DUDA DEMENTE



O dia mais quente do verão até então estava chegando ao fim e um silêncio sonolento caía sobre as grandes casas quadradas da Rua dos Alfeneiros. Os carros que normalmente resplandeciam estavam empoeirados nos passeios e gramados que uma vez foram verde esmeralda e agora estavam secos e amarelados - pelo uso de mangueiras que haviam sido banidas devido à seca. Privados da lavagem dos carros e aparação da grama, os habitantes da Rua dos Alfeneiros se retirara para a sombra de suas casas frescas, as janelas arreganhadas na esperança de atrair uma brisa inexistente. A única pessoa no lado de fora era um adolescente deitado de costas num canteiro de flores no exterior do número quatro.

Ele era um garoto esquelético, cabelos pretos e óculos, tinha uma aparência ligeiramente não saudável de alguém que crescera demais num pequeno espaço de tempo. Suas calças jeans eram gastas e sujas, sua camiseta larga e desbotada, as solas de seus tênis estavam se soltando. A aparência de Harry Potter não o tornava querido pelos vizinhos, que eram o tipo de pessoa que achava que o desmazelamento deveria ser punido pela lei, mas já que ele se escondera atrás de um grande arbusto de hortênsias, esta noite ele estava bem invisível aos passantes. De fato, o único modo de ser notado era se seu tio Válter ou tia Petúnia meterem suas cabeças para fora da janela da sala de estar e olharem direto para o canteiro abaixo.

Por tudo, Harry achava que devia ser parabenizado pela idéia de se esconder ali. Ele não estava, talvez, muito confortável deitado na terra quente e dura mas, por outro lado, ninguém estava olhando feio para ele, rangendo os dentes tão alto que ele não conseguia ouvir as notícias ou lançando perguntas nojentas para ele, como acontecera toda vez que tentara se sentar na sala para assistir a televisão com os tios.

Quase como se este pensamento tivesse flutuado pela janela aberta, Válter Dursley, o tio de Harry, de repente falou.

- Bom ver que o garoto parou de tentar se meter. Onde ele está, aliás?

- Não sei - disse tia Petúnia, indiferente. - Não está na casa.

Tio Válter resmungou.

- Assistindo o jornal - ele disse ofensivamente -, gostaria de saber o que ele está realmente aprontando. Como se um garoto normal se importasse com as notícias. Dudley não tem a menor idéia do que está acontecendo; duvido que saiba quem é o Primeiro Ministro! De qualquer forma, não é como se houvesse algo sobre a turma dele no nosso jornal.

- Válter, psiu! - disse tia Petúnia. - A janela está aberta!

- Ah, sim, desculpe, querida.

Os Dursley silenciaram-se. Harry escutou uma música de comercial sobre o cereal Fruit'n' Bran enquanto observava a Sra. Figg, uma velha senhora louca que adorava gatos da próxima Wisteria Walk, passar trotando vagarosamente. Estava de testa franzida e murmurando para si. Harry ficou muito feliz por estar escondido atrás do arbusto, já que a Sra. Figg recentemente o chamava para tomar chá toda vez que o encontrava na rua. Ela tinha virado a esquina e desaparecido de vista antes da voz de tio Válter flutuar para fora da janela de novo.

- Dudinha saiu para o chá?

- Na casa dos Polkiss – disse tia Petúnia carinhosamente. - Ele tem tantos amiguinhos, é tão popular.

Harry suprimiu um ronco com dificuldade. Os Dursley realmente eram incrivelmente estúpidos quando se tratava de seu filho, Dudley. Eles tinham engolido todas suas fracas mentiras sobre tomar chá com um membro diferente de sua turma toda noite das férias de verão. Harry sabia perfeitamente bem que Dudley não tomava chá em lugar algum; ele e sua turma passavam toda noite destruindo o parque de diversões, fumando nas esquinas das ruas e atirando pedras nos carros e crianças que passavam. Harry os vira fazer isso durante suas caminhadas noturnas por Little Whinging; passara a maior parte de suas férias vagando pelas ruas, varrendo as ruas caçando jornais das latas de lixo pelo caminho.

