Duas Palavras



Antes do Amanhecer
Duas Palavras

Escrito por Snarkyroxy
Traduzido por BastetAzazis
Beta-read por Ferporcel

Sumário: Stress, falta de noites bem dormidas e algumas circunstâncias terríveis têm resultados inesperados para Hermione e o mestre de Poções.

DISCLAIMER: Qualquer coisa que você reconheça pertence ao talento imensurável de J. K. Rowling; eu só gosto de pegá-los emprestado para brincar com eles.

* * * * * * *

Capítulo 23: Duas Palavras

Poções na quarta-feira à tarde foi um compromisso estranho. Hermione tentou não agir de maneira diferente em relação ao Malfoy como fizera antes, mas estava achando difícil tratá-lo com indiferença quando tinha que sentar-se ao lado do sonserino e trabalhar com ele.

De sua parte, o Monitor Chefe era civilizado com ela, mas não tão abertamente. Ao contrário de quando ele gesticulara para que ela o antecedesse na sala de aula na segunda-feira, Hermione não conseguia detectar nenhuma insinceridade na forma como ele falava com ela, fazendo-a pensar se as suspeitas do Snape eram verdade.

Ela pegou Snape os observando algumas vezes durante a aula, um olhar contemplativo no rosto dele.

Ao final da aula de Poções na sexta-feira, ela não podia negar que Malfoy tinha mão para a arte e era um excelente parceiro de laboratório também. O modo como ele preparava os ingredientes era tão preciso quanto o dela, e enquanto a base da poção estava fervendo pela meia hora necessária, eles elaboraram um esquema para a preparação e os encantamentos que daria aos dois a oportunidade de treinar a nova habilidade.

Hermione se enrolou para sair no final da aula, planejando acompanhar Snape até o laboratório dele, mas Malfoy também parecia estar levando muito tempo para guardar seus pergaminhos e penas, e ele a observava pelo canto dos olhos.

Ela franziu a testa e deixou a sala de aula sem tomar conhecimento do Snape. Diminuindo os passos quando chegou ao corredor, ela sentiu o Malfoy a uma curta distância atrás dela. Quando chegou na junção entre o corredor que levava para os aposentos do Snape e as escadas para os andares superiores do castelo, ela escolheu as escadas. Isso pareceu desanimar Malfoy, como ela assim esperava, porque mesmo depois de esperar algum tempo no Saguão de Entrada, ele não apareceu.

Com um suspiro de alívio, ela seguiu para a torre da Grifinória para guardar sua mochila e pegar outro item. Então, seguiu rapidamente seu caminho de volta ao primeiro andar e aos aposentos do Snape. Ele já estava sentado à sua escrivaninha, corrigindo redações com um olhar zangado no rosto, quando ela chegou. Uma pequena ampulheta que estava ao lado da pilha de redações era, presumidamente, para o caldeirão fumegante que ela conseguia enxergar pela porta aberta do laboratório.

– Eu achei que você não viria esta noite – ele disse, sem levantar os olhos.

– O Malfoy parecia muito interessado em por que eu estava me demorando depois da aula – ela explicou, sentando-se no lado oposto a ele na escrivaninha. – Eu subi para tentar confundi-lo, o que obviamente eu consegui, porque ele não me seguiu depois que deixei as masmorras.

– Humm – Snape disse, rabiscando um grande “A” na redação à sua frente e pegando a próxima da pilha.

Silenciosamente, Hermione retirou um pacote encolhido do bolso das suas vestes, aumentou-o e colocou-o na escrivaninha entre eles.

Ele olhou de relance primeiro para o embrulho prateado e depois para ela.

– O que é isso?

– Feliz aniversário, Severo – ela disse calmamente.

Ele pareceu surpreso, depois satisfeito, depois... quase arrependido.

– Não é muito – ela disse apressadamente, tentando evitar qualquer tentativa de recusa. Passara algum tempo deliberando o que dar a ele desde que descobrira a data do aniversário dele logo após o Natal. Ela não queria constrangê-lo, ou se atrever a dar-lhe alguma coisa muito pessoal, mas ao mesmo tempo ela queria que seu presente tivesse algum significado.

– Você não precisava... – ele começou. – Eu não esperava...

– Eu quis fazer isso – ela disse com firmeza.

Ele largou a pena e olhou para o pacote por um longo momento antes de pegá-lo.

Hermione mordeu os lábios e observou os longos dedos desembrulhando a caixa que, após revelada, era lisa, preta brilhante exceto pela inscrição dourada em relevo na frente.

– Uísque de Fogo do Velho Ogden – ele leu em voz alta, a boca curvando-se num sorriso apreciativo com a ironia.

– Muito melhor que aquela imitação barata – ela disse devolvendo-lhe o sorriso. Havia uma chance equivalente dele ficar ofendido ou divertido com o presente, e ela respirou aliviada porque foi o último.

– Obrigado, Hermione – ele disse, traçando a escrita na caixa pensativamente com um dedo. – Tenho certeza que farei uso disso no futuro próximo.

O sorriso dela se fechou um pouco, mas ele afastou o comentário com uma risada curta e forçada, colocou a garrafa de lado cuidadosamente, e pegou sua pena de novo.

Ela entendeu aquilo como sugestão para deixá-lo com seu trabalho e foi para o laboratório fazer a leva de poções do próximo mês para a ala hospitalar. Ela se encontrara com Madame Pomfrey no início da semana para fazer um inventário dos estoques. Poucas coisas precisavam ser repostas, ao que ela estava agradecida, já que lhe dava alguma coisa para se concentrar na noite seguinte, sábado.

Quando ela chegou logo depois do jantar, Snape andava de um lado para o outro no laboratório de novo, como fizera na semana anterior; quatro garrafas da poção, ao invés de duas, estavam alinhadas na bancada.

Ela foi direto trabalhar nas suas próprias poções, tentando bloquear o som monótono das botas de Snape enquanto ele atravessava a sala, dava a volta, e caminhava de volta de onde ele tinha vindo, num círculo de passos incessante. Nessa altura, ela já sabia que "conversa fiada", como ele estava apto a chamá-la, não ajudava a aliviar o temor do que estava por vir, e Snape preferia ser deixando com seus pensamentos silenciosos, seja lá quais fossem.

