Epílogo

Epílogo





Amanhã




Quinze minutos depois...


Quando os cinco apareceram no alto da ilha, demorou cerca de meio minuto, mas depois eles foram soterrados por abraços, lágrimas e berros. É claro que Lyan reclamou, mas não foi o único. O pequeno Sirius estava assustado, choramingando alto e só sossegou quando foi parar nos braços de Rony e Hermione, que grudaram nele como se tivessem sido vítimas de um feitiço adesivo permanente. Kenneth e Sean ainda olhavam com estranheza para tudo, mas não choravam. Cada um tinha um enorme pedaço de chocolate nas mãos e Harry poderia jurar que o autor da proeza de carregar chocolates para uma batalha tinha sido Lupin. Jorge segurava um em cada braço, enquanto Alicia, sendo curandeira, estava às voltas com os feridos, e Kátia cuidava de Fred que tinha um corte horrível na parte de trás da cabeça. Fleur estava agarrada a pequena Chantal como se a menina fosse de vidro, Gui abraçava as duas e sorria para Harry.

Todos os cumprimentos, abraços e apertos de mão eram, no entanto, uma única pergunta que somente o Sr. Weasley conseguiu fazer em voz alta:

– Acabou, filho? Acabou de verdade? – Artur tinha os olhos inchados e a mão sobre o ombro do genro.

Harry confirmou sorrindo. Ainda ficava emocionado com o jeito com que o Sr. e a Sra. Weasley o haviam adotado tão profundamente.

– Prometo que tombos no quintal serão nossas únicas preocupações de agora em diante.

O sogro riu por entre as lágrimas que escapavam.

– Abençoados sejam cada um desses tombos – e então o abraçou forte sem dizer mais nada.

Harry observou-o, depois, ir até cada um dos filhos e netos e beijá-los fervorosamente. Toda a comemoração tinha meramente descolado Harry de Gina, mas os dois se recusavam a desenlaçar os dedos e, volta e meia, seus olhares se encontravam. Havia tanta coisa que Harry gostaria de dizer para a esposa naquele momento, de dividir. Falar do pânico de perder a ela e Lyan, mas só porque agora, com eles ao seu lado, seria como narrar um pesadelo para poder deixá-lo ir e sumir na memória. Mais do que tudo, ele queria simplesmente estar com ela, com os filhos deles. Fazer coisas comuns como por as crianças em seus berços e vê-los dormir e, depois, provavelmente, arrastar sua mulher para o quarto ao lado e fazer amor com ela até que o cansaço vencesse a vontade. Gina sorriu como se lesse os seus pensamentos e ele baixou os olhos numa promessa de se comportar. Por enquanto.

A algazarra a volta deles continuava alta. Era como se, além dos abraços aliviados entre os adultos, todos precisassem acarinhar e beijar os pequenos. Afinal, eles tinham sido o símbolo de toda aquela luta e as caras de zanga pelo excesso de atenção não demoviam os “guerreiros” de afofarem os seus “prêmios”. Por outro lado, todos os que cercavam Harry, Gina, Rony e Hermione não paravam de perguntar o que havia acontecido e como haviam vencido no final. Os quatro, porém, não conseguiram responder. Alicia, caminhando na direção deles, interrompeu Rony que já principiava a contar.

– Harry! – A voz aguda e imperativa da curandeira soou como um trombeta pedindo atenção. – Temos muita gente ferida aqui. A maioria precisa de cuidados urgentes. Temos de removê-los para o St. Mungus, já!

– Tá – concordou Harry, pensando em como organizar a saída da ilha.

Contudo, Alicia estava um passo à frente do que ele poderia pensar.

– Enviei o meu patrono ao hospital solicitando ajuda para remover os feridos, mas não sei o que eles poderão enviar para tirar esse pessoal daqui.

– Espera aí! – Interrompeu Olívio Wood. Ele segurava uma mão ensangüentada à frente do corpo. – Nós não vamos comemorar?

Alicia pareceu não entender a exigência do seu antigo capitão de time por alguns segundos, então pôs as duas mãos na cintura.

– Olívio, peloamordeDeus!! Olhe para você! – berrou indignada.

– O que é que tem? É um cortezinho à toa. Eu não vou me enterrar em hospital nenhum por causa disso. – O rapaz tirou a varinha do bolso das vestes e apontou para o ferimento: – Episkei!

O corte até fechou, mas de um jeito bem feio. No entanto, ele não era o único com aquela disposição.

– Vai ter me amarrar para me fazer perder a festa, cunhada – rosnou Fred amparado em Kátia, com os olhos desfocados de dor. A esposa dele parecia não saber o que fazer para demover o acesso de insanidade.

Harry trocou um olhar aflito com Gina, quando todos os feridos que podiam falar pareceram ter entrado numa espécie de surto, exigindo aos brados não irem para hospital nenhum. Como é que podiam estar pensando em festas e comemorações? Talvez até houvesse mortos entre eles. Era preciso decidir o que fazer com os Comensais presos, com os demônios sobreviventes. Eles não sabiam onde estava Bellatix Lestrange ou Lucius Malfoy e... por Mérlin, tinham perdido Olho-Tonto!

Alicia parecia pensar como ele.

– Isso é histeria coletiva! – berrou já saindo do sério. – Vocês precisam de cuidados! E quem falou que haverá festa?

– Claro que vai ter festa! – Protestou Lino Jordan. Ele tinha pela mão a noiva, Angelina Jonhson que, na última lembrança de Harry, estava desacordada em meio à batalha, mas agora parecia bem. – Sempre temos festa. SEMPRE! Todas as vezes em que o Harry derrotou o cara de cobra, nós fizemos festa! Por que vai ser diferente agora?

A curandeira piscou.

– Eu não acredito. Tivemos uma batalha! Pessoas morreram!

– Se estivessem vivas também iam querer festa – Alicia olhou para o marido Jorge como se não o reconhecesse.

– HARRY! – Ela chamou batendo o pé de um jeito que Harry só achou que ouviria Hermione lhe chamar.

Então, todos olharam para ele esperando uma decisão. E Harry se deu conta. Ele sempre tinha liderado, mas dar-se conta de que se é um líder é diferente. Sentiu Gina pressionar sua mão com firmeza. Ela chegou mais perto e sussurrou: “Você é quem decide, meu amor”. Ele procurou por Rony e Hermione, mas o amigo parecia concordar com a irmã sobre aguardar a decisão dele, enquanto Hermione avaliava os feridos com os olhos e decidia que, obviamente, Alicia tinha mais do que razão.

– Certo, gente! – a voz saiu muito, mas muito estranha. Uma coisa é comandar numa batalha e outra... – Vamos esperar os curandeiros do St. Mungus – Alicia cruzou os braços e encarou a multidão com arrogância. Os gêmeos, Lino e Olívio bufaram. – Vamos fazer uma coisa de cada vez, ok? Primeiro temos de separar quem está bem de quem precisa de cuidados mais urgentes. Vamos ver também quem nós... perdemos... e... Quim?

– Sim, Harry – a voz trovejante do chefe o assustou, ele estava mais perto do que o rapaz imaginava. Tinha Josh no colo e segurava um machucado Otwani sob o outro braço.

– Hã... os Comensais, eles...

Harry achou que Kingsley também tinha ficado meio fora do ar ao reencontrar o filho mais novo e quase ter perdido o mais velho. Com uma sacudida de cabeça, o Chefe dos Aurores voltou. Ele colocou Josh no chão e recomendou: “Ajude seu irmão”. Depois passou a dar ordens aos Aurores que estavam em pé. Em segundos um grupo grande se desprendeu de onde eles estavam e logo foi possível ver alguns aparatarem com os prisioneiros, certamente, direto para Azkaban.

Depois disso, Harry não precisou dizer nada. Hermione colocou Sirius no colo de Rony, deu-lhe um beijo e foi para até onde Alicia estava.

– Eu ajudo você a separar os mais graves dos ferimentos leves.

– Eu também posso ajudar – se ofereceu Angelina Johnson.

Alicia concordou e elas se afastaram. Denis Creevey, que era estagiário no St. Mungus, Gabrielle Delacourt, Terêncio Boot e Cho Chang seguiram-nas, todos dispostos a ajudar. Mas os que não sentiam dores profundas, nem estavam caídos, mantinham os olhos em Harry, ainda esperando.

– O que faremos com os beusclainhs? – perguntou Rony em voz alta e um arrepio coletivo correu os mais próximos.

Harry olhou para além das pessoas que os cercavam tentando localizar os demônios sobreviventes.

