Decepção



Água e Vinho





Capítulo Dezessete - Decepção





Sim, eu sei, sou monitora, Filch não deveria me levar daquele jeito. Mas ele estava com uma cara tão assustadora que eu nem fiz objeção. Eu poderia esperar que a minha voz e a minha coragem voltassem para bater boca com ele. Snape tinha o rosto imóvel de indignação. Obviamente estava pensando que ELE era a vítima, e por isso não devia receber ordens daquele jeito. Já Alice, esta sabia que estava encrencada de verdade. Eu mesma não conseguia pensar em história que pudesse livrá-la de um belo castigo.



Conforme andávamos, sem saber porquê eu virava pra trás a todo momento, como se estivesse sendo seguida, ou como se eu esperasse ver alguém vindo atrás de mim. Ah, mas que droga, eu já estava farta de sentir coisas sem saber por quê.



A sala de Filch não era o lugar mais acolhedor do mundo. Na verdade, eu não conseguia acreditar que estava ali. Pra mim a sala do zelador sempre fora um lugar freqüentado apenas por Potter e seus amiguinhos.



Sacudi a cabeça. Pensar em Potter me incomodava, e dessa vez não era que eu não soubesse o motivo, era que eu não queria saber.



-Muito bem - Filch abriu um sorriso e eu quase vomitei. Argh, aquele cara não sabia o que era um dentista? - Com certeza, os três podem estar certos de que seu castigo será horrível - não gostei do modo como ele disse "horrível". - Estar fora do dormitório a essa hora da noite é um dos crimes mais graves desta escola.



Resisti a revirar os olhos. Ele falava como se fôssemos assassinos, e ele o cara que ligaria a cadeira elétrica.



-Sr. Filch - eu disse, depois de respirar fundo. - Creio que está havendo alguma confusão. Eu sou monitora, e em caso de algum alerta que eu perceba na escola tenho a permissão para verificar o que é.



-EU também sou monitor. - falou Snape, arrogante. - Não tem o direito de me arrastar pra cá como se eu fosse um criminoso.



-Sei - disse Filch, à beira do riso. - Mas passou pela cabeça dos dois monitores que devem também notificar um monitor-chefe antes de se meterem em aventuras na calada da noite?



Baixei a cabeça. Puts, será que nem eu mesma eu conseguiria salvar? E Alice? Ela estava quase escondida atrás de mim, na esperança de passar despercebida. Mas todos nós sabíamos que essa chance era nula.



-E você, menina - o zelador se virou pra ela, bem quando ela tirara a cabeça detrás da minha pra espiar. - com certeza não é monitora, se também pertence à Grifinória. Bem, posso dizer que você terá uma bela lição. Ah, talvez o diretor me deixe usar aqueles...



BAM. A porta abriu de repente. No batente estava parado um cachorro enorme, preto e assustador, de dentes arreganhados, rosnando para Filch. Àquela altura eu obviamente já havia reconhecido o animal, mas não conseguia ver em como ele poderia nos ajudar.



Mas a reação do zelador me respondeu. Ele fez tal cara de pânico, deu uns passos pra trás e quase caiu em cima de sua mesa. Eu estava me perguntando o porquê de tanto medo. Afinal, tudo que ele tinha a fazer era sacar a varinha e escolher o feitiço mais adequado.



O cachorro andou na direção dele, rosnando furioso, e Filch recuou até estar contra a parede. Foi quando ele começou a balbuciar algumas coisas meio estranhas, do tipo "aberração" - que me soava familiar e vocês sabem porquê - "Sinistro" e outras coisas assim. O cão então deu um passo em falso para a direita e Filch desabou a correr pela esquerda até a porta, sumindo depois de nossas vistas. De repente ele parecia ter se esquecido completamente da gente.



Então o cachorro olhou pra nós, já parecendo nada bravo, e voltou a ser Black. Eu não me assustei dessa vez, mas não gostei de ver como Snape também continuava olhando para Black sem se mexer e com a mesma raiva de sempre. Alice sabia que ele era um animago, mas uma coisa é você saber, outra coisa é você ver, não concorda?



-Black! - exclamou Snape. - Se está aqui para tentar me impedir de contar tudo ao diretor, desista, porque eu...



-Ah, cala a boca, Seboso - disse Black sorrindo, olhando para Alice e pra mim. - Acha que eu viria até aqui pra salvar você do Filch? Eu tinha vindo apenas pra dar um jeito em você, mas quando vi que você tinha metido as duas em encrenca tive que dar o ar da minha graça...



-Muito espirituoso, Black - falei com ironia, sem olhar pra ele. - parece que é geral entre vocês querer chamar a atenção.



-Mas... Eu não posso deixar de perguntar... - Alice gaguejou, ainda pouco abalada. - Por que o Filch ficou tão assustado daquele jeito?