Logo após as sete horas, ele deixou a sala a passos largos, dobrando seu braço esquerdo em um desconforto óbvio, e voltando momentos depois com sua capa. Hermione deixou seu caldeirão enquanto ele encolhia as garrafas em frascos novamente, e quando ele os colocou no bolso, ela surgiu perto dele, murmurando:

– Tenha cuidado.

Ele virou-se para ela e assentiu brevemente, apreensão e determinação em seus olhos escuros.

Quando ele se foi, ela voltou para o caldeirão, infinitamente grata por ter alguma coisa para ocupar sua mente.

Duas horas e meia depois, três poções diferentes estavam resfriadas e engarrafadas na bancada. Hermione não queria começar mais nada, já que estava certa que Snape voltaria a qualquer momento agora, então ela se assegurou que o laboratório estava impecavelmente limpo e saiu para a sala de estar para esperar a chegada dele.

Depois de dez minutos sentada à toa numa das poltronas, ela se levantou e foi até a vasta estante de livros em busca de alguma coisa para ler. Seus olhos passaram pela prateleira de ficção trouxa, e ela examinou os títulos, selecionando com alguma dificuldade uma versão com capa de couro, pequena e muito antiga, de Os Contos de Canterbury.

Ela passou pelo prólogo antes de dar uma olhada no relógio, percebendo novamente como Snape estava demorando comparado com a semana passada; já havia se passado mais de três horas.

Ele poderia ter voltado e estar falando com o Diretor, ela pensou, e por um momento considerou usar a rede Flu para checar com o Prof. Dumbledore. Ela rejeitou esse pensamento, entretanto. Se Snape estava lá, os dois professores certamente não ficariam contentes com a interrupção, e se ele não estivesse... só aumentaria a sua preocupação.

Ajeitando-se mais confortavelmente na cadeira e juntando as pernas sob ela, continuou para a próxima parte do livro: A Lenda do Cavaleiro. Hermione se viu presa à história e perdeu a noção do tempo, como estava apta a fazer toda a vez que lia um livro novo.

Mesmo o toque suave do relógio no beiral da lareira não a distraiu até que, perto do final do conto, ela inclinou-se para trás para se esticar e seu olhar recaiu sobre o relógio mais uma vez.

Meia-noite e meia! Ela pulou da cadeira e cruzou para a porta do laboratório, abrindo-a e espiando para certificar-se de que ele ainda não havia voltado pela outra passagem e fora direto trabalhar. Estava vazio e frio.

Ela recolocou Os Contos de Canterbury na prateleira e começou a andar de um lado para o outro em frente ao fogo, tremendo apesar do calor. Certamente ele já deveria estar de volta agora.

Se ele tivesse voltado e estivesse preso por Dumbledore, certamente que ele teria pensado em avisá-la pela lareira, ao menos para dispensá-la pela noite. Ele sabia que ela não voltaria para a torre da Grifinória até que soubesse que ele estava bem.

Meia hora depois, ela andava em círculos em volta da sala e dizia a si mesma cada vez que passava pela lareira que na próxima volta ela falaria com o Diretor pela rede Flu.

Sua decisão estava quase firmada quando as chamas tornaram-se verdes e o mestre de Poções pisou para fora da lareira, tirando sua capa assim que saiu dela.

Hermione cruzou a sala em três passos largos e puxou Snape para um abraço aliviado antes que ele pudesse protestar. Ela sentiu a surpresa dele na tensão momentânea dos ombros, mas então ele relaxou e envolveu os próprios braços em volta dela com um leve suspiro, os dedos se enroscando involuntariamente nos cachos casuais que caiam pelas costas dela.

Foi apenas quando, depois de algum tempo, ele fez uma indagação silenciosa acima da cabeça dela que ela percebeu que estava tremendo.

– Você ficou fora tanto tempo – ela sussurrou, virando o rosto para o lado para que suas palavras não fossem abafadas pela casaca dele. – Eu achei que tinha acontecido alguma coisa.

– Eu estou bem – ele disse. – Você não deveria ter se preocupado. Eu já fiquei fora muito mais tempo que isso antes.

– Eu sei, mas não na semana passada. Você voltou tão rápido daquela vez, e eu achei que esta semana seria igual.

Snape não respondeu, mas apertou um pouco mais o seu abraço, uma mão subindo para descansar atrás da cabeça dela. Sua orelha direita estava pressionada contra o peito dele, e ela podia sentir as batidas do coração dele, fortes e constantes, através das camadas de roupa. Isso a confortou, e ela respirou trêmula, tentando acalmar seu próprio coração acelerado.

– Você tem certeza que está bem? – ele perguntou depois de um instante, sua mão passeando de cima para baixo no cabelo dela, no mais delicado carinho. Ela assentiu como podia com a cabeça e se afastou, um pouco desconfortável com o olhar preocupado que ele lhe dirigia.

– Realmente, eu estou bem – ela disse. – Eu não devia ter me preocupado; eu só estava sendo tola. Desculpe-me.

– Eu achei que nós havíamos concordado que você pararia de se desculpar toda hora – ele disse firmemente, embora houvesse um vislumbre fraco de alguma coisa nos olhos dele; não era divertimento... apreciação, talvez.

– Além disso – ele continuou –, a sua preocupação, mesmo fora de hora nesta noite, é bem vinda mesmo assim.

Ela sorriu um pouco, e ele apanhou sua capa novamente, tirando quatro frascos vazios dos seus bolsos.

– Esses são aqueles que você pegou esta noite, cheios? – ela perguntou, seguindo-o assim que ele entrou a passos largos no laboratório.

Ele assentiu, virado de costas enquanto os colocava na bancada e lançava o encanto para retorná-los ao tamanho original de garrafas.

Aquilo tornou evidente por que ele demorara tanto.

– Você ajudou a distribuí-la esta noite, não foi?

– Sim – Snape disse, sentando-se na escrivaninha bagunçada e buscando por alguma coisa nas pilhas de anotações. – Um fato do qual eu estou profundamente grato, já que me permitiu avisar propriamente àqueles que foram visados.

Hermione sentou-se no banco no canto da bancada mais próxima, pensando profundamente, enquanto Snape encontrou o pergaminho que procurava.

