A cabana de Hagrid



***

Harry não parecia muito bem na hora do almoço, e pensamentos do tipo o que o estaria preocupando, agora preocupavam Hermione também. Ela encarou a janela, onde a neve caía energicamente, com dificuldade em se concentrar na aula.



"...o que faz a resposta número quatro ser qual, Srta. Granger?"



Ela piscou, e procurou nas anotações. "Erm, seria o Patrono, Professora - porque a manifestação de alegria, apesar de ser Aritmeticamente incalculável, ainda pode ser organizada e aproveitada em outro feitiço."



A Profª Vector conteu uma risada. "Excelente. E por um momento eu realmente pensei que você não estava prestando atenção. Cinco pontos para a Grifinória."



Hermione enrugou a testa, pensando, sem prestar atenção no elogio de sua professora, ou no coral de resmungos entediados vindos de seus colegas que se seguiram depois. O que será que há de errado com Harry? Perguntou-se, desconcertada. Sirius estava seguro, Dumbledore não havia perdido completamente sua influência sob Hogwarts e os Aurores haviam chegado em tempo em Kent para proteger os McDonald de um ataque dos Comensais da Morte. Considerando tudo, foi um dezembro feliz, e eles estavam bem perto dos feriados de final de ano. Ainda assim, Harry estava daquele jeito por alguma coisa; ela conhecia suas expressões bem o bastante para saber que ele estava com um humor péssimo e nervoso no almoço, e geralmente haviam terríveis boas razões para isso acontecer. Ou terríveis más razões, corrigiu-se, torcendo pelo que quer que fosse que estivesse preocupando Harry, não fosse a sua cicatriz.



"Granger, não prestando atenção na aula? Mas como isso?" veio uma voz cortante por trás dela. "Preocupada? Pensando no namorado Potter de novo?"



Cale a boca, e morra, Pansy, pensou Hermione friamente. Mas não respondeu. Não responderia. Ela não olhava nem falava com Pansy Parkinson desde que começara a tomar aulas de Aritmancia com ela. Brigar na aula de Snape era uma coisa, mas Hermione respeitava Profª Vector com todo o coração, e ela não se deixaria levar por provocações de Sonserinos na aula de Aritmancia. Além do mais, os rumores que ainda rolavam em Hogwarts sobre ela e Harry eram ridículos, e Hermione às vezes se perguntava se as pessoas eram cegas. Se bem que, ela lembrou-se rapidamente, seria bom se fossem. Assim, ninguém repararia... em tudo.



"Classe dispensada."



Hermione enfiou os livros na mochila superlotada, tendo o cuidado de não amassar seu diário, então colocou o enorme peso nas costas e deixou seus pensamentos voltarem ao humor perturbado de Harry, enquanto andava pelos corredores. Sem pensar, caminhou a complicada série de voltas e viradas que a levavam às escadas inferiores. Desceu até as masmorras, mordendo um lábio ao lembrar-se de que dividia aquela aula com Pansy também.



"Potter e Granger, sentados na árvore," cantou uma voz aguda, não muitas escadas acima dela. "B-E-I-J-"



Ignore-a... ignore-a...



"A-N-D-O. Sabe, vocês dois podiam dividir um nome, para combinar. Har-Mione." As garotas da Sonserina que a seguiam deram risadas maliciosas. Ela é uma idiota. Ela é inferior. Pelo amor de Deus, ela gosta do Malfoy...



"Se tiver sorte, seus filhos terão o seu cabelo e a cicatriz dele. Pelo menos assim eles podem entrar para o circo como palhaços."



Não a dê satisfação.



"É claro, Sangue-Ruins são palhaços, então não importa o que aconteça com Potter, você ainda continua com -"



"Esse aí é realmente o seu nariz, Parkinson, ou alguém a deixou cair de cara quando era um bebê?" disparou Hermione, sobressaltada. Estava pensando nas palavras, mas não as havia dito. Enfiou a cabeça pela porta da classe de Poções e viu Ron, com o rosto contorcido de fúria, e os punhos fechados. Seu estômago virou de um jeito engraçado. Virou-se para olhar Pansy, que milagrosamente ficara quieta; a sonserina bateu levemente sua varinha contra a perna e não disse nada. Um largo sorriso passou pelo rosto de Pansy um momento depois, entretanto. Ela cruzou os braços e apontou com a cabeça para algo além dos ombros de Hermione.



"Pago para ser guarda-costas, Weasley?"



Hermione virou-se de uma vez. A fala arrastada foi instantaneamente reconhecida, e ela não ficaria lá a observar Malfoy provocar Ron, logo à porta da aula de Poções. Esse tipo de coisa nunca acabava bem para a Grifinória. Lançou um olhar de advertência a Ron, mas ele não a estava olhando. Ele já tomara um passo na direção de Malfoy.



"É claro," continuou Malfoy, "não é uma surpresa. Vai ter que trabalhar pelo seu ensino agora que seu pai foi demitido. Mas é como eu sempre disse. Ele não foi só cortado do Ministério, mas -"



"SEU BOSTINHA -"



"Ron, não!" gritou Hermione, enquanto um flash de cabelos vermelhos passou por ela e um par de braços sardentos esticou-se para o pescoço de Malfoy.



"Parem todos."



O corredor ficou em silêncio.



Harry estava lá, com a varinha na metade do caminho, seus olhos verdes apertados e fatais. Hermione nem o vira se aproximar. Ele olhou Malfoy por um longo e silencioso momento, como se o desafiasse a continuar. Malfoy cerrou a mandíbula, mas baixou a varinha e entrou na sala de aula sem olhar para trás. O que quer que fosse que seu pai havia lhe contado sobre os eventos que aconteceram no final do quarto ano, fora o bastante para manter seu temperamento com Harry. Aparentemente, Malfoy não era bobo de lutar com alguém que sobrevivera a um duelo contra o Lorde das Trevas.




"Covarde idiota," murmurou Ron atrás dele, enfiando sua varinha de volta às vestes com uma mão e jogando os cabelos para trás com a outra. Trocou um olhar obscuro com Harry, e encontrou os olhos de Hermione. Não havia percebido que estava encarando-o até ele olhar para ela. "Não me olhe assim," disso com raiva. "Eu só estava -" Mas não foi permitido de terminar. Pansy e as garotas da Sonserina passaram no meio deles e entraram na classe. Hermione suspirou e seguiu-as, tentando ignorar o olhar de Ron. Snape estava insuportável ultimamente, e seria ruim para a Grifinória se eles entrassem atrasados.



Meia hora depois, apesar disso, Ron não a perdoara ainda.



"Harry, diga a Hermione para me emprestar as asas de besouro."



"Harry, diga a Ron que eu posso ouvi-lo muito bem."



"Os dois, parem com isso." Harry tacou as asas de besouro na direção de Ron e olhou selvagemente para Snape.



Hermione lançou-lhe um olhar nervoso. Ele não estava agindo como ele mesmo, e foi assim o dia todo. "Harry," arriscou-se baixinho depois de um momento, "tem algo te..."



Mas o olhar escuro que recebeu fez sua voz morrer. Olhou para Ron, mas ele se recusava a encontrar com seus olhos. Suspirou, e começou a jogar cuidadosamente as asas de besouro no seu caldeirão. Sabia que tinha de fazer isso logo, senão o Elixir da Agudez desintegraria uma espada ao invés de aumentá-la, e Snape certamente testaria seus resultados. Ele sempre testava. Ele só esperava pegá-la num dia ruim.



"... não, espera até mais tarde," Harry sussurrava agora, numa voz muito baixa. Hermione teve de aguçar a audição para ouvir a resposta de Ron.



"Mas você pediu, ou o quê?"



"Eu já disse, mais tarde," murmurou Harry.



"Pediu o quê?" Hermione descansou sua pá de mistura e cruzou os braços. Se a conversa tinha algo a ver com o humor de Harry, então ela queria saber o que era. "O que está acontecendo?"



Harry pulou. "N-nada." Ele engoliu em seco, e começou a cravar a ponta da varinha nos ingredientes da poção.



Os olhos de Hermione se estreitaram. "Harry, você tem agido estranho o dia todo," sussurrou. "Se isso tem alguma a ver com... bem, com Você-Sabe-Quem, então talvez fosse melhor se você..." ela parou, notando pela primeira vez que o cabelo de Harry estava molhado. "Porque você estava fora na neve?" perguntou curiosamente. "O que teve na aula de Adivinhação?"



"Olha, não é nada," retorquiu Harry, seu rosto com um tom diferente de vermelho. Lançou a Ron um olhar sujo, como se quisesse fazê-lo saber que não estava gostando da conversa.



Ron meramente encarou Hermione. "Não é da sua conta," disse apenas.



A boca de Hermione abriu-se. "Não é da sua..." repetiu, sentindo-se de repente muito chateada. Esse ano ela se sentiu mais deixada de fora do que dentro, por Harry e Ron. Certamente, o que quer que estivesse acontecendo, Ron sabia sobre o que era e ela não. Ela o olhou repreensivamente. "Pensei que o que o que acontecesse com Harry fosse da minha conta," ela disse, sua voz saindo mais aguda do que pretendia.



"Ei, não falem de mim como se eu não estivesse aqui, tá bom?" interrompeu Harry, cutucando os ingredientes no caldeirão vingativamente.



"Mas Harry, se isso tem algo a ver com a sua cicatriz..." ela arriscou. Notou que ele ficava mais e mais agitado, mas continuou, todavia. Pelo que sabia, esse tipo de reação vinda de Harry só significava que ela estava certa. "Lembre-se do que Dumbledore disse quando você se sentisse -"



"Hermione, ele te disse pra calar a boca!" intrometeu-se Ron, mais alto do que o normal para uma classe em aula. Alguns alunos viraram as cabeças.



Hermione boquiabriu-se indignada e virou-se para encarar Ron diretamente, esquecendo-se por um momento de que estavam na aula de Poções. "Porque você não cala a boca, Ron?" respondeu, atormentada demais para reparar que pessoas ainda olhavam para eles. "Harry não me disse para -"



"Silêncio."



Hermione, Ron e Harry seguraram a respiração simultaneamente. Snape estava ao lado da mesa deles, inclinando-se sobre Ron com um brilho de satisfação nos olhos negros. Haviam olheiras embaixo deles, notou Hermione brevemente. Como se não tivesse dormido a noite toda.



"Será que o famoso Trio está brigando?" perguntou Snape suavemente, seus lábios formando um pequeno sorriso. "Uma novela."



A risada desdenhosa de Malfoy era audível do outro lado da masmorra, e as risadinhas de Pansy explodiram nos ouvidos de Hermione. "Não, professor, nós estávamos -" começou.



"Detenção, Granger," interrompeu Snape, parecendo maravilhado como se nunca tivesse aplicado uma detenção. "Não tolero desculpas."



Harry e Ron soltaram involuntários e idênticos sons de repugnância.



Snape arqueou uma sobrancelha à eles. "E..." parou. Seus olhos encararam Harry, mas quando abriu a boca, nada saiu. Suas pupilas dilataram por um momento, antes de seus olhos de morcego pousarem em Ron. "E Weasley," concluiu. "Venham à minha mesa no final da aula." Snape virou-se tão imediatamente que suas veste voaram atrás de si, então dirigiu-se à frente da masmorra.



Nenhum dos três disse mais nada pelo resto da aula. Hermione terminou sua poção antes do tempo e perfeitamente, obviamente para insatisfação de Snape. Finalmente dispensou a classe e rosnou, "Até me falar a diferença entre um besouro e um louva-Deus, Longbottom, eu o proíbo de voltar a esta sala de aula. Fora."



"Então acho que não vai voltar," disse Malfoy desagradavelmente enquanto passava pela mesa de Neville. "Vai ter que voltar para a casa da vovó." Parou, lançou seus olhos azul claro na direção de Harry, e então checou para ver se Crabbe e Goyle ao seu lado para continuar suavemente - "Ouvi falar que ela está muito doente." Malfoy imitou um soluço de choro, Crabbe e Goyle grunhiram de tanto rir, e os três seguiram pela porta da masmorra.



"Certo. Então é isso." Ron já estava de pé com Harry, indo para a porta, e por uma vez na vida, Hermione não os seguiu. O punho de Neville estava segurando a sua varinha tão firmemente que seus dedos estavam brancos, e seu corpo inteiro parecia estar tremendo. Moveu-se rapidamente em volta de seu caldeirão, em direção à sua mesa.



"Ah, Neville," disse baixinho. "Não o ouça. Sua avó vai ficar bem." Neville não olhou para ela, mas ela sabia que os olhos dele estavam úmidos. Encostou uma mão nele para confortá-lo.



"Granger. Weasley. Minha mesa. Agora."



Hermione levantou a cabeça e ela encontrou o olhar sem compaixão de Snape. Pelo canto do olho, pôde ver que Ron congelara na porta, com a varinha para fora. Disse algo bem baixo, provavelmente um xingamento, enquanto Harry continuou sem ele. Houve um berro abafado de Malfoy, e um som de um chute no corredor. Então um silêncio.



