Capítulo 7 – O bruxo do ano
Suas mãos suavam frias. Estava nervosa como nunca estivera. Sempre se sentia agitada quando fazia algo de novo ou importante (como neste caso principalmente, onde ambas as coisas eram verdadeiras). Hermione chegara em Liverpool há mais de seis horas, horas estas que passaram voando, já que em nenhum momento parou para descansar da viagem.
Mal pudera conversar com Joshua em Liverpool. Na verdade, mal conversara com ele desde que saíram do restaurante. Hermione ficara muito intrigada com o possível problema que o bruxo enfrentaria por causa da reportagem que viram juntos. Não parara de pensar sobre o assunto até o momento. Mas agora, o que realmente a preocupava era o discurso que estava preste a fazer.
Ensaiara diversas vezes no espelho, como quando fizera o discurso polêmico em sua formatura em Hogwarts, mas desta vez era diferente. Na escola, Hermione tinha plena consciência que havia poucos alunos mais inteligentes que ela (se é que havia) escutando-a. Agora, ela estaria perante bruxos muito importantes: políticos, milionários e militantes. Hermione não podia falhar; era vigiada por inúmeros olhos famintos por desgraça. Precisava mostrar-se competente como sempre.
- Logo vai começar a premiação, Granger. – Draco Malfoy falava com uma calma irritante – Acredito que tenha seu discurso decorado, já que não deixou que o preparássemos para você.
Hermione meneou positivamente a cabeça sem tirar os olhos do público que se sentava em cadeiras acolchoadas espalhadas, em um enorme auditório, em frente a um palco de piso de madeira extremamente bem polida com um púpito forrado com uma faixa semelhante a da parede onde podia se ler “230ª Celebração do prêmio O bruxo do Ano”.
A celebração existia há séculos e premiava bruxos que fizeram grandes obras em benefício à comunidade mágica no ano. Hermione soubera que algumas vezes seu próprio nome havia sido cogitado ao prêmio pela sua luta na ong F.A.L.E., mas sempre esteve certa de que seus inimigos não a deixariam ganhar. A libertação dos elfos domésticos era algo polêmico demais para isso.
- O apresentador fará uma pequena introdução do evento e, em seqüência, te chamará, Granger. Você terá exatos 10 minutos para abrir a celebração. – Hermione já ouvira todas as recomendações de Malfoy diversas vezes – Fale sobre a importância de se ganhar esse prêmio, da comoção social, do bem que a pessoa exerce. Passe um ar amigável, mas, ao mesmo tempo, arrogante.
- Arrogante?
- Sim. Ou esquece que você é candidata a Ministra da Magia?
- Não gosto desta história, Malfoy. – Hermione desviou seu olhar dos bruxos sentados no auditório. – Não quer dizer que só porque aceitei sua ajuda serei como você. Não vou mentir, forjar, passar em cima das pessoas e, muito menos, fingir ser algo que não sou.
- Por favor, Granger. – Malfoy tinha seu típico sorriso sarcástico nos lábios – Não precisa chegar a tanto. E, além do mais, passar um ar arrogante não será difícil. – e completou aproximando-se – Você sempre foi boa nisso.
Para Hermione, naquele momento, nem mesmo a crença popular de contar até dez para se acalmar adiantou; ela nem mesmo chegou ao cinco antes de concluir que Malfoy merecia ouvir “poucas e boas”, quem ele pensava que era?
No instante em que se virou para encarar Malfoy, Hermione viu Joshua. E o mais estranho era que não estava sozinho. Joshua estava distante dela, mas, mesmo àquela distância, ela o reconheceu. Estava parcialmente escondido atrás de uma pilastra conversando com um senhor bruxo alto, de barba, compridos cabelos brancos e óculos de meia lua bastante característicos.
- Dumbledore?!
- Não há tempo para cumprimentar velhacos, Granger. – Malfoy falava enquanto empurrava Hermione, sem perceber a distração que ela tivera há pouco – Já está quase na hora.
Hermione desfocou-se da cena que vira no mesmo momento em que ouvira seu nome ser chamado pelo apresentador da premiação. Caminhou o mais calmamente possível até o centro do palco tendo como “fundo musical” as palmas da platéia.
Esforçou-se para relembrar cada palavra de seu discurso, mas, no estado em que estava, nem uma letra vinha a sua mente, sorte ter trazido tudo escrito em um pergaminho. Forçou um ligeiro sorriso no rosto, mas seu corpo permanecia rígido atrás do púpito. “Amigável e arrogante, não esquece”, Hermione conseguiu “ler” nos lábios de Malfoy o que ele dizia parado no canto do palco.