-Vamos sair daqui primeiro - disse Black, com um sorriso colgate pra Alice. - Não queremos que ele recupere a coragem e volte. Se é que um dia ele teve alguma.



-De jeito nenhum! - quase gritou Snape. - Vocês todos vão ser expulsos! Vou cuidar pessoalmente para que cada um de vocês tenha o que merece...



Black repentinamente perdeu a paciência e segurou Snape pela gola das vestes.



-Olha aqui, Seboso, você não passa de um estorvo por aqui, e eu sinceramente não estou com vontade de te azarar agora. Portanto, você faria melhor aproveitando a oportunidade e voltando pra caminha, sem falar NADA a ninguém. Porque, se eu ficar sabendo que você disse UMA palavrinha pra alguém... Eu posso ficar tão entediado quanto eu estava naquele dia em que prestamos os N.O.M.s... E acho que você não iria querer isso, iria?



Snape engoliu em seco, claramente se lembrando daquele dia. Até mesmo a minha raiva mudou de lado ao me lembrar do que haviam feito com ele. Black soltou-o com um empurrão e Snape deu uns passos pra trás, subitamente desajeitado. Senti pena mas disfarcei.



-Vocês todos ainda vão me pagar!



E saiu, jogando a capa pra trás.



-Panaca. - Black murmurou, quando ele saiu. - Então, vamos voltar para sala comunal?



-Você não tinha que estar lá com o Remo? - eu disse.



-Rabicho e o Pontas podem fazer isso por mim. - ele respondeu. - Se bem que, pelo que eu percebi, ele só vai poder contar com o Rabicho. Eu e o velho Pontas não estamos muito amigáveis com o Aluado.



*-*-*-*-*-*



Até chegarmos até a Torre da Grifinória, eu já sabia toda a história, e estava segurando a raiva o máximo que podia. Minha vontade era correr até o Salgueiro Lutador e dar uns bons tapas naquele cervo idiota. Alice estava vendo toda a minha raiva e não podia adivinhar se eu me controlaria por mais tempo.



Mas vou contar a vocês o que aconteceu, e aposto que vão concordar comigo. Podem acreditar que Potter armou uma cilada para que Snape chegasse até o Salgueiro Lutador e descobrisse que Remo é um lobisomem, apenas para castigá-lo por gostar de mim?? Ele entregou o segredo de um dos seus melhores amigos apenas por uma briguinha à toa, e ainda por um motivo sobre o qual ele não tinha o menor direito de dar opinião! Potter é o sujeito mais infantil que eu já conheci!



Black nos contou a história em detalhes, mas obviamente achando que o que ele fizera era certo. Eu não conseguia entender como alguém poderia achar isso certo!! Potter entregara um bilhetinho, alguma coisa do gênero, falando de alguma reunião dos Comensais sob o Salgueiro, imitando com magia a letra de Malfoy. O pobre Snape foi lá e deu de cara com um lobisomem formado! Por Merlin, ele podia ter sido estraçalhado! O que esse maldito Potter tem na cabeça?



Então, depois que o estrago estava feito, Black ainda veio atrás de Snape... Duvido que ele viesse apenas impedi-lo de espalhar o segredo! Aposto como estava nos planos dos dois fazer Remo ser desmascarado diante de toda a escola! E então, quando ele viu que nós duas havíamos o encontrado, ele mudou a história!



Alice encerrou o assunto às pressas com Black e nós duas subimos.



-Eu não consigo acreditar... - eu murmurava, feito uma doida.



-Calma, Lily - Alice disse. - Eu sei que foi horrível, mas não vá destruir a escola quando amanhecer. Por favor, não faça outro escarcéu com Potter... Isso só vai piorar as coisas...



Fiquei balbuciando baixinho, sem que ela entendesse com certeza o que eu estava dizendo, até chegarmos ao dormitório.



-E quem está pensando em brigar com Potter outra vez? - depois de séculos, respondi.



-Então o que você está pensando em fazer? - ela perguntou, vestindo o pijama.



Troquei de roupa e me sentei na minha cama, em silêncio.



-Eu ultimamente andei pensando se Potter não estaria realmente mudando e se tornando alguém decente, Alice. - falei, finalmente. - Mas sempre que eu cogito essa possibilidade, ele me decepciona, entende?



-Lily, às vezes eu penso que ele gosta mesmo de você - Alice respondeu, embrulhada em suas cobertas. - Ele faz tanta coisa por você...



-Mas Alice, você não entende? - eu repliquei. - Não é por mim que ele faz tudo isso. Essas coisas idiotas são apenas pra manter o orgulho dele. Eu já me cansei, não vou mais dar atenção a ele. Vou ignorá-lo completamente. Já acho que é o único jeito dele me deixar finalmente em paz.



Minha amiga me olhou, compreensiva.



-Você gosta dele também, não gosta?