Percebendo que não poderia mais ajudar Neville, Hermione suspirou e apertou seu braço brevemente, então andou em direção à mesa de Snape, fervendo de raiva ao pensar que Malfoy não recebia nada por ser cruel bem em frente a um professor. Ficava atônita ao lembrar de que Snape era tão leal a Dumbledore, e ao mesmo tempo, tão injusto quanto aos muitos estudantes com quem Dumbledore trabalhava. Ela se perguntava às vezes o quão cruel Snape fora esse ano com a Grifinória, sem motivos. Talvez ele apenas estivesse tendo certeza de que a Sonserina ficaria à frente.



"Como será que o nobre Potter vai se sair sem seus escudeiros, por uma noite?" começou Snape sedosamente, seu sorriso muito falso enquanto olhava de Hermione a Ron, e de volta à ela. "Entendo que não é seguro deixá-lo só. Ai ai."



Ou talvez não seja sem motivos.



Ron fez um barulho de irritação. "Será que não podemos apenas fazer a detenção?" ele perguntou, entre dentes cerrados. Hermione chutou sua perna. Ele só fazia piorar.



"Tão ansioso para cumprir a punição?" riu-se Snape. "Ora, ora. Nunca pensei em deparar-me com um Weasley tão deferente."



"Ai!"



Ron havia chutado Hermione de volta, e ela não estava esperando por isso. Esforçou-se para manter a compostura, não querendo nada mais do que se virar para ele e xingá-lo de algo horrível. Ele estava agindo como uma criança desde que a aula começara e ela estava cansada disso. Snape parou. Ele olhou dos rostos deles, até seus pés, e de repente sua expressão desagradável tornou-se um olhar de desprezo.



"Que apropriado," murmurou, mais para ele mesmo do que para eles. Hermione enrugou a testa, sem certeza do significado.



"Talvez," disse Snape finalmente, "considerando suas... tendências violentas... os dois deveriam ser mandados para a mais distante estufa. Tenho certeza de que a Professora Sprout tem tido algumas dificuldades com as Flores de Python." pronunciou, as três últimas palavras com especial malícia.



Ron resmungou instantaneamente, e Hermione sabia o porquê. Ele e Harry já haviam feito uma boa bagunça, envasando as Flores de Python, e Snape provavelmente sabia disso. Sem o mínimo desejo de ficar presa numa estufa na neve com uma plantinha desagradável e um Ron mais desagradável ainda, Hermione disse. "Professor..." arriscou, "... você tem certeza de que sabe que está nevando um pouco forte demais lá fora?"



"Sim." sorriu Snape, seu sorrisinho sem graça habitual de volta. "A detenção vai começar agora, antes da neve poder impedi-los. Estão dispensados para as estufas."



"Você não pode nos fazer perder o jantar!" protestou Ron. Hermione suspirou. Snape podia, e ia.



"Acredito que eu disse agora, Weasley," replicou Snape, levantando-se de sua mesa, virando com um giro e começando a misturar pó de caninos de vampiro num caldeirão. "Dez pontos a menos da Grifinória por demonstrar pouca obediência, e eu o sugiro a me obedecer, antes que a punição seja dobrada."



Hermione juntou sua capa e mochila, e seguiu um Ron com orelhas muito vermelhas e lábios um tanto apertados da masmorra. Ele não dissera uma palavra antes de eles subirem as escadas para as grandes portas de carvalho do Salão de Entrada.



"Você tinha que encher o saco do Harry, não tinha? Não pôde deixá-lo em paz." Ron abriu a porta e deu pulo para trás - um vento selvagem, cheio de neve, veio em uma rajada pela pesada porta até ele.



Hermione passou por ele altivamente, levantando o nariz no ar. Deixa que ele se ajeite com a porta, pensou com raiva, andando o mais rápido que conseguia até as estufas sob o grande peso de sua mochila, sem se preocupar se Ron conseguiria alcançá-la. Apesar disso, ele conseguiu, alguns minutos depois. Droga de pernas compridas.



"Muito obrigado mesmo pela a sua ajuda!" gritou Ron rudemente através do vento. "Nós não estaríamos aqui se você cuidasse da própria vida, então pelo menos você poderia parar de agir como uma -"



O resto do insulto foi perdido numa repentina rajada de vento, e Hermione ficou feliz por isso. Sua ira estava contida e seu temperamento era forte, mas isso não significava que ela suportaria ser xingada por Ron. Mais para não demonstrar aborrecimento para Ron, correu mais rápido, manteu o rosto virado, e foi em direção à estufa o mais rápido que pôde.



A Profª Sprout soltou um grito de surpresa ao ver a porta da estufa abrir-se e Hermione entrar por ela. "Feche-a!" lacrimejou a professora, levantando as mãos cobertas no ar. "Rápido! A temperatura! As plantas!" Apontou a varinha para a porta e fechou-a com um estrondo, bem quando Ron entrara. A porta bateu forte em suas costas, o que o fez estatelar-se no chão.



Hermione riu alto. Ron olhou-a com o rosto tão vermelho quanto seus cabelos. Levantou-se e avançou em sua direção, abrindo a boca para dizer algo não muito legal a Hermione. Ela o encarou insolentemente, esperando.



"Mas o quê...?" cortou a Profª Sprout, antes de Ron fazer qualquer barulho. Ela os olhou, suando. "Minha última aula foi há uma hora atrás. Com os sextanistas da Corvinal. Se não, eu estou louca." Hermione balançou a cabeça rapidamente, saiu da frente de Ron, e explicou porque eles estavam ali.



A Profª Sprout cruzou os braços em frente à blusa. "E ele os mandou para cá sem o jantar, foi?" disse ela secamente. "Tudo bem. Então vamos fazer isso rápido, e aí voltem ao castelo antes da neve manter-nos aqui a noite toda.



Hermione olhou brevemente a Ron, e ele alcançou seus olhos, que descaradamente diziam que ele a culparia se tivessem que ficar a noite toda na estufa. Ela sorriu desdenhosamente a ele, e colocou um par de luvas que cobriam suas palmas e dedos. Vou mostrá-lo como envasar uma Flor de Python.



*



Duas horas se passaram, nas quais Ron xingou alto duas vezes, Profª Sprout fingiu não tê-lo ouvindo, e os três copos do grudento pólen roxo já estavam coletados. O vento agora uivava e silvava ao redor da estufa, e Hermione conseguia meramente ver os contornos do castelo através da nevasca. Era quase impossível dizer se o céu estava escuro, de tão branco que estava pela neve.



"Terminamos por aqui, então," arfou a professora, agarrando uma planta feiosa em que Ron estava trabalhando e afastando-a de seu rosto. A planta balançou para frente e para trás, espirrando uma rajada roxa na direção de Ron, que levou as mãos contra a criatura, parecendo muito assustado. Seu colarinho estava todo roxo. Hermione afastou-se de sua Flor, que estava em sono profundo enquanto ela coletava seu pólen, e checou sua roupa. Estava limpíssima.



"Voltem para a escola antes da neve ficar pior ainda," mandou a Profª Sprout, afagando uma grossa e escamosa Flor de Phyton. A planta ficou mais dócil ao seu toque, mas não inteiramente calma. "Eu vou cuidar dessa aqui, não esperem por mim. Voltem à torre de vocês e, pelo amor dos deuses, vão até a ala hospitalar se ficarem muito molhados, ou Madame Pomfrey vai me matar se ficarem doentes."



Hermione prometeu que iriam. Depositou as luvas numa caixa, colocou as suas próprias, enfiou a capa nos ombros, e a mochila nas costas. Com Ron atrás de si, ela abriu a porta, fechando os olhos ao receber a certa rajada de neve.



Assim, a porta abriu novamente e a acertou nas costas. Ron não parou para ajudá-la; talvez em vingança à sua refusa em ajudá-lo mais cedo, ele andou rapidamente pela porta e entrou na neve sem olhar para trás. Hermione correu pela porta também e puxou-a com força, então virou-se para descobrir que Ron desaparecera quase por inteiro. Ela só conseguia ter um vislumbre de vermelho, alguns metros à frente. A neve não o preocupava.



"Ron!" ela gritou, o pânico começando a crescer em seu estômago. Ela correu até a marca de seus cabelos vermelhos o mais rápido que pôde. "Ron, pare!" Mas ela sabia que ele não a ouviria. O vento levava sua voz toda vez que ela tentava falar, e Ron se afastava mais a cada segundo. Hermione protegeu seu rosto contra a ardente neve e virou seus olhos semicerrados para o castelo enquanto tropeçava.



O castelo.



Não conseguia vê-lo.



Hermione nunca estivera numa nevasca em toda a sua vida, mas havia lido sobre elas. Apressadamente, virou-se para ver se conseguiria voltar para a estufa; seria importante entrar em algum lugar, qualquer que fosse. Meramente via uns reflexos dos vidros do telhado das estufas de Herbologia, e suspirou em alívio. Poderia voltar e passar a noite na estufa; melhor do que ficar perdida na neve. Tomou um passo naquela direção, e parou, enquanto um terrível pensamento a ocorreu.



E se o Ron não está conseguindo ver o castelo também?



Sem pensar duas vezes, virou-se na direção do castelo e correu o mais rápido que pôde pela neve. "RON!" ela gritou, com a voz mais alta que conseguiu. "NÃO CONSIGO VER VOCÊ, PRECISAMOS PARAR!" Olhou pelo ombro e sentiu-se como se um tijolo tivesse caído em seu intestino. Não conseguia tampouco ver a estufa agora.



Eu posso apenas virar quando encontrá-lo. Eu sei o caminho para a estufa. Está logo atrás de mim. Não entre em pânico. Não entre em pânico.



Já em pânico, ela continuou, desejando estar no seu sétimo ano de Feitiços com conhecimento e poder suficientes para conjurar feitiços de Localização. Seus olhos procuraram através do nada à sua frente, piscando muito rápido contra o que ela sentiu serem montes de neve. O céu estava invisível, o castelo estava invisível, e mesmo que estivesse muito irritada com Ron mais cedo, daria tudo para ter um vislumbre vermelho -



"Oof! DROGA -"



Hermione esbarrou em algo alto e quente que possuía um vocabulário adorável.



"RON!" ela berrou, e jogou os braços em volta dele. "Eu não conseguia vê-lo!"



"O QUÊ?" ele gritou de volta. Seus braços agora em volta do corpo dela, balançando como se não soubessem o que fazer. Uma grande mão desajeitada bateu em suas costas por um momento e Hermione se perguntou como, no meio de uma nevasca, ela sentiu sua temperatura aumentar.



Ela o soltou. "NÓS TEMOS QUE ENTRAR!" gritou a plenos pulmões.



Ron trouxe seu rosto mais perto do dela, o que era necessário, ela lembrou a si mesma, para eles conseguirem se ver. "NÃO CONSIGO OUVIR VOCÊ!" berrou. "TEMOS QUE ENTRAR! É UMA NEVASCA!"



"NÃO ME DIGA!," Hermione gritou sarcasticamente.



Ron balançou a cabeça para indicar que ainda não a ouvia. "O QUÊ?" ele gritou. "ESQUECE! E AQUELE SEU FEITIÇO QUE VOCÊ DEU AO HARRY? AQUELE DO COMPASSO?"



Hermione procurou fundo em seu cérebro. Aquele do compasso, aquele do compasso, aquele - "O FEITIÇO DOS QUATRO PONTOS?" gritou de volta.



Ron fez uma careta de frustração e Hermione se perguntou se ele tinha algum problema de audição. Ela conseguia ouvir o que ele falava.



"EU SEI!" Hermione respondeu, chateada. "EU JÁ DISSE, O FEITIÇO DOS QUATRO - Ah, esquece," murmurou para si mesma, pegando sua própria varinha e firmando-a em sua mão. Mas antes que pudesse tirá-la, parou. Não ia dar certo. No momento em que levantasse sua varinha, o vento a levaria, então ela não teria mais proteção. Balançou sua cabeça para Ron. "NÃO VAI DAR! VOU PERDER MINHA VARINHA!"



Ron voltou a mexer a cabeça para ela de uma maneira surda, e Hermione soltou um grito impaciente. Pegou sua varinha e fez um movimento voador em frente ao rosto dele, tentando mostrar que ela a perderia. Ron observou suas tentativas por um momento, então começou a gargalhar.



"O QUE DIABOS ERA PARA ISSO SER?" ele gritou, quando um pouco de sua compostura voltou. "ALGUM TIPO DE MOVIMENTO 'LOCKHART'?"



Hermione bateu as mãos em frente ao rosto. Ele estava insuportável, não conseguia ouvi-la, eles não sabiam qual direção tomar e, juntando tudo, aquela era uma situação terrível. Bem, pelo menos eu o encontrei, refletia a toda a hora. E antes de realmente pensar nisso, procurou, achou uma mão enluvada de Ron e, agarrando-a, começou a levá-lo numa direção que ela esperava fosse a certa.



"VOCÊ NÃO TEM IDÉIA DE ONDE ESTÁ INDO, TEM!?" berrou Ron através do vento, pegando em sua mão firmemente.