Quando ele se virou para encará-la, ela disse:

– Ele não vai suspeitar de você?

Snape balançou a cabeça e recostou-se na cadeira, preparando-se para uma longa explicação.

– Havia doze de nós trabalhando juntos esta noite; ele vai suspeitar de todos nós, mas ficará relutante em tomar qualquer ação mais séria contra qualquer um sem um futuro, vamos dizer, teste individual de lealdade.

– Quem eram os alvos? – ela perguntou. – Aurores? A Ordem?

Snape balançou a cabeça. – Não, eu estava errado ao assumir que ele continuaria com estes ataques pequenos com tal arma massiva. Esta noite, nós adicionamos a poção ao reservatório de água do Ministério da Magia.

Hermione olhou fixa para o rosto calmo dele com uma expressão horrorizada, imaginando as centenas e mais centenas de bruxos e bruxas que trabalhavam no Ministério. Mesmo com a poção diluída em água, ainda seria potente o bastante para prejudicar seriamente as pessoas, dependendo do quanto elas consumissem. Havia bebedouros por todo o prédio do Ministério, magicamente alimentados pelos canos do reservatório d'água, sem mencionar a lanchonete e as milhares de xícaras de chá e café consumidas todos os dias. Seria um desastre de proporções catastróficas; metade do Ministério estaria em St. Mungus antes que percebessem o que estava acontecendo.

– Graças a Deus que você foi incluído nisso, ou eles não seriam avisados – ela disse calmamente. – Eles podem purificar a água ou limpar o sistema?

Snape balançou a cabeça novamente. – Eu não sei o que eles planejam fazer. Dumbledore está ciente da contaminação e entrou em contato com os oficiais do Ministério apropriados para lidar com isso. Eu os deixei avisados de que a poção só é viável por uma semana, então o pior que pode acontecer é que eles terão que desligar o sistema por esse período de tempo.

– Ele não procura ser sutil nestes ataques, não é mesmo? – ela comentou.

Snape estava lendo o pergaminho em suas mãos, mas ele respondeu:

– É do meu entendimento que ele quer que as coisas se resolvam o mais rápido possível. Ele percebeu que quanto mais tempo ele levar para se livrar do Potter, ou assim ele pensa, mais difícil será. Esses ataques em larga escala parecem visar na redução drástica do número de bruxos e bruxas capazes que estariam lutando contra ele num curto espaço de tempo.

– O que ele vai fazer quando os ataques falharem, então? – Hermione perguntou.

– Este falhou, Hermione – o mestre de Poções a lembrou. – Não significa que um futuro também falhará. Foi meramente um golpe de sorte que eu estivesse ciente dos detalhes desta noite; pode não acontecer novamente.

Ele voltou-se para a escrivaninha e pegou uma pena, escrevendo apressadamente no canto do pergaminho. Ela se aventurou para frente e espiou pelos ombros dele, tentando interpretar a longa e complicada equação de Aritmancia que ele escrevia.

– O que é isso? – ela começou a perguntar, mas ele a silenciou com um "Shh" abrupto e continuou escrevendo, agarrando outro pedaço de pergaminho e começando a equação novamente, não muito diferente da última.

Quando preencheu meia página e riscou a maioria do que escrevera, ele recostou-se, estudando a equação final com os olhos estreitos.

A cabeça de Hermione dava voltas apenas por tentar decifrar a primeira linha. Parecia ser uma fórmula relacionando o movimento inicial de encantamento da varinha, mas era muito intricado para compreendê-lo, mesmo com o seu conhecimento a nível de NIEM sobre o assunto.

– Acho que pode funcionar – Snape disse vagarosamente, riscando uma figura e trocando-a por outra.

– O que é isso? – ela perguntou de novo.

– Se funcionar – ele disse cautelosamente –, é a fórmula aritmântica para um encantamento que vai enfeitiçar o antídoto da Cruciatus para uma poção preventiva.

Ela mirou a fórmula e depois Snape, que estava com a testa franzida, os lábios se movendo lentamente enquanto checava a fórmula mais uma vez.

– Isso é brilhante – ela murmurou.

– Ainda não funcionou – ele a alertou. – Algumas coisas que teoricamente soam bem, são um completo desastre na prática.

– Bem – ela disse francamente –, essa fórmula não faz nenhum sentido para mim teoricamente, mas ainda assim é brilhante.

Ele deu um sorriso malicioso para ela.

– Feitiços aritmânticos são extremamente complexos. Eu não acho que a Profa. Vector sequer toque no assunto nas aulas de NIEM. – Hermione balançou a cabeça. – Você provavelmente teria que estar estudando para um mestrado na matéria antes de conseguir criar suas próprias fórmulas.

– Você tem um mestrado em Aritmancia e em Poções? – ela concluiu incrédula.

Ele gargalhou, balançando a cabeça. – Na verdade, não. Mas o Mestre em Poções que me orientou tinha, e me ensinou muito da teoria de Aritmancia relacionada a Poções.

– Útil – ela comentou, e ele assentiu concordando. – Você vai testá-la no antídoto, então?

– Os feitiços devem ser conduzidos durante a preparação – ele explicou –, da mesma forma que a poção em que vocês estão trabalhando na aula agora. Vamos começar outro lote da poção durante a semana, se o tempo permitir. Eu ainda tenho que fazer a poção original a tempo para o próximo sábado.

– Vamos esperar que você possa descobrir o que ele planeja fazer com essa também – Hermione suspirou.


* * * * *

Na terça-feira de manhã, o Profeta Diário trazia uma história de primeira página sobre uma contaminação misteriosa do reservatório de água do Ministério da Magia. Fontes do jornal disseram que os oficiais do Ministério não revelaram a causa da contaminação, embora eles garantiram aos seus empregados e à comunidade bruxa que o suprimento voltaria ao normal durante a semana.

Pela expressão do Harry enquanto lia o artigo sobre os ombros de Hermione, era óbvio que ele sabia mais do que o jornal dizia. Como em todas as suas conversas, ela não mencionara nada que Snape lhe contara para nenhum de seus dois amigos, mas num momento de silêncio antes da primeira aula de terça-feira, ela e Harry contaram o que sabiam para o Rony.