As notas de abertura da música que marcava o telejornal das sete horas chegou aos ouvidos de Harry e seu estômago se embrulhou. Quem sabe esta noite - depois de um mês de espera - seria a noite.

"Números recordes de turistas encalhados enchem os aeroportos enquanto a greve dos carregadores de bagagens espanhóis chega a sua segunda semana."

- Daria a eles uma cesta por toda vida, eu daria - reclamou o tio Válter no fim da frase do locutor, mas não importava: do lado de fora, no canteiro, o estômago de Harry parecera abrir-se. Se alguma coisa houvesse ocorrido com certeza seria o primeiro item do noticiário; morte e destruição eram mais importantes do que turistas encalhados.

Ele soltou um longo e baixo suspiro e ergueu os olhos para o brilhante céu azul. Todos os dias deste verão tinham sido iguais: a tensão, a expectativa, o alívio temporário e então a crescente tensão de novo... E sempre, ficando mais insistente todo tempo, a pergunta de por que nada tinha acontecido ainda.

Continuou escutando, só em caso de haver alguma pequena pista, não reconhecida pelo que realmente era pelos trouxas - um desaparecimento inexplicado, quem sabe, ou algum acidente estranho... Mas a greve dos carregadores de bagagem foi seguida pelas notícias sobre a seca no Sudeste.

- Espero que esteja ouvindo aí no vizinho! - berrou tio Válter. - E seu regador às três da manhã! - então um helicóptero que tinha quase caído num campo em Surrey, então o divórcio de uma famosa atriz do seu famoso marido.

- Como se estivéssemos interessados sobre seus casos sórdidos -, fungou tia Petúnia, que estivera seguindo o caso obsessivamente em cada revista que pudesse por suas mãos ossudas.

Harry fechou os olhos contra o céu noturno agora flamejante enquanto o locutor dizia: e finalmente, Bungy, o periquito descobriu um novo modo de manter-se fresco neste verão. Bungy, que vive no Cinco Penas em Barnsley, aprendeu o ski aquático! Mary Dorkins foi descobrir mais.

Harry abriu os olhos. Se tinham chegado aos periquitos que faziam ski aquático não havia mais nada que valesse ouvir. Ele rolou cuidadosamente e se pôs de quatro, preparando-se para rastejar para longe da janela.

Ele se mexera cerca de dois centímetros quando várias coisas aconteceram numa sucessão bem rápida.

Um som de chicote alto e ecoante quebrou o silêncio sonolento como um tiro; um gato correu debaixo de um carro estacionado e fugiu de vista; um berro, um xingamento gritado e o som de porcelana quebrando veio da sala de estar dos Dursley, e embora este fosse o sinal que Harry estivera esperando, ele se pôs de pé num salto, ao mesmo tempo tirando do cós do jeans uma fina varinha de madeira como se estivesse desembainhando uma espada - mas antes que pudesse se pôr de pé completamente o topo de sua cabeça colidiu com a janela aberta dos Dursley. O barulho resultante fez tia Petúnia gritar ainda mais alto.

Harry sentiu como se sua cabeça tivesse rachado em duas. Os olhos marejando, ele cambaleou, tentando concentra-se na rua para achar a fonte do barulho, mas mal tinha se endireitado quando duas grandes mãos púrpuras passaram pela janela aberta e fecharam-se com força em volta de sua garganta.

- Esconda isso! – tio Válter resmungou no ouvido de Harry. - Agora. Antes que alguém veja!

- Tira as mãos de mim! - Harry arfou. Por alguns segundos eles lutaram, Harry afastando os dedos tipo salsicha com a mão esquerda, sua direita segurando com força sua varinha erguida; então, enquanto a dor no alto da cabeça de Harry deu uma pulsação particularmente ruim, tio Válter gritou e soltou Harry como se tivesse recebido um choque elétrico. Alguma força invisível parecia ter passado pelo seu sobrinho, tornando-o impossível de se segurar.