"Talvez eu não tenha," respondeu numa voz normal, sabendo que ele não a ouviria mesmo que gritasse. "Mas é melhor andar do que ficar lá congelando, e nós temos que achar um abrigo ou morreremos no próprio jardim da escola, e esse pensamento não é reconfortante, e eventualmente nós encontraremos alguma parte, eu digo, francamente, o castelo é enorme, teremos de vê-lo cedo ou tarde, e, além disso, você não parece ter uma idéia melhor!"



As palavras saídas de sua boca, de algum jeito fizeram Hermione se sentir melhor - mais poderosa - e marchou em frente com nova força, puxando Ron junto com ela e continuou a falar.



"Você sempre questiona tudo o que eu faço como se não fosse confiável e eu não entendo isso, porque você sabe que eu sou esperta, e quantas vezes eu já nos tirei de apuros! Quando será que você vai me ouvir? Você e Harry me ignoram, e depois sempre se arrependem disso!"



Hermione agitou a cabeça. Queria dizer aquilo a Ron fazia um bom tempo e a sensação era ótima, mesmo ele não tendo ouvido uma palavra do que ela disse. Tirou neve de seus olhos e continuou, sentindo-se radiante a cada passo e à cada palavra, apesar de seus pés começarem a parecer blocos de gelo.



"E então eu tento descobrir o porquê de Harry não estar bem e tudo o que você faz é me dar patada por isso! Culpando-me pela detenção, como você se atreve! Vocês dois escondem coisas de mim toda a hora ultimamente e eu odeio isso, e eu sei que vocês fazem isso porque eu sou a garota, mas eu não posso deixar de ser uma garota, e quero saber o que está acontecendo! Não fui eu que sempre esteve lá para tudo? Eu já contei algum segredo ou já quebrei alguma promessa?"



Ela suspirou.



"E machuca quando você me xinga, Ron Weasley. Machuca muito. Porque eu -"



Hermione parou. Nem confiava mais num vento forte como esse para levar suas palavras. A mão de Ron ainda segurava forte a dela e ela suspirou.



"EI!" Ron soltou a sua mão e andou a frente dela, para empurrar uma pilha de neve com seu pé. "É O LAGO!" A pilha que ele afastou afundava com uma neve meio derretida e suja, e Hermione percebeu que Ron estava certo. "SE NÓS SUBIRMOS POR ESSA COLINA -" Ron virou na direção que se referia, "- ENTÃO IREMOS DIRETO PARA O CASTELO!" Ele virou e agarrou a mão de Hermione novamente. "VAMOS! MEUS PÉS ESTÃO CONGELADOS!"



"SÉRIO? NÃO, PORQUE OS MEUS ESTÃO ADORAVELMENTE QUENTINHOS," berrou Hermione às costas dele, enquanto lutava para manter o passo dele. Ele lançou-a um sorrisinho exasperado sob o ombro, e ela sentiu seu coração bater um pouco mais rápido. Ele a ouviu dizer aquilo? Não, disse a si mesma rapidamente. Não, ele não consegue te ouvir. Ele não a ouviu.



Eles andaram pela neve pelo que pareceu mais uma hora quando Hermione finalmente teve que parar. Tirou a mão da de Ron e deixou a mochila cair de suas costas. Era pesada demais para carregar por tanto tempo, e ela imaginou que tipo de feitiço poderia aliviar um pouco seus músculos. Começou a passar o braço por uma tira da mochila, quando ela foi tirada de suas mãos.



"PEGUEI," gritou Ron, jogando em cima de um ombro e cambaleando para um lado. Endireitou-se depois de um segundo e sorriu. "BRINCADEIRA!"



Estava na ponta da língua de Hermione um grito de que ela poderia carregar sozinha - mas ela segurou. Havia algo em seu gesto que ela não queria arruinar. Além disso, suas costas realmente estavam doendo, e ela estava com muito frio. "Obrigada," murmurou ao invés, seus olhos encontrando os dele.



Ron devia ter lido seus lábios, porque ele encolheu os ombros, envergonhado, e suas orelhas ficaram mais vermelhas do que o que vento já as deixara. Hermione sorriu para ele e pegou sua mão mais uma vez - maravilhada pelo quão confortável era segurar sua mão com uma boa desculpa - e continuou andando, pensando no quão estranhamente bom era ver sua mochila nos ombros de Ron. Seu estômago revirou-se de um jeito engraçado, mais uma vez.



Não muito tempo depois, Ron tropeçou em algo e caiu no chão. Soltou um grito de dor e pulou de volta. "ALGUMA COISA CRAVOU EM MIM!" Ele gritou, apontando para frente.



Hermione andou a sua frente rapidamente e tateou à procura de algo com as mãos. Ela gritou com alegria quando suas mãos tocaram algo sólido; tirou neve de lá com pressa e, apesar de estar inteiramente exausta, pulou delirantemente.



"É O CANTEIRO DE ABÓBORAS DO HAGRID!" gritou. "VOCÊ FICOU PRESO POR UMA DAS ESTACAS DO PORTÃO!" Procurou pela mão de Ron e empurrou o portão para ele segui-la, então sentiu as estacas até parar numa curva. Ela a rodeou, mantendo contato com as mãos até suas botas baterem numa parede.



A cabana de Hagrid. Colocou as mãos contra a parede e riu aliviada. "Ah, Hagrid," suspirou, pelo vento e neve. "Sentimos sua falta." Com Ron em seus calcanhares, avançou pela parede e foi até a frente, para a porta.



"ALORROMORA!" gritou. A porta da casa de Hagrid abriu-se. Hermione, Ron e uma boa rajada de neve entraram juntos.



Por alguns minutos, eles não falaram. Estavam frios demais. Ron fechou a porta com força, então tirou sua capa, luvas e cachecol, seus dentes batendo rapidamente. Deixou cair a mochila de Hermione e sua própria numa cadeira, tirou a varinha e começou um fogo na lareira, e então tirou os sapatos. Hermione arrancou sua capa molhada e as luvas também, e juntou-se a ele ante o fogo, tirando seus sapatos e meias o mais rápido que pôde e segurou os pés bem perto das chamas. O fogo penetrou suas roupas molhadas e fez até mesmo seus ossos ficarem mais quentes enquanto a tempestade continuava lá fora.



"Ah... uau..." Ron caiu de costas e ficou lá, com os calcanhares em frente às chamas, os dedos do ar, os braços para cima, os olhos fechados.



Hermione observou-o, tomando vantagem de seus olhos fechados para olhar toda a sua extensão, de seus pés nus a seus cabelos molhados. Tinha uma poderosa urgência de deitar-se ao seu lado e encostar a cabeça na curva de seus braços. Ficou sentada e olhou pela cabana, ou invés disso. Era apenas um quarto, mas parecia muito grande e vazio, sem Hagrid para preenchê-lo.



"É tão estranho," espreguiçou-se Ron, "vir até aqui e não ouvir Canino latindo e babando em cima de você."



Hermione sorriu. "Não ter o Hagrid tentando nos alimentar com pedras ou chá."



"Ou ver alguma criatura maligna e chupadora de sangue crescendo numa caixa em qualquer canto."



"Eu sei," concordou Hermione. "Estou feliz que ninguém tenha querido morar aqui, enquanto ele está fora. Seria... errado, de algum jeito. Eu me pergunto como vão as coisas com os gigantes." Hermione olhou para a lareira tosca e encontrou um pequeno pote que parecia terrivelmente com um que havia na casa dos Weasleys para guardar Pó de Flú. Suspirou pesadamente. "Pensei que pelo menos Hagrid saberia que não se pode usar Pó de Flú nos terrenos de Hogwarts," ela disse, sentindo-se um pouco desapontada.



Ron abriu os olhos. "O quê?" Ele encarou com olhos semicerrados o pequeno pote. "Ah, esse não é Pó de Flú. É o outro tipo, de enfiar a cabeça no fogo." Fechou os olhos novamente e suspirou satisfatoriamente, correndo os dedos pelo cabelo e fazendo-o arrepiar-se. "Aquilo foi louco, lá fora. Nós poderíamos ter morrido. Congelados. Somos sortudos por eu ter dado a direção certa."



Hermione sorriu sarcasticamente. "Você pensou que nós estávamos indo para o castelo."



"Castelo, cabana, tanto faz. Estamos dentro." Ron começou a coçar a pele embaixo de seu colarinho roxo de pólen.



Hermione rolou os olhos, e levantou-se. "Tá, mas nós precisamos chegar ao castelo. Você sabe como funciona esse tipo de pó? Eu nunca usei."



Ron abriu um olho e a encarou sem acreditar. "Chegar ao castelo? Hermione, não sei se você percebeu, mas tem uma NEVASCA lá fora."



"Eu não vou sair andando no meio da tempestade, Ron." Soltou um suspiro impaciente. "Eu preciso que a minha cabeça chegue ao castelo. Precisamos que um professor saiba que nós estamos aqui, assim eles não se preocupam. Assim Harry não se preocupa. Como eu faço para a minha cabeça acabar no fogo da lareira da sala dos professores?"



"Provoque o Snape mais uma vez e eu tenho certeza que ele vai jogá-la para você," murmurou Ron, suas mãos agora quase arrancando seu colarinho. "Esse negócio está me matando," ele resmungou.



"Provavelmente você é alérgico ao pólen que caiu em você." Ela pegou o pequeno recipiente.



"Vi que você pegou a flor bonitinha e sonolenta para trabalhar," retrucou prendendo a ponta de sua roupa.



Hermione olhou para os dedos dele e para o que estavam fazendo, mas desviou o olhar rapidamente. "Nós ficamos exatamente com o mesmo tipo de flor, Ron. Só que eu li o capítulo de técnicas para se cuidar de plantas agressivas e você não. Você o pulou porque não ia cair no teste."



"Legal de a sua parte me passar um sermão quando a minha pele está praticamente saindo -"



"Ora, então tire a roupa e pare de reclamar!" retorquiu Hermione. Engoliu vagarosamente, e congelou.



Eu não disse isso...



Ela se virou inteiramente na direção da lareira, evitando o olhar de choque no rosto de Ron. Seu rosto queimou. E queimou mais ainda, um momento depois, quando ouviu Ron levantar-se atrás dela e andar pelo chão rangente para o outro lado do quarto. "Não se vire," disse apenas.



Hermione ouviu os sons de um armário sendo aberto e fechado, e algo que soava como tecido molhado caindo no chão. Ela tentou respirar.



Eu não acredito. Eu realmente não acredito que disse isso, repetia para ela mesmo a toda hora, pegando o recipiente de pó numa tentativa de focar sua mente em outra coisa que não fosse o fato de Ron estar de pé, atrás dela, sem nenhuma roupa. Levantou o pote de cerâmica e olhou dentro dele, sentindo o coração, que há alguns segundos batia horrivelmente rápido, encolher de desapontamento. Não havia nada no pote a não ser uma pequenina colher que Hermione não imaginava Hagrid usando. Ficaria perdida em meio a seus gigantes dedos.



"Ah, não," suspirou alto, esperando que nenhum professor saísse procurando-os na neve, mas sabendo que iriam.



"O que foi?" perguntou Ron, atrás dela. Hermione pulou.



"É que não tem mais pó," gaguejou, sentindo-se corar, "não vai dar para avisar ninguém aonde estamos. Posso... erm... me virar já?"



Ron pigarreou. "Pode," ele disse, a voz falhando.



Hermione segurou a respiração e virou-se, esperando que não parecesse tão corada e nervosa quanto se sentia. Seus olhos caíram em Ron. Sua boca abriu-se.



"Ron!" disse ainda boquiaberta, pressionando os dedos em sua boca para conter a as risadinhas que insistiam em explodir. "O que - o que você está - usando?!" Não conseguiu. As risadinhas passaram por seus dedos e ela gargalhou alto.



Ron tirou sua roupa, afinal. Agora ele usava uma blusa azul enorme de Hagrid, que nele parecia uma tenda. Ele levantou uma sobrancelha e cruzou os braços, fazendo ficar ainda mais engraçado.



"O que é tão engraçado?" acusou. "Eu estava molhado e você disse que eu era alérgico. E não é diferente de um pijama." Ele parou. "Não é pior que as minhas vestes de baile," murmurou obscuro.



Hermione acalmou-se, depois de alguns minutos, mas ficou com um leve acesso de soluços, por rir tanto.



"Sua vestes de baile - hic - não são - hic - tão ruins assim, Ron," assegurou, gesticulando em direção à tenda azul.



"Admita que não é grande a diferença," desafiou. "Elas tinhas mangas com renda."



Hermione não respondeu. Estava tentando não pensar em vestes de baile. Estava tentando - muito - não pensar em danças. Era difícil para ela aceitar que depois de todos os sinais que ela pensou ver no último ano, Ron ainda não havia convidado-a para o Baile. Mas ela não traria o assunto à tona. Lembrava-se, muito bem, da última conversa que tiveram sobre convites e danças.



"Na verdade - hic - acho que eu vou vestir - hic - uma blusa seca, também," ela disse, para evitar a questão. Ela atravessou o quarto em direção ao estranhamente pequeno armário de Hagrid, e Ron virou-se imediatamente para a parede, cobrindo os olhos com as mãos.



