Prelúdio
A noite estava fria e o ambiente ainda mais gelado. O chão de pedra lascada refletia a luz esverdeada que permeava a janela lateral do quarto. Os lençóis enrolados absurdamente entre si, aparentando um ninho de nós, chamavam a atenção para o homem que estava sentado ao lado, na cabeceira. Com os cabelos negros amarrados o rosto de Snape parecia mais limpo, livre da moldura lânguida que o penteado provocava. Havia ainda em seu rosto uma expressão de inconformidade, contrastando com o manejo manso de seu olhar à deriva em um oceano de reflexões.
O homem, cujas mãos se entrelaçavam e desprendiam-se em movimentos repetidos, tinha pressa em terminar sua história. Vestido somente com uma calça e chinelas de couro pretas, não demonstrava desconforto à temperatura do local e surpreendia com a incandescência de sua pele.
- E então? Anotou perfeitamente o que eu lhe disse? – Indagou com a voz ríspida conhecida.
- Severus, creio que você esteja com febre. Está se sentindo bem? – Disse a mulher com a mão estendida sobre a testa de Snape.
- Como você acha que eu deveria estar me sentindo? Oh não, por favor, me sentir bem a hora uma dessas colocaria tudo a perder. - Declarou ressentido.
- Acalme-se e controle sua temperatura. - Disse a voz feminina indo sentar-se novamente - Ficar doente nesse momento também colocaria tudo a perder. Vamos recomeçar, sim. Não temos muito tempo.
As mãos do casal se apertaram com fervor, e Clarice pôde sentir com tamanha intensidade o sofrimento do homem aquela noite. Sempre soube que o amigo ressentia-se desde a infância com inúmeras lembranças. Embora admita que os últimos dezessete anos não fossem os mais propícios para esquecê-las.
Snape pareceu se acalmar com o toque da amiga, levantou-se, pôs-se de frente à janela, e observando a marca esverdeada no céu, narrou minuciosamente seus últimos anos como aluno em Hogwarts, sua nomeação à comensal da morte, o tórrido romance com a noiva do também recém nomeado comensal, Lúcio Malfoy. E num trépido suspiro, a noite em que entregou a vida de Lílian Evans nas mãos do Lorde das Trevas.
- Por favor, Severus, acalme-se. Você já redimiu boa parte de seus erros, já provou de que lado está agora. Arrependeu-se. Chega de se culpar por todas as desgraças que aconteceram em sua vida!
- Clarice, você não sabe o que é viver com esse fardo engalfinhado entre o peito e a mente, despertar e adormecer com raiva de estar vivo. –
Sua voz parecia ainda mais retumbante naquele momento. – Ano após ano eu me culpei, me mutilei dos bons sentimentos e me transformei em um homem amargo, que obtém respeito através do medo. Se não fosse por Dumbledore, Clarice, eu já estaria morto. Ou pior, enlouquecido.
- Severus, entenda querido, Dumbledore sempre acreditou em você, e depois de mim é a pessoa que mais lhe admira. Tudo o que você fez durante esses longos anos foi se esconder, lacônico, atrás de suas longas e abatidas vestes, é natural que essa atitude provocasse reações de medo e temor, principalmente entre os mais jovens.
- Ele nunca teve medo de mim, Clarice. – Disse melancólico – Sempre me desafiou com aquele olhar... Ah Clarice, não há nada que me deixe mais transtornado do que o olhar de Harry Potter.
- Os olhos de Lílian, sim. Eu percebi que o menino tinha herdado os olhos verdes e enigmáticos da mãe. – Suspirou Clarice, cuidadosamente para não interromper o amigo. – Imagino como se sente, querido.
- Não, você não imagina...
Clarice levantou-se da cadeira próxima à cama, onde passou algum tempo sentada anotando palavra por palavra que Snape dissera, sem interrompê-lo na maior parte do tempo, e pôs-se à frente do amigo; acariciou-o no peito, levou os lábios até sua face, deteve-se por um segundo, e em seguida beijou-a. Com as mãos frias e delicadas entrelaçou o corpo do homem, deslizando os lábios em direção ao seu pescoço. Snape retribuiu as carícias, e com as mãos quentes e úmidas entrelaçou-lhe pela cintura, apertando-a contra o peito. Fez com que estivesse ainda mais em contato com o ardor de seu corpo e com seus sofrimentos, enquanto pedia silenciosamente que de alguma forma ela o ajudasse a suportá-los.
Os lábios se encontraram no momento em que os olhos cerraram-se; as mãos de ambos continuavam suas jornadas, cada qual explorando o corpo do outro. A mulher vestida com pesadas vestes, viu de relance uma a uma ser arremessada ao chão por um pressuroso Snape, de porte talhado, proporcionalmente distribuído e deliciosamente tentador.
A cama forjada de ferros foscos, contorcidos artesanalmente na cabeceira, apoiava um colchão sem maior destaque em outra ocasião, no entanto, naquele momento passou a apresentar incríveis requintes de maciez e conforto. Talvez porque a pele de Severus lhe causasse essa sensação, ou então os lábios, que lhe conduziam a intermináveis ciclos de prazer e exaustão. Amaram-se durante horas, deliraram juntos, e expurgaram de si mesmos, toda a culpa que sentiam, todo o rancor que ainda guardavam, todo medo que escondiam.
Houve uma explosão e os dois ouviram gritos ao longe que ecoaram pela masmorra. A marca negra no céu, conjurada havia algum tempo, estava ainda mais brilhante.
- Nosso tempo se esgotou, Severus. – Assentiu Clarice, já se recompondo – Você sabe o que tem que fazer, e eu também. Coragem meu querido! – Incitou a mulher molhando novamente os lábios de Snape – Você estará fazendo o que é certo, o que Dumbledore quer. Não tema, não acontecerá nada com o garoto, quanto ao outro, leve-o com você do jeito que lhe falei. Vá, vá, ande logo!
Em segundos, as conhecidas vestes negras de Snape cobriram seu corpo, com a varinha em punho seguiu pelo corredor, e dali em diante fez questão de não pensar em mais nada.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!