O Primeiro Desafio
Capítulo Trinta e Um – O Primeiro Desafio
A cena toda parecia irreal demais pra mim. O que eles estavam fazendo ali? Não, eu só podia estar sob algum feitiço de ilusão... Ao contrário da voz sarcástica que acabara de demonstrar, Voldemort virou-se para o Comensal encapuzado que os trouxera e disse, num tom que retumbou entre as paredes como um trovão:
-Como deixaram que eles viessem até aqui?
Os Comensais próximos baixaram a cabeça. Eu, que ainda arfava com grande dificuldade, vi quando Tiago girou sobre as costas, lentamente. E então olhou pra mim. E foi como se ele dissesse, só de me encarar daquela forma, que logo nós estaríamos longe dali. Longe de Voldemort, longe de todos os Comensais... O cabelo bagunçado estava caído todo sobre o rosto, ele estava com as vestes sujas e cheias de pó, mas ainda estava com o uniforme da Grifinória, bem como Alice e Frank, que estavam se recuperando da queda e instintivamente buscando um ao outro. Quisera eu fazer aquilo.
Voldemort ergueu a varinha e eu temi pela vida de Tiago; mas depois ele parou, estreitou os olhos e fitou-o, olhando depois para Black, como se os estudasse. Lembrei-me que Alice tinha uma leve vertente de sua família trouxa. Muito distante, que ela mal conhecia, mas que estava lá. Voldemort devia saber.
-É mesmo uma linda ocasião, não acham, rapazes? – ele sibilou, num tom sedoso e potencialmente espinhento. Finalmente tirei o olhar de Tiago, prendendo a respiração. – Mas infelizmente vocês estão me fazendo perder tempo. E imagino que não queiram desagradar a Lord Voldemort...
Enquanto me perguntava quem teria coroado Voldemort a um título de nobreza, sabendo que era a piada mais sem graça que eu podia fazer pra mim mesma num momento como aquele, fui surpreendida e erguida no ar; junto comigo, Alice e Frank flutuaram um metro acima do chão, com expressões tão apavoradas e assustadas quanto a minha, embora eu já estivesse me recuperando e conseguindo respirar melhor naquela atmosfera tão opressiva. Eu tinha que pensar em alguma coisa! Afinal, eu sou Lílian Evans!
Tiago e eu trocamos um olhar rápido antes que ele se levantasse. Voltou-se para Voldemort, que nos sustentava com um aceno muito fraco, quase inexistente, de sua varinha.
-O que você quer? – ele demandou, sendo o mais direto que poderia. Black também se recuperara e estava de pé, lançando olhares ameaçadores na direção dos Comensais.
Por que ainda estávamos todos vivos?, pensei por um momento. Tiago estava certo. Ele ainda não tinha nos matado... Só podia querer alguma coisa.
Voldemort ergueu uma sobrancelha fantasmagórica para Tiago, fazendo com que Frank, Alice e eu flutuássemos para mais perto dele.
-Quero suas vidas – respondeu Voldemort. – Quero você e quero Black me servindo. Reneguem a toda a imundície com que andam convivendo, assumam que a raça pura bruxa é o único modo de civilizar o mundo mágico completamente. E dessa forma eu posso permitir que seus amigos saiam daqui com vida.
-Sair daqui com vida? – repetiu Black, dando de ombros. – Que diferença faria? Você os mataria logo na esquina seguinte!
Franzi a testa. Voldemort estava querendo que Black e Tiago se juntassem a ele? De verdade? Por que eles seriam tão especiais? Digo, não é todos os dias que ele convocava seguidores pessoalmente, ou é?
-Você pode descobrir – o homem respondeu, fitando Black com aqueles olhos vermelhos assustadores. – que eu sei recompensar quem me ajuda.
Troquei um olhar ansioso com Alice; ela parecia estar vendo se eu não estava ferida. Mal sabia ela que eu não precisava de ferimentos, depois de passar pela maldição Cruciatus.