Hermione olhou para o pescoço dele por um momento, sentiu um calafrio passar por ela quase esquisito, depois voltou ao trabalho.



Haviam pequenas personalidades dispersas no armário de Hagrid: elásticos que ela adivinhou ser os que ele usou em seus cachos ano passado, um vidro daquela horrível eau de cologne em que ele praticamente banhara-se - Hermione bufou baixinho. Perguntou-se se ele e Madame Maxime... mas tirou o pensamento logo de sua mente. Havia uma foto de Hagrid e seu pai sentado em seu ombro. Havia também um espelho feito à mão com madeira tosca, e Hermione não pode se conter e pegou-o. Ao ver a si mesma, suspirou, e desviou os olhos.



Abriu a gaveta do meio, encontrou uma enorme blusa que sem dúvida cobriria tudo, e pegou-a.



"Eu não estou olhando," disse Ron abruptamente, a voz falhando novamente.



Hermione segurou uma risada. A voz de Ron estava fazendo muito aquilo ultimamente, mas ela sabia, de algum jeito, que ele não seria capaz de suportar vê-la rindo daquilo. Existem certas coisas que as pessoas podem provocar, mas outras que... bom. Ela simplesmente não ia rir.



"Eu sei que você não está olhando," ela respondeu depois, "porque eu vou me trocar no banheiro."



"Huh?" Ron virou-se, parecendo impaciente. "Mas porque você apenas não disse isso? Todo esse tempo eu achei que você estava pela-"



Ele parou antes de terminar a palavra, e corou até ficar como seus cabelos. Os dois congelaram e encararam-se por um longo segundo, e Hermione não sabia o que fazer. Ele pensou que ela... ele estava lá todo o tempo pensando em...? Ron parecia que não seria capaz de ser o primeiro a fazer ou falar algo primeiro.



Juntando todos os fragmentos de dignidade que possuía, Hermione fechou o armário de Hagrid e sua gaveta, pegou a sua mochila, e desapareceu com a blusa dentro do pequenino banheiro da cabana de Hagrid.



No momento que estava seguramente sozinha, derrubou a mochila com um clunk! e afundou o rosto na camisa de Hagrid. O vento bateu fortemente contra a parede de madeira, e ela estremeceu, esforçando-se para não chorar. Respire, Hermione. Não é nada. Está tudo bem. Finja que nada aconteceu. Estabilizou-se, arrancou sua inconfortável e molhada roupa escolar o mais rápido que pôde, e enfiou-se na camisola improvisada. Então, procurou dentro da mochila, tirou o diário e uma das penas que recarregavam-se de tinta sozinhas, que ela comprara na última visita a Hogsmeade, e apressou-se a sentar na privada fechada para escrever.



******

18 de Dezembro



Gwen, não diga nada, eu só tenho um segundo. Estou presa na cabana de Hagrid com Ron e tem uma nevasca lá fora, e nós teremos que ficar aqui a noite toda, só nós dois.

E eu não posso dizer nad-



Eu só queria contar a você que eu estou bem; nós saímos com segurança da neve e não congelamos até a morte, e agora está tudo bem.
E isso é tudo que você quer me contar.



É.

Enquanto está presa na neve, com Ron.



Ah, Gwen. Ajude-me.

Diga.



É uma situação idiota. Nós estávamos molhados - sabe, da nevasca - então tivemos que trocar de roupa, e Ron trocou enquanto eu encarava a parede, então ele virou para a parede para eu poder me trocar, mas eu não ia conseguir ali na frente dele, mesmo que ele estivesse de costas! Então eu disse a ele que eu ia me trocar no banheiro, aí ele disse que eu devia ter dito antes, porque ele estava lá, encarando a parede todo o tempo enquanto eu procurava uma camiseta, achando que eu estava... pelada. Ele disse isso. Bem, quase disse isso. Daí nós ficamos nos olhando. E eu não consigo voltar para lá.

Você vai ficar no banheiro?



Eu não sei. Eu não consigo fazer isso. Nós ficamos de mãos dadas na neve. Eu o abracei lá. Ah, eu sou uma idiota mesmo. Ele sabe, eu sei que sabe -

Ele não sabe. Eles nunca sabem.



Jure que isso é verdade. JURE.

Eu juro, juro por Deus. Ele pode se perguntar, Hermione, mas até disso eu duvido.

Ele não sabe. Agora, ouça-me. Vocês avisaram um professor de onde estão?




Não dá. Não tem jeito de fazer isso. Eu tentei.

Está doente? Está quente? Bebeu alguma coisa?



Não bebi nada. Estávamos com frio demais para fazer muita coisa além de fogo e trocar de roupa. Nós não fomos jantar também, porque Snape não nos deixou antes de mandar-nos a uma nevasca como detenção. Ah, se nós morrêssemos lá fora, ele não ficaria triste. Na verdade, esqueça isso. Ele não ficaria triste mesmo.

O que eu quero que você faça é comer algo, beber um pouco de água, e dormir. Você precisa de descanso. E fale comigo de manhã, por favor, ou vou ficar preocupada.



Dormir. Não sei aonde vamos dormir. Ah, Gwen. Eu só percebi isso agora. Não sei aonde vamos dormir!

O que quer dizer? Não tem uma cama?



Bom, digo... TEM, mas é só UMA!

Então você fica com ela. Se Ron for um cavalheiro -



Gwen, francamente -

- e de algum jeito eu imagino que ele é, então ele não pensará duas vezes, e vai deixá-la ficar com ela.



Mas... bem, mas e ele?

Ele vai sobreviver.



Hermione?



Hermio -



******



Mas Hermione fechou com força o diário. Ron havia batido na porta.



"O que você está fazendo aí?"



"Vá embora, Ron!" respondeu com a voz aguda, enfiando 'Gwen' rapidamente em meio ao seus livros e esticando a enorme blusa. Teve certeza de puxar o gigante colarinho para trás, assim não mostraria nada a não ser o pescoço.



Ron fez um barulhinho de nojo. "Igualzinha a Gina, escondendo-se no banheiro."



Hermione agarrou suas coisas e abriu a porta. "Não estou escondendo nada. Estava me trocando." Andou altivamente até uma poltrona, tirou a mochila, e colocou suas roupas molhadas pelos braços dela. Secou-as com um feitiço, notando que as de Ron ainda estavam jogadas num montinho, no chão. Deixou-as lá.



"Ei, beba isso de ponta cabeça," disse Ron de repente, apontando para uma garrafa de cerveja amanteigada na mesa. "Mamãe nos faz fazer isso quando estamos com soluço." Ele foi até o banheiro, e fechou a porta.



"Não estou mais soluçando" Hermione respondeu vagamente, pegando a cerveja amanteigada, olhando de seu rótulo para a porta do banheiro. Ron era tão... inesperado. Sentou na mesa e segurou a garrafa pelo pescoço, balançando-a para lá e para cá. Ele era insultante. E atencioso. Sentiu um calor no estômago, como se já tivesse bebido a cerveja num gole.



Houve um barulho de água corrente e o ranger de dobradiças. Ron reapareceu.



"Como," ele perguntou, ficando em frente à porta com os braços cruzados e balançando a cabeça, concentrado, "será que Hagrid faz isso?"



Hermione franziu a testa. "Faz o quê?"



"Caber no banheiro." Ron parecia estar pensando seriamente sobre isso.



"Bem... talvez com um Feitiço Aumentador, como os usados naquelas tendas que usamos ano passado," sugeriu Hermione tentando ajudar.



Ron concordou. "Ou talvez ele, sabe, fique com o corpo para fora e mira na -"



"Ron!"



Mas ele não a ouvira; começara a rir. Hermione tomou um grande gole de cerveja amanteigada e fungou de aversão. Ron ignorou-a completamente e, depois de descruzar os braços, andou calmamente até as prateleiras de copos e canecas que eram presas à parede. Ele pegou um copo enorme e tacou-o na mesa junto com sua varinha, e começou a vasculhar.



"Ah," disse Hermione, levantando um pouco a cerveja. "Vai tomar uma também?"



"Essa era a única," respondeu Ron, tirando alguns pacotes encaroçados de um armário e colocando-os na mesa, antes de ir em direção à um grande balde de madeira com uma tampa, que ficava em meio às prateleiras.



Hermione observou-o, segurando sua cerveja firmemente, sentindo-se do jeito que sempre se sentia quando Ron a defendia de Malfoy. Como se, não importava a situação, ele cuidasse dela. Seu coração bateu com força.



"Então nós podemos dividir esse aqui," ela disse, fazendo menção de despejar uma metade no copo de Ron.



"Não, sério," ele respondeu, levantando a tampa do balde e sorrindo para ele. "Você pode tomá-lo. Eu achei outra coisa." Pegou seu copo, mergulhou no balde, recolocou a tampa e sentou-se na frente de Hermione. "Com fome?" ele perguntou, e começou a abrir um dos pacotes encaroçados.



Hermione pressionou os lábios e cerrou os olhos para o copo dele. "O que é isso que está bebendo?" ela perguntou, perguntando-se se queria mesmo saber a resposta.



"Mulled mead," respondeu Ron, revelando dois montes de algo pastoso. Ele fez uma careta. "Hagrid, você está me matando."



"Mas, Ron," pressionou Hermione cheia de dúvidas, "Hagrid está fora por mais ou menos 6 meses! Isso aí não deve estar bom - pode ter algum tipo de fungo aí!"



"Nah..." Ron abriu mais um pacote e suspirou pesadamente à pilha de bolos de pedra. "Em primeiro lugar, é mulled, que pode ser bebido normalmente depois de mais tempo que outras coisas. E em segundo lugar, no verão passado eu vi papai mostrar a Gui como manter consumível por meses. Você pode enfeitiçar a bebida. Tenho certeza que Hagrid fez isso."



Hermione ainda não estava satisfeita. "Bem, mesmo que não esteja envenenado," ela disse, num tom de voz que sugeria que provavelmente estava, "não é uma bebida alcoólica forte?"



Ron puxou o cordão de um terceiro pacote e abriu-o. "Nem sei," ele respondeu, colocando o cordão na mesa, "mas eu digo à você depois que beber. Sim!" Ele pegou um dos pacotes, que tinha um bolo. "Isso eu posso comer." Pegou a sua varinha. "Vingardium Leviosa!"



O bolo voou pelo ar e Hermione observou-o, sentindo um frio na barriga. Era idiota, ela sabia, mas não conseguia deixar de voltar no tempo quando ele disse o feitiço. Lembrou-a de um porrete muito pesado, que caiu na cabeça de um trasgo muito feio.



"Mobilicuppedus!" Ron apontou a varinha e mandou o pacote para a lareira, bem acima do fogo.



Hermione sorriu para ele e bebeu mais um gole da cerveja amanteigada. "Seu latim é muito bom," comentou.



Ron deu de ombros casualmente. Apenas as pontinhas de suas orelhas ficaram muito vermelhas. "Eu só sei de ir muito a Dedosdemel." Parou. "E de roubar doces de Fred e Jorge." Ele riu consigo, então suspirou, sacudiu o dedo em direção ao pacote ao fogo. "Não podemos comer aquilo até amolecer, mas eu estou morrendo de fome. É claro, eu não comeria se não estivesse morrendo de fome. Harry e eu fizemos um pacto de que não tocaríamos na comida de Hagrid à não ser que estivéssemos morrendo de desnutrição."



Hermione riu, mas rapidamente ficou muito quieta. Não havia pensado muito sobre Harry desde que ela e Ron foram para a detenção - parecia que acontecera a dias atrás agora. Sua mente voltou-se à aula mais cedo, e ela lembrou-se do olhar negro que recebera dele e da conversa sussurrada que ele tivera com Ron.



"Ron, qual é o problema com Harry?"



Ron olhou para ela, então desviou os olhos. Levantou seu copo e tomou um grande gole. "Estranho," ele murmurou, fitando dentro dele antes de repousá-lo na mesa novamente. "Eu achei que tinha um gosto diferente. Não é ruim, pensando bem. Quer experimentar?" Levou o copo na direção dela.



"Por favor, não ignore a minha pergunta." Hermione pressionou a ponta dos dedos contra a garrafa. "Eu sei que você e Harry têm um segredo e ele não está mais a salvo com o Lorde das Trevas de volta... Eu só queria ter certeza de que não tem a ver com nada perigoso."



"Não tem," respondeu Ron brevemente. "Eu devia colocar um prato embaixo daquilo". Ele levantou, pegou um prato das prateleiras, e colocou embaixo do bolo, que mal começara a amolecer nas beiradas.



Irritada com a resposta incompleta, Hermione cruzou os braços. "E isso é tudo o que você vai me contar."



Ron sentou-se e mexeu os ombros. "É, isso é tudo." Pegou o copo e tomou outro longo gole, obviamente não pretendendo explicar mais nada.



"Tá. Se isso for tudo o que você tem a dizer." Hermione levantou-se, dura, e foi até sua mochila. Tirou seu diário e uma pena, colocou a varinha e a garrafa de cerveja amanteigada no criado mudo, e jogou-se na cama enorme de Hagrid.



