Um Verão Nada Trouxa



Água e Vinho





Capítulo Quatro - Um verão nada trouxa



Sobre Alice, nas férias eu descobri que completamente certa. Logo na primeira semana em casa, chegou a coruja dos Scorrel trazendo meio metro de pergaminho escrito por ela, e sendo sincera com vocês, mais de quarenta e cinco centímetros foram gastos com a palavra Sirius. Eu mesma tenho que admitir que o cara é bonito, e não é pouco, não, mas daí a conquistar tanto assim uma menina só com uma saída?

Quanto mais ela falava de Black, mais eu sentia pena de Frank, o coitado era realista e sabia que não tinha grandes chances com ela. Mesmo com a vergonha que eu passei com ele, vocês se lembram, eu ainda queria ajudá-lo, mas não sabia como.

Eu estava na sala lendo a carta, meu pai estava no trabalho, ele é engenheiro, e a minha mãe estava no quarto. Escutei alguém descendo as escadas e rezei para que fosse um dementador, um diabrete, qualquer coisa, menos... Petúnia.

Ela viu a carta na minha mão assim que chegou na sala e torceu o rosto como se eu estivesse segurando um rato morto. Percebi que ela ia se sentar no sofá, mas como eu estava bem no meio não havia como fazer isso sem ficar perigosamente perto de mim, ela se virou e foi para o jardim.

Muitas vezes eu achava graça no nojo que ela tinha de mim só por eu ser bruxa. Era como se eu carregasse algo muito grave, como uma versão piorada de malária ou qualquer dessas doenças, e ela evitasse chegar perto com medo de pegar. Há uns tempos atrás eu disse a ela que magia não era contagiosa, mas ela me olhou chocada como se eu tivesse falado um palavrão, espiou a janela naquela sua mania de perseguição e depois de virou para a minha mãe, como se esperasse que ela fosse ralhar comigo.

Raramente nos falávamos. No começo, eu tentei manter uma certa cordialidade com ela, mão ela sempre me devolvia a palavra com insultos do tipo "aberração", "monstra", de modo que acabamos nos decidindo pelo silêncio. Eu não falo com ela, ela não fala comigo e assim todo mundo fica feliz.

Desliguei a tv, que estava assistindo antes da coruja chegar. Petúnia não estava à vista no jardim, então pensei que não haveria nada de mau em também dar uma volta antes do jantar. Era de tardinha e o tempo lá fora estava muito agradável.

Saí de casa e comecei a andar sem muito rumo. Cheguei em uma praça, sentei em um banco e comecei a observar de longe um grupo de babás que conversavam animadamente num outro banco, enquanto as crianças corriam por todo lugar onde a vista alcançava. Estava, na verdade, morrendo de tédio, e ainda era muito cedo pra pensar nas tarefas de férias, era só a primeira semana.

Estava entretida com um esquilo que corria pelo tronco de uma árvore quando ouvi um estopim mais ou menos alto, e olhei para as babás. Elas não demonstravam ter ouvido também. Achariam estranho se eu saísse correndo na direção do barulho e entrasse no meio das árvores, então disfarcei, me levantei parecendo tão entediada quanto quando chegara, e dei a volta em uma árvore e quando percebi que elas não podiam mais me ver, andei mais depressa e pus a mão no cabo da minha varinha, que era ruim de carregar usando roupas trouxas, mas ainda assim sempre achei melhor estar sempre com ela. Uma voz na minha cabeça me lembrou que eu seria expulsa se fizesse magia fora da escola, mas se estivesse acontecendo algo de grave, eu não poderia...

Afastei uma folha e quase desmaiei no susto. Ninguém mais, ninguém menos que Potter me olhava, divertido, através do mato.

Imediatamente tirei as mãos das vestes antes que não resistisse aos meus já conhecidos impulsos assassinos.

-Te assustei, Evans?-disse Potter, que também parecia surpreso de ter me encontrado ali.

-Não muito.-repliquei.- Só estava pensando o que alguém tão corajoso e poderoso quanto você estaria fazendo escondido aqui no meio do mato.

Se Potter soubesse que eu odiava aquilo, não teria passado a mão pelos cabelos naquele instante.

-Você não sabe se eu estou escondido...-ele falou, tirando um ramo de cima dos ombros.-Na minha casa vai ter um daqueles jantares enjoados de famílias bruxas, e eu não quero ter que olhar pra cara daqueles Malfoy. Pensei em ir fazer uma visitinha ao Sirius, mas a casa dele é pior ainda pelo que ele me disse.-completou, sorrindo.

Eu estava me perguntando onde eu entrava naquela história.

-Eles querem me convencer a me tornar um daqueles... Como se diz mesmo?

-O quê, você acha que agora eu tenho que adivinhar os seus pensamentos, Potter?

-Ah, lembrei: eles querem que eu seja um dos tais Comensais da Morte, brincadeira?

Daquela vez ele conseguiu me assustar. Sempre achei que Potter era positivamente insuportável, mas daí a...

-E você tem alguma noção real do que seja isso, Potter??-perguntei, seriamente.

-Comensal da Morte? Ah, imagino que seja um daqueles idiotas da Sonserina que estão fazendo um fã clube daquele bruxo que dizem ser perigoso, o tal...