Dumbledore contara da tentativa do ataque para o Harry, incluindo o papel de Snape para preveni-lo, e Hermione ficara satisfeita ao ver seu amigo assentir para o mestre de Poções quando entraram na sala de aula na quarta-feira. Snape levantou uma sobrancelha, mas devolveu o gesto e então se dirigiu a Hermione com um olhar questionador. Ela balançou a cabeça e gesticulou com a boca "Dumbledore" assim que Malfoy sentou ao seu lado.

Eles terminaram de preparar a base da Indicii Memoria e estavam trabalhando na adição dos primeiros ingredientes com os respectivos feitiços. Apesar dos seus receios, Hermione se descobriu trabalhando muito bem com o Malfoy. Embora eles raramente se desviassem das conversas sobre a tarefa em mãos, ambos conseguiam refrear suas réplicas sarcásticas.

De uma maneira inquietante, ela pegou o Malfoy observando-a várias vezes durante as refeições no Salão Principal, e observando o Snape também, nas raras ocasiões em que o mestre de Poções realmente aparecia. O sonserino também fazia questão de ser um dos últimos a deixar a sala de Poções no final de cada aula, impedindo que Hermione falasse com o professor. Ela estava certa que Malfoy fazia isso deliberadamente, sentindo alguma coisa estranha entre o professor e a aluna, e ela se viu com cuidados extra quando usava a passagem secreta para os aposentos do Snape.


* * * * *

A semana passou num atropelo de aulas, tarefas, preparo de poções e uma partida de quadribol de roer as unhas entre a Grifinória e a Sonserina, onde Harry por pouco não conseguiu pegar o pomo de ouro antes do Malfoy.

Hermione deixou as comemorações na sala comunal da Grifinória na noite de sábado para ir até o laboratório de Snape. Não havia nenhuma necessidade real para ela estar lá relacionada ao preparo de poções. Os estoques para a ala hospitalar estavam em dia novamente, e ela já havia terminado um caldeirão inteiro com o antídoto original. Snape ainda não tivera tempo de testar o encantamento que havia criado para a poção preventiva.

As noites de sábado com Snape estavam se tornando um hábito, entretanto, e apesar da sua própria inquietação por não saber se ele estava bem ou não, ela sabia que ele passara a ter um certo conforto tácito com a sua presença cada vez que voltava de uma convocação de Voldemort..

Ele não andava de um lado para outro desta vez, pelo que ela ficou grata, mas ela parou quando ele franziu a testa sombriamente quando a viu no batente da porta.

– O que foi?

– Se você veio apenas para tripudiar, pode dar meia-volta e voltar de onde veio – ele disse sombriamente de onde estava sentado na escrivaninha bagunçada do laboratório.

Ela franziu a sobrancelha confusa, mas então olhou para baixou e percebeu que ainda usava seu cachecol da Grifinória enrolado no pescoço.

– Desculpa – ela murmurou, tirando-o e colocando-o sobre um banco embaixo de uma das bancadas. – Nós estávamos comemorando.

– Sem dúvidas – ele suspirou. – Você deveria se juntar a eles de novo. Tudo parece estar em ordem por aqui. Não há necessidade de preparar mais antídotos até que eu possa experimentar a versão enfeitiçada.

– Eu também estou em dia com as poções para Madame Pomfrey – ela disse –, mas eu pensei em apenas descer e... não sei... ver se você precisava de alguma coisa.

– Um pouco daquele uísque de fogo, talvez – ele disse com uma careta. – Eu não estou ansioso pela reação do Lorde das Trevas à falha da última missão.

– Mas você disse que ele não...

– Não, eu não acho que ele vá começar a lançar maldições – Snape disse rapidamente. – Mas ele suspeitará de todos e pode decidir nos testar.

Antes que Hermione pudesse perguntar o que ele queria dizer com aquilo, ele sibilou e fechou a mão esquerda em punho.

Ela permaneceu parada em silêncio enquanto ele pegava sua capa e os frascos da poção, e então o seguiu até a sala de estar.

– Volte para a torre da Grifinória, Hermione – ele disse, pegando um punhado de pó de Flu do pote acima da lareira.

– Mas... – ela começou.

– Não há nada para você fazer aqui – ele insistiu. – Não há razão para você ficar sentada aqui por horas. Volte para os seus amigos, ou às suas tarefas, e eu a verei amanhã.

Ela mordeu o lábio, relutante em sair e ter que esperar até a manhã para ver como ele sucedeu.

– Descanse um pouco, Hermione – ele disse e, com o olhar duvidoso dela, propôs: – Volte o mais cedo que quiser pela manhã. Eu estarei aqui.

Com esta concessão, ela finalmente assentiu, e ele entrou na lareira.

Ela respirou fundo e abriu a boca para desejar boa sorte, mas ele já havia partido.


* * * * *

Quando as comemorações do quadribol terminaram na sala comunal da Grifinória, era um pouco depois da meia-noite. Hermione voltou para seu quarto, mas se descobriu incapaz de dormir, sua preocupação com o Snape incomodava-a como um peso morto no buraco do estômago. Logo depois da uma, ela se viu ainda bem acordada, espiando pela janela os jardins escurecidos abaixo, esperando ver um relance da figura elusiva movendo-se pelas sombras no seu retorno.

Meia hora depois, ela decidiu que tinha que saber o que acontecera. Ela sabia que se Snape já tivesse voltado, ele não estaria dormindo, não se Voldemort tivesse requisitado novamente a poção para a semana seguinte. Ele ficaria bravo com ela, talvez, mas ele dissera que ela poderia voltar pela manhã... e, tecnicamente, já era manhã.

O castelo estava frio e quieto enquanto ela fazia seu caminho passando por uma Mulher Gorda muito irritada e descia para o primeiro andar. Ela tremeu, feliz por ter pensado em colocar seu casaco, luvas e cachecol – não o da Grifinória, entretanto – por cima do seu agasalho. Chegou ao primeiro andar sem encontrar nem a Madame Nora ou algum dos fantasmas e moveu-se facilmente pela passagem que levava aos aposentos de Snape.