"Ora, vamos," arriscou Ron.



Hermione ignorou-o completamente e abriu seu diário. Pôs a língua para fora e lambeu a ponta da pena.



"Então você vai ficar aí escrevendo no diário?" Ron atravessou o quarto com seu copo. Ele sentou-se num canto da cama, fitando as costas dela, e de repente Hermione sentiu-se quente, chateada, e excitada, tudo de uma vez.



"É, eu vou," disse obstinadamente. "Ela não esconde as coisas de mim, como algumas pessoas fazem."



Ron reprimiu um som de surpresa.



Hermione percebeu seu erro. Enfiou o rosto nos travesseiros de Hagrid. "Ah NÃO," suspirou, desejando com todas as forças que pudesse apagar a última frase. Nunca na vida ela quis fazer um feitiço da Memória, mas ela considerou seriamente tentar fazer um agora.



"Eu SABIA!" gritou Ron, e Hermione soube que ele deu pulo no ar porque sentiu a cama chacoalhar quando ele levantou. "Eu sabia que o diário estava encantado! HÁ! Ela não esconde as coisas de você, não é? HÁ! Eu estava CERTO!" Ele gritava a plenos pulmões, e ele devia estar fazendo um tipo de dancinha da vitória, porque ela sentia o chão do quarto ranger.



Hermione rolou e sentou nos joelhos, furiosa. "CALE A BOCA!" gritou. "NÃO é da sua conta o que o meu diário é ou não é!"



Ron sorriu de orelha a orelha. Tomou vários goles de seu copo, colocou ao lado da cerveja amanteigada de Hermione, e abaixou-se para sentar na cama. Ele aproximou-se e, meio que contra a vontade, Hermione sentiu o perfume de seu cabelo molhado e de mulled mead vindos de Ron. Estavam olho no olho.



"Sinto muitíssimo, Srta. Granger," ele disse, numa voz grossa e triste, como a de Nick-Quase-Sem-Cabeça, "mas receio que o gato saiu do saco." Ele riu desdenhosamente, e voltou a ser Ron. "Posso ver?" Ele estendeu a mão para o diário.



Hermione agarrou o diário imediatamente com as duas mãos e pressionou-o contra o peito. "Não ouse!" Disse, fervendo de raiva. "Como você pôde, Ron?" Sentou-se nos calcanhares e encarou-o, sentindo-se repreendida, zangada -- e horrivelmente irritada consigo mesma por sentir seus joelhos tão agudos, onde eles tocavam a perna de Ron.



A expressão satisfeita de Ron falhou, por alguma razão. "Como eu pude o quê? Eu não fiz nada," disse, defensivamente.



"Você tentou roubar o meu diário agora. E você está me escondendo um segredo." Hermione sabia que esse último motivo fora um erro, mas não se importou. De algum jeito, parecia ser culpa de Ron. "Acima de tudo, você não me conta o que há com Harry, e ele não é só seu amigo, é meu também, e não é... você é..." Fungou. "Deixe-me em paz."



O sorriso de Ron já não estava mais lá. No seu lugar, estava uma expressão de súplica. "Eu não posso contar a você o que estava falando com Harry porque prometi que não contaria," disse simplesmente. "Sério, não estou tentando deixar você brava."



Hermione procurou os olhos dele por um momento. Ele estava falando a verdade.



Ela suspirou baixinho, enquanto seu coração ficava pesado. "Não acredito que Harry não quer que eu saiba das coisas," disse suavemente, sem perceber que as palavras saíram de sua boca. "Depois de tudo o que..." Ela parou, repentinamente sentindo-se cansada. Levantou-se e recolocou Gwen na mochila, terminou sua cerveja amanteigada e deixou-a na mesa. Depois, retornou para a cama, ignorou Ron, subiu passando por ele, e deitou-se na colcha de retalhos, encarando a parede. Fechou os olhos.



"Não é esse tipo de coisa," suplicou Ron. "Não é, não. Não é sobre a cicatriz, ou sobre Você-Sabe... Voldemort..." A voz dele aumentou um grau.



Hermione virou-se de uma vez, e olhou acima, para Ron. Ele só falara o nome do Lorde das Trevas na presença de Harry, porque este não tolerava mais nada esse ano. Mas Ron nunca dissera 'Voldemort' antes, quando estavam apenas os dois juntos. Ele olhou abaixo, para ela, muito sério agora. Ela sentiu um calafrio passar por ela.



"Tudo bem," ela sussurrou. "Você não precisa me contar."



"Hermione..." Ron suspirou agudamente e levou uma mão para os cabelos, fazendo-os arrepiar de novo. "Pense bem. Qual foi a última classe da Professora Sprout, antes de irmos para lá esta noite?"



Ela piscou para ele. Mas que pergunta esquisita. "Ela disse que estava com os sextanistas da Corvinal, não disse?"



"É. E há que horas?"



Hermione franziu a testa. Ron estava estranho. Ela levantou-se um pouco e apoiou-se nos cotovelos para pensar. "Acho que ela disse... que a aula dela tinha acabado uma hora antes de chegarmos lá. Mas o que isso tem a ver com -"



Ron interrompeu-a. "E em Poções, você lembra o que perguntou ao Harry?"



"Eu não... não consigo lembrar!"



"Não acredito nisso," disse Ron secamente. "A Srta. Granger dos quatrocentos e vinte e oito milhões de neurônios grifinórios? Pense melhor."



Hermione sentiu-se corar com prazer e chateação. "Eu só o perguntei o que estava acontecendo," retorquiu.



"E o que mais?"



"E mais..." Hermione procurou no cérebro. "Não sei, Ron! Eu nem sei porque você está me perguntando tudo isso!"



Ron lançou-a um olhar repreendedor. "Que classe nós tivemos antes de poções," perguntou devagar, através de dentes cerrados.



"Eu tive Aritmancia. Vocês tiveram Adivinhação." A luz veio para Hermione. "Adivinhação! Eu perguntei a Harry o que acontecera em Adivinhação para o cabelo dele estar todo molhado!"



Ron concordou com a cabeça. "Certo. E talvez o cabelo dele estivesse molhado porque..."



Hermione encarou Ron, compreensão finalmente chegando a ela. Ele a estava dando dicas. Ele não podia contar o que havia de errado com Harry, então ele estava tentando fazê-la chegar à resposta. Sentou-se ereta e olhou-o, seu coração batendo excitado. Era um quebra-cabeça. E era divertido.



"Bom, o cabelo dele estava molhado porque... ele estava na neve? Não, esquece, não diga, eu sei que você não pode. Tá, ele estava na neve. Durante Adivinhação? Mas porque diabos vocês estariam na neve durante Adivinhação? Ah - eu não posso fazer nenhuma perguntinha?" As palavras escaparam de sua boca.



Um sorriso ameaçava sair do canto da boca de Ron. "Você pode fazer uma pergunta," concedeu, parecendo muito satisfeito consigo mesmo em sua grande blusa azul. Pegou seu copo e tomou um gole. "Mas a resposta vai ser sim ou não."



Hermione pensou muito, procurando a melhor pergunta. Era difícil, vindo do nada, mas pelo menos ela podia livrar-se de uma possibilidade.



"Alguma parte da aula de Adivinhação foi na neve?" perguntou, segurando a respiração.



Ron sorriu. "Não," respondeu.



Hermione boquiabriu-se. "Mas se ele estava lá fora com o cabelo molhado, isso quer dizer que ele não estava na aula - não! Harry não matou aula!" protestou, sabendo muito bem que ele provavelmente matou. "Ele matou! Não imagino como vocês passam de ano, francamente, do jeito que vocês levam a sério - se bem que é apenas Adivinhação, né." Fungou com desdém.



"Se você já terminou com a palestra?" cutucou Ron.



"Ah é, certo." Hermione tirou o cabelo dos olhos e juntou as mãos no colo. "Então eu tenho... Harry matando a aula de Adivinhação para ir lá fora na neve e..." Hermione parou. Estufas, algo a ver com as estufas. "E a Profª Sprout terminando com os sextanistas da Corvinal uma hora antes de chegarmos lá," refletiu alto, "Então a aula de Herbologia deles foi ao mesmo tempo da aula de Adivinhação de vocês..."



Os olhos de Hermione abriram-se. Levou uma mão à boca e olhou para Ron. "Harry estava tentando convidar Cho para o Baile," sussurrou através dos dedos. "Não estava? Tentando alcançá-la quando ela fosse para o castelo, ou algo assim."



Ron não encontrou os olhos dela, nem tampouco respondeu. Tomou um longo gole e levantou-se, fazendo o colchão balançar. Recolocou o copo na grande mesa e pegou a varinha.



"Finite Incantatem," ele disse. O bolo caiu com um squish no prato embaixo dele.



Mas agora que sabia a resposta de sua pergunta, Hermione mal sabia o que falar. Voltou a cabeça ao travesseiro, observando Ron sentar-se no chão ao lado da cama e começar a comer o bolo.



"Você quer um pouco?" perguntou apenas.



Ela balançou a cabeça. Não estava mais com fome; pelo contrário, seu estômago virava como se alguém tivesse amarrado-o num nó muito apertado e dolorido. Harry e Ron conversavam sobre como convidar garotas para o Baile - garotas que Hermione mal conhecia. Seu coração deu solavanco de pena por Gina Weasley. Ela não conseguiria dizer aquilo a Gina - se bem que, talvez, fosse gentil dizer a ela. Hermione fitou Ron, que estava concentrado em seu jantar improvisado, e perguntou-se qual das muitas garotas do sétimo ano ele estava planejando convidar.



Eu não quero saber.



"Boa noite, Ron," disse baixinho, e virou-se.



O quarto ficara muito quieto. Hermione não mais ouvia Ron mastigar, ou respirar -
apenas continuavam as rajadas de vento e neve, fora da cabana. Um momento depois, ela ouviu-o levantar-se, tropeçar de leve. Houve passos, o barulho de um prato contra madeira, e então a luz abaixou quase completamente.



"Não apague o fogo," ela disse, alertando-o. "Vamos congelar."



"Ainda está aceso, eu só baixei um pouco."



Houve mais passos, e então o som de uma respiração acima dela, muito perto da cama. O coração de Hermione foi até a garganta. Ele quase se deitara ao lado dela. Mas ele não faria isso - Gwen dissera que se ele fosse um cavalheiro... mas Gwen não conhecia Ron, e ele esteve bebendo daquele copo enorme...



"'Noite, Hermione."



Ela sentiu-o levantar o outro travesseiro do lado do seu. Um momento depois, ela ouviu-o esticar-se no chão. Sentiu um pânico repentino.



"Você está dormindo em cima do quê?" falou sem pensar.



Houve uma pausa.



"De nada," Ron respondeu. Sua voz estava estranhamente alta no quarto escuro e quieto.



Hermione segurou um suspiro. "Bem, não sei se é uma boa idéia, com a neve e tudo o mais. Se a temperatura cair você poderia ficar doente, e nós já estivemos expostos a esses elementos por tanto tempo hoje que você precisa de um cobertor." As palavras saíram sem um segundo pensamento, e ela parabenizou seu próprio cérebro por vir com algo tão acreditável em pouco tempo.



Ron não respondeu por um momento. "Eu acho que você está com o único cobertor," disse finalmente.



"Ah..." Hermione armou-se de coragem. "Bom, tudo bem. É bastante grande, tenho certeza que você cabe também."



Houve um silêncio no qual apenas duas pessoas respiravam irregularmente.



O chão fez barulho. Hermione pulou. Ron levantara-se e caminhava em direção à cama; houve o som de algo leve caindo na ponta do edredom e a sensação de ar movendo-se embaixo das cobertas. Ron as havia levantando e colocava-se embaixo delas. O colchão deu um solavanco, levantou-se e moveu-se, depois parou. Houveram mais uns rangidos enquanto ele aparentemente ficava confortável, e então o quarto voltou ao silêncio seguido pelos sons da tempestade.



"Tem espaço suficiente para você?" perguntou Hermione, falhando.



"Tem."



O rosto de Hermione foi tomado por uma expressão preocupada e perplexa. A voz de Ron não viera do lado dela, mas sim de algum lugar perto de seus pés. Ela rolou abruptamente e encarou dois grandes, nus e sardentos pés, que estavam a polegadas de seu nariz. Soltou um gemido alto e exasperado antes de poder conter-se.



"O quê?" perguntou Ron de primeira.



"Seus pés estão na minha cara!" respondeu instantaneamente, de repente zangada com ele por motivos que não queria admitir à si mesma.



O rosto de Ron apareceu por de baixo das cobertas. "Os seus não estão facilitando também!" falou.



"Retire isso!" puxou as pernas e sentou-se para encará-lo. Ela conseguiu apenas ver o olhar carrancudo vindo do outro lado da cama, enquanto ele rolava para ficar de bruços.



Hermione voltou ao seu travesseiro e fechou os olhos, frustrada demais com a situação para discutir. Pés e cabeças não eram o que ela tinha em mente. Não que ela tivesse algo em mente, exatamente. Sentiu suas bochechas corarem, e tentou fingir para si mesma que não esperava que algo acontecesse. Gwen estava certa. Ele sobreviveria no chão.



