O Retiro
Eu ficava deitada na escuridão profunda do meu quarto, esperando com ansiedade. Logo minha porta se abriria lentamente e seus passos cuidadosos, mas mesmo assim elegantes e precisos, o levariam silenciosamente até minha cama. Eu podia ouvir, antecipadamente, a respiração dele, sentir o cheiro de sua pele e sentir meu corpo acordando, exigindo sua presença.
Desde o dia em que eu cheguei ao pequeno retiro, tive a forte impressão de que minha vida ia mudar. Mas eu nunca adivinharia que aquele homem maravilhoso estaria lá e que acabaria fazendo brotar uma chama em meu corpo, em meu coração e em minha alma sem sequer me tocar. Na verdade, eu nunca em minha vida pensei que ele pudesse ser tão maravilhoso. Nunca o odiei, isso é verdade, porque sempre daria crédito a um homem de confiança de Dumbledore, mas também nunca tive motivos para gostar dele. Porém, quando sua inocência foi provada, já que o assassinato do diretor de Hogwarts fora um plano arquitetado pela própria vítima, ele ainda teve muito a pagar, sofreu muito de todas as formas possíveis... E eu confesso que senti pena dele. Sempre envolto em uma aura tensa de mistérios, sempre escondido atrás de uma máscara de mau humor, sempre usando várias camadas de roupas negras que o faziam parecer ainda mais pálido e sério. Severo Snape, o velho morcego das masmorras. A ironia e a acidez em pessoa. Quem diria...
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Eu havia deixado o tédio do meu quarto para aproveitar a vista da enorme varanda de madeira. E lá estava, se espalhando por todos os lados, abraçando o horizonte, aquele cenário maravilhoso das montanhas. Os aromas de carvalho e flores do campo me deixavam mais calma. Não sabia da existência dessa hospedaria para bruxos até Minerva ter me dado a sugestão de passar alguns meses longe da Ordem, do Ministério, de Hogwarts. Três meses para mim e somente para mim. Era, sem dúvida, revigorante estar ali depois de ter passado tanto tempo testemunhando tantas coisas horríveis. A guerra havia acabado e nós havíamos vencido, mas pessoas demais perderam a vida e há cicatrizes demasiado profundas para serem esquecidas de uma hora para a outra. Eu sentia tanto a falta dele. Era a única coisa que eu podia pensar.
Naquela noite, eu caminhei pelos pequenos grupos de pessoas que estavam sentadas em volta das fogueiras. Elas me observavam com mais interesse do que eu gostaria. Eu podia ouvir que cochichavam sobre mim. Eu era, no mínimo, intrigante para eles. Uma heroína de guerra com o cabelo rosa-berrante que fazia questão de passar dias e dias recolhida em seu quarto. Ah, e é claro, a "viúva" de um lobisomem. Não que nós tivéssemos tido tempo de realizar nossos planos de casamento... Ah, Remo...
Rumei para o lago, suspirando quando o deck de madeira estalou, quebrando o silêncio da noite. Encontrara um lugar longe de tudo e todos, onde eu poderia escrever uma carta para minha mãe...ou pensar...ou chorar...ou gritar sem ser incomodada ou incomodar alguém. E, olhando para a lua, minha mente foi, de repente, bombardeada por imagens do meu amor perdido. Remo sorrindo, Remo me beijando, Remo resmungando, Remo adormecido, Remo sem vida... Por Merlin, eu achava que não poderia mais viver sem ele. Uma pequena lágrima começou seu caminho pelo meu rosto, trazendo suas companheiras que por tantas vezes me visitaram naqueles últimos meses. Eu tentava bloquear minhas emoções, mas elas eram mais fortes do que eu. Foi quando eu ouvi mais uma vez o estalo nas tábuas, indicando que alguém havia se juntado a mim. Alguém muito inconveniente, por sinal, e que não ficaria ali por muito tempo ou eu seria obrigada a me lembrar de algum feitiço com efeitos bem irritantes, como verrugas ou caspa.
