O Revide



CAPÍTULO IX



O Revide



 


Nos dias que se seguiram, os Donovan agiram como de costume, como se não passassem de três adolescentes, sem qualquer outra preocupação, além das notas escolares.



- Remo! - chamou Ana, se apressando na direção do rapaz, que tinha parado para esperá-la, enquanto os amigos seguiam em frente, depois de lançarem olhares sugestivos para ele.



- Oi, senti a sua falta durante esses dias. - disse assim que chegou até ele.



Remo estava abatido, parecia muito doente e constrangido.



- É, ... eu tive que me afastar por uns dias. Estive doente. - respondeu, os olhos baixos.



- Eu entendo. - sorriu, pousando a mão em seu braço. Imediatamente o rapaz deixou de sentir-se mal. O que, estranhamente, o irritou.



- Quer parar com isso! - disse bruscamente. Ana se assustou, e retirou a mão. - Eu não sou um dos seus "bichinhos", para você vir e me amansar! - acusou, muito ríspido.



- Eu... não sei do que está falando. - Ana consegui responder, num fio de voz.



- Sabe, sim, senhora! - retrucou com raiva - Olha aqui, garota, eu não sei do que você e seus primos estão brincando, mas, por favor, me deixem fora disso, ok?



Remo quase se socou ao ver a expressão magoada da garota, os belos olhos azuis parecendo duas lagoas. Ela virou-se, correndo em direção a Torre. "Grande, Lupin.", ironizou a si mesmo, "Conseguiu provar que além de lobisomem, é um grande idiota!"



Afastou-se na direção que os amigos tinham seguido, sentindo-se pior do que nunca. E não tinha nada a ver com sua "doença".



 


*******************************



- Ana, querida, o que houve? - perguntou Kristyn, suavemente. Sentira que algo tinha acontecido com a prima, e quando ela não apareceu para aula de Transfiguração, tivera certeza. Pedira despensa a professora, alegando que a prima passara mal e queria verificar como ela estava. Não mentira, afinal. Seguiu direto para o dormitório, onde sabia que a encontraria. Quando chegou, ela estava deitada de lado na cama, o corpo sacudido por soluços. Sentou-se ao lado dela, acariciando seus cabelos e tentando acalmá-la, o que se deu aos poucos.



- Já estou me sentindo melhor, obrigada. - sorriu fracamente por entre as lágrimas, enquanto sentava-se, tentando secar o rosto.



- E então, o que ele fez?



Sabia que só havia uma pessoa capaz de deixá-la naquele estado, e sentiu vontade de torcer o pescoço dele. Ela vinha andando nas nuvens desde o dia das bruxas, e agora despencara vertiginosamente. Ana sabia que a prima não se deixaria enganar.



- Disse que não era um dos meus "bichinhos" e que eu devia deixá-lo em paz. - resumiu, sem encarar a prima.



- Eu vou matar o desgraçado! - Kristyn estava com muita raiva. Ninguém tinha o direito de tratar Ana daquele jeito. Ela era a melhor pessoa que conhecia, e também a mais vulnerável.



- Ele está com medo. - disse Ana, simplesmente.



- Você ainda o defende?! - exclamou, levantando e começando a andar pelo quarto, nervosa - O crápula!



- Ele não é um crápula. - rebateu Ana, enquanto se levantava e ia até uma prateleira, onde colocara a pequena escultura trouxa que ele tinha lhe dado em seu aniversário. Era uma pequena fada de cristal, com duas minúsculas safiras no lugar dos olhos. Dissera que o fizera lembrar-se dela. Sorriu, passando o dedo carinhosamente pelos cabelos da fada - Está assustado. Sabe que conheço o seu segredo, e sente-se vulnerável por isso.



- Coitadinho! - debochou a prima - Como se VOCÊ fosse traí-lo, ou culpá-lo por ser o que é.



- Não me conhece o suficiente pra saber. Eu não deveria ter levado o assunto tão a sério, mas às vezes não consigo evitar.



Kristyn assentiu. Sabia que era difícil para a prima conviver com emoções tão violentas, principalmente se estava envolvida com a pessoa em questão.



- O que você tem a fazer agora é esquecer esse cara e partir pra outra. - determinou Kristyn – Ele não te merece!



Ana sorriu tristemente, ainda tocando a escultura.