Ele estava balançando muito agora, e fazendo barulhos. Houve um barulho vindo das molas do colchão. Alguma coisa pesada bateu no chão. Como se Ron estivesse mexendo em papéis, metais e roupas.



"O que você está fazendo?" disse, perguntando-se o quanto daquela bebida o havia afetado.



"Nada." Mas claramente não era nada - Hermione abriu os olhos e piscou para o reflexo de luz no teto. Ela cerrou os olhos na direção de Ron, que estava com metade do corpo para fora da cama, fazendo algo com a luz de sua varinha.



"O que tem aí embaixo?"



"Um malão -" disse Ron, com a voz forçada, como se tivesse movendo algo pesado. O colchão balançou violentamente.



"O malão de Hagrid?" perguntou Hermione desaprovando, e resolvendo não tomar parte de o que quer que Ron estivesse fazendo.



"Não, do Aidan Lynch," murmurou Ron, e depois, "Ah, legal! Não acredito que ele guardou isso."



Hermione lutou consigo. De um lado, não era certo mexer nas coisas dos outros. Do outro, não conseguia negar que tinha natureza inquisitiva. Obedecendo a curiosidade, portanto, ela esticou-se para a ponta da cama e deitou-se ao lado dele. Deu uma espiada dentro do malão. Lá, acomodados nas dobras de algo grande e preto com o distintivo da Grifinória, estavam duas metades denteadas de uma grande e manchada casca de ovo.



"Awww..." suspirou Hermione, tirando um dedo cuidadoso para tocar a casca. "Norberto..." Ela mexeu no ovo suavemente, lembrando-se do dia em que o dragão nascera, seguido pelo incidente na torre de Astronomia - a detenção, a perda de pontos, a devastação - ela sorriu. Não dera em nada, no final.



"Bebê Norberto," resmungou Ron. "Bebezinho Norberto - Hagrid ainda acha que ele é a mãe do bicho, aposto. É claro que ele nunca mordeu o Hagrid." Ron abriu a mão no lençol e apontou a luz da varinha nela. "Eu devia mostrá-lo esta cicatriz quando ele voltar dos gigantes. Provavelmente vai ficar todo nostálgico."



Hermione fitou a ponta do pulso de Ron. "Eu não sabia que você tinha uma cicatriz," ela disse, aproximando-se para olhar. Ela sentiu os seus braços se tocarem e um calafrio passar pelas costas.



Ron fez um barulho de pigarro engraçado e limpou a garganta. "É, bem," ele disse bruscamente, "não é nada importante. Ela não, sabe, me conta quando o Lorde das Trevas está na esquina, ou me faz desmaiar no meio da aula."



"Deixe-me vê-la -" Hermione levou a mão esquerda para baixo da de Ron e com a mão direita, tocou seu dedo indicador no par de marcas brancas. A respiração de Ron estava muito perto de seu ouvido, e ela pensou ter ouvido-o engolir. Ela lembrou-se do quão simples fora segurar na mão dele na neve, e perguntou-se se teria sempre que achar uma desculpa para fazer isso. "Foi aí que ele te mordeu?"



Ron limpou a garganta novamente. "Foi -" ele disse, mas a voz falhou na próxima palavra.



Hermione mordeu forte a língua, e continuou como se não o tivesse ouvido. "Você nunca me mostrou." Ela desenhou um círculo em volta das marcas de dentes com a ponta do dedo, e Ron segurou um suspiro. De repente, Hermione sentiu-se inexplicavelmente poderosa. "Você deveria agradecer por isso não fazê-lo desmaiar na aula," ela disse baixinho. "Você não quer isso, Ron."



Silêncio por um momento.



"Eu sei," ele respondeu. Sua voz estava baixa, agora, e quente, e Hermione sentia a vibração dela embaixo de seu ouvido, no pescoço. Houve um quase insuportável calor em seu ventre, e o sangue pulsou em suas orelhas. Parou de passar o dedo no pulso de Ron, mas deixou a mão descansar em sua pele, incapaz de quebrar o contato. Pela sua cabeça passaram imagens de tudo o que ela queria fazer, mas não podia. Era quase um pesadelo, estar assim tão perto, no escuro, numa cama, com a quente respiração dele em seu pescoço, e não estar -



"Eu só abri o malão de Hagrid para ver se eu conseguia achar um edredom a mais." A voz de Ron fora tão abrupta que Hermione assustou-se. "Acho que posso usar as vestes velhas dele - são grandes o bastante."



"O quê..." Hermione não estava conseguindo juntar uma coisa com outra. "Eu não..."



"Assim meus pés não ficarão na sua cara."



Ela engoliu. "Ah. Certo." Seu coração bateu muito rápido. Ele não estava dizendo que dormiria no chão. Não estava. Ele mexeu seu corpo levemente, ao lado do dela, e ela sentiu seu calcanhar roçar no dela. Recuperou a voz e procurou nos neurônios pelo que queria. "Não há nada de errado com seus pés, Ron," ouviu-se dizendo ativamente, "mas eu realmente não acho que nenhum de nós deveria dormir nessa ponta. A cama está inclinada, ou algo assim - veja." Ela tirou a mão do pulso dele e puxou o final do colchão, para mostrar que estava pendendo para baixo. "O sangue vai para a cabeça."



"E isso não é bom?" perguntou Ron imediatamente.



"Não é muito saudável."



"Ah." Ele ajoelhou-se e fechou o malão de Hagrid, então virou-se e jogou o travesseiro para a cabeceira. "Bom saber."



O desapontamento de Hermione por perder contato com as mãos de Ron foi deixado de lado pelo fato de que, em um minuto, os dois estavam enfiados confortavelmente embaixo do cobertor, na mesma ponta da cama. Ela estava deitada fitando acima enquanto ele se ajustava, não querendo sair de perto dele e não confiando em si mesma para virar na direção dele. A perna de Ron tocou a dela.



"Desculpe," ele murmurou, e instantaneamente tirou-a. O quarto ficou silencioso. Eles não estavam mais se tocando. "'Noite," disso Ron finalmente. Ele rolou e encarou a outra direção.



Um sentimento de ruína e depressão tomou conta de Hermione. Não estava bom o bastante. Apenas não estava bom o bastante. Havia algo em seu peito, tão grande que ameaçava invadir todo o seu corpo, e sentiu um medo repentino. E se isso for tudo o que vai acontecer? perguntou a si mesma, encarando, mesmo sem ver, o teto. Parecia uma pergunta válida. Afinal, ela começara tudo o que havia acontecido até agora. Ela tomara a mão dele. As duas vezes. Ela deixara claro que tudo bem para ela se ele dormisse ao seu lado. Talvez, todo o tempo, ele apenas quisesse dormir no chão. Talvez houvesse alguém de quem ele gostasse. Ela não sabia. Nem ele, nem Harry, nunca a contavam nada. Nunca.



"Porque Harry não quis que eu soubesse?" perguntou de repente, sentindo as palavras desaparecerem no escuro do quarto. "É tão importante assim o fato de ele convidar a Cho? O que ele acha que eu vou fazer? Provocá-lo? Ele não sabe que eu nunca faria isso?"



Ron se mexeu ao lado dela. "Não sei," resmungou.



"Suponho que você também não me contaria esse tipo de coisa," ela forçou, sentindo o rosto arder, "e isso é idiota. Como se eu me importasse com quem vocês vão. É claro, é totalmente assunto de vocês, mas vocês poderiam me contar, sabe." Ela tentou respirar, e descobriu que seus pulmões estavam repentinamente vazios. "Vocês podem me contar tudo o que quiserem."



Ron rolou em suas costas, ao lado dela. Na sua vista, ela conseguia vê-lo encarar o teto também.



"Nós... apenas decidimos deixar isso entre nós, e então convidar," admitiu vagarosamente, como se decidisse não aborrecer Hermione. "Isso nos ajudou ano passado. Nós deveríamos nos encontrar na sala comunal hoje, com a tarefa completa."



Hermione retrocedeu. Então ele sabia quem queria convidar. Ele provavelmente já convidara a pessoa. Suas entranhas repentinamente ficaram frias. "Ah" disse levemente.



"É."



"Então Harry convidou, ou...?"



Ron mexeu os ombros; Hermione sentiu o movimento do colchão. "Tentei perguntá-lo em Poções, mas ele não me contou. Aí você..."



"Encheu o saco do Harry." Saiu de sua boca antes mesmo de poder conter-se.



"Eu não quis dizer desse jeito -" ele começou.



Hermione atirou a cabeça no travesseiro. "Bom, certamente eu não vou encher o seu saco," disse, com a garganta apertada. "Você deve estar feliz por ter cumprido a tarefa hoje. De qualquer jeito, eu não vou te pressionar." Virou-se na outra direção.



"Eu não cumpri a tarefa." A voz de Ron estava estranhamente forçada. "Eu ia convidar depois da aula de Poções. Mas fui desviado."



Como pensei. "Bem, sinto muito se você terminou numa detenção, porque se não tivesse poderia ter convidado depois da aula." Hermione não sentia muito; na verdade, desejou não ter perguntado a Ron nada sobre isso. As respostas eram dolorosas demais para ouvir. Ainda assim, lutou para soar sincera. "Mais sorte amanhã."



Ron limpou a garganta. Quando falou, sua voz era meramente audível. "Eu não preciso esperar até amanhã."



Hermione congelou. Ficou lá, sem ação, ouvindo a neve bater contra as janelas. Seu coração bateu violentamente em seu peito. Seus dedos tremiam. Ele não está dizendo...



"Do que você está falando?" ela suspirou, virando a cabeça no travesseiro para ver seu rosto.



"Olha, é que - " Ron continuava encarando o teto. Seu corpo ficou tenso embaixo do cobertor e sua voz parecia incapaz de escolher um oitavo. "Você - você quer ir comigo?"



Os sons da neve e do vento desapareceram de uma vez. Um silêncio tomou conta da cabana de um quarto só, separando-a do mundo lá fora. Hermione fitou o perfil de Ron, pensativa, sem nem ao menos procurar por palavras. Ela não podia responder. Seu coração parara.



Ron soltou um pequeno suspiro que soava necessário, como se ele não estivesse respirando por alguns minutos. "Pensei que provavelmente você já estaria indo com alguém," ele disse, com a voz abafada, e embaraçada. Mesmo no escuro, ele conseguiu ficar vermelho. "Então tudo bem - "



"Ah não - " Hermione estava boquiaberta, mas finalmente encontrou ar suficiente para sustentar a voz " - não, Ron, eu quero ir com você."



Ela corou. Muito. Aquilo ficou um pouco óbvio. Mas não importava - nada importava - toda a educação de Hermione estava reduzida a um único e essencial fato. Ron a convidara para o Baile. Ela iria com ele.



Ele virou a cabeça e olhou para ela. "Você quer?" ele disse.



Seu coração estava preste a pular para fora do peito, ou explodir em pedaços. Rolou nos cotovelos para encará-lo. "Quero."



O alívio de Ron foi evidente em seu sorriso, que aparecera com força, fazendo seus olhos ficarem pequenos. "Ótimo," disse, rindo meio sem fôlego. "Assim já acabo com isso."



"Mas porque você não me convidou antes?" exclamou Hermione, incapaz de conter-se. Ron a convidara para o Baile. Ron a convidara para o Baile. "Se é assim tão horrível, porque não convidar logo?"



"Porque você não faz isso da próxima vez, e vê como é legal," ele retorquiu. "É do mal, eu te digo. Você reclama de ser uma garota, mas tem sorte por isso."



"Muito obrigado." Apesar de Hermione tentar, não conseguia ficar zangada.



"Ah, não fique bravinha. Você sabe o que eu quero dizer."



"Bem, eu não sei porque se preocupar," ela respondeu, olhando para o seu rosto virado para cima. "Sou só eu."



Ron não respondeu. Olhou para cima, para ela, e então, para grande choque de Hermione, ele pegou uma grande mão e, sem graça, alcançou a parte da blusa embaixo de seu ombro. Ele levantou o colarinho da enorme blusa, fazendo a coisa ir para cima de seu peito até o último botão tocar sua garganta.



Hermione encarou-o, sobressaltada, e então percebeu porque ele fez isso. Ela agarrou a blusa com as duas mãos, pressionando-as contra seu corpo. O enorme colarinho devia estar lá pendurado - mostrando... ela nem queria pensar nisso. Seu rosto queimou.



"Tudo bem," Ron disse baixinho, e tirou a mão de seu ombro. Seu braço esticou-se pelo travesseiro dela. "Eu não vi nada."



"Ah, Ron!" Sem pensar direito, Hermione despencou de seu cotovelo e escondeu o rosto no ombro dele. Em parte, ela queria esconder a enorme confusão de tudo - sua vergonha, sua incrível excitação, a expressão protetora de Ron.