-Eu sei como ele se chama.-interrompi.- Estou percebendo que mesmo vivendo com trouxas, Potter, estou muito mais bem informada sobre o assunto do que você. Esse bruxo que você quase disse o nome em voz alta está matando todos que não concordam com ele.

-Bom, eu não concordo.-disse Potter, satisfeito por achar que sua atitude desafiadora estava me impressionando. Preciso dizer que ele estava completamente enganado.- E quero ver ele vir me matar.

-Francamente, Potter, você tem quinze anos, acha mesmo que ele se importaria com você?

-Nunca se sabe, Evans, não é mesmo? Mas como você chegou aqui?

-Como você chegou aqui, é a pergunta.-retruquei.-Eu não moro longe daqui, estou dando uma volta.

-Ah, isso é bom de saber.-Potter riu, apontando um cabo de madeira no chão, e uma capa velha jogada do lado.-Eu vim de vassoura.

-Vassoura?-perguntei, incrédula.-E como ninguém te viu voando numa vassoura até aqui??

-Eu tenho meus truques.-disse ele.- Só que a aterrissagem não foi das mais delicadas, então acho que diz um barulhinho...

-Sim, eu ouvi.-resmunguei.-Deu pra ouvir a quilômetros daqui. Você quase infringiu a lei para não revelar bruxaria aos trouxas.

-Ah, quem se importa com uma leizinha à toa?

-Eu me importo, Potter.

-Ah, mas você é paranóica.-ele disse, como se isso não tivesse a menor importância.

-Tudo bem. Fique aí fugindo da sua família, Potter, pois eu vou voltar pra minha.

Virei-me pra ir embora mas ele correu atrás de mim.

-Ei, Evans, qual é a sua? Vai me deixar aqui sozinho?

-Qual o problema? Você tem medo do escuro? Quer se refugiar numa casa cheia de trouxas?

-Sabe que seria interessante? Eu tenho bastante tempo até descobrirem que eu sumi de casa. Nunca iriam me procurar numa casa de trouxas. Quero dizer _acrescentou._ onde quase todos são trouxas.

-Minha irmã iria te olhar como se você fosse uma saca de lixo.

-Bem, você não faz nada muito diferente.

-Isso é verdade.-concordei, com a sombra de um sorriso.- Ah, o que estou dizendo, isso é loucura.

-Evans, eu estou morrendo de fome. Você não é malvada o suficiente pra me deixar aqui passando necessidade.

-Volte pra sua casa. Todos sabem que você é milionário, Potter, não tente disfarçar.

-Então você prefere um Comensal da Morte rico do que apenas um colega passando fome?

Por que ele tinha sempre que ser tão cínico??

-Que fique bem claro isso.-eu disse, apontando meu indicador pra ele.-Eu não te suporto.

-Sabe... às vezes nem eu.-ele falou, rindo em seguida. Deu uns passos pra trás e embrulhou a vassoura na capa, e imediatamente as duas coisas sumiram. De repente, eu entendi.

-Potter, isso é uma capa de invisibilidade?

-Claro que é, o que pensou que fosse? Uniforme da escola?

Eu ia responder mas achei melhor ir andando. Com um grito de "ei, Evans, esperaaaa!", Potter me seguiu. Eu não conseguia acreditar que seria obrigada a andar com aquele infeliz até que finalmente o tal jantar acabasse na casa dele. Achei estranho ele não ter mencionado se os pais não se preocupariam com ele, mas preferi continuar andando.

Resolvi que seria mais seguro dar outra volta no meio das árvores do que passar diante daquelas babás e aquelas crianças com Potter, de modo que à toda hora ele reclamava se não tinha uma caminho mais civilizado para a minha casa, e nem me dei ao trabalho de responder.

Faltava pouco pra chegarmos à saída do parque quando eu estaquei. Potter esbarrou em mim, xingando, mas eu nem conseguia me mexer com o que estava vendo. Então ele esticou o pescoço por trás de mim e viu também.

Havia um homem jogado ali, com os olhos abertos numa expressão de surpresa, vidrados. O corpo de um homem, apenas. Um homem morto, um cadáver.

Daquela vez, Potter pareceu entender mais depressa do que eu o que tinha acontecido. Enquanto eu me agachei sobre o corpo, procurando com os olhos algum sinal de cortes, ferimentos, pancadas, tiros ou qualquer coisa do gênero, mas ele só observou bem o corpo, sem nem se inclinar, e murmurou:

-Avada Kedavra.

-Isso... Isso é um absurdo, Potter. Esse é um bairro completamente trouxa. Sou a única bruxa que mora por aqui num raio de quilômetros.

-Pensei que -disse ele, seu tom debochado falhando enquanto mirava o homem.- a aluna mais competente de Hogwarts soubesse reconhecer os sinais de uma Maldição Imperdoável.

-Mas quem...?-perguntei devagar, enquanto uma suspeita horrível fazia o meu estômago dar uma revirada.-Não poderia ser o...

-Vamos sair logo daqui.-sibilou Potter, me puxando pelo braço na direção para onde eu o estava levando.

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