As palmas foram diminuindo gradativamente (e muito rapidamente na opinião dela). Era agora ou nunca, precisava se concentrar. “Mas de onde Joshua conhece o Dumbledore?”, um último pensamento teimoso passou pela mente de Hermione antes de se dedicar por completo ao discurso.
- Hãm-hãm. – Hermione colocou seus óculos, tirando-os do bolso – Boa noite. Estamos todos aqui presentes para mais uma festa de O Bruxo do ano, que premia, como todos sabem, o bruxo que mais se destacou em obras sociais ou atos de bem para toda a comunidade mágica. Sinto-me honrada de poder ter direito à voz nesta noite, pois nem todos conseguem estar aqui neste palco; alguns merecem, mas não conseguem. Enfim, esse prêmio nos mostra que há “bruxos e bruxos”. Há bruxos que realmente são dignos deste título. Porque ser bruxo não é só ter poderes, conheço muitos... com o perdão da palavra... sangues ruins e até abortos que possuem mais caráter que mágicos renomados por aí. É disso que iremos tratar aqui nesta noite: caráter. Bruxos honestos e de bom caráter merecem esse prêmio. Homens e mulheres que têm coragem de enfrentar a ganância e o falso poder de bruxos que só vivem por si. O bem não morreu, nem tudo está perdido. Existem sim bruxos bons e é por isso que essa celebração existe há 230 anos, para premiar essas pessoas. Espero, que este bom sentimento permaneça no coração delas. Nada de ruim prevalece, o mal sempre perde. Isso é fato!
Hermione não fazia mais idéia de quanto tempo passara discursando, só sabia que passara seus dez minutos há muito tempo. Olhava na platéia bruxos importantíssimos, que a ela muito estimavam, como Roger Fielding, presidente da Associação Contra Maus Tratos de Dragões e Beth Rosemberg, lider do Grupo em Luta dos Direitos Femininos do Reino Unido (grande favorita ao prêmio). Mas além de figuras importantes, no ponto de vista de Hermione, também havia pessoas “asquerosas”, onde o bruxo-mor era Lúcio Malfoy.
Ele estava sentado em uma mesa há cerca de seis metros de distância do palco junto com outros quatro bruxos, certamente muito ricos com suas capas visivelmente de alguma grife mágica da última moda. Hermione reparou que conforme seu discurso prosseguia, mais admiração ganhava dos convidados e mais ódio de Malfoy que tentava disfarçar muito mal o olhar fervente que carregava com um sorriso de canto de boca.
- ... E é essa, com certeza, a mensagem que queremos passar com esse prêmio hoje: não desistam nunca de fazer o bem. – Hermione notou o desespero de Draco Malfoy na lateral do palco. O bruxo fazia incessantes sinais de cortes na altura do pescoço como se quisesse que ela parasse de falar. Hermione achou graça da cena, mas concluiu que era melhor encerrar o discurso - Merecem minha admiração todos os bruxos aqui indicados. Quem dera toda a comunidade mágica fosse assim, mas quem sabe um dia. Obrigada.
A ovação veio quase que instantaneamente ao “obrigada” de Hermione. Sentiu um ardor em seu rosto e concluiu e até rubrou de vergonha. Nunca fora aplaudida daquela maneira. Sabia que tinha feito um bom discurso, mas imaginou receber aplausos sinceros, não sendo somente por mera conveniência.
O apresentador da premiação voltou ao palco e se referiu a ela diante do público como “a futura Ministra da Magia” o que a constrangeu por um lado e por outro a deixou muito feliz, já que isso provocou um nada disfarçado desconforto em Lúcio Malfoy.
- Você foi perfeita, Granger. – Draco Malfoy comentou com animação enquanto Hermione vinha ao seu encontro, mas, provavelmente após notar o que falara, completou mudando o tom de voz – Mas para a próxima vez precisamos reavaliar a duração dos seus discursos. Você fala muito, Granger.
Hermione ignorou por completo a última informação de Malfoy, pois, no momento, uma antiga preocupação lhe voltou à mente: Joshua conhecia Dumbledore.