Ela respirou aliviada quando viu a capa aveludada descartada sobre as costas de uma poltrona, mas se desanimou um pouco quando também notou a nova garrafa de uísque de fogo que ela lhe dera, agora aberta. Não parecia que muito fora consumido, mas deve ter sido uma noite difícil para que ele bebesse afinal, ela concluiu.

Assim que ela tirou o casaco, luvas e cachecol, ruídos vindos do laboratório alcançaram seus ouvidos, e ela lembrou-se que quisera falar com o Snape sobre os barulhos estranhos que ela vinha ouvindo. Esses sons eram diferentes, entretanto, e quando ela abriu a porta, o tap tap tap de uma faca no tampo de madeira da bancada tornou-se mais claro.

Snape ergueu os olhos de relance quando ela entrou no cômodo, fechando a porta atrás de si, e teve que se controlar para não dar um passo para trás. A expressão do rosto dele era... Não havia outra palavra para ela senão homicida. Ele parecia absolutamente furioso e estava golpeando as raízes da planta na bancada sem sua precisão tão comum. Onde seus golpes de faca eram normalmente rápidos, porém precisos, agora ele dava golpes violentos nas raízes e as varria para uma pilha que se acumulava antes de pegar outro naco do frasco para repetir o processo.

Quando terminou, ele as pegou e deu meia-volta, jogando-as no caldeirão atrás dele. Virando-se de volta para a bancada, pegou o próximo frasco que ele enfileirara, cheio de vermes de forma anelar em conserva, e retirou um punhado do ingrediente viscoso. Hermione observou com uma mistura de medo e preocupação quando ele começou seu ataque brutal com a faca novamente. O líquido da conserva ainda grudado no corpo dos vermes tornava aquilo mais difícil, e ele tirou a mão para longe com um silvo quando a faca escorregou, cortando o dedo dele. O sangue gotejou sobre os ingredientes, tornando-os inúteis, e ele agarrou a varinha, banindo-os, e rosnou um feitiço impaciente para fechar a ferida.

Quando ele pegou outro punhado de vermes e começou novamente, Hermione saiu do transe e atravessou a sala na direção dele para dar um fim naquilo. Ela estava no canto da bancada quando a faca escorregou de novo, e ele a fincou com força no tampo da bancada. Um instante depois, um movimento do seu braço varreu a bancada de tudo; garrafas e frascos estilhaçaram quando atingiram o chão de pedra.

Hermione emitiu um grito de surpresa e medo com a explosão violenta de humor e instintivamente deu um passo para trás caso ele se voltasse para ela.

Entretanto, ele não o fez. Ao invés disso, ele se afundou num banco próximo e baixou a cabeça, respirando com dificuldade. Ergueu as mãos para agarrar a parte de trás do pescoço, absorto dos fios de sangue que escorriam para dentro da manga da sua camisa preta, vindos do segundo corte na mão esquerda.

Hermione parou, indecisa, perguntando-se o que poderia possivelmente tê-lo deixado tão nervoso. Ele não parecia estar ferido, além da mão, então obviamente Voldemort não havia colocado sua lealdade em dúvida.

Ela deu um passo hesitante na direção dele, odiando-se por estar com medo, mas ela nunca o vira com um temperamento tão volátil. Certamente, todo aluno da escola sabia que o humor dele podia se tornar explosivo muito rapidamente, mas ela nunca o vira fisicamente violento antes, mesmo se a fúria dele parecia direcionada principalmente contra ele mesmo.

Quando ela chegou ao lado dele, chamou-o calmamente para não assustá-lo e alcançou a mão ensangüentada. Ele a deixou baixá-la de trás da cabeça para descansá-la sobre a bancada e olhou fixamente para o movimento da varinha enquanto ela curava o corte e limpava o sangue com uma série rápida de feitiços.

Ela o deixou sentado ali e virou-se para o canto da bancada, para a bagunça de ingredientes arruinados no chão. Hermione sabia que ele a observava quando rápida e calmamente ela lançou um Evanesco em tudo menos nos estilhaços de vidro e depois lançou:

– Reparo.

Ela atravessou a sala com as garrafas e frascos limpos e os colocou no armário com os outros vazios, então virou-se novamente para o Snape. Ele parecia levemente mais calmo, embora ainda não tivesse saído do banco. Ela trouxe outro banco para perto e sentou-se encarando-o, seus joelhos quase tocando a coxa dele.

– Eu peço desculpas – ele disse depois de alguns minutos de silêncio. – Não quis assustá-la.

– Tudo bem – ela respondeu brandamente.

– Não, não está tudo bem – ele disse. – Eu acabei de arruinar galeões em ingredientes; deixando-os se misturarem daquele jeito poderia ter sido desastroso, sem mencionar que eu poderia ter machucado você se estivesse mais perto.

– Você quer falar sobre isso? – ela disse depois de um tempo.

– Não – Snape balançou a cabeça.

– Obviamente aconteceu alguma coisa que o aborreceu – ela insistiu. – Pode ajudar, e você sabe que pode confiar em mim.

– Não tem nada a ver com confiança, Hermione – ele falou rispidamente, esfregando os olhos cansadamente com uma mão. – Dumbledore me proibiu de falar disso com qualquer pessoa.

Ela franziu o cenho.

– Certamente ele não queria dizer...

– E especificamente não falar sobre isso com você – ele disse, levantando-se de repente e deixando o laboratório.

Ela olhou para as costas dele, confusa, e o seguiu. Assim que deixou o laboratório, ela ouviu o ruído no canto novamente, mas estava preocupada demais para se virar e ver a fonte do barulho que atravessava o chão.

Snape estava se servindo de outro copo de uísque de fogo quando ela fechou a porta do laboratório atrás de si, mas ele não se sentou, escolhendo ao invés disso ficar de pé em frente à lareira e descansar o copo sobre o beiral.

Hermione parou a uma curta distância, observando-o até que ele finalmente olhou de relance na direção dela e fez uma careta.

– Imagino que agora terei que lhe contar alguma coisa, não é?

Ela assentiu e sentou-se no braço do sofá.

– Eu juro que não contarei a ninguém.

– Eu sei disso – ele desdenhou. – Dumbledore não quer que você... como ele disse? Divida o peso do conhecimento do que está para acontecer.