Mas em maior parte, ela simplesmente não conseguia agüentar mais um segundo. Ela enrolou-se ao lado dele, sentindo a quentura vinda dele, suspirando com um calafrio quando seu braço abraçou-a, desengonçado, e seus dedos tocaram seu cabelo. Sabia que não podia olhar para ele, e não tinha idéia do que fazer, ou como se mover, mas não conseguia fazer o coração parar de bater alegremente. Aquilo era real. E certo.



"Você não liga," ela suspirou timidamente em seu ombro um momento depois, "se nós dormirmos assim?"



Ele fez um som profundo que servia como "Não", e moveu-se um pouco, fazendo-os ficar mais perto.



"Boa noite, então," ela sussurrou, colocando um braço em cima dele.



Ron suspirou audivelmente, e Hermione sentiu isso embaixo de seu cotovelo esticado. Ele colocou sua mão no antebraço dela e levemente movia seus dedos para frente e para trás.



Hermione ficou lá, sabendo que nunca conseguiria dormir. Não assim. Não perto dele, assim, com seu braço completamente perdido em arrepios. Seria impossível. Ela aproximou-se mais dele e fechou os olhos, nunca estando tão contente. Isso fazia sentido. Isso era bom, seguro, e ela não podia imaginar como vivia sem aquilo, apesar de ser impossível acreditar. Quando a cabeça de Ron se moveu, ela ficou um pouco tensa, temendo que ele pudesse quebrar o contato com ela e dar um fim àquilo.



A próxima coisa que sentiu foi uma leve pressão da boca dele no topo de sua testa. Demorou-se, e então desapareceu, deixando um círculo de calor onde seus lábios tocaram. Sua respiração balançou os pequenos cachos de sua franja e a própria boca de Hermione abriu-se contra a blusa dele, em choque. Cada pedacinho dela estava em chamas.



"'Noite, Hermione," ele disse roucamente.



Ele me beijou. Ele me beijou. Ele me beijou.



Ela não conseguia resistir. Aonde houvera contentamento alguns momentos antes, Ron agora criara um poderoso vazio. Hermione sentiu como se fosse choramingar alto - havia apenas um jeito de acabar com isso e, talvez porque Ron fizera primeiro, ela não tinha mais medo de tentar. Levantou a cabeça de seu ombro e levou a boca em direção à sua bochecha, em gesto recíproco.



Seus lábios tocaram sua pele bem acima de seu maxilar, e ela sentiu o corpo dele enrijecer; os dedos dele cravaram em seu braço e cabelos. Ela deixou sua boca em sua bochecha por um longo momento, sentindo quão quente era sua pele, e quão macia, respirando o estranho e doce aroma vindo dele.



"Boa noite," sussurrou, muito perto de sua orelha, perguntando-se quantas vezes eles já haviam desejado boa noite um ao outro. Moveu a palma da mão para o peito dele, que subia e descia rápido, então abaixou a cabeça e suspirou em seu pescoço. Mais uma vez, sentiu a estranha sensação de possuir um grande poder que não tinha nada a ver com magia.



A mão de Ron permaneceu em seu cabelo. Ele virou o rosto até sua respiração soprar na testa de Hermione novamente, e ela engoliu em seco, incapaz de respirar, sua mente cheia de esperanças. Levantou o queixo e sentiu-o encontrar o dele. Medo e desejo invadiram-na. Seu coração acelerou impiedosamente e ela também sentiu o coração de Ron, batendo rápido embaixo de sua mão.



E ficaram lá, olhos quase fechados, suas respirações misturadas no travesseiro até que Hermione não conseguiu mais resistir. Esticou-se para ele e, no mesmo momento, ele moveu-se em direção a ela.



Hermione sentiu seus narizes se baterem e ouviu Ron arfar; pressionou a orelha contra o travesseiro para eles encaixarem. No mesmo instante, Ron levantou um pouco e inclinou a cabeça.



Tudo parou.



Seus lábios se tocaram.



Trovoadas na cabeça de Hermione.



Afundou no travesseiro, rolando nas costas enquanto Ron a beijava, pensando em como era estar conectada assim com outra pessoa. Com Ron. Não havia outra pessoa. Ron, quem a deixava furiosa e a provocava, era a única pessoa no mundo com permissão para isso. Seu beijo cantarolou dentro dela. Ousadamente, separou os lábios um pouco e sentiu sua respiração entrar. Seus dedos mexiam convulsivamente no cabelo dela e, meio inesperadamente, Hermione sentiu a ponta de sua língua tocar seu lábio.



Soltou um suspiro suave e confiante, e jogou as mãos para as costas dele.



Como se nem estivesse esperando permissão, Ron abriu a boca de Hermione com sua própria e deixou o peso de seu peito descansar no dela. Ele não sabia muito bem o que fazer, mas isso não era importante. Hermione não sabia também. O principal era que eles estavam fazendo. Ele tocava seu ombro e pescoço com dedos desajeitados enquanto a beijava. Ela o apertava forte e beijava-o de volta com toda a inexperiência que possuía, revelando toda a pressão de estar assim embaixo dele e a sensação de sua boca encontrando a dela em todos os ângulos. Ele era doce. Ela não esperava por isso. Bolo de Hagrid e mulled mead. Sentiu uma risadinha lutando para sair de seu peito. Eu nunca mais vou rejeitar as comidas de Hagrid enquanto viver. Ela riu baixinho enquanto pensava.



"O quê?" Ron murmurou logo, indo para trás para poder olhá-la, as sobrancelhas se juntando. "O que é engraçado?"



Hermione percebeu que ele deve ter achado que ela estava rindo dele, e apressou-se a corrigir seu erro. "Eu tive um pensamento engraçado," confessou, "Não foi porque - você sabe - foi só..." Parou. Seus lábios estavam molhados e ela os pressionou incertamente. Como era possível ter a língua de Ron em sua boca e ainda assim ficar com vergonha em sua frente, não sabia. Mas era muito injusto.



"Qual foi o pensamento?" ele perguntou, como se para provar que a risada não era sobre ele.



"Bem, é que..." Hermione corou. Como ela contaria para ela que estava pensando no gosto dele? Mas não havia nenhuma resposta; Ron pairava diante dela parecendo um pouco nervoso, e ela sabia que tinha que dizer algo rápido.



"E?"



"Eu estava pensando que, você sabe - " uma idéia surgiu misericordiosamente "- quando Hagrid voltar, se ele usar essas blusas, eu vou ficar distraída na aula de Trato das Criaturas Mágicas."



Ron piscou para ela. Certamente aquela não era a resposta que ele esperava. Ele olhou para a blusa dela, e Hermione tirou as mãos de suas costas rapidamente, ajustando o colarinho para ter certeza de que não estava mostrando nada.



"Sabe o que eu acabei de pensar?" perguntou Ron depois de um momento, parecendo muito sério.



"Não," respondeu Hermione timidamente. "O quê?"



"Que da última vez que duas pessoas dormiram nessa cama, ela quebrou com o peso." Ele deu risada.



Os olhos de Hermione abriram-se. "Ron!" repreendeu, como se ela mesma não tivesse pensado em Hagrid e Madame Maxime apenas duas horas antes. Puxou seus cabelos cheios de seus olhos. "Como você pode pensar nisso! Eles... eles são professores!"



Ron sorriu, então tirou a mão do ombro dela e tirou outro cacho rebelde de seu rosto. Ficou empenhado nisso, por um momento, olhando seriamente para ele enquanto recolocava-o com o resto de seu cabelo, a testa enrugada de concentração, como se quisesse encontrar o lugar perfeito.



"Boa sorte," murmurou Hermione.



"Huh?"



"Nada."



A atenção de Ron voltou para seu rosto, e ele a estudou, por um momento, com a mesma concentração. Hermione continuou deitada e deixou-se ser observada, perguntando-se porque aquilo era tão extremamente perturbador e tão terrivelmente assustador. Aquele era realmente Ron, olhando-a daquela maneira. Ela olhou de volta para ele com a mesma intenção, seguindo os conjuntos de sardas que conhecia tão bem, e levantando uma mão hesitante para tocar o cabelo muito vermelho que a fascinara desde que tinha dez anos. Era macio e uma pouco pontiagudo. Ron.



Hermione suspirou, feliz, e baixou a mão. Ron inclinara a cabeça. Ela fechou os olhos e sentiu seu beijo arrepiá-la até os dedos.



Depois de um longo tempo, eles se separaram para respirar um pouco, e mesmo que aquilo a golpeasse horrivelmente, Hermione sabia que aquela era a deixa. "Ron -" arfou "- eu acho que nós devíamos - dormir agora."



Ron gemeu ligeiramente, e Hermione sabia como ele se sentia. Ela não queria ter dito aquilo. Ela não queria parar. E ela não o afastou quando ele beijou sua boca e sua bochecha rapidamente, como se para pegar tudo o que podia, antes de terminar. Mas apesar do doloroso desapontamento que tomou conta dela quando Ron se afastou, ela o deixou, sabendo que era a coisa certa. Ele rolou nas costas e suspirou, e ela suspirou com ele.



Eles se olharam por um longo, e silencioso momento pelos travesseiros; então Ron esticou o braço em sua direção e ela fechou os olhos.



Hermione se ajeitou entre seus braços sem uma palavra e descansou a cabeça em seu ombro, recolocando a mão no coração dele. Ele cobriu os dedos de Hermione com seus próprios, e aspirou profundamente.



"Boa noite," disseram, quase ao mesmo tempo.



Hermione fechou os olhos e sentiu Ron respirar. Sentiu-se totalmente segura. Confortada. Perguntou-se como conseguiria voltar a dormir em sua própria cama depois disso. Era melhor do que ela podia algum dia imaginar, ser abraçada, quentinha e sonolenta, ao lado de Ron, e sentir seu coração embaixo de sua mão. Ela suspirou baixinho, sentindo sua mente afastar-se para o sono.



"Ron...?" perguntou vagamente, sem saber muito bem o que estava falando.



"Mmm?"



"Obrigada... por brigar com a Pansy..."



Ron não respondera. Ou, se respondeu, Hermione não soube. Caiu no sono.



*



Ao acordar, o coração de Hermione disparou. Manteu os olhos firmemente fechados. Lembrou-se imediatamente de onde estava, e quem estava ao seu lado e, apesar de ainda estar quente e confortável, sentiu-se inexplicavelmente com medo. E se tudo tivesse sido um sonho? Ou, se foi real, e ela não soubesse o que dizer a ele? E se Ron tivesse mudado de opinião? Seu estômago revirou só pela idéia.



Aí, ouviu um barulho. Veio do outro lado da cabana, e soava como -



"Ron?" Hermione abriu os olhos. O lugar de Ron ao seu lado na cama estava vazio, e o barulho continuava. Vinha da direção do banheiro - o inconfundível som de alguém pondo tudo pra fora.



"Ron, você está doente?" Hermione pulou da cama e correu para a porta do banheiro. Ron estava tendo ânsias, atrás dela. "Você quer água? Tenho certeza que isso é aquele mulled mead, eu disse que não era nada bom, e agora - você está bem?"



Ron tossiu fracamente. "Hora perfeita para um 'eu-não-te-disse'," rouquejou. Ele soava extremamente miserável, e Hermione sentiu-se instantaneamente arrependida.



"Ah... deixe-me ajudá-lo, apenas abra a porta."



"Não!"



"Vamos, é apenas vômito, Ron, francamente. Eu já vi você vomitar lesmas, e não pode ser pior que isso."



Não houve resposta, mas o som de um violtento regurgitar. Hermione correu pela sua varinha, e abriu a porta ela mesma. "Alorromora!"



Ron estava dobrado ao meio. Ele subiu com uma careta e tentou fechar a porta, mas Hermione enfiou o pé no meio. Fez um feitiço Convocatório numa toalha da cozinha e entregou a ele, que a pegou e enxugou o rosto por um momento, antes de fazer um barulho horrível, e inclinar-se à privada novamente.



Ele termionou e gemeu, mantendo as mãos nos joelhos e deixando a cabeça pender.



"E aí?" perguntou Hermione, colocando uma mão nas costas dele e acariciando-a gentilmente. "Terminou?"



Ron fez um som gorgolejante e voltou à privada. Endireitou-se, limpou o rosto e a boca com a toalha e concordou com a cabeça.



Hermione levou-o de volta à cama e trouxe uma roupa molhada e água. Ele se limpou completamente, bebeu a água e fez uma expressão terrível.



"Preciso tirar esse gosto da minha boca," reclamou.



"Apenas fique deitado."



Ron o fez, enquanto Hermione fuçou entre os armários e potes de Hagrids até achar o que procurava. Voltou à cama com folhas de hortelã, e Ron pegou agradecido.
"Obrigado," ele disse, e olhou para a parede, deitando-se na cama.



Hermione sentou-se na ponta do colchão, olhando de Ron para as janelas. Era dia - quase à tarde, pela luz - e havia parado de nevar. A neve estava ainda alta, mas ela não deixava de pensar que deviam estar em Hogwarts o mais rápido possível.



"Todos vão ficar preocupados," disse ansiosamente, olhando de volta para Ron, que estava imóvel de barriga para cima, com uma mão no estômago, as batatas da perna e os pés saindo da enorme camisa de Hagrid, e olhando para ela.



