era suficiente que houvessem dado a ela o mais precioso de todos os bens: a vida.

Tudo o que sabia sobre o acidente era o que ouvira dizer, o que fora relatado no tribunal, durante o julgamento que resultara na condenação do bruxo que a torturou. Preso por praticar maldição imperdoável Cruciatos, ele fora mandado a Askaban.

Como haviam argumentado os advogados do bruxo, o feitiço não a impedira de concluir o curso universitário que começaria logo após a tortura, nem a retirava em caráter definitivo do mercado de trabalho. Atualmente trabalhava meio período, o que comprovava a teoria dos advogados, mas as evidencia haviam sido esmagadoras. Cinco testemunhas haviam visto o bruxo lançar a maldição e atingi-la.

Gina suspirou. A esposa do acusado também comparecera para depor. Chorando, ela afirmara que, sem o salário do marido e sua força de trabalho, a vida da família se tornaria muito difícil. Como uma mulher sozinha poderia sustentar três filhos pequenos? Gina lamentara por eles, e ainda era tomado de assalto pela compaixão sempre que pensava naquela família, mas, como Mione apontara, a culpa pela situação em que estavam não era dela.

De qualquer maneira, ficara feliz por saber que o bruxo não morava na cidade. Assim, não correria o risco de encontrá-lo ou sua família, numa rua qualquer.

Não consegui se lembrar por que havia se candidatado a uma vaga na universidade bruxa, nem quando chegara na cidade. Era evidente que não tivera tempo para fazer amigos nem confiar a eles seus sonhos e ambições. Enquanto retirava do armário o traje novo, Gina suspirou. Percorrera um logo caminho ate esse dia. Muito longo...

Confeccionado em crepe de lã vermelha, o conjunto era composto por calça comprida, um corpete bordado com linha cintilante e um, sobretudo que quase tocava seus tornozelos.
Relutara antes de comprar uma roupa tão elegante e cara, argumentando que não saia de casa o bastante para possuir peças como aquela, mas Mione a convencerá de adquirir a bela vestimenta. Na opinião da amiga e cunhada, já era hora de Gina sair mais e conhecer pessoas diferentes e interessante.

- Harry faria qualquer coisa para convencê-la a aceitar um de seus convites-ela lembrava.
Harry era um auror. Atraente e simpático se interessara por Gina desde que a vira pela primeira vez. Era interessante, educado, gentil, mas...

Não era o homem que via em sus sonhos. Oh não! E nem chegava aos pés dele. Apesar dos traços harmoniosos, do sorriso agradável e das maneiras envolventes, Harry não tinha a maturidade misteriosa do homem que perturbava seu sono todas as noites. Havia um ar de autoridade em seus gestos. Uma masculinidade poderosa e dominadora que jamais encontrara em nenhum homem.

Apesar do preço do conjunto, decidira comprá-lo por que naquela noite participaria de uma comemoração especial; o aniversario de Rony e o aniversario dele com Hermione.

Para o jantar daquela noite, reservara uma mesa no Três vassouras, disposta a arcar com os custos da comemoração. Por isso ia buscar Mione e Rony em seu novo e reluzente BMW.

Pronta, parou diante do espelho e sorriu satisfeita. Depois de sua recuperação, finalmente começava a recuperar o peso perdido, e a roupa caia melhor do que no dia em que a comprara. Sim, tinha motivos para estar contente, a casa onde vivia, por exemplo.
Participara de todo o trabalho de reforma, opinando e supervisionando cada mudança, escolhendo pessoalmente toda a mobília. A enorme cama de casal atraiu seu olhar. Ainda não entendia por que havia comprado aquela cama, por que nem se dera o trabalho de examinar todas as outras oferecidas pela loja.

Tudo o que sabia era que, ao vê-la, tivera certeza de que aquela seria a escolha ideal.
Em seus sonhos, ela e o amante estavam sempre naquela cama, embora seus sonhos...
Perturbada, lembrou que chegaria atrasada para apanhar o irmão e sua cunhada se não se apressasse.

Agitada e corada, Gina desceu a escada e saiu.



- Merlin! , como este lugar esta movimentado!- Mione comentou.

Gina parava o carro na ultima vaga disponível no estacionamento bem perto do Três vassouras.

- quando telefonei para reservar a mesa, a gerente comentou que esperava ter uma noite de muito movimento. O Ministério da Magia esta oferecendo um jantar para um novo Auror.

- Oh, sim, é verdade! Eu ouvi dizer que eles encontraram um substituto para o professor Lupin. Ficaram atraídos por suas impressionantes qualificações e pela experiência diversificada. E o homem ainda é jovem, segundo os comentários que ouvi, deve ter pouco mais de trinta anos. E parece que já trabalhou para o Ministério no passado.

Estavam fora do carro e a caminho do restaurante.

Os donos, marido e mulher bastante conhecidos pelos freqüentadores costumavam receber os clientes mais próximos pessoalmente. Rosmerta sorriu ao vê-los.

- reservei sua mesa favorita-ela sussurrou enquanto chamava um garçom para acompanhá-los. Rosmerta fazia parte de um comitê de caridade do qual Gina colaborava eventualmente angariando fundos, e a comerciante conhecia a historia em torno do acidente e sabia de seu relacionamento com Mione e Rony-sei que esta é uma noite especial para todos vocês.

A mesa em questão ficava em um canto afastado do salão principal, ao lado de uma janela onde era possível ver a rua. Sentada, gina suspirou invadida por uma súbita alegria.

Às vezes sentia que havia renascido naquela manha há cinco anos, quando abriria os olhos e vira Mione parada ao lado do leito hospitalar, olhando para ela. Embora já pudesse lembrar boa parte da infância e da adolescência, as recordações ainda eram confusas como imagens em um filme sem foco, e em alguns momentos era difícil acreditar que aquelas lembranças, aqueles períodos, faziam parte de sua vida.

Para confortá-la nos momentos de maior preocupação, Mione sempre dizia que aquele era o efeito do trauma sofrido pela mente e pelo corpo, um mecanismo de defesa que a mente lançava mão para protegê-la.

O restaurante estava cheio. Havia um salão secundário cujas portas permaneciam fechadas para garantir a privacidade do ministério. As garotas do escritório haviam passado dias comentando a chegada do novo consultor, e Gina ouvira algumas opiniões antes de sair de licença na semana anterior.

Embora recebesse muitos convites de colegas da empresa, nunca aceitara sair com um deles. Mione a prevenira sobre riscos de deixar que o amante imaginário conjurado em seus sonhos chegasse para a realidade e impedisse a aproximação de parceiros reais, mas Gina sabia que a relutância não era fruto apenas dos sonhos românticos.

Era quase como se, de alguma forma, algo a impedisse de se envolver com alguém. Como se esse envolvimento fosse errado. Não sabia de onde vinha essa sensação, e os sentimentos eram tão confusos e nebulosos, tão inexplicáveis e estranhos, que havia preferido não comentá-los com Mione. Tudo sabia que era que devia esperar. Mas...Esperar o que? Ou quem? Não tinha idéia. Só sabia que era algo que devia fazer.





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