Eu praguejei em murmúrios enquanto me virava para encarar o desconhecido. Meu primeiro engano, aliás. Não era um desconhecido. Sua voz grave e forte cortou o silêncio da noite. "Não me agrada concordar com Minerva, mas devo admitir que o lugar é bastante convidativo. Está apreciando as instalações, Ninfadora?".
Eu estava muito surpresa e muito enraivecida com Minerva para me dignar a responder. Por que ela não me avisou que ele viria? Aliás, por que ela sugeriu aquele lugar também para ele? Apenas dei de ombros, virando mais uma vez as costas para ele. Cruzei os braços e fiquei observando as estrelas, torcendo para que uma estrela cadente aparecesse. Meu pedido, com certeza, teria relação com o sumiço de Snape da face da Terra. E ele ainda me chamava de Ninfadora!
Percebi que ele não se abalou. Acho até que riu, se é que aquele homem sabia como fazer isso. Então, ele caminhou em minha direção. "Vejo, pela familiar cor ultrajante de seus cabelos, que pelo menos conseguiu de volta suas habilidades de metamorfomaga. Não que o descanso pareça estar melhorando o seu humor".
Enxuguei as lágrimas e bruscamente o encarei. "Eu acho que você, Severo Snape, não é a pessoa mais indicada para criticar o humor dos outros. O que você está fazendo aqui, afinal de contas?".
"Creio que uma resposta para a sua pergunta seja totalmente dispensável. É óbvio que estou aqui pelo mesmo motivo que você e todos os outros que se dirigem a um retiro, Ninfadora. Estou me recuperando. Cheguei essa tarde".
Snape sempre conseguia me fazer sentir como uma idiota, mas não me dei por vencida. "Pensei que você fosse o responsável pelas poções para o tratamento de Harry".
Seu rosto mudou. Era difícil de perceber a olho nu, é lógico, mas havia desprezo em suas feições. Por mais que tivesse aprendido a respeitar Harry Potter depois da guerra em que todos lutaram juntos, nunca poderia esquecer o ódio que sentia pelo pai dele. E olhar para Harry todos os dias era como ter o fantasma de Thiago o assombrando. "Potter está bem melhor, se é isso que quer saber. E a Srta. Granger ficou responsável pela poção. Eu monitorei a preparação e ela é perfeitamente capaz de assumir o meu cargo por alguns dias".
Ficamos os dois em silêncio por alguns minutos, cada um envolto em suas próprias lembranças da guerra ou dos feridos, eu acho. Harry havia ficado em coma durante um ano e meio após duelar com Você-Sabe-Quem e o vencer. A magia era forte demais e difícil de ser revertida, mas muitos dos melhores bruxos do mundo se empenharam em trazer o garoto de volta e havia seis meses que ele se recuperava no St. Mungus, com a ajuda de Snape e seus talentos. Foi quando o professor respirou fundo e mais uma vez olhou para mim. Dessa vez, sua voz era baixa e calma, mas ainda tinha o seu poder. "De qualquer maneira, Ninfadora, não estou aqui por vontade própria. Tenho tido pesadelos demais, não durmo bem há anos e sofri alguns desmaios. Isso preocupou os membros da Ordem e, por mais que eu tenha afirmado que já estou acostumado com tudo isso, fui obrigado a passar uns meses aqui. Até que eu me recupere plenamente, segundo eles. Mas não se preocupe. Não pretendo sair muito dos meus aposentos e não vou mais incomodá-la com minha presença. Boa noite e passe bem".
Elegantemente, ele se virou e seguiu para o casarão principal com seus típicos passos largos e farfalhar de panos. Eu suspirei. Talvez eu devesse ser mais educada com ele. Severo era, sem dúvida, a pessoa que por mais tempo sofreu com essa luta entre a luz e as trevas. Sofreu uma guerra exterior e uma guerra interior, lutando contra seus próprios ideais, seu próprio caráter. Viveu o caos e merecia estar ali mais que eu.
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Capítulo um pouco modificado. Espero que tenha dado certo, de qualquer maneira! rs!!!! Ah, e espero que gostem da fic!
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