Ofegando, Harry caiu sobre o arbusto de hortênsias, endireitou-se e olhou em torno. Não havia sinal do que causara o sonoro barulho de chicote, mas havia vários rostos espiando através de várias janelas próximas. Guardou sua varinha rapidamente nos jeans e tentou parecer inocente.

- Noite adorável! - gritou Tio Vernon, acenando para a Sra. do número sete, do lado oposto, que olhava furiosa detrás de suas cortinas. - Ouviram o escape bem agora? Deu a mim e a Petúnia um susto!

Ele continuou a sorrir de um modo horrível e maníaco até que todos os vizinhos curiosos desaparecessem de suas várias janelas, então o sorriso tornou-se uma careta de ódio enquanto acenava para Harry se aproximar.

Harry se aproximou mais alguns passos, tomando cuidado de parar um pouco antes do ponto em que as mãos esticadas de tio Válter pudessem continuar seu estrangulamento.

- Que diabos você quer com isso, garoto? - perguntou tio Válter numa voz coaxante que tremia com fúria.

- O que eu quero com o quê? - disse Harry friamente. Mantinha-se olhando para a esquerda e para direita da rua, ainda esperando ver a pessoa que tinha feito o barulho.

- Fazer uma algazarra como um revólver bem do lado de fora de nossa...

- Não fiz aquele barulho - disse Harry com firmeza.

O fino rosto de cavalo de tia Petúnia agora aparecia ao lado do grande e púrpura do tio Válter. Ela parecia lívida.

- Por que estava se escondendo debaixo de nossa janela?

- Sim... Sim, boa pergunta, Petúnia! O que estava fazendo debaixo da janela, garoto?

- Escutando o noticiário - disse Harry numa voz resignada.

Seus tios trocaram olhares de horror.

- Escutando o noticiário! De novo?

- Bom, ele muda todo dia, sabe - disse Harry.

- Não banque o espertinho comigo, garoto! Quero saber o que você está aprontando de verdade. E não me dê mais desta história idiota de escutar as notícias! Você sabe perfeitamente bem que sua laia...

- Cuidado, Válter! - sussurrou tia Petúnia, e tio Válter abaixou a voz de modo que Harry mal conseguia ouvi-lo. - Que sua laia não aparece nos nossos noticiários!

- Isso é tudo que você sabe - disse Harry.

Os Dursley arregalaram os olhos para ele por alguns segundos, depois tia Petúnia disse.

- Você é um mentirozinho nojento. O que estão todas aquelas - ela também abaixou a voz de modo que Harry teve que ler seus lábios a próxima palavra - corujas fazendo se não estão te trazendo notícias?

- Ahá! - disse tio Válter num sussurro de triunfo. - Saia desta, garoto! Como se não soubéssemos que você consegue todas suas notícias com aqueles pássaros pestilentos!

Harry hesitou por um momento. Custava algo a ele contar a verdade desta vez, embora seus tios possivelmente não pudessem saber quão ruim ele se sentia em admitir isso.

- As corujas... Não me trazem notícias - ele disse sem emoção.

- Não acredito nisso - disse tia Petúnia imediatamente.

- Não mais do que eu - disse tio Válter poderosamente. - Não somos tolos, sabe.

- Bom, isso é novidade para mim - disse Harry, seu humor piorando, e antes que os Dursley pudessem chamá-lo de volta ele girou nos calcanhares, cruzou o gramado da frente, pulou o baixo muro do jardim e saiu caminhando pela rua.

Ele estava com problemas agora e sabia disso. Teria que enfrentar os tios depois e pagar o preço por sua rudeza, mas não se importava muito no momento; tinha assuntos muito mais sérios na cabeça.