– Não tenho idéia de como poderemos controlar ou ter jurisdição sobre uma raça tão diferente da nossa.

– Não creio que seja necessário nos preocuparmos, por ora – garantiu Snape aparecendo ao lado deles.

– O que quer dizer?

Snape apontou para ponto em que Rony havia deixado os demônios presos pela energia do Pendragon. Os que estavam atrapalhando a visão de Harry abriram espaço. O local estava vazio.

– A energia se dissipou – respondeu o ex-professor – creio que por achar não ser mais necessária.

– E eles? – quis saber Rony, indignado.

– Se foram – a resposta foi de Remo. Ele se encontrava ao centro de sua pequena família, Tonks de um lado, Hector do outro e, sob o braço de Tonks, Mel, cuidada como se fosse um deles. – Não se preocupem – juntou rapidamente ao ver as expressões de Rony, Harry e Gina. – Não ouviremos falar deles tão cedo. Perderam seus principais líderes. Levarão muito tempo para se reorganizarem.

– Séculos, talvez – completou Snape.

Nesse momento, os curandeiros do St. Mungus começaram a desaparatar sobre a ilha e a correr em todas as direções. Alicia os coordenava e Hermione tentava ajudar como podia. Harry até gostaria de fazer mais, mas a verdade é que não conseguia se mexer. Todo o seu movimento tinha sido voltar a passar o braço sobre os ombros de Gina e olhar Lyan, que brincou feliz com a sua mão. Um canto da sua mente ficou esperando, quando viria. Sabia que teria um momento em que iria saber quem eles tinham perdido.

– Harry – Percy chegava até eles e Harry nem o tinha visto se afastar. – Fui contar quem perdemos para colocar no relatório para o Ministro e... – Harry olhou para o cunhado, aguardando. – Carlinhos perdeu um dos homens dele. O rapaz foi tentar separar os dragões briguentos e foi jogado ao mar. Estão procurando por ele.

Harry concordou triste, mas aéreo. Voltou a olhar para Lyan. O garoto riu.

– Quem mais?

Houve um silêncio que se prolongou até o ponto de enervar.

– Fale logo, Percy! – admoestou o Sr. Weasley muito tenso.

– É um milagre... – disse Percy.

– O quê? – quis saber Gina.

– Foram só eles... – disse o irmão. – O Olho-Tonto e o colega do Carlinhos.

Percy ergueu os ombros como se fosse incapaz de compreender.

– Espantoso – comentou Snape e todos o olharam, pois não havia nem um júbilo de alegria em sua voz. Somente um frio tom de constatação. – Certamente não é a primeira vez que isso acontece.

– Do que está falando? – perguntou Harry, um pouco irritado. Não era hora para enigmas.

– Acho que Severo se refere à proteção do Graal, estou certo? – disse Lupin.

– As lendas falam de batalhas em que aqueles que tinham ao seu lado o Graal, ou o Pendragon, ou mesmo a espada mística tiveram pouquíssimas perdas.

– E nós tínhamos os três – Rony falou sorrindo e parecendo muito assombrado com o fato.

– Isso aparece nas lendas do Rei Artur, dos Templários e mesmo na jornada dos descendentes de Arimatéia.

Todos os olhares convergiram para Gina quando ela disse isso.

– O que foi? Eu também sei ler, sabiam? Escrevo livros caso não lembrem – arrematou com as sobrancelhas já unidas. – Não é só a Hermione que é inteligente e...

Harry deu-lhe um beijo, calando-a.

– Você é maravilhosa – sussurrou.

À volta deles a notícia ia distribuindo sorrisos e abraços. Sentiam por Olho-Tonto. Sua falta doeria muito ainda. E também sentiam pelo corajoso e anônimo colega de Carlinhos. Ainda assim, todos os que estavam à volta de Harry queriam beber, erguer brindes àqueles heróis que não haviam sobrevivido, sentir os corpos duros relaxarem por sua vontade e não por poções e mezinhas de curandeiros.

Harry acompanhou a onda de alegria se espalhando. Havia uma espécie de tontura caminhando pelo seu corpo, como a de quem está e ao mesmo tempo não está ali. Foi a voz retumbante de Quim que o amarrou na terra novamente.

– Harry, já mandamos os Comensais para Azkaban. Ficarão lá até o julgamento.

– Certo. E o Malfoy? – perguntou. Mal o tinha visto durante a batalha o que significava que Draco tinha cumprido a sua parte no acordo. Sendo assim, Harry pretendia cumprir a dele.

Contudo, não foi Quim que respondeu.

– Está morto – falou Neville. Percebendo o choque dos outros, ele continuou. – Bellatrix Lestrange o matou.

A explicação apenas aumentou as expressões de incompreensão, mas Neville deu de ombros e ele, Tonks e Percy contaram o que tinha acontecido. Houve uma pausa quando chegou o momento em que estavam contando o que tinha acontecido com Bellatrix.

– Ok, vocês a encurralaram e o que aconteceu? – perguntou Rony, já enervado com os olhares e as pausas deles.

Muitos nem tinham percebido que durante todo o tempo em que conversavam, Draco estava ali, parado, meio escondido atrás de Snape. A cabeça baixa e a sólida intenção de permanecer invisível. Contudo, ele pareceu disposto a responder.

– Eu...

– Foi um duelo – disse Neville cortando-o. – Bellatrix Lestrange era uma bruxa muito habilidosa. No fim, acho que um de nós quatro a acertou, ela acabou desequilibrando e caiu no despenhadeiro. – Ele ergueu a cabeça e encarou seriamente Percy, Tonks e Draco. Os primeiros confirmaram a sua história e Draco não o desdisse, embora o olhasse com assombro evidente.

Harry ficou sabendo o que realmente se passou mais tarde. Neville e Percy lhe contaram, e ele concordou com a decisão tomada pelos dois. Numa guerra, as pessoas morrem. E, tristemente, ninguém lamentava por Bellatrix Lestrange e, fora o filho, tampouco por Lucius Malfoy. Draco jamais disse uma palavra sobre o assunto, até onde Harry pode saber, pelo resto da sua vida.

Um silêncio estranho se seguiu à fala de Neville e só foi quebrado pela chegada de Alicia, Hermione, Hagrid, e o Sr. Weasley.

– Kingsley, Harry – chamou Artur – precisamos organizar como essas pessoas sairão daqui.

– Bom, alguns vão usar as vassouras em que vieram, nãh? – falou Hagrid. – O Carlinhos foi pegar os dragões que soltamos, Rony – ele riu feliz. – Acho que vou voar no meu até em casa. A diretora não vai se incomodar se eu chegar com um dragão treinado.

– O problema são os feridos – disse Alicia. – Não querem ir para o hospital e mesmo que quisessem, acho ruim removê-los por aparatação ou colocá-los em vassouras... ou dragões. E ainda temos as crianças...

– Eu tive uma idéia – interrompeu Hermione. – É um pouco doida, mas pode funcionar. Dêem espaço.

Sem esperar perguntas ou aprovação, ela sacou a varinha e agitou-a para cima e para baixo em frente ao corpo. Nem todos entenderam o que ela pretendia, mas Harry puxou Gina e Lyan e Rony deu vários passos para trás, segurando o pequeno Sirius com firmeza. Claro que Harry não duvidou que Hermione conseguiria, mas ainda assim não pôde deixar de encarar estupefato a impressionante aterrissagem do ônibus roxo berrante, de três andares, que apareceu no canto extremo da ilha e veio na direção deles em altíssima velocidade. Alguns bruxos tiveram de correr para não serem atropelados, mas as pedras do círculo não foram tão “rápidas” e muitas acabaram derrubadas e quebradas. O Nôitibus ziguezagueou fazendo várias pessoas berrarem enquanto saíam da frente. Alguns xingaram alto e fizeram gestos pouco simpáticos para o motorista que, todavia, parecia ter muita dificuldade em controlar o enorme veículo no terreno acidentado e úmido.

Finalmente os freios foram acionados, os pneus reclamaram alto fazendo fumaça e marcando fundo a grama ainda encharcada da chuva. Os que estavam à volta de Hermione tiveram de pular para trás, mas a garota não escapou de uma grande quantidade de lama que sujou-a até a cintura.

Uma seqüência estridente de mecanismos e a porta do Nôitibus abriu, dando passagem a uma bruxa gorducha de meia idade, com cabelos pintados de laranja cenoura e usando um quepe e um vestido excessivamente estampados. As flores roxas no fundo amarelo chegavam a doer nos olhos. E ela estava furiosa.