"Ainda não consigo andar," ele disse, pela boca cheia de hortelã. "Vamos esperar um pouco."



Hermione franziu a testa e pegou o outro travesseiro. "Bom, você precisa de algo?" perguntou hesitante. "Ou você se sente melhor?"



Ron não respondeu. Apenas se moveu um pouco mais para perto da parede, abrindo mais espaço ao seu lado.



Era diferente à luz do dia, refletiu Hermione, colocando o cabelo atrás da orelha automaticamente. Sabia que era bobo - eles haviam de beijado e caído no sono juntos, céus - mas não conseguia deixar de ficar nervosa e constrangida, olhando-o agora. Ele era o mesmo Ron que havia beijado-a e tocado seu pescoço. Hermione sentiu seu rosto ficando vermelho e olhou sua blusa desnecessariamente, para ter certeza de que tudo estava no lugar. Queria estar perto de Ron - esse era o problema. Ela não sabia o que fazer para chegar até lá.



Cuidadosamente, começou. "Bem, suponho que esperar um pouquinho não ia doer..." Colocou as pernas para cima e enfiou os pés no cobertor. "Pelo menos até ficar mais quente lá fora. Nós não estávamos vestidos para um tempestade, sabe."



"Está certa," disse Ron, eficiente. "Nós podíamos ficar doentes." Ele começou a se ajeitar debaixo do cobertor, ao seu lado.



"E você está doente," lembrou Hermione, aconchegando-se mais um pouco e virando de lado.



"Verdade." Ron moveu-se um pouco mais para o meio.



"Então podíamos esperar um minuto," murmurou Hermione, movendo-se para o centro até sua perna tocar a de Ron.



"E nos esquentarmos," respondeu Ron, sua voz igualmente baixa. Ele moveu sua perna, um pouco mais perto da dela, encostando seus pés nos dela.



Hermione escondeu o rosto no topo dos braços dele e sua perna começou a formigar. Ela respondeu com seus dedos, passando o pé para cima e para baixo do de Ron. Ele arfou um pouco, e ela suspirou em sua camisa. Misturado com a hortelã e a fragrância de sua pele morna, havia um suave cheiro, de quando ele vomitara. Mas ela não ligou; ainda esperava que ele a beijasse. Perguntou-se se aquilo era estranho.



Moveu seu braço pelo peito de Ron e levantou o rosto de sua camisa, para o seu pescoço. Ele rolou em sua direção, mas manteve a boca bem fechada, como se não tivesse certeza se arriscaria respirar perto dela, pelas circunstâncias.



Sabendo que seria totalmente sua decisão, Hermione juntou coragem. Apoiou-se em um cotovelo, inclinou a cabeça na direção dele - e lembrou-se de algo. Algo que Ron disse a ela, na última noite. Afastou-se alguns centímetros e franziu a testa, pensativa.



"O quê?" ele perguntou, meramente abrindo a boca para falar.



"Quando eu já reclamei sobre ser uma garota?" perguntou curiosamente.



"Huh?" Ron parecia confuso.



"Ontem à noite você disse que eu havia reclamado de ser uma garota, mas tinha sorte por isso. Quando eu disse?"



"Ah, sim." Ron sorriu, esquecendo de manter a boca fechada. "Sabe - lá fora, na tempestade, quando você não parava de falar. Algo sobre como nós nunca te ouvimos, e blá blá, e era porque você é uma garota, e blá blá blá -"



Hermione ficou boquiaberta. Não queria acreditar naquilo. "VOCÊ..." Ela saiu do ombro dele e encarou-o. "Você me ouviu. Todo aquele tempo - e você conseguia me ouvir?" Sua mente correu, tentando lembrar de tudo o que ela havia dito. Não tinha importância. Ia matá-lo.



"Eu estava bloqueando o vento." riu Ron. "Você estava hilária, com o Feitiço dos Quatro Pontos. Não acredito no quão ingênua -"



"Você... você..." Hermione não tinha palavras. "Você..."



"Me pegou direitinho."



"Você..."



"É um gênio, Ron."



"Você é um tremendo idiota, nós estávamos numa nevasca e você estava dificultando tudo!"



Ron piscou. "Foi engraçado."



"Engraçado? Enquanto estávamos congelando? Não ocorreu a você que nós poderíamos ter morrido lá fora, enquanto você fazia piadinhas?" Hermione estava apoiada em cima dele, extremamente enfurecida. Nem ligava se tivessem morrido. Foi o que ele ouviu que a incomodava. Mais e mais do que ela falara vinha à sua mente, e encolheu-se de vergonha, agrandecendo a sua sorte de que pelo menos ela parara antes de dizer algo realmente estúpido.



"Ora, vamos, Hermione. Nós não iríamos morrer numa nevasca. Temos coisas mais importantes a fazer." Ron fechou os olhos. "Er - sua blusa."



Hermione olhou para o espaço entre a blusa e seu peito, soltou um grito sufocado e caiu, achando-se aplainada contra Ron, que abrira os olhos imediatamente. Seus rostos não estavam nem a uma polegada de distância, podia sentir o peito dele subindo e descendo rapidamente embaixo de seu próprio. A respiração agora cheirava mais à hortelã, e ela estava bem falhada.



"Hermione," ele sussurrou. Seus olhos estavam na boca dela.



Ela não conseguia se mexer. Ela tinha que se mexer. Mas ao invés, suspirou profundamente, e -



"Volte aqui, Sr. Potter. Já disse aos dois para ficarem comigo - nada de vocês dois correndo pela Floresta Proibida. Se os dois estão aqui, nós vamos achá-los."



Hermione gritou.



Ron pegou-a pela parte de trás da cabeça e tampou a boca dela com o peito. "Cala a boca!" sibilou. "É a McGonagall!"



"Eu sei quem é -" retrucou Hermione, lutando para sair do abraço de Ron. "Você está me sufocando!"



"O que foi esse barulho?" veio uma voz conhecida de fora. "Ouvi algo na cabana de Hagrid."



"Ah não," gemeu Ron. "Harry. Temos que nos vestir!" Seus olhos estavam arregalados.



"Não temos, não! Só saia de cima de mim e vá para o chão!"



"De você? Você está em cima de mim!"



"Vai pro chão, Ron!"



Ron rolou Hermione nas costas dela, passou por cima dela, e jogou-se na manta do chão, ainda arfando.



"Finja que está dormindo!" murmurou Hermione. "Rápido!"



"Alorromora!"



Harry estava à porta. Hermione fechou os olhos e segurou a respiração, rezando para que ele não reparasse que ela estava afoita. Ela esperou, tensa em cada músuclo, que Harry dissesse algo para acordá-los. Quando ele não se moveu, nem disse nada, ela decidiu tentar algo.



Vagarosamente, abriu os olhos e se espreguiçou, finjindo notar que Harry estava ali pela primeira vez. Sentou-se. "Ah, Harry!" ela disse, deixando a voz falhar um pouco, como se tivesse acabado de acordar. Também piscou várias vezes, desnecessariamente, para mostrar que a luz estava forte demais para ela. "Você nos achou!"



Harry deu um sorriso torto, cruzando os braços, e lançou a Hermione um olhar que sugeria que ela não era uma boa atriz. Olhou de seu pijama, para o lençol amassado, e para Ron, que estava com os olhos fechados de uma maneira forçada. Ele riu.



"Vocês podem se levantar," ele disse. "E coloquem umas roupas. As pessoas estão procurando vocês."



"Eles estão aí?" veio uma voz feminina e preocupada. "Você os achou, Harry?"



Um raio de sol num cabelo vermelho, e Gina Weasley apareceu atrás do ombro de Harry. Ela olhou o quarto, fez um som de alívio, e puxou seu braço.



"Por onde vocês andaram?" ralhou com a voz aguda, parando em frente à cama com as mãos nos quadris.



Ron sentou-se nos seus. "Aonde você acha?" disparou. "Você tem olhos, não?"



"Como vocês chegaram aqui? Porque não voltaram ao castelo?"



"Estão na cabana de Hagrid?" A voz da Profª McGonagall estava alta e perto da porta.



"Não entre aqui!" suplicou Ron, catando suas roupas amassadas e correndo para o banheiro.



Hermione pulou da cama e correu para a cadeira. "Saia, Harry, vou me trocar!" arfou ela. "Gina, fique na porta do banheiro para o Ron não sair!"



Em minutos, Hermione e Ron já estavam em suas vestes da escola, sem interferir na exclamação da Profª McGonagall, lá fora - "O que você quer dizer, eles estão estão colocando as roupas?"



Foi com rostos muito vermelhos que eles sairam da cabana de Hagrid e explicaram sua "aventura" à professora. Ela ouviu a história com uma sobrancelha levantada e lábios pressionados, os braços apertados fortemente em volta de seu peito.



"Tudo bem," ela disse, quando terminaram. Parecia que queria dizer algo a mais, mas ao invés, ela pressionou os lábios mais ainda, tão forte que eles ficaram brancos. Virou-se nos calcanhares, e marchou pela neve, em direção ao castelo de Hogwarts.



Ron lançou à Hermione um olhar culpado, alcançou Harry e seguiu a professora.



Hermione ficou bem atrás, seus olhos na cabeça de Ron, olhando o sol em seus cabelos. Estava confusa entre perguntar-se no que Harry pensara deles, esperando não receber nenhuma segunda detenção, e tentando lembrar exatamente de como era beijar Ron. Havia fechado seus olhos por um instante, para lembrar da sensação com mais detalhes, quando Gina veio andar ao seu lado, e a pegou pelo braço.



"Então," disse Gina, bem baixo, "alguma coisa... aconteceu?"



Hermione arregalou os olhos, e sua garganta ficou seca. Engoliu em seco. "O que você quer dizer?" perguntou rapidamente. "Não! Claro que não."



"Ah." Gina pareceu um pouco nervosa e desapontada. "Pensei que talvez ele... mas esquece."



"Talvez ele o quê?"



Gina balançou a cabeça e apontou para Harry. "Não posso," ela disse. "Ele me fez jurar segredo."



"Quem, Harry?"



"Shhh!" Gina enrubeceu. "Ele vai ouvir você."



Hermione fitou a amiga longamente, perguntando-se o que aquilo podia significar. E aí ela se lembrou do segredo entre Harry e Ron. "Ahhh..." ela suspirou. "Você quer saber se ele me convidou para o Baile?"



Gina pareceu aliviada. "Sim," ela murmurou, então parou no meio do caminho e agarrou o braço de Hermione, sorrindo brandamente. "Então ele convidou!" disse, empolgada. "Ah, eu sabia que convidaria, sabia sim, depois de Harry me contar que Ron estava planejando isso desde que o Baile fora anunciado."



"Ah," disse Hermione, falhando. Desde que o Baile fora anunciado... Ela sorriu timidamente para a nuca de Ron. "Mas Gina -" ela continuou, começando a andar de novo, e puxando o cotovelo de Gina para fazê-la segui-la. "- o que levou você e Harry a esse assunto, primeiramente?"



Gina sorriu. "Bem, depois de Harry me convidar para o Baile, meio que virou o assunto."



Foi a vez de Hermione parar de repente. "O quê?" murmurou firmemente. "Você... você contou a ele que vai com o Colin?"



"É claro." Gina deu de ombros. "Pobre Harry. Dois anos seguidos nos quais eu já fui convidada por alguém."



Hermione ficou tão frustrada com a informação, que resolveu não responder. As duas garotas continuaram a caminhar em silêncio, até Gina limpar a garganta.



"Erm... Hermione," começou, "algo mais... aconteceu?"



"Não sei o que você quer dizer com isso," disse Hermione, rápido demais.



"Bem, você sabe... vocês... fizeram alguma coisa?"



Hermione mordeu o lábio e olhou de lado para Gina, que já a olhava meio suplicante. Sentiu seu rosto ficar quente novamente, e olhou de imediato para Ron, que olhava para ela, pelo ombro. Seus olhos de encontraram brevemente e os dois meramente mexeram as cabeças, com um acordo silencioso.



"Não," disse Hermione firmemente, para Gina.



"Não," ela ouviu Ron dizer meio alto, para Harry.



"Ah," disse Gina, depois de um momento. "Certo." Mas pegou a mão enluvada de Hermione entre a sua e apertou-a significantemente. "Foi o que pensei."



Agradecida pela mão reconfortante de Gina, mas desejando que fosse a de Ron, Hermione o seguiu até a Torre da Grifinória, tentando ouvir o que Harry estava falando para ele, e enrubecendo de felicidade sempre que suas orelhas ficavam vermelhas.



*******



N/A: Não queria dizer isso no começo, mas eu tenho que dizer que me sinto muito estranha usando a Gwen com algo não relacionado aos próprios livros. Era para ela ser apenas um comentário de passagem. Mas ela estava TÃO ENTEDIADA, esperando pelo livro cinco, ela é meio que uma diva, e ah, vocês deviam ouvi-la reclamar e reclamar para ser solta. Tive que dá-la uma cena aqui, só para calar-lhe a boca.



Continua em "Chegando Lá"

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