A bruxa se afastou de Draco Malfoy, sem dar muita atenção ao que falava, dizendo somente um “depois vemos isso” e caminhou em sentido contrario à entrada do saguão. Precisava encontrar Joshua e de uma vez por todas saber o que acontecia àquele bruxo. Já não bastava o segredo sobre os bruxos da reportagem de tevê, agora tinha a conversa com o diretor de Hogwarts?! Por mais que seu intimo a impedisse de procurar evidências sobre seu passado e descobrir que tem que se separar dele por alguma razão, Hermione precisava descobrir algo, um mínimo para poder saber, pelo menos, se esse bruxo é do bem. Nunca mais se sentira assim, como na época da escola. Hermione lembrava como ficava quanto estava instigada a descobrir algo sobre algum fato; procurava em bibliotecas, arquivo de jornais, conversava com professores, enfim, fazia tudo o que estivesse em seu alcance para encontrar a resposta. Era assim que se sentia no momento, instigada a procurar a resposta para essa grande incógnita chamada Joshua.
Sem prestar muita atenção no caminho, parou quando sentiu alguém segurar seu braço. Era Harry Potter, com seu uniforme de alto escalão do Quartel dos Aurores. Embora ainda não o tivesse encontrado, Hermione sabia que estava lá, juntamente com dezena de jovens aurores, para manter a segurança no evento.
- O que aconteceu, Hermione? Te chamei diversas vezes.
- Desculpa, Harry. É só que estou com um pouco de pressa.
- Algum problema? – Hermione percebeu que no momento estava sendo mais profissional que amigo o que não a desagradou já que não eram mais amigos como antes há tempo. - Todos os aurores estão de prontidão. Premiações como essa não costumam ser de todo pacíficas.
- Não, nada grave. Desculpa, tenho que ir. – Após dar alguns passos, Hermione voltou-se novamente para Harry e completou – Você voltará para Londres ainda hoje? – Harry respondeu que sim – Voltarei com você então. Prometo que depois conversamos melhor sobre isso.
- Tem certeza que não há nada de errado? – Harry ainda perguntou em um tom de voz preocupado, mas Hermione já havia se virado e seguido seu caminho apressadamente.
Pedira para ir a Londres com Harry, pois sabia que não poderia voltar com Joshua. Na verdade queria, após descobrir o máximo que pudesse, se afastar do bruxo. Não desejava mais fazer parte de um jogo onde não sabia as regras e, por isso, sempre acabava perdendo.
Após caminhar por cerca de vinte minutos, chegou no seu quarto de hotel. Draco Malfoy alugara um dos melhores quartos do hotel Maison com a explicação que “a futura ministra da magia precisava mostrar elegância”. Uma grande besteira na opinião dela já que passaria somente algumas horas ali.
Assim que abriu a porta do quarto, Hermione o viu parado de costas à ela. Por um instante pensou ter visto seu passado, quando chegava do serviço e encontrava Rony parado, esperando para lhe dar um beijo. Mas não era Rony, era Joshua. Apesar de terem o mesmo porte e até, muitas vezes, atitudes semelhantes, não era Rony e isso, intimamente, desapontava Hermione. Se pudesse, queria tanto voltar ao passado. Apagar tudo de ruim que lhe acontecera. Voltar a aproveitar o tempo que passou ao lado de seu amado, tantas vezes Hermione trocou uma noite romântica por estudos e trabalho... Ah, como se arrependia!
Joshua se virou assim que ouviu alguém entrar no quarto. Hermione notou seu olhar mudar bruscamente de tristeza para felicidade.
- Vi seu discurso. Você foi muito bem.
- Quero falar com você Joshua sobre outro assunto. – Hermione tentou ser o mais seca possível, apesar de ter ficado lisonjeada pelo elogio – Na verdade, quero falar com você sobre o assunto de sempre.
Joshua baixou o olhar e sentou-se lentamente na cama, apoiando as mãos nos joelhos. O bruxo inspirou fundo uma vez antes de soltar o ar já totalmente resignado, como se não agüentasse mais o pesado fardo que carregava por anos.
- E o que quer falar?
- Não sabia que você conhecia Alvo Dumbledore, Joshua. Você é um bruxo misterioso que tem como amigos bruxos importantes. – e completou com um tom de voz ríspido – Mais quem diabos você é?
- Eu sou o que você vê. – Joshua estava sendo mais evasivo que nunca e isso irritou profundamente Hermione.
- Não, não é e sabe por que? Porque eu não sei o que vejo. Acredito que você próprio não deva saber quem é porque você se esconde. Se esconde por detrás desta estúpida máscara de homem misterioso que até agora só tem me magoado.
- Eu te magoei?