– Pelos cueiros dos filhos de Morgana, de quem foi a brilhante idéia, hein? – Ela tremia e berrava, deixando o sotaque galês mais aparente e, quase incompreensível na medida em que a voz subia oitavas de indignação. – Nunca! Nunca, desde que assumi o lugar do Ernesto, eu vi uma coisas dessas? Atravessar o mar?! VOANDO! Alguém aqui tem noção do que é fazer isso sem aviso? Num instante você está ótima, andando por uma estrada qualquer de Lancashire, em outro você está quilômetros acima da terra firme.. Que terra firme, o que? Você só vê água!!

– Senhora... – tentou Hermione, mas foi a coisa errada. A bruxa viu a varinha em sua mão e se voltou contra ela.

– Foi você, não é? Você é louca ou o quê? Algum feitiço transformou seu cérebro em escremento de trasgo, foi? Eu-podia-ter-morrido!

Hermione abriu a boca indignada.

– Controle-se senhora. Eu jamais chamaria o Nôitibus se não soubesse que ele poderia vir aqui – ela falou muito alto para se sobrepor aos xingamentos da outra. – Eu mesma aprovei as melhorias mágicas feitas no transporte dos bruxos.

– Ah é? Tinha de ser mesmo! Uma “patricinha” do Ministério! – Hermione abriu a boca chocada. – Era tudo o que eu precisava! Escuta aqui, minha filha: o que essa jossa pode fazer não quer dizer que ela faça!

– Mas a jossa fez, não fez? Ela voou sobre o mar – falou Rony chegando perto de Hermione. Obviamente ele pretendia lhe dar apoio, mas a nota de riso na voz incomodou a condutora do ônibus e a esposa ao mesmo tempo.

A bruxa cruzou os braços. Ela e Hermione inchavam como sapos.

– Era o que eu precisava... figurões do Ministério metidos a engraçadinhos. Quem vocês pensam que são, hein? Harry Potter ou algo assim?

– Hã... – Harry já estava tendo trabalho para controlar o riso – eu penso que sou... – a bruxa o encarou cética e depois os braços dela caíram junto com o queixo – digo, eu sou Harry Potter.

– É – confirmou Jorge – e o resto de nós é o “algo assim”. Então, vai nos levar daqui ou não?

Minutos depois, os feridos estavam sendo embarcados no Nôitibus.

– E então? – Olívio interpelou Harry quando já estava com o pé no primeiro degrau do ônibus. – O ex-capitão falou bem alto. – Onde vamos?

Fred e Jorge, logo atrás dele, mantinham a mesma disposição. Harry não partilhava da vontade de festejar a vitória. De fato, se ele ainda tivesse uma casa estaria completamente doido para ir para lá. Ele voltou a olhar Lyan. O menino estava mais calmo agora e brincava com as mechas fogosas dos cabelos da mãe. Um urgência lhe encheu o peito e Harry só conseguiu pensar no lugar que ele queria ir mais do que a qualquer outro.

– Hogwarts. Vamos para Hogwarts!





Quinze horas depois...



Quando o sol se pôs sobre os terrenos do castelo, Hogwarts tinha, novamente, passado um dia extraordinário. Harry achou que McGonagall se incomodaria com a invasão que ali chegou altas horas da madrugada. Porém, no melhor estilo de seu antecessor, a velha diretora não só os recebeu com grande alívio como pediu aos professores e estudantes que se reunissem no salão principal para um inusitado desjejum ao amanhecer. Em comemoração, ela ainda suspendeu os exames que faltavam serem feitos (para o assombro e desaprovação de Hermione) e ainda desafiou os elfos das cozinhas a fazerem um banquete que entrasse para os anais da escola.

Harry achou que os alunos chegariam ao salão descontentes e com cara de sono, mas descobriu que a maior parte da escola se mantivera acordada, em vigília, durante toda aquela noite. Josh, Mel e Hector foram recebidos como grandes heróis e cercados pelos colegas ávidos por abraçá-los e festejá-los. Danna e Andrew eram os mais afoitos e não largaram mais os amigos até o final do dia. Já Ana fez um escândalo tão grande em torno da sobrinha que a menina ficou parecendo uma Weasley de tão vermelha, fora a óbvia vontade de se esconder. Somente Molly superou Ana no quesito “escândalo por ter minhas crias de volta”. Os rapazes ficaram com a mesma expressão de Mel.

As quatro mesas das casas abarrotaram-se de gente, parecendo ter-se ampliado para receber um número muito maior de pessoas que o usual. Pelas oito horas da manhã, o Ministro da Magia que junto com outros bruxos havia montado guarda no Ministério – afinal, se Harry e o grupo que fora para a ilha falhasse, seria preciso defender o governo – chegaram à escola. Imediatamente a mesa dos professores tornou-se uma mesa de Autoridades. Quim deveria sentar-se com eles, mas estava com o filho mais velho, na ala hospitalar. Harry recebeu convites insistentes, mas preferiu olhar a mesa na parte mais alta do salão do mesmo lugar que sempre a vira: a mesa da Grifinória. Ele e os Weasley (incluindo Percy e a “Patrícia querida”), assim como Neville, seu antigo time de Quadribol, a família Tonks e até mesmo Luna e Colin Creevey tinham preferido se acomodar junto com os barulhentos estudantes ao invés de bancar os “figurões”, como tinha dito a bruxa do Nôitibus. Se isso causou algum tipo de mal estar, Harry nem notou. Estava mais preocupado em mimar a sua pequena família. Gina estava com Joanne no colo e Lyan ficara grudado no pai.

Os feridos tinham sido levados para a ala hospitalar da escola. Seu número lotou os leitos de Madame Ponfrey e algumas salas de aula foram usadas como enfermarias auxiliares. Alguns curandeiros reclamaram de terem de trabalhar na escola. Claro, nunca onde uma atarefada e sub-repticiamente feliz Madame Ponfrey pudesse ouvi-los. Na verdade, o problema não foi o tratamento, mas o fato de que os doentes é que resolviam quando estavam bem o bastante para ter alta. O que fez o desespero dos pobres cuidadores.

Assim, cada vez que um dos feridos escapava para o salão principal, este era recebido com vivas, gritos e, como que estimulados por isso, os elfos mandavam para as mesas uma nova leva de guloseimas. As primeiras tinha sido simples, improvisadas, mas na medida em que passavam as horas a comida ia ficando melhor e mais elaborada. Harry não saberia dizer se foi o mais variado ou o mais suntuosos dos banquetes de Hogwarts, mas, sem dúvida, foi o mais longo.

Por volta do meio-dia, o salão se cobriu de berros quando um remendado Otwani Schacklebolt entrou pelas portas grandes amparado pelo time de quadribol da Lufa-lufa.

– Uau – tinha suspirado Rony – dá até saudades de ser de novo o herói de quadribol da escola.

– Você nunca foi o herói de quadribol da escola – arreliou Harry, mas isso não desmanchou o olhar sonhador do amigo.

– Eu sei. Mas eu até que poderia ter sido... Você também.

– Certo – resmungou Harry dando maçã amassada para Lyan, que tinha acabado de acordar de um cochilo – teria sido o máximo, se eu não estivesse preocupado de mais com coisas tolas, como ficar vivo, por exemplo.

– Você é um carinha rancoroso, não é?

Harry olhou o amigo e lhe apontou a colher de papinha, ao que Rony respondeu com a colher que estava dando de comer a Sirius. Logo os dois estavam duelando com as colheres, enquanto Hermione revirava os olhos e Gina pedia que tomassem cuidado com os meninos que estavam nos seus colos. Sirius amou a brincadeira e, rapidamente, já estava querendo repeti-la com o padrinho. Isso exigiu que Hermione assumisse a alimentação de Lyan. Seu afilhado não pareceu tão disposto a brincar enquanto estivesse com fome.

As lembranças do dia inteiro continuavam a passar pela mente de Harry mesmo que ele fechasse os olhos. Estava estirado sobre uma enorme cama de baldaquino com pesadas cortinas de veludo vermelho, bem ao estilo Hogwarts. Sua exaustão era tal que colocar o corpo na horizontal era uma felicidade física quase sem comparação.

Muitos tinham ido para casa quando o dia acabou, mas nem todos. Recomendou-se que os que ainda estavam convalescendo ficassem no castelo ou se hospedassem em Hogsmead. Muitos pais, que tinham feito a segurança da escola na noite da batalha, resolveram esperar o fim do semestre e foram aguardar os dois dias seguintes na aldeia bruxa.