-Ou – ele fez uma pausa, na qual baixou a varinha e nós três caímos no chão com um baque áspero. – Podem ter uma demonstração do que eu posso fazer se negarem... Crucio!
Fechei os olhos, mas a maldição não caiu sobre mim, e sim sobre Frank. Eu não queria sinceramente rever a lembrança dele se contorcendo e gritando; mas naquele momento eu enfiei na cabeça que tinha que fazer alguma coisa, não podia mais ficar parada... Fazer o quê? Sei lá! Mas alguma coisa...
Das minhas mãos saiu algo esquisito, uma luz branca, que explodiu num milésimo de segundo pela sala, e que ao sumir, deixou Frank arfando no chão. Imediatamente, todos os olhares caíram sobre mim.
O QUE DIABOS EU TINHA FEITO?
Um feitiço? Uma azaração? Um contra-feitiço? Uma sorte tremenda?
Os olhos de Voldemort se estreitaram na minha direção. Por Merlin, que aquilo fosse só uma explosão espontânea de magia... Porque se fosse algo importante eu estava...
-Levem-nos para as masmorras – ele ordenou depois. – Malfoy, Lestrange, Black, Rosier, Snape. Vocês têm quinze minutos para se divertirem um pouco com eles e convencê-los de que farão melhor me obedecendo. Dêem algumas demonstrações. Agora tirem esses moleques da minha frente.
Todos estavam me olhando com estranheza ainda. Todos tinham perdido a fala! Snape pegou meus pulsos e os segurou nas minhas costas, enquanto éramos todos empurrados para fora. Assim que a porta se abriu, uma corrente de ar frio me bateu no rosto, como que para me lembrar que eu ainda estava viva.
Quando Malfoy e Tiago passaram por mim, vi Tiago trocando um olhar furtivo com Black. Ah, sim. Tudo que eu precisava agora era que os dois Marotos tivessem um plano. Atrás de nós, estavam Alice, segurada pela nojenta da Bellatrix Black, e Frank, que estava sendo arrastado por Lestrange. Outro, que pelo jeito se chamava Rosier, detinha Black, ao meu lado. Três passos depois, a confusão começou.
Tiago mexeu-se de repente e bateu com a nuca na testa de Malfoy. Ao mesmo tempo, Black acertou Rosier do mesmo jeito, embora não tenha conseguido o mesmo efeito que Tiago; este conseguiu fazer Malfoy cambalear um passo e aproveitou a oportunidade para puxar as mãos. Para nossa sorte, nenhum deles estava com a varinha pronta; sendo assim, Frank se sacudiu e evitou que Lestrange pudesse fazer qualquer coisa. Alice e eu trocamos outro olhar. E nós?
Mas a pergunta ficou respondida quando Tiago tomou a varinha da mão vacilante de Malfoy e virou-se de frente para os outros.
-Muito bem, todos parados aí!
Mas Bellatrix Black não estava disposta a ficar parada; Alice se jogou para trás mas foi segurada pela garota, que puxou a varinha e, ao invés de apontar para Tiago, gritou para Snape:
-Vire a Sangue Ruim pra cá AGORA, Snape!
Senti Snape hesitando um minuto antes de obedecê-la; depois me virou e eu encarei de frente a varinha que ela apontava para mim. Vocês podem suspeitar que não foi um momento feliz. Tiago olhou da varinha para mim, e de volta para Bellatrix. Black a fuzilou com o olhar também, ainda retido por Rosier; Frank levou um soco nas costas pela rebeldia com Lestrange, e Alice estava apavorada, segurada com uma força surpreendente da sonserina. Eu não podia ver a expressão de Snape da minha posição, mas satisfeito ele não devia estar.
-Você escolhe agora – Bellatrix disse a Tiago. – Acho que não vai querer que eu enfeitice a sua preciosa sangue ruim... Ou vai?
A boca de Tiago pendeu aberta e eu vi algo que poucas vezes tinha flagrado nele... Hesitação.
-Agora seja um bom menino – disse ela. – E devolva a varinha para Lucius.