Hermione hesitou no momento. Queria dizer a ele que todas as vezes em que esteve com ele, na verdade ela estava era com Rony. Seu pensamento era exclusivo para seu noivo. Quando estava com Joshua, só o que desejava era poder estar novamente com a única pessoa que já amara em toda sua vida. Joshua, na verdade, era a maneira que Hermione encontrara para manter Rony vivo.
- Não. – respondeu após refletir um pouco – Não, Joshua. Eu que me iludi. Desculpa. Mas a questão é que eu tenho medo.
- Medo de mim?
- Por céus, Joshua, eu não sei quem ou o que você é. Já não bastasse todos os segredos que me omitia, hoje você vê uma reportagem de dois supostos trouxas mortos e diz que os conhecia. Não gosto de não entender alguma coisa, e eu não te entendo! – Hermione ajoelhou-se no chão, à beira da cama, ficando assim bem próxima do bruxo antes de continuar num tom de voz mais ameno – Me deixa te entender?
- Não sou um bruxo mau.
Hermione quis abraçar Joshua nesse momento. A maneira inocente como ele falara era exatamente como Rony falava quando queria se inocentar de algo.
- Bom, vamos tentar sermos diretos, okay? Quem eram aqueles dois na reportagem hoje cedo?
- Comensais da morte que há alguns anos trabalhavam para os dois lados, fazendo papel de informantes.
- Informantes? Informantes de quem? Eram seus informantes?
- Trabalhavam como agentes duplos, revelavam informações sobre os comensais para os aurores.
- E para você não? – Hermione perguntou na ânsia de que, como resposta, recebesse algo direto como “sou um auror disfarçado” ou “sou um espião ultra-secreto do Ministério da Magia”, tudo o que ela intimamente suspeitava.
- Não, para mim não.
- Então como os conhecia? E porque estaria em apuros como dissera?
Joshua olhou para a bruxa ajoelhada a sua frente. Hermione sentiu a “aspereza” da mão “leve” do moreno afagando seu rosto. Fechou os olhos e por um momento imaginou Rony vivo novamente.
Alguns segundos depois de sentir a mão de Joshua afastar-se de seu rosto, Hermione abriu os olhos bem a tempo de vê-lo se levantar.
- Desculpa, Hermione. Tenho medo de envolvê-la. Desculpa. – disse já se encaminhando à porta.
- Me envolver em que?
Nesse instante, os dois pararam de falar quando ouviram o bater na porta.
- Hermione, posso entrar? – um bruxo de olhos verdes e uma cicatriz na testa abriu a porta.
- Oh, Harry. – a bruxa não quis, mas com certeza sua voz transpareceu o desagrado pelo aparecimento do amigo em horário inoportuno. – Entre.
Hermione não soube explicar o que foi a troca de olhares entre Harry e Joshua. Ambos pararam qualquer tentativa de indício de conversa.
- Depois conversamos, Hermione.
- Joshua, espera...
O bruxo saiu antes que ela pudesse terminar a frase. Hermione demorou alguns segundos até compreender que Joshua havia fugido dela novamente. Mais uma vez ela ficara sem saber definitivamente quem ele era. A única vantagem da conversa, na opinião de Hermione, fora a descoberta dos informantes, mas, mesmo assim, apesar de ser uma informação importante, para ela nada servia.
- Quem era esse bruxo? – Harry perguntou, fazendo com que Hermione voltasse sua atenção novamente para ele.
- Só um amigo. – e, após notar o semblante de Harry, completou – Por que, você o conhece?
- Não, mas é como se conhecesse. Me lembra muito alguém.
- Estranho, Harry, tive essa mesma impressão quando o conheci.
~ * ~
O céu estava de um rosa extremamente bonito. Hermione chegara a conclusão que já vira uma vez um quadro de um artista trouxa com a pintura a óleo daquele mesmo céu. Era quase mágica a maneia em que o azul já escurecido se encontrava com um amarelo restante do belo dia frio e, estranhamente, como resultado obtinham um rosa que parecia se movimentar pela imensidão acima.
Estava completamente solta em pensamentos sem nexo, em recordações sem muita relevância. Queria ficar assim para sempre, sentindo o vento frio que sacudia seus cabelos rebeldes para fora da janela do carro trouxa que Harry havia alugado.
Passara horas ao lado de Harry quase sem pronunciar uma palavra. Sabia que o amigo estava curioso para saber porque decidira voltar de carro com ele, mas respeitava o silêncio tão particular de Hermione. Ela agradeceu mentalmente Harry por isso.