Harry podia ter ido com Gina e as crianças para a Toca ou mesmo para o apartamento de Rony e Hermione. Mas quando McGonagall ofereceu-lhes o mesmo quarto que os hospedara em setembro, a simples idéia de se deslocar lhe pareceu cansativa demais. Por companheirismo, Rony, Hermione e Sirius ocuparam o quarto contíguo. Gina resolveu chamar Dobby que, após chorar rios por rever sua senhora e seu menino Lyan, assumiu o cuidado dos bebês. Deu banho nos três e garantiu aos seus senhores que eles poderiam descansar enquanto ele fazia os pequenos dormirem. Harry não se opôs. Seu amigo elfo ainda estava abatido com a perda de Winky, preocupar-se com os bebês lhe faria muito bem.

– Acho que dormiram – disse Gina entrando no quarto. Ela tinha saído de um longo banho e ido ver se estava tudo bem com Lyan e Joanne. – É impressão minha ou a Jo cresceu nessas duas semanas.

– Também achei que o Lyan cresceu – disse Harry observando-a tirar o robe, cheio de preguiça. – Vem cá...

Ela deu um sorriso radiante e subiu em cima da cama puxando a longa camisola de algodão na altura das coxas. Antes que Harry se recuperasse da visão, ela já o estava beijando longamente, com a tenacidade de quem está sem beber a dias. Sem se fazer de rogado, o rapaz girou-a colocando-a sob o corpo e aprofundando o beijo ainda mais.

– Pensei que estivesse acabado – ela falou quando Harry escorregou a boca pelo seu pescoço.

– Estou... morto...

Gina deu uma gargalhada, mas para a irritação de Harry não puderam continuar. Vozes altas vieram do quarto ao lado. O casal se encarou.

– Eu não acredito que eles estão brigando – disse Gina, inconformado.

Um estouro de alguma coisa caindo fez os dois darem um salto na cama.

– Por Mérlin! Eles vão se matar? – disse Harry.

– Ou pior... – resmungou Gina já saindo da cama – vão acordar as crianças.

Erguendo a camisola comprida para poder andar depressa, Gina saiu do quarto com Harry em seu encalço. Os berços das crianças tinham sido acomodados na pequena saleta de estar que dividia os dois quartos de casal. Dobby estava olhando apavorado para a porta do jovem casal Weasley e parecia não compreender a razão do barulho. Gina fez um sinal para Dobby, mas era óbvio que ele já tinha providenciado para que o som não incomodasse o sono dos pequenos. Com passos largos, Harry passou à frente da esposa e abriu a porta sem bater. O quadro não era exatamente o que eles esperavam.

Rony e Hermione estavam num beijo muito apaixonado junto à janela e pareciam estar prestes a fazer a mesma coisa que tinham acabado de interromper os amigos. Foi Hermione que notou Harry e Gina e deu um gritinho empurrando Rony.

– Existem feitiços silenciadores, vocês sabem disso, não? – criticou Harry de mal humor.

Hermione arrumou o cabelo, constrangida, mas Rony parecia não caber em si de felicidade.

– Desculpem, acho que nos empolgamos – falou a garota.

– Isso é meio óbvio – retaliou Gina. – O que foi aquele estrondo?

– Eu... fiz a varinha espocar... – comentou Rony. Gina abriu a boca para xingá-lo. – A Mione está grávida! – anunciou sem caber em si. – Eu vou ser pai! Isto é, de novo!

Esquecendo a zanga, Gina correu para abraçar e felicitar a amiga, enquanto Harry apertava a mão de Rony e lhe dava tapinhas nas costas.

– Quando soube? – perguntou Harry.

– Agora – disse Rony exultante.

– Não, digo, você Mione... – no instante em que as palavras saíram Harry percebeu que tinha feito bobagem.

O sorriso do amigo congelou e depois ele se virou para a mulher com os braços cruzados e cara de poucos amigos.

– Me diga que você não foi para aquela ilha sabendo que estava grávida.

– Eu não sabia – se defendeu Hermione – só... desconfiava. Ah Rony, não me olha assim! Eu não ia ficar em casa enquanto você e o Sirius corriam perigo, não mesmo! Além do mais, eu estou grávida e não doente, e é tão no início que eu nem senti, eu... Rony!

Harry e Gina trocaram um olhar cansando e ele estendeu a mão para ela. Conheciam a seqüência. Rony ficaria emburrado até Hermione chegar quase às lágrimas, então ele se sentiria culpado e faria tudo o que ela quisesse. Os dois se retiraram do quarto, e informaram a um exultante Dobby que logo a família teria mais um bebê.





Quinze dias depois...



Os trouxas estranharam a movimentação de pessoas bizarramente vestidas numa rua lateral, normalmente vazia, localizada bem no centro de Londres. A maioria deles estava em torno de uma cabine telefônica quebrada.

– Deve ser algum tipo de Comicon – sugeriu um garoto de uns doze anos para a mãe, quando ela franziu a testa para um grupo inusitadamente colorido que passou por eles. – Uma convenção de fãs, mãe.

Mas a mãe não se convenceu. Ela sabia que existiam esses grupos de gente que idolatrava algum tipo de série, desenho, personagem, ou coisas assim. Sabia até que tinha alguns que eram doidos o suficiente para saírem vestidos com aquelas roupas esquisitas e os cabelos bizarros. Ela tinha visto um documentário na BBC. Contudo, aquele pessoal parecia velho demais e sério demais para uma convenção de fãs de alguma série famosa. A mulher ficou tão absorta olhando para trás que acabou esbarrando em um dos esquisitos ao dobrar a esquina. Parecia que ele tinha surgido do nada na sua frente. Um homem jovem e alto de cabelos loiros platinados que caíam como plumas sobre o rosto. Ele usava uma coisa que ficava entre um casaco muito comprido, um vestido ou uma capa azul escura e a olhou com intenso desagrado pela trombada.

A mulher se desculpou como pode, mas acabou ficando irritada com a falta de cortesia do jovem que nem ao menos retribuiu a desculpa com um “não foi nada”. Ora, francamente. O homem sai fantasiado à luz do dia e ainda quer bancar o dono da rua? Antes de se afastar ela e o filho ainda puderam ouvir o acompanhante do rapaz loiro – um tipo ainda mais estrambótico, todo de preto e com o cabelo visivelmente precisando de um xampu – recriminá-lo.

– Não creio que seja essa a disposição que o Ministério espera encontrar, Draco.

O rapaz lançou um olhar a mulher que praticamente tinha parado ao ouvir a palavra Ministério. Ela se deu conta e apressou o passo para descer as escadas que levavam ao metrô. Quando o alto da cabeça dela sumiu, Draco olhou para Snape.

– E o que é que eles esperam, Severo?

– Humildade e gratidão seriam bem a propósito da sua parte, eu diria.

Draco fez uma expressão de nojo e voltou a caminhar, o outro o acompanhou.

– É um julgamento. Não podem esperar que eu chegue lá saltitante.

– Um julgamento no qual já está certo que você será absolvido.

O rapaz meramente grunhiu.

– Se você estivesse no meu lugar...

– Eu já estive no seu lugar, Draco. E devo lembrá-lo que nem sequer tinha a sombra de uma fortuna como a sua a minha espera.

– Ok, como então eu devo parecer feliz? Minha família morta, meus bens confiscados e minha liberdade dependendo da boa vontade do “Santo Potter”. Uau! Não sei por que eu não comprei uma caixa de fogos do Dr. Flibusteiro para lançar. Ah! Lembrei! Deve ser porque os desgraçados dos Weasley quase o levaram à falência antes de comprarem a fábrica dele.

A bengala de Snape se atravessou no seu abdômen e o fez parar de andar.

– Olhe para frente, Draco! Não, não é uma figura de linguagem. Está vendo aquele bando de jornalistas? Estão aqui para acompanharem a participação do “Eleito” no seu julgamento. Talvez, somente hoje, eles estejam tão interessados em você quanto nele. Chegue lá e desdenhe do “seu salvador” e você será tratado como lixo!

– Potter não é nenhuma unanimidade.

– Não, não é. Mas você é um Malfoy. Era o seu pai que era um Comensal da Morte. Acha que irão achincalhar Harry Potter, o Auror, o pai de família, o herói de guerra, para defender você? – Snape se escorou na bengala e caminhou até ficar bem de frente ao seu ex-aluno favorito. – Pense, Draco! Quando sair de lá, você vai voltar a ser um homem muito rico. Vai precisar de mais do que respeito dos outros pelo seu nome (respeito que você agora não tem) para fazer negócios e manter ou ampliar a sua fortuna.