– Está bem – ela disse vagarosamente.

Ele tomou um longo gole do copo e o encheu novamente antes de começar a falar de novo.

– Você sabe que, no final de semana passado, eu consegui avisar do ataque no Ministério porque havia Comensais da Morte suficientes envolvidos na missão para afastar as suspeitas de mim?

Ela assentiu em silêncio.

– Você também sabe que eu previ que o Lorde das Trevas podia nos testar individualmente no futuro para tentar descobrir quem estava sabotando a missão. Com a minha má sorte do jeito que está, ele decidiu me testar primeiro.

Hermione ofegou brandamente, pensando na cena da Penseira que Dumbledore havia mostrado a ela, quando Snape fora requisitado a mostrar sua lealdade a Voldemort uma vez antes. O mestre de Poções leu o olhar horrorizado no rosto dela corretamente e riu amargamente.

– Não, não é nada do que você está pensando, Hermione – ele disse, tirando seu cabelo liso da frente do rosto. – Quando eu entreguei a poção esta noite, o Lorde das Trevas me instruiu a distribuí-la num certo lugar. Ninguém mais sabe disso, então se o ataque for frustrado de alguma forma, ele saberá que eu o traí.

Hermione assentiu vagarosamente com a cabeça, tentando absorver a notícia desagradável. Era ridículo achar que não haveria baixas mais cedo ou mais tarde, e que Snape estaria atento e capaz de impedir todas as tentativas de Voldemort de distribuir a poção.

Ela disse isso, e ele franziu a testa.

– Você parece o Diretor. Nenhum de vocês faz idéia do que isso significa.

Ela franziu o cenho e disse:

– Significa que pessoas vão morrer, Severo, mas você tem que considerar as pessoas que vai salvar a longo prazo.

– Ah, sim – ele desdenhou, tomando outro gole do uísque de fogo. – Qual foi o termo que Alvo usou? Perdas lastimáveis? Isso deveria tornar mais fácil suportar suas mortes na minha consciência, Hermione?

– Não, mas não é...

– Então me poupe das certezas vazias! – ele explodiu, seus olhos escuros brilhando quando ele deu as costas para a lareira e atravessou a sala a passos largos furiosamente e parou em frente à estante de livros. – Eu já as ouvi uma vez esta noite e elas não significam nada. Se o Lorde das Trevas está me testando, isso não significa que ele vai testar todos os outros Comensais da Morte que estavam presentes no último final de semana? Eram doze de nós – onze outros ataques dos quais eu não serei capaz de avisar, porque somente o Lorde das Trevas e aquele que cumprir a tarefa da noite saberão do ataque.

Ela respirou fundo fortemente, não tinha considerado isso daquele ponto de vista.

– Pessoas vão morrer, Hermione – ele continuou. – Pessoas inocentes. Trouxas. Crianças. E não há nada que eu possa fazer para impedir isso sem me expor.

– Isso não é uma opção – ela disse.

– Oh, acredite em mim – ele suspirou. – Me expor é uma opção bem atrativa neste momento. Eu posso ver apenas a ruína na minha duplicidade continuada.

Hermione pulou do seu lugar no braço do sofá e atravessou a sala, também, parando ao lado dele. Ela pegou o copo quase vazio das mãos dele e colocou-o cuidadosamente no espaço entre duas fileiras de livros, agarrando as mãos dele nas dela.

– Não – ela implorou. – Nós precisamos de você. Se você for descoberto, quem conseguirá nos avisar no futuro?

Ele bufou. – Se eu me revelar, Hermione, não haverá mais necessidade de avisos. O Lorde das Trevas não terá mais a poção, terá?

– A poção não é a única arma que ele possui – ela argumentou desesperadamente. – Sim, é terrível que pessoas inocentes tenham que morrer, mas o Diretor está certo. A Ordem não pode permitir-se perder sua posição no grupo dele.

Ele assentiu, dando as costas para a estante e inclinando a cabeça para trás contra ela por um momento. – Eu sei. Eu só... Eu odeio isso, Hermione – ele confessou numa voz baixa. – Eu só não vejo mais razão no que estou fazendo.

– Razão? É... – ela começou a dizer.

– Ah, eu sei – ele disse com um aceno de repúdio da sua mão. – Ajudar a Ordem, juntar informação, proteger o Potter até que ele finalmente possa nos livrar do Lorde das Trevas, e tudo o mais. Eu só não vejo como a Ordem ficará melhor ultimamente com as minhas contribuições que sem elas. Nós estamos lutando uma guerra pela liberdade, mas parece que estou tirando mais vidas que salvando.

Hermione observou o desespero cruzar o rosto dele e uma sensação de total impotência ameaçou tomar conta dela. Já ouvira as reclamações de Snape antes, sobre os últimos planos de Dumbledore, ou uma decisão que a Ordem fez a respeito das atividades dele, mas ela nunca o ouvira tão desolado, tão desamparado.

Normalmente, qualquer contrariedade somente aumentava a determinação dele em ver o fim de Voldemort, mas agora... ele parecia não ligar mais.

Ela se viu incapaz de conjurar qualquer palavra adequada de conforto e, ao invés disso, decidiu segurar as mãos dele com mais força, implorando para que ele encontrasse o seu olhar.

Quando ele o fez, ela ficou perturbada em ver a melancolia nos olhos dele, que normalmente eram tão expressivos. Eles estavam cansados e resignados, eram os olhos de um homem cansado de se doar ao mundo e não receber nada em troca. Ele parecia pronto para desistir... do seu trabalho, da guerra... dele mesmo.

Isso a assustou.

Mas junto com aquele medo veio uma dor estranha no seu peito, e ela percebeu, num momento de clareza súbita, uma coisa que ela vinha tentando não admitir por semanas.

Ela o amava.

Não era uma paixão boba de escola, como ela dissera para sua mãe no Natal. Paixões nasciam da admiração por uma figura que era vista, mas não realmente conhecida; a imagem de uma pessoa e não a realidade.

Ela conhecia Severo Snape agora. Talvez melhor que qualquer um, salvo o Diretor. E quanto mais ela descobria sobre o homem por trás da fachada do austero mestre de Poções, mais ela gostava dele. Quem poderia ter adivinhado que o professor insensível dos seus primeiros anos poderia ter tamanha integridade, compaixão e determinação?