Ela mesma não queria pensar no assunto. Tinha diversos pensamentos na mente que lutavam entre si para que algum pudesse ganhar a atenção da bruxa, mas Hermione forçava-se a negar qualquer indício de pensamento sobre Joshua. Estava cansada daquela conversa evasiva dele. O bruxo tinha todo o direito de querer guardar seus assuntos particulares para si, mas, já que era assim, Hermione não queria envolver-se com ele. Já tinha problemas próprios para pensar e não eram poucos.
Viera à mente agora a cara de desgosto de Lucio Malfoy após seu discurso. Ainda não tivera tempo para pensar nisso, mas, agora, sentia brotar em seu rosto um sorriso ao lembrar da inveja que Malfoy devia ter sentido.
Se antes tinha dúvidas se queria ser Ministra da Magia agora estava certa: não era questão de querer, ela DEVIA ser, nascera para isso. Não concordava com as injustiças e diferenças existentes entre a comunidade mágica, mas nunca lhe passara envolver-se com política para resolver esses problemas. Não entendia até porque nunca pensara nisso. Podia até ter se candidatado antes.
Não tinha medo da represália que poderia sofrer de um ex-comensal da morte. Afinal já ajudara a matar até o pior bruxo de todos os tempos. Alguém precisava se opor a Lucio Malfoy. Não se considerava corajosa, mas sabia que covarde nunca fora e desistir da campanha estava fora de questão.
Olhou para o lado e viu um Harry concentrado na estrada a sua frente. Hermione nunca andara de carro trouxa com o amigo, mas confiava que, se ele pegara o veículo para dirigir era porque sabia. E dirigia muito bem. Hermione pensou em perguntar com quem aprendera, mas chegou a conclusão que fora Rony quem o ensinara.
Mesmo não querendo pensar em Joshua, uma coisa lhe veio à mente: ele dissera que as duas pessoas mostradas na reportagem eram comensais da morte que trabalhavam como informantes de Aurores. Com certeza eram informantes de Harry. Talvez o amigo soubesse de alguma coisa que lhe interessasse.
- Harry.
- Sim? – o bruxo respondeu de sobressalto. Não esperava que Hermione falasse naquele momento.
- Você conhecia Victor Dorough e Isabelle Fow?
Harry pareceu surpreso com a pergunta, mas respondeu sem muito rodeio. – Eram comensais da morte que há uns anos nos ajudavam. – e completou desviando rapidamente os olhos da estrada – Por que a pergunta?
- Vi em um noticiário uma matéria sobre a morte deles.
- Mas como sabia que eram bruxos?
Hermione hesitou antes de responder. Não sabia se devia comentar sobre o lado misterioso de Joshua, mas, mesmo tendo se afastado de Harry por diversos anos, ele era o único com quem sabia que poderia conversar; além de ser chefe dos aurores, o que seria garantia de informações que mais ninguém teria.
- Lembra-se do bruxo que vira no meu quarto há algumas horas? – ele meneou positivamente a cabeça, fazendo a bruxa continuar – Eu o conheci há alguns meses. Hoje de manhã, quando íamos para Liverpool, ele ficou abalado com a notícia da morte misteriosa de Dorough e Fow. Ele confessou também que estaria com problemas por causa disso.
- Estranho. Um bruxo que conhece comensais da morte e se encrenca com suas mortes não me parece boa coisa.
- Já pensei assim também, mas, o mais estranho é que quando o questionei sobre o assunto ele me contou a verdade, disse que os dois mortos eram comensais. Por que não mentiu então?
- Mas quem é esse bruxo, afinal?
- Não sei. Na verdade, a única informação concreta que tenho é que se chama Joshua.
- Joshua? Joshua de quê?
Hermione nunca parara para pensar que não sabia seu sobrenome. Na verdade, será que “Joshua” não era algo inventado. Pensou o quanto idiota era por confiar cegamente assim em um estranho. Deixara entrar em sua vida sem pedir permissão e sem muito questionar. Hermione não era assim, o que aquele bruxo tinha de tão especial? Por que fazia esse estardalhaço com sua vida?
- Investigarei o que puder sobre ele, Mione. Não é nada bom você se envolver com um bruxo com esses mistérios todos.
As palavras “se envolver”, no ponto de vista de Hermione, saíram com um significado diferente. Sabia que o amigo não dissera por mal, mas era estranho ouvir alguém dizer algo sobre um sentimento que ela pensava estar invisível aos olhos alheios.
- Não estou me envolvendo com ele.