Draco ia retrucar, mas Snape não deixou.

– Um dia, Draco, você vai querer passar o nome Malfoy adiante, então ponha uma expressão humilde e grata no rosto e faça com que esse nome volte a valer alguma coisa.

Tinha rancor nos olhos de Draco quando ele encarou Snape, mas só porque tudo o que o ex-professor dizia era certo e incômodo.

– Têm vezes que você fala igual a Laurent, sabia?

– Somos parentes – respondeu Snape comprimindo os lábios num gesto característico.

– Tudo isso significa que eu vou ter de lamber as botas do Potter.

– Isso significa apenas não cuspir nelas.

O tom definitivo não deu margem para Draco contestar. Os dois voltaram a caminhar lentamente em direção à entrada de visitantes do Ministério da Magia. Um repórter os viu e deu o alarme. Como um enxame, o grupo que assediava a cabine telefônica começou a se deslocar em bloco até os dois homens.

– Odeio ter de ficar devendo para “ele” – resmungou Draco antes de plantar um sorriso afável para receber os jornalistas.

– Eu sei – disse Snape se lembrando de uma outra dívida. Uma que envolvia a sua própria vida e a “bondade” inoportuna do marido de Lílian Evans. – Os Potter têm essa inconveniente mania.





Quinze semanas depois...


Não era exatamente a visão de Rony escarrapachado em seu sofá favorito que Harry esperava ao entrar na sala de estar.

– Você não tem casa, não?

– Não – disse o amigo, rabugento – na verdade sou praticamente um sem teto.

– Pensei que tivesse comprado a casa ao lado da minha.

– Isso foi antes de “elas” a invadirem – disse ele tristemente enquanto enfiava uma quantidade absurda de pistaches na boca e empurrava com um enorme gole de cerveja amanteigada.

“Elas” se referia, certamente, às mulheres da família. E Harry até podia imaginar a razão da invasão: os preparativos para o aniversário de dois anos de Sirius que seria na semana seguinte. Quase com pena do amigo, Harry arriou ao seu lado e pegou outra das cervejas que estavam sobre a mesinha. Rony estava assistindo futebol na TV que Harry instalara na sala de casa, obviamente não estava entendendo nada, pois volta e meia perguntava por que tinham parado o jogo só por que o cara tinha caído. Isso nem era falta, pelo menos, não se comparado com o quadribol.

Os dois eram vizinhos agora. Harry e Gina tinham reconstruído sua casa em Bodmim Moor e Rony e Hermione tinha comprado uma perto dali, com os terrenos fazendo divisa. A idéia de criarem os filhos bem próximos, quase como irmãos os agradava bastante, ao menos enquanto Sirius não começasse a ensinar traquinagens para Lyan e Joanne. Se bem que Harry imaginava que quando a pequena Helena nascesse, Rony e Hermione se preocupariam mais em controlar a tendência do filho mais velho em ser impossivelmente levado.

– Parece que a festa vai ser grande, não?

– Cara, eu imaginei que o ano passado já tinha sido o suficiente – reclamou Rony. – Afinal, era um aninho e as mães sempre parecem pirar com isso; além do que a Mione está grávida, achei que ela iria querer que as coisas fossem mais calmas. Mas você não imagina o que “elas” estão armando para esse ano.

Harry riu.

– Bem, a Mione me disse que ano passado tinha feito a coisa toda meio corrida. Que a cabeça dela não estava na festa como devia estar. Que este ano sim, ela ia se dedicar.

Rony gemeu alto e negou com a cabeça.

– Estou perdido... E você, onde estava?

– Fui deixar Lyan e Joanne com os seus pais.

– Humm... é o fim de semana deles, não?

– É. Sagrado final de semana.

Os pais de Rony estavam ficando cada final de semana com os netos de um dos filhos. Os casais adoravam esses dias. Harry e Gina especialmente, pois eram os únicos que não tinham avós do “outro” lado. Sentiam enorme saudade dos bebês e houve vezes em que até foram buscá-los no meio da visita, mas não podiam negar que era muito bom, de vez em quando, poder respirar.

– Eu sei. Sirius vai ficar com os pais da Mione nesse, mas ela está tão louca que é capaz de querer passar a noite treinando feitiços de decoração ao invés de namorar.

Harry pescou uns pistaches e se acomodou para ver o jogo rindo da cara de desgraça do amigo. Rony lhe jogou alguns na cabeça, que ele revidou. Assistiram um pouco do jogo, com Harry explicando o que lembrava para Rony e os dois imaginando que os bruxos bem que poderiam passar a transmitir o campeonato de quadribol via TV.

– Hei – disse Rony a certa altura – um cara de roupa engraçada entregou uma carta para você lá em casa.

– Carteiro? Na sua casa?

– É. Numero errado ou coisa assim. Acho que pode ser por causa dos seus feitiços protetores. Eles são fortes até para os trouxas.

– Bastava você ter dito onde era. Afinal, você continua a ser o fiel do segredo desta casa.

Rony fez uma careta. Não gostava de se lembrar disso. Por ele, Harry teria escolhido outro fiel para a casa nova, mas, para provar sua confiança total no melhor amigo, Harry insistira que as coisas continuassem como eram. Como aquilo já tinha rendido muita discussão, Rony simplesmente continuou o assunto sem se alongar naquele detalhe.

– Eu disse que era seu cunhado, assinei um papel e trouxe a carta para você. Deixei sobre aquela mesa ali.

Harry levantou de um salto e foi até a mesinha que ficava sob um espelho, perto da escada para o segundo andar. A carta tinha carimbo de um correio de Surrey e Harry quase caiu para trás ao ler o nome do remetente.

– Caramba!

– O que foi?

– É do Duda.

– Duda? Duda Dursley, seu primo?

– O próprio – assegurou Harry abrindo a carta, cada vez mais estupefato. Leu-a de um fôlego. Não tinha muita coisa escrita. O mais interessante estava no cartão em anexo. Harry riu sozinho enquanto caminhava de volta ao sofá e se sentava novamente ao lado de Rony.

– O que ele quer? – perguntou Rony, com aquele mesmo tom de voz impaciente que a Sra. Weasley, Gina e Hermione sempre usavam para se referir aos Dursley. Harry via o carinho deles por ele nisso e meramente sorria.

– Vai se casar.

– Sério? E ele achou com quem? Estou impressionado. Vê-se que a humanidade não para de evoluir.

– Ele me convidou.

– Tá brincando?

– Não. Tem o convite e a carta é... Bem, em termos de Duda, é quase insistindo para que eu vá.

– Mas ele não te odiava?

– Sempre achei que sim, embora...

– O quê?

– Ele foi meio esquisito na última vez que nos vimos.

– Esquisito como?

– Ficou preocupado com o meu destino.

Rony arqueou as sobrancelhas, impressionado, enquanto Harry depositava a carta e o convite na mesa de centro e voltava a se estirar no sofá.

– Você vai?

– Nããh! Os pais dele nem devem saber desse convite. Jamais teriam concordado. Acho que a minha tia teria um enfarte se me visse assim, do nada.

Os dois ficaram em silêncio, mas Rony conhecia Harry o bastante para interromper seus pensamentos minutos depois.

– Está imaginando a cena, não é?

– Estou – os dois riram. – Não. Não, Rony! – Ele jogou uma almofada no amigo. – Não estou imaginando a minha tia tendo um ataque do coração... se bem que...

Rony aguardava mordendo a boca para não gargalhar.

– Eu acho que ia gostar de ver o tio Valter arrancando os bigodes ao me ver aparecer por lá com a minha mulher bruxa e os meus filhos bruxos. Adoraria esfregá-los na cara dele. Ele teria de dizer que o Instituto Saint Brutus para Meninos Irrecuperáveis funciona realmente e é um exemplo da boa educação inglesa.

– É – concordou Rony, rindo e pegando mais pistaches. – Afinal, você trabalha no Ministério. Ele não precisa dizer qual.

– Aham. E a minha mulher é autora de livros e professora. Ele não precisa dizer que livros, nem que escola.

– Exato.

Eles riram mais um pouco e voltaram a colocar a atenção no jogo por um longo tempo. Então o juiz apitou o intervalo.

– Você vai? – perguntou Rony, novamente.

– Não – disse Harry com calma. – Vou marcar um café com o Duda em Londres, talvez. Mas não há razão para eu ter de aturar Valter e Petúnia Dursley uma vez mais na minha vida. Nem submeter Gina e as crianças a gente como eles.

Rony deu uns tapinhas no ombro do amigo e nenhum dos dois voltou a comentar a amargura com que Harry tinha dito aquelas palavras.