Harry tinha certeza de que o barulho de chicote tinha sido feito por alguém aparatando ou desaparatando. Era exatamente o som que Dobby, o elfo doméstico, fazia quando desaparecia no em pleno ar. Era possível que Dobby estivesse ali, na Rua dos Alfeneiros? Dobby poderia o estar seguindo bem agora? Enquanto este pensamento lhe ocorreu, ele girou em torno e fitou a Rua dos Alfeneiros, mas ela parecia estar completamente deserta e tinha certeza de que Dobby não sabia como se tornar invisível.

Ele continuou a caminhar, quase sem notar a rota que tomava, pois vagara por estas ruas com tanta freqüência ultimamente que seus pés o carregavam pelos caminhos favoritos automaticamente. Dava alguns passos e olhava para trás. Alguém mágico estivera perto dele, enquanto deitava-se entre as begônias moribundas de tia Petúnia, tinha certeza disso. Por que não falara com ele, por que não fizera contato, por que estavam escondendo-se agora?

E então, enquanto seu sentimento de frustração chegava ao máximo, sua certeza esvaziou-se. Quem sabe não seria nenhum som mágico, afinal de contas. Quem sabe ele estivera tão desesperado pelo menor sinal de contato do mundo ao qual pertencia que estava simplesmente exagerando com barulhos perfeitamente normais. Teria ele certeza de que não fora o som de algo se quebrando dentro de uma casa vizinha?

Harry sentiu afundar tolamente seu estômago e antes que percebesse o sentimento de desesperança que o atormentara por todo verão jorrou sobre ele mais uma vez.

Amanhã de manhã ele seria acordado pelo despertador às cinco horas, de modo que pudesse pagar a coruja que entregava o Profeta Diário - mas havia algum sentido em continuar a recebê-lo? Harry meramente olhava para a primeira página antes de atirá-lo fora ultimamente; quando os idiotas que dirigiam o jornal finalmente percebessem que Voldemort estava de volta, isso seria manchete, e este era o único tipo de notícia em que se interessava.

Se tivesse sorte, também haveria corujas carregando cartas de seus melhores amigos Rony e Hermione, embora qualquer esperança que ele tivera de que as cartas deles trouxessem notícias há muito tinha sido frustrada.

Nós não podemos dizer muito sobre você-sabe-o-quê, obviamente... Recebemos ordens de não dizer nada importante, no caso de nossas cartas serem desviadas... Estamos bem ocupados, mas não posso dar detalhes. Há muita coisa acontecendo, contaremos tudo quando o vermos.

Mas quando eles iriam vê-lo? Ninguém parecia se incomodar muito com a data precisa. Hermione rabiscara "Espero vê-lo em breve" dentro do cartão de aniversário mas quão em breve isso era? Até onde Harry podia dizer das vagas pistas das cartas deles, Hermione e Rony estava no mesmo lugar, provavelmente na casa dos pais de Rony. Ele mal conseguia agüentar a idéia deles se divertindo n'A Toca quando ele estava preso na Rua dos Alfeneiros. De fato, ele estava tão zangado com eles que tinha jogado fora, sem abrir, as duas caixas de chocolates da Dedosdemel que tinham enviaram pelo aniversário. Arrependera-se mais tarde, depois da murcha salada que tia Petúnia fizera para o jantar daquela noite.

E com o que Rony e Hermione estavam ocupados? Por que não estava ele, Harry, ocupado? Não provara ser capaz de lidar com muito mais do que eles? Tinham todos esquecido o que ele fizera? Não tinha sido ele quem entrara naquele cemitério e assistira Cedrico ser assassinado e fora amarrado naquela lápide e quase morto?

"Não pense nisso", Harry disse a si mesmo firmemente, pela centésima vez naquele verão. Já era muito ruim ele ficar revisitando o cemitério nos pesadelos, sem ter que lidar com eles nas horas em que estava acordado também.

Ele virou uma esquina na Rua Magnólia; no meio do caminho passou pelo estreito beco do lado de uma garagem, onde ele dera de cara com seu padrinho pela primeira vez. Sirius, pelo menos, parecia entender como Harry se sentia. Na verdade, as cartas dele eram tão vazias de notícias quanto as de Rony e Hermione mas pelo menos continham palavras de cautela e consolo, em vez de pistas irritantes:

"Sei que isso deve ser frustrante para você... Fique com o nariz limpo e tudo ficará bem... Seja cuidado e não faça nada precipitado."