Tiago me lançou outro olhar antes de fazer menção de baixar a varinha; mas não teve tempo, pois antes disso, Frank estava solto de Lestrange, que jazia jogado do chão apertando, digamos, a região do baixo-ventre. Foi quando eu me dei conta do quanto Frank poderia ser vingativo se quisesse. Bellatrix olhou para o lado e Tiago não perdeu tempo.
-Petrificus Totalus!
Enquanto ela caía dura no chão e Alice respirava aliviada, me perguntei se Tiago não podia vencer uma questão sem gritar tanto com feitiços. Daquela forma os outros Comensais voltariam depressinha para nos esfarelar – ou pelo menos esfarelar o que tinha restado de mim depois da Cruciatus.
Malfoy trancou os dentes e uma mão de Snape foi para seus bolsos. Rosier parecia decidido a resolver a questão, mas Black convenientemente lhe deu mais trabalho, se contorcendo e pisando nos pés dele. No momento seguinte, Malfoy também estava paralisado, enquanto Tiago deixava escapar um sorrisinho convencido e triunfante.
-Agora vocês dois – Tiago virou-se para Snape e para Rosier, ocupado em socar Black e tentar desocupar um braço para usar a varinha. Lancei a Tiago um olhar significativo; era melhor deixar Snape por último.
Black girou para o lado se sacudindo; Rosier começou a gritar, mas Tiago o estuporou antes que qualquer outra coisa pudesse ser feita. Quando o Comensal caiu no chão e Black se pôs a massagear o pescoço, os olhares recaíram sobre Snape. Menos o meu, claro, já que eu não conseguia me virar.
Mas antes que Tiago pudesse dizer o que já abria a boca pra falar, Snape me soltou e me empurrou com força. Só quando parei, pude olhar pra trás e ver que ele tinha uma das expressões mais fechadas que eu poderia imaginar. Deveria mesmo ser horrível para ele, afinal ele estava ajudando dois Marotos!
Tiago olhou-o com uma estranheza absurda, bem como o fizeram Alice e Frank, mas Black tratou de interromper o momento e estuporar Snape, com um pouco mais de ânimo do que deveria, tão logo Alice lhe jogava sua varinha, pega entre os bolsos de Bellatrix. Enquanto isso, Tiago se virou pra mim.
-Lílian... – falou ele, olhando para o chão e passando a mão pelo cabelo... Ah, eu tinha pensado que nunca mais veria aquilo de novo! – Como é bom ver que você está bem.
Algo se afrouxou dentro de mim, e eu tomei ar pra dizer qualquer coisa, quando Alice me chamou:
-Sua varinha, Lílian... – e mais do que agradecida, peguei a minha única arma, bem como todos nós.
-Certo – disse Frank, dando alguns passos e ficando no meio de nós. – Precisamos dar um jeito de sair daqui. Alguma chance de ter uma saída comum, como portas...?
-Nenhuma – cortou Black. – Isso aqui está muito bem feito. Se podem prender trouxas aqui algum dia, certamente não deixarão portas para que possam escapar, não é?
Frank assentiu, quase que se retraindo.
-Tudo bem. Também não há lareiras aqui embaixo. Sendo assim, só podemos arrumar uma Chave de Portal, já que acho que ninguém aqui consegue aparatar.
-Bem, na realidade... – começou Black, mas desistiu. – Ah, deixa pra lá.
Tiago deixou um sorrisinho escapar, me olhando de relance, e depois deu de ombros.
-Eu posso tentar criar uma Chave de Portal, ora. – falou.
Alice abriu bem os olhos.
-Você sabe como fazer isso?
Tiago trocou um olhar com Black a isto, e eu me perguntei se queria saber a resposta.
-De qualquer forma – cortei, agoniada. – Se vão tentar fazer uma Chave de Portal, com certeza precisarão de um objeto. – apontei a varinha para um canto da parede. – Reducto!
Algumas pedras se soltaram da parede e rolaram pelo chão. Só depois me dei conta.