Ela amava o homem que finalmente descobrira por trás do exterior frio, e o desespero que ela sentiu ao vê-lo tão perturbado a deixou determinada a faz o que pudesse para aliviar o peso dele.

– Deixe-me ajudá-lo – ela disse brandamente, seus olhos não deixavam os dele. – Diga-me o que eu posso fazer para ajudá-lo.

– Não há nada que você possa fazer – ele suspirou, virando-se e tirando uma das mãos das dela para alcançar o copo de novo. Ele o esvaziou num único gole, recolocou-o na prateleira e acrescentou resignadamente: – Dumbledore tomou sua decisão, e eu farei o que ele pede, como sempre fiz, não importa as conseqüências.

– Severo – ela disse levemente, e quando ele se virou para encará-la novamente, ela moveu as mãos para os ombros dele.

– Eu quero ajudá-lo – ela disse sinceramente. – Deve haver alguma coisa que eu possa fazer para ajudar. Qualquer coisa. Diga-me o que você quer que eu faça.

Ele não respondeu, mas segurou o olhar dela atentamente pelo que pareceram séculos para Hermione. Ela percebeu o quanto estavam próximos, e seu coração começou a bater um pouquinho mais rápido.

Ela mal se atrevia a piscar enquanto as profundezas impenetráveis dos olhos escuros dele pareciam sugá-la, e ela podia sentir o toque suave da respiração dele na sua testa.

Ela que tinha se movido para frente, ou foi Snape que se moveu por iniciativa própria?

O único som na sala era o crepitar das chamas na lareira, e um leve prender da respiração quando ela percebeu – não, teve esperança – que sabia o que estava para acontecer.

Tudo a sua volta parecia estar acontecendo em câmera lenta.

Eles estavam próximos... tão perto... perto demais para que significasse qualquer outra coisa.

Seu olhar se desviou dos olhos de Snape para a sua boca, e ela se viu umedecendo os lábios inconscientemente. Quando encontrou os olhos dele novamente, ela podia ver o reflexo do fogo do outro lado da sala queimando no fundo deles.

As mãos de Hermione ainda estavam nos ombros dele, e agora ela sentia as mãos dele envolvendo-a pelas costas, puxando-a para ainda mais perto.

Ela fechou os olhos e num momento seguinte sentiu os lábios finos e quentes dele roçando gentilmente os seus... uma, duas, três vezes... num beijo frustrantemente casto. Suspirando levemente, ela deslizou uma mão do ombro para os fios macios do cabelo na base do pescoço dele.

Ele a segurou com mais força como resposta e pressionou os lábios nos dela novamente, um pouco mais forte desta vez. O cheiro forte do uísque de fogo era evidente nos lábios dele, quente e amargo, e ela avançou a língua instintivamente para prová-lo.

No momento em que sua língua tocou os lábios dele, entretanto, ele se afastou como se queimado, os dedos dela puxando a mecha embaraçada do cabelo assim que ele se afastou dela.

Ela olhou fixamente para ele, confusa, com a respiração ofegante, os lábios ainda formigando com a sensação. Tentou esticar a mão até ele, mas Snape se moveu novamente, voltando a atravessar a sala até a lareira, uma expressão mortificada no rosto.

– O que eu fiz? – ela o ouviu sussurrar enquanto encarava o beiral da lareira, uma mão pressionada contra a boca.

Ela encarava as costas dele, e o rápido subir e descer dos ombros enquanto ele tentava acalmar a própria respiração.

Ela deu um único passo na direção dele, mas uma palavra a fez parar.

– Não.

Ele não se virou.

– Não o quê? – A voz dela saiu trêmula e incerta, e ele olhou para ela com alguma coisa semelhante a medo nos olhos.

– Não chegue mais perto. – Ele estava claramente lutando contra si mesmo, porque sua voz era rouca e irregular.

– Por quê? – ela perguntou brandamente, aproximando-se com mais um passo.

– Droga, Hermione! – ele disse desesperadamente, levantando uma mão numa vã tentativa de impedir que ela se aproximasse mais. – Porque eu não devia ter feito isso, mas estou cansado e meu autocontrole está em pedaços, e... – a voz dele falhou enquanto terminava – se você chegar mais perto eu acho que não vou conseguir me impedir de fazer isso de novo.

Ela deu mais um passo e os olhos dele se fecharam, o braço ainda estendido firme num lânguido protesto.

– E quem disse que eu me oporia se você o fizesse?

A surpresa passou rapidamente pelo rosto dele quando os olhos se abriram de repente, escuros de desejo, mas não sem aquele mesmo traço de medo. Hermione percebeu que o lábio inferior dele estava levemente intumescido, e ela estava de repente dominada pela necessidade de sentir aqueles lábios nos dela novamente.

Ela cruzou o espaço entre eles com passos medidos, regulares, embora seu coração estivesse batendo pronto para explodir. Estava quase perto o suficiente para tocar o rosto dele, apenas para ser impedida por uma mão firme em cada um dos seus ombros.

Quando ela levantou o olhar para os olhos dele de novo, não havia restado nada do fogo anterior, mas apenas uma resolução inflexível.

– Não – ele disse com firmeza. – Hermione, nós não podemos. Não devemos.

– Por quê? – ela disse de novo e, antes que ele tivesse a chance de responder, acrescentou: – Não tente me dizer que você não quer depois do que acabou de fazer.

– Eu não devia ter feito aquilo – ele respondeu. – Foi um momento imperdoável de fraqueza, e que eu espero que você possa perdoar.

– O quê? Um momento de fraqueza em que você simplesmente pega quem quer que esteja por perto e disposta na mesma hora? – ela disse, ferida com a idéia de que tinha interpretado tão erroneamente as ações dele.

– Não! – ele exclamou.

– Foi conveniente, é isso? – A voz dela se tornava mais aguda a cada acusação, e ela lutava uma batalha perdida para segurar as lágrimas que podia sentir se formando em seus olhos. Se ele a afastasse agora...

–Você acredita que eu a considero tão pouco? – ele perguntou incrédulo.