Bom, pensou Harry enquanto cruzava a Rua Magnólia, virava para a Magnolia Road e se dirigia para o parque de diversões escurecido, ele tinha (no geral) feito o que Sirius aconselhara.

Tinha pelo menos resistido à tentação de amarrar seu malão na vassoura e partir para A Toca sozinho. De fato, Harry achava que seu comportamento fora muito bom, considerando quão frustrado e zangado se sentia, preso na Rua dos Alfeneiros por tanto tempo, reduzido a se esconder em canteiros de flores, na esperança de ouvir algo que pudesse apontar o que Lord Voldemort estava fazendo. No entanto, era bem torturante receber ordem de não ser imprudente por um homem que passara doze anos numa prisão bruxa, Azkaban, fugira, tentara cometer o assassinato pelo qual fora condenado inicialmente, então fugira com um hipogrifo roubado.

Harry saltou sobre o portão trancado do parque e andou pelo gramado seco. O parque estava tão vazio quanto às ruas em torno. Quando alcançara os balanços, ele afundara no único que Dudley e seus amigos não haviam conseguido quebrar ainda, enrolou um braço em volta da corrente e fitou o chão com mau humor. Não seria capaz de se esconder no canteiro dos Dursley novamente. Amanhã teria que pensar num modo novo de ouvir as notícias. Enquanto isso não tinha pelo que esperar a não ser outra noite perturbadora e sem descanso, porque mesmo quando ele escapava dos pesadelos com Cedrico, tinha preocupantes sonhos com longos corredores escuros, todos terminando em becos sem saída e portas trancadas, que supunha ter algo a ver com o sentimento preso que tinha quando estava acordado. Freqüentemente a velha cicatriz na testa beliscava desconfortavelmente, mas não se enganava que Rony e Hermione ou Sirius fossem achar que aquilo ainda era interessante. No passado, sua cicatriz doer tinha avisado que Voldemort estava se fortalecendo novamente, mas agora que Voldemort estava de volta ela provavelmente o lembraria que sua irritação regular era somente algo a ser esperado... Nada com que se preocupar... Notícia antiga...

A injustiça disso tudo corria dentro dele de modo que queria gritar de ódio. Se não fosse por ele, ninguém nem mesmo saberia que Voldemort estava de volta! E sua recompensa fora ficar preso em Little Whinging por quatro semanas inteiras, completamente cortado do mundo bruxo, reduzido a se agachar entre begônias moribundas, de modo que pudesse ouvir sobre periquitos que faziam ski aquático! Como Dumbledore poderia ter esquecido dele tão facilmente? Por que Rony e Hermione tinham se encontrado sem convidá-lo também? Quão mais ele deveria agüentar Sirius lhe dizendo para sentar direito e ser um bom rapaz; ou resistir à tentação de escrever para o estúpido Profeta Diário e avisar que Voldemort voltara? Estes pensamentos furiosos rodilhavam-se na cabeça de Harry e seu interior torcia-se com raiva, enquanto uma noite de veludo sufocante caía em torno, o ar cheio do cheiro da grama quente e seca, o único som que havia era o rugido do tráfego da estrada além das cercas do parque.

Não sabia por quanto tempo ficara sentado no balanço, antes que o som de vozes interrompesse suas reflexões e ele ergueu os olhos. Os postes das ruas vizinhas lançavam um brilho nebuloso forte o suficiente para delinear um grupo de pessoas caminhando pelo parque. Uma delas estava cantando uma canção alta e rude. As outras estavam rindo. Um barulho suave veio de várias bicicletas caras que estavam pedalando.

Harry sabia quem eram aquelas pessoas. A figura da frente era inegavelmente seu primo, Dudley Dursley, indo para casa, acompanhado por sua fiel turma.