Quinze meses depois...



– Você não vai fazer nada?

– Fazer o que, Hector? – Andrew fungou e coçou o nariz, mas não baixou o livro do rosto.

– Alguma coisa!

– Não há o que fazer.

A calma derrotista de Andrew enervou Hector ainda mais. O garoto se jogou para trás na velha poltrona da Sala Comunal da Grifinória e ficou olhando o fogo da lareira.

– Eu... simplesmente não acredito nisso!

Andrew se limitou a dar de ombros, o que irritou Hector ainda mais.

– Como você pode deixar uma coisa dessas, barata? Você... Você gosta dela desde... ahhh desde a pré-história, pô!

Com um profundo suspiro e revelando o rosto sério e triste, Andrew baixou o livro.

– Não dá para obrigar alguém a gostar da gente, Hec – o outro bufou inconformado. – E não sei por que você está desse jeito. O cara é seu amigo, não é?

Hector franziu as sobrancelhas e cruzou os braços.

– Você é mais meu amigo.

– Obrigado.

– E ele é um sonserino.

– Isso nunca foi um problema para você. Aliás, você sempre disse que ele era diferente dos outros.

– Eu não acredito que você está defendendo ele? – Reclamou Hector. – O cara está namorando com a Danna. Com-a-Danna!!

– SIM! – Berrou Andrew se erguendo da cadeira, fazendo o livro cair no chão e Hector se empurrar contra o espaldar da poltrona, assustado. – Eu entendi da primeira vez em que me contaram, Hector! Rupert Bothwell está namorando com Danna O’Brien, não é incrível? Um sonserino e uma grifinória. Quem poderia imaginar? É, o mundo dá voltas. Sim, é um novo tempo que se inaugura... blá-blá-blá! Que diabos você quer que eu faça? Dar um soco nele não vai fazê-la gostar de mim!

Hector murchou. A verdade é que estava morrendo de pena de Andrew. O pior é que o amigo sabia. Tinha plena consciência de que Hector, Mel e Josh estavam sendo excessivamente gentis com ele nos últimos dias. Que tentavam manter sempre assuntos alegres quando ele chegava e cuidavam para desviar o seu olhar toda vez que o mais novo e falado casal da escola passava por eles.

Nenhum dos quatro amigos poderia dizer exatamente como aquilo tinha acontecido, mas era um fato que Rupert sempre gostara de Danna, assim como o Andrew. A menina sempre tinha sido muito gentil com o primeiro e carinhosa com o segundo. Quando e por que Rupert conseguiu passar à frente de Andrew nenhum deles poderia dizer. Estavam agora em seu quarto ano na escola e, um belo dia, Danna e Rupert entraram de mãos dadas no salão principal para o choque de todos; o desagrado de Caroline Bothwell, a intragável irmã de Rupert; e a imensa tristeza de Andrew. Hector realmente gostaria de saber o que fazer pelo seu amigo.

– É isso? – perguntou. – Você... vai deixar por isso mesmo?

Andrew não respondeu prontamente. Ele se abaixou, pegou o livro, ajustou a capa que tinha ficado meio fora do lugar e o fechou cuidadosamente.

– É só uma garota – disse dando de ombros. – Tem tanta gente que aprende a gostar de outras. Os livros estão cheios disso – falou tentando sorrir e mostrando o volume em suas mãos.

Hector ficou em pé e ergueu um pouquinho os olhos, Andrew era ligeiramente mais alto que ele, sempre fora, agora um pouco mais.

– E... se não acontecer?

– Vou sofrer pelo resto da vida – murmurou tragicamente – ou... posso sempre contar com o seu pensamento positivo, não é?

– Desculpe.

– Tá ok.

– Quer jogar uma partida de Snap Explosivo ou quem sabe xadrez?

– Nããh, tudo bem. Eu vou subir... e ler, acho.

– Tá...

O garoto sumiu escada acima e Hector não voltou a vê-lo até o dia seguinte. Não foi uma fase fácil para Andrew, aquela. Até porque, como Hector previu, mesmo que o amigo tenha tentado sair com outras meninas – o que não foi difícil, bonito e com fama de estudioso, as corvinais faziam fila para ficar na mesma mesa em que ele na biblioteca – ele não esqueceu a Danna.

Olhando para trás, Hector tinha certeza de que, naquela época, seu grupo de amigos, que ele tinha batizado de Novos Marotos, só não quebrou por três motivos. Um, a Danna não queria se afastar deles. Dois, Rupert, apesar de tudo e da irmã insuportável (ela ficou ainda pior depois do início do namoro do irmão), era um cara legal. Três, Andrew. Embora achasse o amigo um bobão de tentar manter as coisas como se nada tivesse mudado, Hector nunca admirou tanto Andrew como naquela época. E, quando, no futuro, ele próprio precisou lidar com coisas complicadas como gostar de alguém, foram os conselhos seguros e controlados do amigo que o ajudaram a não perder a menina de quem ele gostava.

Quando se tem quatorze, quinze anos se pode pensar que essa é uma situação definitiva. Andrew muitas vezes acreditou que sofreria por Danna o resto da sua vida. No entanto, isso durou exatamente dois anos, cinco meses e vinte e um dias. Isto é, o sofrimento, não a vida de Andrew. Essa, na verdade, ao menos para ele, começou precisamente no momento em que ele e Danna se beijaram pela primeira vez. Estavam em meados do sétimo ano na escola e se tornaram um casal tão fascinantemente apaixonado que ninguém se espantou quando, na festa de formatura, Danna desfilou seu mais entontecedor sorriso selkie, tendo Andrew em uma das mãos e um anel de noivado na outra.

Houve quem achasse que era muito cedo. E, claro, algumas línguas questionaram se era possível unir na mesma família o sofisticado Sr. Bennet com o rude Sr. O’Brien. Contudo, eles sentaram na mesma mesa na noite da formatura e conversaram amigavelmente. Afinal, apenas quem desconhecesse completamente o encanto e a tenacidade da Sra. Bennet (uma selkie a sua maneira, elogiou o Sr. O’Brien) poderia achar que ela não se esforçaria à morte pela felicidade do único filho. Assim, quando a festa terminou, as reticências do pai de Danna sobre a filha ficar com um homem de fora das ilhas também acabaram. Ele apertou a mão do futuro genro e depois o segurou com as mãos ossudas e calejadas de pescador pelos ombros, sacudindo-o levemente.

– Sempre me disseram que era preciso ser um homem das ilhas para entender uma selkie – o Sr. O’Brien olhou fundo nos olhos de Andrew. – Mas eu lhe digo que é a persistência que faz com que a gente consiga ficar com uma. Faça a minha filha feliz, oka?

Andrew sorriu. Não precisava nem ter pedido.





Quinze anos depois...


Harry desceu as escadas de casa ajeitando o colarinho e os punhos de um alinhado smoking trouxa.

– Está pronto?

– Aham – respondeu Lyan deitado no sofá, absorto na leitura de um livro de capa bordô.

– Não vai amassar a roupa deitado assim?

– A mamãe ainda vai me inspecionar umas duas vezes antes de chegarmos lá.

Harry não pode deixar de concordar.

– Cadê o Alvo?

– Está lá fora com o Sirius.

Isso não era uma boa informação, não quando se está aprontando a família toda para ir a um casamento onde metade dos convidados é trouxa.

– Eu devo me preocupar? – perguntou ao filho mais velho.

Lyan deu de ombros.

– Talvez. Sirius disse que ia ensinar alguma coisa para o Alvo e eu ouvi o nome do Scorpius Malfoy no meio.

– Droga! – Harry cruzou a sala em passos largos e colocou meio corpo para fora pela janela. – SIRIUS! – berrou a plenos pulmões. – Invente de ensinar alguma coisa ao Alvo que o faça provocar uma guerra na escola e você vai se ver comigo!

– Eu não fiz nada, dindo! – gritou em resposta o garoto, a voz vindo de longe.

– Eu acho bom! E cuide para o Alvo não se sujar, senão é com a sua madrinha que você vai se ver!

Ele colocou o corpo para dentro e viu Lyan com a cara escondida no livro e os ombros balançando convulsivamente.

– Você ri, não é? – Harry sentou numa poltrona. – Me diga, por que deixa o Sirius influenciar o seu irmão ao invés de você?

– Eu não tenho culpa que o Alvo escolha imitar o delinqüente da família.

– Sirius não é delinqüente.

– E todo mundo protege ele – arrematou o garoto com voz de falsete.

– Ele é seu melhor amigo.