- Sabe o que me vem a cabeça sempre que penso sobre meu relacionamento como Remo? - voltou-se para Kristyn, que a olhava receosa. Sabia que essas impressões de Ana eram muito precisas - Vinícius de Moraes.



- Espero que não seja "Eu sei que vou te amar". - retrucou cautelosa. A prima gostava de usar canções para definir suas impressões.



Ana assentiu, fazendo-a suspirar. Quem ouvisse a conversa das duas, pensaria tratar-se de uma grande besteira, mas vindo de Ana, a coisa se tornava bem séria.



- Ah, Ana, você só tem quinze anos, e conhece o cara há menos de três meses, pelo amor de Deus! - contestou, irritada. Não queria acreditar nela sobre aquilo.



- Isso não tem nada a ver com tempo e idade, Kristyn, e você sabe disso muito bem. - rebateu, séria - Eu sei que minha história com ele está só começando, assim como sei que vai ser muito sofrida. Mas, como nos outros aspectos de minha vida, estou disposta a pagar o preço. Vale a pena.



Kristyn não tinha certeza se realmente valia, mas a vida era de Ana, e o papel dela, como amiga, era apenas apoiá-la.



 


*********************



- Você fez o quê?!!!



Remo afundou ainda mais na poltrona, ao ouvir os amigos perguntarem em uníssono.



- Tremenda bola fora, Aluado! - exclamou Tiago, quando o amigo reafirmou a história.



- Nunca ouvi nada tão idiota na minha vida. - concordou Sirius, com um suspiro exasperado. - Você adora aquela garota, Remo! O que deu em você?



- Eu não sei, ok? - retrucou, muito nervoso - Só sei que fui um verdadeiro imbecil. Se fosse possível, eu chutaria meu próprio traseiro!



- E seria bem merecido!



- Se quiser, podemos fazer isso por você. - propôs Sirius, solícito.



- Não é hora pra brincadeiras, Sirius! - censurou Tiago.



- E quem está brincando? - retrucou o amigo, aborrecido. - Depois de ouvir toda essa asneira, estou realmente tentado a agredi-lo.



- Ninguém o está culpando por isso. - comentou Remo, sombriamente.



- Ei, vamos parar com isso, certo? - interviu Tiago. - O que precisamos agora é arranjar um jeito de consertar o estrago que você fez, Remo. E pra ontem!



 


***********************************



Ainda tentavam encontrar um modo de ajudar o amigo, quando estavam se dirigindo a aula de Herbologia, que era dupla com Corvinal, e repararam em Lilly e Kristyn, que seguiam mais adiante, conversando com Goldstein e Boot. Tiago rangeu os dentes, com raiva, mas Sirius, estreitando o olhar, fez sinal para que o amigo ficasse quieto, aproximando-se sorrateiramente do grupo, sem que o notassem. Dali a pouco voltou para junto dos amigos, sorrindo abertamente.



- Qual a graça? - perguntou Tiago, mal-humorado.



- Alegre-se, meu caro Pontas. - respondeu Sirius, com jeito de quem tinha ganho o Natal adiantado. - Chegou a hora do revide. E vai ser melhor do que sonhamos.



 


***************************



Na noite seguinte, Lilly e Kristyn saíram sorrateiramente da Torre, indo para o encontro que tinham marcado com os Corvinais. Encontraram os rapazes no local combinado, uma grande sala do terceiro andar que, aparentemente, caíra em desuso.



- Olá, rapazes! - cumprimentou Kristyn, com seu tom de voz alegre. Estava muito animada com aquele encontro, na esperança de tirar um certo "cachorro" da cabeça.



Eles as receberam entusiasticamente, e alguma coisa no olhar de Boot, que não notara antes, mexeu com ela, fazendo-a estremecer. Suas esperanças aumentaram.



Deixaram Lilly e Marcus e foram para o outro lado da sala, para que ambos os casais tivessem uma certa privacidade para conversarem, idéia que logo abandonaram, preferindo partir para ação.



Lilly se sentia estranha. Nunca tivera problemas para conversar com Marcus antes, e nem era excessivamente tímida, como a amiga Alice. Naquela noite, porém, estava respondendo de modo diferente a presença do rapaz. Este também estava diferente, parecia nervoso e ansioso. Lilly nunca pensou que ele pudesse ficar assim por causa dela. Tentou entabular uma conversa interessante com o rapaz, que de repente, pareceu muito constrangido.