Dudley estava tão largo quanto sempre, mas um ano de rígida dieta e a descoberta de um novo talento tinha forjado uma boa mudança no seu físico. Como tio Válter dizia prazerosamente a qualquer um que ouvisse, Dudley recentemente se tornara o Campeão de Boxe Peso Pesado Júnior Interescolar do sudeste. "O nobre esporte", como tio Válter o chamava, tinha tornado Dudley ainda mais formidável do que parecia a Harry nos dias do primário quando ele servira de primeiro saco de pancadas de Dudley. Harry nem remotamente temia mais seu primo, mas ainda não achava que Dudley aprender a socar mais forte e com mais precisão fosse motivo de comemoração. As crianças do bairro estavam aterrorizadas com ele - ainda mais do que eram "daquele garoto Potter" que, tinham sido avisados, era um vândalo insensível e freqüentava o Centro de Segurança St. Brutus para Rapazes Criminosos Incuráveis.

Harry observava as figuras escuras cruzando a grama e se perguntava em quem bateram naquela noite. Olhem em volta, Harry se descobriu pensando enquanto os observava. "Vamos... Olhem em volta... Estou sentado aqui completamente sozinho... Venham aproveitar..."

Se os amigos de Dudley o vissem sentado ali com certeza entrariam em fila para chegar nele, o que Dudley faria então? Ele não queria perder a pose na frente da turma ele ficaria assustado em provocar Harry... Seria mesmo divertido assistir o dilema de Dudley, para zombá-lo, observá-lo, com ele impotente para responder... E se qualquer dos outros tentasse acertar Harry ele estava pronto - tinha sua varinha. Deixe-os tentar... Ele adoraria descarregar sua frustração nos rapazes que uma vez haviam tornado sua vida um inferno.

Mas eles não se voltaram, eles não o viram, estavam quase nas cercas. Harry dominou o impulso de chamá-los... Procurar briga não era uma boa idéia... Ele não devia usar mágica... Estaria se arriscando a ser expulso de novo. As vozes da turma de Dudley esmoreceram; saíram de vista, dirigindo-se pela Magnolia Road.

"Aí está, Sirius", Harry pensou tolamente. "Nada imprudente. Fique com o nariz limpo. Exatamente o oposto do que você fez".

Ele se pôs de pé e espreguiçou. Tia Petúnia e tio Válter pareciam sentir que quando Dudley aparecesse era a hora certa de estar em casa e qualquer momento depois disso era tarde demais. Tio Válter ameaçara trancar no armário se ele voltasse para casa depois de Dudley de novo, então, reprimindo um bocejo e ainda de cara feia, Harry saiu em direção ao portão do parque.

A Magnolia Road, como a Rua dos Alfeneiros, era cheia de grandes casas quadradas com passeios perfeitamente tratados, todas possuídas por donos grandes e quadrados, que dirigiam carros limpíssimos, parecidos com o do tio Válter. Harry preferia Little Whinging à noite, quando as janelas cortinadas lançavam quadrados de cor brilhantes como jóias na escuridão e ele não corria perigo de ouvir os murmúrios de desaprovação sobre sua aparência "delinqüente" quando passava pelos moradores. Ele andava rapidamente, de modo que na metade do caminho da Magnolia Road a turma de Dudley apareceu novamente; estavam despedindo-se na entrada da Rua Magnólia. Harry entrou nas sombras de uma imensa árvore e esperou.

"... gritou como um porco, não foi?", Malcolm dizia, para rir dos outros.

"Belo gancho de direita, Grande D", disse Pedro.

"Mesma hora amanhã?", disse Dudley.

"Perto da minha casa, meus pais estarão fora", disse Gordon.

"Até lá, então", disse Dudley.

"Até, Dud!"

"Até logo, Grande D!"

Harry esperou que o resto da turma continuasse antes de andar novamente. Quando suas vozes tinham desaparecido mais uma vez dobrou a esquina para a Rua Magnólia e andando bem rápido logo chegou a uma pequena distância de Dudley, que estava passeando cantarolando sua música desafinada.