– É. Até eu protejo ele – afirmou Lyan levemente indignado e Harry sorriu.

– Certo... Mas tente manter os dois sob controle na festa, ok? Os parentes da Mel viajaram muito longe para esse casamento e seria terrível ter de mandá-los para casa com problemas de memória.

O menino concordou e baixou o livro.

– Não esquenta, pai. Acho que o Sirius vai estar mais preocupado em consolar o fã-clube do Hector. Quero dizer, o Josh já se deu bem, não é? Está saindo com a Chantal que finalmente desencanou do Hector. Fizemos até uma aposta com Kenneth e Sean para ver quantas “viúvas” vão pintar na cerimônia e quantas eles irão conseguir pegar.

As sobrancelhas de Harry sumiram sob o cabelo espetado, quando ele as arqueou, embasbacado.

– Pegar? – O menino confirmou. – E isso não inclui você, aparentemente.

– A maioria das garotas é bem mais velha que eu. O Sirius e os outros pegam porque parecem mais velhos. Por outro lado, as garotas muito mais velhas não costumam me dar bola... mesmo eu sendo filho de Harry Potter – falou sem graça.

– Desculpe por isso.

– Não. Tudo bem. Acho que isso vai render daqui a alguns anos – comentou displicente.

Sem saber o que dizer, Harry apenas maneou a cabeça. Não entendeu exatamente o que o filho queria dizer com “render” e pediu intimamente que não fosse o que o seu cérebro estava supondo. Uma sensação estranha lhe apareceu naquele momento. Seus sobrinhos estavam fazendo apostas sobre garotas. Mel e Hector depois de anos de estica e puxa (graças ao gênio dos dois), mais outros tantos morando juntos, tinham finalmente resolvido casar. Lyan esperava que ter o nome Potter “rendesse”. Era muito estranho.

Pensou em Hector e Mel. Todos sempre acharam que a dupla lembrava Rony e Hermione por causa das brigas e discussões, mas Harry sempre defendera os seus dois melhores amigos. Até onde sabia, eles tinham sido muito menos cabeças duras que Hector Lupin e Mel Warmling. Aliás, quando Mel deixou a escola e foi fazer sua preparação profissional no Brasil, após um enorme briga com Hector, todos acharam que a história deles tinha acabado ali. Remo e Tonks tentaram aconselhar o filho, mas os jovens nunca ouvem os pais nessas horas. Ao menos era o que Harry vinha descobrindo (mesmo que, na sua época, ele tivesse dado um braço para ter os conselhos de seu pai ou de Sirius). Foi preciso que Andrew, com o auxílio de Josh, fizesse com que Hector visse o que todo mundo via: ele e Mel tinham de ficar juntos. Ele foi para o Brasil atrás dela e ficou lá até ela terminar a formação em herbologia tropical, depois os dois viajaram por um tempo, enquanto ela se aperfeiçoava. Só então eles retornaram a Inglaterra e Hector ingressou na academia de Aurores. Agora iam se casar.

Olhou Lyan estendido no sofá. Como ele, o garoto estava crescendo um pouco depois da maioria dos meninos da sua idade, mas, naquele verão, quase dava para ver suas pernas ficando cada vez mais compridas; assim como os braços, um pouco desengonçados, que passaram a bater em tudo, meio sem controle. Era um fato: Harry Potter estava ficando velho.

– Pai?

– Sim, Lyan.

O menino sentou no sofá, ajustou os óculos e o encarou com firmeza. Igual a mãe dele. Coisas sérias eram para serem conversadas com olhos nos olhos. Só a atitude já deixou Harry em alerta.

– Isso aqui é verdade?

Ele estendeu o volume para Harry, que o examinou por um instante antes de responder.

– Já conversamos sobre o que tem aqui.

– Mas e os detalhes?

– Muita coisa foi escrita sobre mim, Lyan.

– Eu sei. Por isso estou perguntando para você: é verdade?

Harry jamais mentiria para o filho.

– O que quer saber?

– Se é verdade que estamos ligados a ele. Voldemort – o menino disse o nome sem titubear. – Digo, você, eu, Joanne, Alvo... o nosso sangue.

– Quer saber se ele pode voltar? – O menino fez que sim. – Se pode usar um de vocês para isso? – ele confirmou ansioso. – Não, Lyan. Eu não acredito nisso. Acho que nós o derrotamos definitivamente da última vez.

Lyan baixou os olhos e ficou calado.

– Vamos, fale – incentivou Harry.

– É que o Snape...

– Ele é seu professor, Lyan.

– Ele é um pé no saco.

– É, mas ainda é seu professor.

– E eu não estou na escola, agora.

Harry pigarreou para disfarçar a vontade de rir. Seria um verdadeiro milagre se Lyan desse a Snape o respeito que o ex-professor jamais conseguira conquistar (ao menos na escola) em seu próprio pai.

– O que tem o Snape?

– Ele vive dizendo que a Joanne e eu, mais do que ninguém, temos de nos preparar. Que precisamos ser os melhores... Acho que ele tem medo, sabe, que o Voldemort volte e que nós dois sejamos tão idiotas que não consigamos pará-lo. Ou pelo menos eu... ele só falta beijar o chão que a Jô pisa.

– Sua irmã tem talento para Poções, como a sua vó e a sua mãe. Sinto muito, você ter herdado minha incapacidade na matéria.

– O problema não é a matéria, ou o Snape fazer festinha para tudo o que a Jô faz. O problema é...

Ele parou abruptamente. Harry conhecia o filho tão profundamente que sabia o quanto aquelas dúvidas o estavam corroendo, ele mesmo as tivera. Mas também sabia que era necessário que Lyan as dissesse em voz alta. Que dissesse para ele. Isso seria como acender a luz no quarto depois de um pesadelo.

– Qual é o problema, filho?

O garoto respirou fundo e voltou a olhar para ele. Os dois eram muito parecidos fisicamente, mas não iguais. Lyan não tinha olhos tão verdes, quanto os dele ou os dos dois irmãos. Seu cabelo, com o tempo também tinha ficado menos escuro. Contudo, nos trejeitos, Lyan era completamente Harry Potter.

– Eu... eu sou o problema – ele esfregou as mãos uma na outra. – Acho que não sou... competente o suficiente.

– Foi o Snape que disse isso para você? – Harry traiu uma dose de irritação na voz.

– Nãh. Quero dizer, ele diz isso o tempo todo. Mas não é isso, eu já acostumei. Sou eu...

– Não existe nada de errado com você, Lyan – Harry assegurou tentando imprimir toda a confiança que podia na voz.

– Mas eu sou o único dos seus filhos que... – o menino olhou para a mão direita, ela tremeu um pouco e ele a fechou – sou o único que herdou os seus poderes... os poderes dele...

Harry aspirou o ar pela boca.

– Eu também sinto muito por isso, filho.

– Não é culpa sua. Não é de ninguém. Eu só... E se eu não souber usar, pai? E se eu não souber controlar como você controla? Se algum... sei lá... um maluco das trevas qualquer quiser me usar como uma bomba-relógio ou coisa assim? Nem precisa trazer o tal Voldemort de volta, temos Lyan Potter...

As mãos de Harry pegaram os ombros do filho e o fizeram encará-lo.

– Eu não posso te dar garantias, Lyan. Mas eu tenho uma que nunca falhou até hoje.

– É? E qual é?

– Eu confio em você – Lyan desviou os olhos com um pequeno sorriso que Harry sabia significar: “Lá vem meu pai com essa bobagem”. – Não, garoto, não é bobagem. É verdade! Eu fiz você! Te vi nascer, te criei. Acha que não o conheço o suficiente para acreditar em você tanto quanto em mim mesmo?

Lyan fez um muxoxo.

– É, mas pode dar tudo errado.

– Pode – concordou Harry. – Mas eu sei de que material você é feito, Lyan. E esse material não corrompe tão fácil assim. Acredite em mim. Alguma vez eu menti para você?

– Nunca.

Harry puxou o filho para um longo abraço e só o soltou quando teve certeza de que o garoto tinha acreditado nele. Os dois riram e Harry pegou novamente o livro que Lyan estivera lendo.

– Esse não é o exemplar que temos aqui em casa. Você trouxe esse da escola?

– É. Eu comecei a ler lá.

– Não parece ser da biblioteca.

– E não é. É do namorado da Jô. A mãe dele é a autor... – Lyan parou no meio da frase ao ver o pai arregalar os olhos com a palavra namorado. – Ups!

– Sua irmã está de namorado?