- Não foi o que quis dizer. Mas, mesmo que estivesse, qual seria o problema, Hermione?
- Harry! Rony era seu amigo!
- Sim, e você também. Olha na verdade sempre imaginei como reagiria quando isso acontecesse, mas vendo você tão animada como nesses últimos meses, acredito que um novo amor só lhe faria bem. Desde que Rony morreu você se fechou, mudou, se secou. Se isolar nunca fora a melhor opção, mas foi a sua opção. Respeito isso.
- Joshua mexe comigo, não vou negar, mas é de uma maneira diferente. É inexplicável.
- Deve ser pela semelhança dele com Rony. Você deve ter buscado, inconscientemente, alguém parecido com ele.
Parecido com Rony? O que Harry queria dizer? Joshua sempre lhe fazia lembrar de seu noivo, mas pensara que fosse somente em sua imaginação. Parando melhor para pensar, Hermione concluiu que ambos realmente tinham a mesma altura, a mesma pele branquinha, o rosto quadrado austero e mesmo tendo cabelos escuros, Joshua também tinha fios finos, como os de Rony, Lembrava-se de passar horas alisando aquele cabelo fininho que tanto amava.
Estranhamente sentiu um aperto no peito. Um medo de ter algumas suspeitas infundadas e (por que não) impossíveis confirmadas. Não, não... Seria doloroso demais.
Já haviam chegado a Londres há cerca de meia hora. O centro da cidade estava animado com muitos trouxas que bebiam e riam nos mais famosos pubs da Inglaterra. Hermione já conhecia aquele caminho de cor. Sabia que mais alguns minutos estaria em seu lugar, sua casa, seu trabalho e sua vida. Não via a hora de deitar-se em sua cama, fechar os olhos e tentar esquecer todos os seus problemas. Quem sabe quando acordasse tudo estaria diferente?
Harry estacionou perfeitamente o carro em frente à sede do F.A.L.E. Hermione realmente pensou em parabenizá-lo pela maneira em que dirigia, poucos bruxos sabiam guiar carros trouxas e muito menos guiar bem.
- Investigarei sobre aquele bruxo amanhã. Entrei em contato com novas notícias. – disse Harry assim que a bruxa bateu a porta do veículo.
- Obrigada por tudo, Harry. Não sei como agradecer.
- Não precisa. Amigos são para essas coisas.
Hermione viu o carro se afastar enquanto pensava o quanto era bom ter a amizade de Harry novamente. Concluíra como fora infantil ter se afastado do bruxo após a morte de Rony. Era algo sem sentido que fora superado nesses últimos meses.
O molho de chave estava dentro da sua maior mala. Tinha que abrir a porta da sede para, aí então, entrar em sua casa. À noite já caira há tempo, o que dificultava Hermione de encontrar o molho em sua mala. Acostumara-se aos formatos das chaves que tinha, já que por diversas vezes procurara a correta no breu, como agora.
Separara com os dedos hábeis a chave correta, uma menor na cor dourada. Devagar a enfiou na porta e quase que instantaneamente ao vira-la na fechadura sentiu um calor vindo de encontro a ela.
Fora tudo tão rápido que quando Hermione se deu conta estava sendo jogada contra a rua pelo fogo alto que era cuspido para fora do prédio. Somente quando caira violentamente contra o chão gelado da rua Hermione se dera conta do que estava acontecendo: a sede do FALE, juntamente com sua casa estava pegando fogo. Houvera uma explosão, um atentado contra a vida e o trabalho de Hermione.
Sentiu alguém puxá-la pelo braço para longe do prédio, pois as labaredas ainda eram projetadas contra a rua, alcançando distâncias imensas. Toda a estrutura do prédio estava banhada de chamas tão vermelhas e ardentes que provocava, para quem assistia, um espetáculo de uma beleza perigosa e sedutora.
Não tinha como apagar o fogo com qualquer tipo de magia, havia muitos trouxas curiosos e espantados ao redor. Além do mais as chamas já cobriam todo o prédio e parecia que não demoraria muito para que desabasse.
Hermione assistia dormente, sem ação, o fogo consumir todo o seu sonho em poucos segundos. Há alguns anos o fogo lhe roubara Rony e agora seu trabalho e sua casa. O fogo, sem saber, estava consumindo sua vida, sua energia. Sentiu uma lágrima escorrer por seu rosto, sentou-se no meio fio do outro lado da rua e amaldiçoou em silêncio o monstro que a estava fazendo sofrer.
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