- Hey, Grande D!

Dudley se voltou.

- Ah - ele resmungou. - É você.

- Desde quando você é "Grande D"? - disse Harry.

- Cale-se - reclamou Dudley, virando-se.

- Nome legal - disse, sorrindo e mantendo o passo ao lado do primo. - Mas você sempre será Dudinha para mim.

- Eu disse, CALE-SE! - disse Dudley, cujas mãos parecidas com presunto tinham fechado-se em punhos.

- Os rapazes não sabem que é assim que sua mãe o chama?

- Fecha a boca.

- Você não a manda fechar a boca. Que tal "Popkin" e "Dinky Diddydums", posso usá-los então?

Dudley não disse nada. O esforço de evitar bater em Harry parecia exigir todo seu autocontrole.

- Então, em quem esteve batendo esta noite? - Harry perguntou, seu sorriso desaparecendo. - Outro garoto de dez anos? Eu sei o que você fez com Mark Evans há duas noites.

- Ele estava pedindo isso - reclamou Dudley.

- Ah, é?

- Ele foi insolente.

- É? Ele disse que você parecia com um porco que aprendeu a andar com as patas traseiras? Porque isso não é ser insolente, Duda, é a verdade.

Um músculo estava tremendo na mandíbula de Dudley. Dava a Harry uma enorme satisfação saber quão furioso ele estava tornando Dudley; sentia como se estivesse esvaziando sua própria frustração no seu primo, o único escape que possuía.

Viraram exatamente no estreito beco onde Harry vira Sirius pela primeira vez e que era um atalho entre a Rua Magnólia e Wisteria Walk. Estava vazio e muito mais escuro do que as ruas que ele ligava, porque não havia postes. Seus passos eram abafados entre as paredes da garagem de um lado e uma alta cerca do outro.

- Você acha que alguma coisa carregando essa coisa, não é? - Dudley disse depois de alguns segundos.

- Que coisa?

- Essa... Essa coisa que está escondendo.

Harry sorriu de novo.

- Não é tão idiota quanto parece, não é, Duda? Mas suponho que, se fosse, não seria capaz de falar e andar ao mesmo tempo.

Harry tirou a varinha. Viu Dudley olhar de esguelha para ela.

- Você não tem permissão - Dudley disse imediatamente. - Sei que não. Você seria expulso daquela escola de malucos que freqüenta.

- Como sabe que não mudaram as regras, Grande D?

- Não mudaram - disse Dudley, embora ele não soasse completamente convencido.

Harry riu suavemente.

- Você não tem coragem de me enfrentar sem essa coisa, tem? - Dudley resmungou.

- Enquanto que você precisa de quatro amigos por atrás antes de espancar um garoto de dez anos. Sabe aquele título de boxe que você fica exibindo? Quantos anos tinha o seu oponente? Sete? Oito?

- Ele tinha dezesseis, para sua informação - reclamou Dudley - e ele ficou desmaiado por vinte minutos depois que acabei com ele e ele era duas vezes maior que você. Espera só eu contar a papai que você tirou essa coisa...

- Correndo pro papai agora, não é? O Dudinha campeão de boxe com medo da nojenta varinha do Harry?

- Não é tão corajoso à noite, não é? - zombou Dudley.

- Está de noite, Dudinha. É assim que chamamos quando tudo fica escuro como agora.

- Quis dizer quando está dormindo! - reclamou.

Ele parou de andar. Harry parou também, fitando o primo. Do pouco que podia ver do rosto largo de Dudley ele estava com um estranho olhar de triunfo.

- O que quer dizer, não sou corajoso quando estou dormindo? - disse Harry, completamente embaraçado. - Do que eu teria medo, travesseiros ou o quê?

- Ouvi você noite passada - disse Dudley sem respirar. - Falando dormindo. Gemendo.

- O que quer dizer? - Harry disse de novo, mas havia uma sensação de gelo mergulhando no seu estômago. Tinha revisitado o cemitério nos sonhos da noite passada.