– Sinceramente, Severo, eu não sei o que você pensa de mim – ela disse, dando um passo para trás de modo que as mãos dele caíram dos ombros dela. – Eu nem mesmo sei mais o que penso de você.

Foi a vez dela de manter uma distância entre eles ao cruzar a sala até a janela grande. Estava nevando novamente, e a escuridão do lado de fora era absoluta, quebrada apenas pelas partículas de gelo presas nas bordas dos vidros das janelas.

Houve silêncio por um tempo longo, e Hermione podia ver o reflexo de Snape na janela, iluminada pelas chamas crepitantes do fogo. Ele estava parado no mesmo lugar que ela o deixara, mas virou-se para encarar a parede, os dois cotovelos descansados no beiral da lareira, a cabeça nas mãos.

Finalmente, o mestre de Poções quebrou o silêncio.

– Eu acho – ele disse vagarosamente – que por mais que estejamos cansados, não há sentido em protelarmos o resto desta conversa até o dia clarear.

– Há mais alguma coisa para ser dita? – ela perguntou amargamente, olhando do reflexo dele para a figura real. Ele, também, virou-se para encará-la, e embora o rosto dele estivesse imerso em sombras, ela ainda podia ver os olhos dele resplandecendo.

– Há sim.

As duas palavras ficaram suspensas no ar entre eles, e Hermione sentiu subitamente um vislumbre de esperança.

Ele acenou para que ela voltasse para perto do fogo, e ela concordou, sentando-se na beira de uma das poltronas. Snape não se sentou, escolhendo ao invés disso andar sem rumo em frente à lareira, os braços cruzados.

– Eu não vou inventar desculpas pelo que fiz – ele começou, um leve tom de nervosismo incomum na voz dele. – Foi impróprio, embora aparentemente, não foi inteiramente indesejado.

Ele olhou par ela com um ar questionador, e ela enrubesceu um pouco, assentindo com a cabeça.

– Entretanto – ele continuou –, independente de quaisquer necessidades ou desejos que possam ter sido preenchidos pelas minhas... nossas ações, isso não pode acontecer novamente.

– Eu não... – ela começou.

– Não, Hermione, me escute – ele disse firmemente. – Eu sou um professor, seu professor, e como tal estou preso a um código de conduta que proíbe absolutamente qualquer tipo de... incidente... como o que aconteceu aqui esta noite.

– Mas não é como se você tivesse tirado vantagem de mim – ela protestou. – Eu sou maior de idade, neste mundo e no trouxa. Certamente eu posso tomar as minhas próprias decisões de com quem eu... eu...

– A questão não é a sua idade, Hermione – ele suspirou. – Enquanto você for uma aluna nesta escola, eu mantenho uma posição de autoridade sobre você e posso ser acusado de explorar isso para meu ganho pessoal.

– Mas você não faria...

– Eu sei que não, mas uma boa parte da sociedade dificilmente veria a situação do meu ponto de vista. Bruxos foram para Azkaban por muito menos, Hermione.

Ela sentiu um aperto no estômago. Na sua pressa em convencê-lo que o que acontecera foi inteiramente desejado, ela não pensara nas conseqüências se alguém descobrisse.

– Ninguém precisa saber – ela disse calmamente, suplicando. – Ninguém nem desconfia que nos tornamos amigos nos últimos meses.

Ele a olhou de cima e suspirou novamente, apoiando-se num joelho de modo que seu rosto ficasse no mesmo nível que o dela.

– Mesmo a nossa amizade seria desaprovada pela maioria, Hermione. Você sabe que segredos nunca estão seguros por muito tempo neste lugar. Isso – ele fez um gesto entre eles – realmente vale a pena para colocar seus estudos e o meu emprego em risco?

Ela hesitou, e ele balançou a cabeça.

– Nós somos amigos, mas qualquer coisa... a mais... não pode acontecer – ele repetiu firmemente. – Não agora.

– Nem nunca? – ela perguntou, baixando a cabeça com medo que ele visse a dor que a resposta inevitável causaria.

Entretanto, ela sentiu uma mão sob o seu queixo, inclinando gentilmente sua cabeça para cima até que ela encontrasse o olhar dele novamente. Ele parecia pesaroso... quase triste... e ela sentiu lágrimas comichando em seus olhos.

– Ainda não – ele disse calmamente.

Ela olhou fixamente para ele, perplexa, e os cantos da boca dele se levantaram numa sombra de um sorriso.

– Ainda não – ele disse de novo, esfregando o meio do polegar levemente pelo lábio inferior dela enquanto afastava a mão e se levantava.

Ela ficou sentada por um momento, temendo que suas pernas não a segurassem se ela tentasse se levantar. Um sorriso aliviado e alegre surgiu em seu rosto, e ela só percebeu que Snape ainda a observava quando o ouviu rindo levemente.

– Ainda não – ela repetiu, perguntando-se quanto tempo até que sua resolução, ou a dele, se quebrasse.


* * * * * * *

Continua

N.A.: Obrigada, como sempre, a todos que leram e mandaram reviews. Eu acho que tenho que me desculpar porque eu disse para algumas pessoas que nós descobriríamos a identidade do espião neste capítulo. Novamente, aconteceram mais coisas do que eu previa (como sempre!), e nem tudo que foi originalmente planejado para este capítulo aconteceu. Nós iremos, sem dúvidas, ver o espião no próximo capítulo. Eu juro pela vida do... Snape. :P

Para evitar as perguntas inevitáveis sobre mestre de Poções e Mestre em Poções, aqui vai minha tentativa de explicar:

O Snape tem o título de mestre de Poções com relação à sua posição como professor em Hogwarts. Nesta história, entretanto, ele também é Mestre em Poções, tendo merecido o título por estudos avançados como aprendiz de outro Mestre depois de deixar a escola. A maneira correta de se referir a alguém com tal qualificação não é Mestre em Poções, mas Mestre Snape. Embora ele estivesse dentro de seus direitos de exigir ser chamado assim em Hogwarts, ele preferira não ostentar suas qualificações aos alunos, que de qualquer forma desconsiderariam seu mestrado, preferindo os títulos genéricos de mestre de Poções e Professor.

Esta é a minha interpretação da questão, de qualquer modo.

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