De repente me sentei de um salto, como se estivesse deitada numa cama de pregos, e bati a cabeça numa viga do beliche de cima. Alice não deu risada, continuou me olhando do mesmo jeito que antes.



-Não seja ridícula! - sussurrei, me esforçando pra manter o baixo tom. As outras não gostariam nadinha de serem acordadas por gritos histéricos. - Eu nunca...



-Está bem, está bem, não está mais aqui quem falou. - ela me cortou. - Vamos dormir.



Eu concordei, mas quem disse que eu pegava no sono? Tudo que Alice acabara de dizer girava na minha cabeça e se repetia tantas vezes... Então eu me lembrava do que Remo poderia passar graças a Potter, e escondia o rosto com as mãos. Aquilo não podia estar acontecendo!



*-*-*-*-*-*-*



Passou algum tempo, e Remo voltou. Não conversei com ele, nem com nenhum dos Marotos. Para ele, apenas um sorriso de bom dia e já achava muito. Detestava a idéia de segurar vela, mas tinha que andar com Alice e Frank quase o tempo todo.



Eu evitava até mesmo as sombras de qualquer um dos Marotos. Certa vez, quando passei por eles pra me sentar na ponta da mesa da Grifinória para um café, escutei um pedaço de conversa.



-Eu te disse que ela tinha ficado brava...



-Sim, mas eu preferia ter coisas quebradas na minha cabeça a isso...



-Remo, o que você tem? - ouvi a voz de Pettigrew perguntar, de boca cheia. Mas não olhei pra ver por quê ele poderia ter feito tal pergunta.



Senti algo dentro de mim encolher quando ouvi Potter falando que preferia uma briga ao meu silêncio. Seria pena? Não, ele não merecia que alguém tivesse pena dele. Na realidade, eu evitava mesmo mencionar os nomes deles, seja com Alice e Frank, seja com qualquer outra pessoa. Quem me falavam mais deles eram justamente meus dois amigos.



Neste mesmo dia, me sentei com eles e já ia começar a comer quando Alice se inclinou pra me dizer:



-Você percebeu como o Potter e o Sirius estão destratando o Remo?



-Faz dias que eu nem sequer olho na direção deles, Alice, como iria perceber?



-Dê uma olhada, rapidinho... - ela pediu. - Veja como apenas o Pettigrew fala com ele.



Convencida por ela, olhei de relance, o mais rápido que pude, na direção deles. E mesmo assim consegui confirmar o que ela dissera. Remo estava comendo de cabeça baixa, enquanto Pettigrew só faltava devorar a louça, como de costume, enquanto Potter e Black estavam virados um para o outro, conversando em voz baixa sobre seus próprios assuntos.



-Curioso, não? - Alice insistiu. - Se eles estão brigados, porque continuam andando juntos?



-Não sei e nem me importa saber - respondi, esquecendo a boa educação. - Importa-se se falarmos de outra coisa?



*-*-*-*-*-*-*-*



As aulas de Herbologia, ao menos pra mim, pareciam um enterro. Eu falava apenas com Pedro McFisher e com Remo, apenas o estritamente necessário. Eu queria até conversar com ele às vezes, mas eu lembrava que ele sempre traria consigo seus malditos amigos. Ou melhor, SEU maldito amigo.



Potter às vezes se aventurava e ficar no mesmo lado da mesa que eu, mas eu ficava lá no canto, e por mais que ele tentasse se aproximar em silêncio, mais eu me afastava. Ele também só falava com McFisher. O coitado não devia entender nada do que estava se passando por ali. Mas eu é que não me daria ao trabalho de explicar.



Snape, talvez pela mera lembrança que Black lhe infringira, manteve a boca fechada. Mas às vezes acho que ouvia alguma provocação dele dirigida a Remo, já que Potter e Black já não o protegiam mais e Pettigrew era idiota demais para defender algo além de seu estômago.



O tempo foi passando assim, até que, numa noite do fim do mês em que eu estava fazendo meu dever de Transformações na sala comunal, vi Potter vindo na minha direção. Enterrei a cara no livro e fingi que não estava vendo. Potter parou bem diante de mim e eu nem me mexi.



-Ah, Evans, pare com essa estupidez - ele reclamou, depois de um tempo me olhando em silêncio. Frank e Alice não estavam à vista.



Insisti em não me mexer. Eu estava cansada de tentar consertá-lo. E, além do mais, estava com medo de olhar nos olhos dele.



Só que pelo jeito ele não estava afim de continuar falando sozinho. Num movimento brusco, puxou o meu livro de Transformações e jogou no chão.



-Mas será que você pode parar com isso?



Quando me lembro até me assusto de ver como eu era teimosa. Abaixei-me pra pegar o meu livro pacientemente, mas Potter me puxou pelo braço e me ergueu. A mão dele estava quente, e eu continuei olhando pra baixo. Por que eu temia os olhos dele?



-Eu preciso falar com você, Evans. É sério. E você tem que me ouvir.


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