Olhando na direção dos amigos, viu que eles não tinham perdido tempo, e que era difícil saber quem era quem. Foi a sua vez de ficar constrangida.



Voltou-se para o rapaz e sentiu-se presa pelo calor que seus olhos irradiavam. Parecia hipnotizada por aquele olhar, enquanto o rapaz inclinou-se para ela, seus lábios estavam a milímetros de se tocarem...



CRACK!!!



O barulho forte vindo de algum lugar além do corredor os assustou, fazendo-os pularem, assim como os amigos. Marcus resmungou um palavrão.



- O que acham que foi isso? - perguntou Kristyn, que junto com Samuel tinha voltado para perto dos outros.



- Deve ter sido o Pirraça. - comentou Boot, displicente.



- É, deve ter sido isso mesmo... - começou Lilly, para logo parar, pálida. - Oh, meu Deus! Filch!!!



Os quatro se entreolharam, assustados. Sabiam que o barulho atrairia o zelador, e ele não podia pegá-los ali, àquela hora da noite.



Os rapazes tomaram as rédeas da situação, dizendo que conheciam um lugar onde poderiam se esconder, e desembestaram pelo corredor, arrastando as garotas atrás deles. Pararam derrapando em frente a uma porta, alguns corredores adiante, e instigaram-nas a entrar.



- Aqui, rápido!



As garotas entraram correndo na sala escura e sentiram o piso escorregadio sob seus pés, fazendo-as desabarem de costas no chão estranhamente macio, e deslizarem alguns metros adiante, onde afundaram em algo pegajoso e malcheiroso.



Quando conseguiram ficar de pé, a sala já estava iluminada e puderam ver que tinham caído num pequeno pântano, e estavam cobertas de lama dos pés a cabeça. Lama esta que chegava até pouco acima da cintura delas.



Os dois rapazes encontravam-se de pé, na beirada do pântano, observando-as e rindo.



- Eu... não entendo. - Lilly estava muito confusa, além de nervosa. - Isso não faz o menor sentido.



- Oh, faz, sim, Lilly, faz todo o sentido! - contradisse a amiga, cujos olhos brilharam furiosos na direção dos garotos. - Eles estão nos dando o troco! - ela não se conformava de não ter percebido os sinais antes. Tinha sido uma idiota.



- Sabe, Donovan, é isso que eu mais aprecio em você: a sua astúcia. Além, é claro, dos seus outros atributos. - completou Boot, malicioso.



- Pois guarde bem essa lembrança na memória, queridinho. - retrucou, debochada. - É a última vez que chega perto desses "atributos".



A risada do rapaz chamou a atenção de Lilly, que a conhecia muito bem. Olhando-os, viu que passavam a mudar diante de seus olhos. Samuel agora era Sirius Black e Marcus...



- Potter!!! - ela estava mais furiosa agora do que quando descobrira-se coberta de lama. - Eu devia saber que você era o responsável por isso!!!



- Ei, Evans, não me menospreze. - interviu, Sirius, arrogante. - A idéia foi minha.



- Mas quem fez a poção Polissuco fui eu. - retrucou Tiago, voltando-se em seguida para garota. - Ah, Lilly, vocês sabem que estavam nos devendo um encontro. É uma pena que não tenhamos aproveitado melhor o nosso.



- Quem manda ser "devagar"? - provocou o amigo, enfurecendo Kristyn ainda mais. Tiago fez uma careta pra ele, e riu.



- Antes que eu me esqueça... Accio varinhas! - Tiago recolheu as varinhas que voaram em sua direção. - Olho por olho, dente por dente, meninas.



- O que me faz lembrar... - Sirius retirou uma pequena câmera do bolso, batendo várias fotos. - Também tenho um álbum de recordações, sabem? Bom, agora vamos deixar as meninas no seu "tratamento de beleza". - debochou.



- Quando voltarem a Torre, cuidado com o Filch, ele odeia que sujem o corredor. - recomendou Tiago, como uma mãe ao filho, enquanto se dirigiam a saída. Antes de irem embora, voltaram-se mais uma vez. - Ah, e outra coisa: tomem um banho, por favor. Ninguém agüenta essa caatinga.



- Isso mesmo. - apoiou o amigo. - Por que não tentam o segundo andar. Soube que tem um lugar ótimo lá.



E saíram rindo, ignorando os olhares furiosos das duas.


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