-Será que ele não vai saber se estivermos fazendo magia aqui? – ponderei.
Os outros se entreolharam.
-Como saber? – disse Black, por fim. – Ande logo com isso, Pontas.
Tiago, agora com sua própria varinha, pegou a maior pedra que se soltara, quase do tamanho de um punho fechado, e começou a tentar alguns feitiços que eu não conhecia. Ficou bem claro pra mim naquele momento o motivo de ele ser sempre tão bom em todas as matérias. Ele realmente tinha jeito com magia. Mesmo assim, franziu a testa quando tentou se lembrar de alguns encantamentos, e Frank se adiantou para ajudá-lo.
Enquanto isso, eu e Alice olhávamos ansiosamente pelo corredor para o lugar de onde tínhamos vindo, como que esperando a qualquer momento que os outros Comensais viessem atrás de nós. Black se divertia chutando os outros que estavam desacordados ou petrificados no chão.
-Estamos quase lá... – murmurou Frank, mordendo um lábio. Alice bufou em resposta e ergueu melhor a varinha para o corredor vazio. Eu me preparava pra perguntar exatamente quanto faltava, já que eu nem desconfio como possa ser feita uma Chave de Portal (e muito menos sabia onde Tiago e Frank poderiam ter aprendido, também), quando um rumorejo vindo das sombras denunciou os passos enchendo o corredor.
-Isso aí é pra quando, afinal? – demandou Alice, com as mãos trêmulas e um olhar para trás.
-Segurem-nos por pelo menos uns dois minutos! – exclamou Tiago, passando a mão pelo cabelo outra vez, nervosamente.
Seguiu-se a isso uma lufada fria, mais fria do que qualquer vento comum que já passara por mim antes; perguntei-me se Voldemort não estaria jogando pra cima de nós algum dementador, ou coisa parecida. Se estivesse, estávamos encrencados. Chaves de Portal, tudo bem, mas um patrono... Era demais para qualquer um de nós.
E da escuridão surgiu não um exército de Comensais da Morte, mas o próprio Voldemort, a passos lentos, com um brilho sinistro e desdenhoso naqueles olhos opacos, de caminhar quase tão suave quanto um fantasma... E pior de tudo, com a varinha em riste na nossa direção.
-Se você se junta a inferiores, você mesmo é inferior – citou ele, muito devagar, com olhares demorados para Black e para Tiago.
-Se você se junta a capangas nojentos, você mesmo é um capanga nojento – replicou Tiago, com uma fúria à beira do descontrole emanando de sua voz. Engoli em seco. Aquilo podia custar a vida dele. A qualquer momento.
O lábio inferior de Voldemort se crispou. A varinha, então apontada para Tiago, rapidamente girou na minha direção com um sibilo de “Crucio”...
E outra vez eu estava sentindo toda aquela dor que afogava os meus sentidos; meus olhos se contraíam fechados, apenas conseguia ouvir meus próprios gritos, minha garganta ardia como se houvesse fogo dentro dela, facas perfuravam cada centímetro da minha pele... Bem ao fundo, eu conseguia ouvir outros gritos. Outra voz. Familiar, e cheia de agonia. Foi quando eu subitamente parei de me contorcer e caí no chão, ouvindo apenas o final dos berros.
-... ela não tem nada a ver com o monstro que você é, eu NÃO VOU DEIXAR você machucá-la, e sabe por quê? PORQUE EU AMO LÍLIAN! – Tiago fez uma pausa para respirar, que eu usei para prender a minha própria respiração. – Radiatus putris!
Um jato branco foi e acertou em cheio o escudo que Voldemort acabara de conjurar.
-Agora! – gritou Frank, segurando a pedra.
Alice me puxou de pé quando eu ouvi a redoma verde-ácido na qual estivera protegido Voldemort até então se quebrando. Black me puxou também e eu senti o tato áspero da pedra bem quando Voldemort gritava “Avada...”
O puxão que se seguiu em meu umbigo me fez sentir mais viva do que em toda a minha vida eu sentira.
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