Como se o sofá tivesse dado formigas, Lyan levantou e saiu andando pela sala, o rosto muito vermelho, as orelhas em especial.

– É... – disse, embaraçado – mas ela é que ia contar para você, eu... Droga! – reclamou alto passando as mãos pelos cabelos.

Harry sentia como se tivessem lhe dado uma bordoada na cabeça. Joanne, sua garotinha... de namorado.

– Quem é ele?

– Michael Owens. É um cara legal.

– Você e o Sirius estavam sabendo?

– É. Mas pai, acredita, ele é um cara legal. O Sirius e eu gostamos dele. É da Grifinória e um ótimo goleiro. Você vai conhecer ele no casamento – disse o garoto, fazendo muita força para consertar o erro de entregar a irmã. – Os pais dele são amigos da tia Ana e devem estar entre os convidados da noiva.

– Certo, certo... – Harry largou o livro e se levantou da poltrona, derrotado. O que ele poderia fazer? O que era um pai quando o irmão e o primo aprovavam? – O Sirius está pegando. A Jô está de namorado. Qualquer hora vai ser a Helena. E você? Quando vai me dizer que estou ficando velho?

Lyan deu uma gargalhada parecida com as de Gina.

– Não se preocupe comigo.

– Eu me preocupo com você.

– Não devia.

O pai cruzou os braços e olhou atentamente o filho. Era arriscado, mas já que Lyan tinha aberto tanto a guarda naquele dia, Harry resolveu avançar um pouco o sinal na relação entre eles.

– Lizzy é sua prima-irmã.

O riso de Lyan sumiu, mas ele não pareceu exatamente chocado.

– Eu sei.

– E o seu tio Carlinhos é um cara grande.

– É só um – disse dando de ombros. – Você enfrentou seis.

Foi a vez de Harry rir alto.

– Qual é a piada?

Na descida da escada, Gina e Joanne, lindas como nunca, olhavam para os dois. Harry ainda levou alguns segundos admirando a esposa. Dezessete anos de casamento e ela ainda lhe tirava o fôlego.

– Algo entre pai e filho. – Harry olhou para Joanne. – Você está muito linda, filha.

A garota deu um sorriso exultante e correu para lhe dar um beijo no rosto. Ele a abraçou e depois a fez girar no lugar. Não tinha planejado dizer aquilo, mas saiu.

– Esse Michael é um cara de sorte.

Joanne sorriu sem entender e depois os olhos furiosos fuzilaram o irmão.

– LYAN TIAGO POTTER eu vou fazer picadinho de você!

E no segundo seguinte os dois saíam porta a fora aos berros. Gina correu para o janelão da sala.

– Pelo amor de Mérlin, não se sujem! Alvoo – gritou localizando o mais novo – o que é isso nas suas mãos? Vá lavá-las imediatamente!

Os braços de Harry circularam a cintura da esposa e ele afundou o rosto nos seus cabelos, rindo. Gina foi lentamente parando de gritar com os filhos e acabou por acompanhá-lo na risada.

– Bem, é oficial. Já se foi a época em que eu era uma bruxa charmosa. Agora sou uma mãe. Pior, sou a minha mãe.

Harry a virou para si e deu-lhe um longo beijo, sem se importar com os protestos a respeito do batom. Alguns instantes depois de ela parar de reclamar, ele falou.

– Bem, se você continuar beijando desse jeito, pode ser o que quiser.

Gina sempre aceitava esse comando. Ela sorriu e voltou a beijá-lo. Uma buzina do lado de fora informou que Rony e Hermione tinham chegado. Teriam de se deslocar de carro até o casamento já que todos os filhos eram menores de idade. Gina correu até o espelho próximo à escada e consertou o batom com um toque de varinha. Depois pegou Harry pela mão e o puxou em direção à porta.

– Adorei o traje trouxa. Você ficou lindo – comentou, mas Harry mal ouviu o elogio.

– Você estava sabendo do namoro?

– Da Jô? Ela me contou hoje e implorou para deixar que ela contasse para você.

Os dois saíram e acenaram para Rony, Helena e Hermione que estavam no carro. Sirius, Lyan, Joanne e Alvo estavam se acomodando nos vários bancos da minivan ampliada magicamente. Gina puxou a varinha para fazer os feitiços de praxe enquanto fechava a porta.

– Estamos velhos, não é? – ele comentou sentindo que a vida ia mudar. Não logo, mas um dia e isso o deixou nostálgico.

– Nem tanto – disse Gina, um pouco apressada e guardando a varinha na bolsa.

– Você não, claro.

– Nem você – Gina deu um sorriso travesso.

– Como pode ter certeza? – perguntou pegando a mão dela para atravessarem o jardim.

– Se estivesse tão velho, – disse saboreando a outra revelação da noite – eu não estaria grávida de novo.





Fim

XXX – – – XXX


N/B Ana(Minha beta desde o primeiro capítulo, silenciosa até aqui): Querida, curti muito, esta é a melhor parte o epílogo sem sombra de dúvidas. Dei ótimas gargalhadas com o Michel Owens que é goleiro e que a mãe é escritora, huahuahuahua, amei. Penso que já li alguma coisa que a mãe deste garoto escreveu. hihihi. Essa gente não pára de fazer filhos! Hihihi. Amiga, parabéns por esta história de tirar o fôlego e ao mesmo tempo de nos deixar tão confortáveis. Obrigada por ter podido participar de tudo isso! Me diverti muito, mas muito mesmo! Mas é uma pena que acabou, eu sei, tudo tem que acabar um dia. Mas que o dia que as coisas terminam tendem a se tornarem dias mais triste, ah isso sim. Mas mesmo com o final pude dar risadas muito boas, e sentir o amor transbordar de alguns personagens, que me consolaram um pouco apesar do fim. Que este enredo fantástico criado por você, seja apenas o início de muitos outros e de estrondosos sucessos.


N/A: Sobre o capítulo:
1)Todas as passagens de tempo são contadas a partir da batalha final.
2) Alvo tem 12 anos, acabou de terminar o primeiro ano escolar.




Bem, aí está. Como diria a tia JK, “the very end”. Eu teria muitas coisas a dizer a cada um de vocês. Em conjunto ou individualmente. Recebi certamente alguns dos comentários mais lindos e apaixonados que um autor pode receber por um trabalho. Não foram apenas palavras, acreditem. Eu vi, eu senti o carinho de vocês. Pelos personagens, pela história e, de uma forma grata e encantada, recebi também o carinho de vocês por mim.

Eu li cada mensagem com um sorriso enorme e muitas (muitas mesmo) me trouxeram lágrimas aos olhos. Teve gente que escreveu aqui, teve quem mandou só para mim, teve quem escreveu na comunidade do orkut, no Multiply, e até quem escreveu em todos esses lugares. Podem acreditar, eu sei e lembro o nome de cada um. Copiei as mensagens para o último capítulo em um arquivo. Tinha de imprimir. Queria mostrar. Não por vaidade, mas por encantamento.

Foram dois anos escrevendo o Retorno das Trevas. E eu o termino não só com a sensação de dever cumprido, mas com o alívio de quem foi (mesmo com tudo, inclusive o fim da série) fiel a visão original da minha história. O epílogo, não estava previsto no início, mas quando postei o capítulo 21 (acho que foi em janeiro ou fevereiro de 2007), um leitor me pediu um bônus. Vários possíveis vieram à minha cabeça e acabei os condensando da forma como leram acima. Por outro lado, eu tinha muita vontade que vocês conhecessem o Lyan e a Jô, nem que fosse um pouquinho. Caso vocês tenham perguntas a mais sobre os destinos que imaginei para as personagens, por favor, façam as perguntas lá na comu, certo? Eu respondo rápido.

A essa altura, todas as escolhas são injustas. Nomear cada um de vocês e agradecer. Mas nomear desde onde? Do primeiro capítulo? Apenas os comentários do último? Quem nunca apareceu aqui, mas dá as caras na comu? Quem nunca comentou, mas esteve aqui desde o início? Não... nenhum escolha é justa.

Por isso, não colocarei nomes, mas quero que saibam, cada um, o quanto eu sou grata pela leitura, pelo incentivo, pelo carinho, pelo estímulo, pelas cobranças, por tudo, nesses dois anos, que me fez continuar. Vocês não têm idéia do quanto isso modificou a minha vida. Por isso mesmo, eu nem tenho palavras para agradecer, já que o português, mesmo belo, só conhece uma palavra: OBRIGADA, MUITO OBRIGADA!

Espero vocês na Floresta das Sombras

Um beijo enorme
Da Sally

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