Dudley soltou uma risada grosseira, então adotou uma voz chorosa aguda.

- Não mate Cedrico! Não mate Cedrico!" Quem é Cedrico, seu namorado?

- Eu... Você está mentindo - disse Harry automaticamente. Mas sua boca ficara seca. Ele sabia que Dudley não mentira, do contrário como saberia sobre Cedrico?

- "Papai! Me ajude, papai! Ele vai me matar, papai! Buu uhh!"

- Cala a boca - disse Harry calmamente. - Cala a boca, Dudley, estou avisando!

- "Venha me ajudar, papai! Mamãe, venha me ajudar! Ele matou Cedrico! Papai, me ajude! Ele vai..." Não aponte essa coisa para mim!

Dudley retrocedera contra a parede do beco. Harry estava apontando a varinha diretamente para o coração do primo. Podia sentir o ódio de catorze anos contra Dudley fervendo nas veias - o que não daria para atacar agora, azará-lo com tanta força que ele teria que rastejar para casa como um inseto, cheio de antenas...

- Nunca mais fale sobre isso de novo - Harry resmungou. - Entendeu?

- Aponte essa coisa para outro lugar!

- Eu disse, entendeu?

- Aponte para outro lugar!

- ENTENDEU?

- AFASTE ESSA COISA DE...

Dudley arfou estranhamente, estremecendo, como se houvesse mergulhado em água gelada.

Algo tinha acontecido com a noite. O céu azul polvilhado de estrelas de repente tornou-se totalmente preto e sem luz - as estrelas, a lua, os postes de ambos as pontas do beco desapareceram. O rugido distante dos carros e o sussurro das árvores se foram. A noite agradável estava repentinamente de um frio penetrante. Estavam rodeados por uma escuridão total, silenciosa e impenetrável, como se alguma mão gigante houvesse jogado um manto frio e grosso sobre todo beco, cegando-os.

Por um breve segundo Harry achou que tinha feito magia sem querer, a despeito do fato que estivera resistindo o máximo que podia - então seu senso predominou - não teria poder para sumir com as estrelas. Voltou a cabeça por todos os lados, tentando ver algo, mas a escuridão pressionava seus olhos como um véu leve.

A voz aterrorizada de Dudley surgiu no ouvido de Harry.

- O-o que está fa-fazendo? Pa-pare!

- Não estou fazendo nada! Cala a boca e não se mova!

- Não co-consigo ver! Fi-fiquei cego! Eu...

- Disse cala a boca!

Harry ficou parado, voltando seus olhos cegos para a direita e esquerda. O frio estava tão intenso que tremia todo; arrepios tinham erguido seus braços e os pêlos da nuca estavam em pé - ele abriu os olhos ao máximo, fitando em volta, sem ver nada.

Era impossível... Eles não podiam estar ali... Não em Little Whinging... Ele apurou os ouvidos... Escutá-los-ia antes de vê-los.

- Vou co-contar ao papai! - Dudley choramingou. - O-onde você está? O que está fa-fazendo-?

- Você vai se calar? - Harry silvou. - Estou tentando esc...

Mas ele se silenciou. Tinha ouvido exatamente o que temera.

Havia algo no beco além deles, algo que estava respirando longa e roucamente. Harry sentiu um horrível choque de terror enquanto ficava tremendo no ar congelante.

- Pa-pare com isso! Pare de fazer isso! Vou ba-bater em você, juro que vou!

- Dudley, cala...

PAM.

Um punho fez contato com o lado da cabeça de Harry, derrubando-o. Pequenas luzes brancas apareceram na frente de seus olhos. Pela segunda vez em uma hora, Harry sentiu como se sua cabeça tivesse lascado em duas; no momento seguinte, tinha caído com força no chão e sua varinha voara da sua mão.

- Seu idiota, Dudley! - Harry gritou, os olhos lacrimejando com a dor enquanto punha-se de quatro, sentindo os arredores freneticamente na escuridão. Ouvira Dudley desatinar a correr, atingindo a cerca do beco, tropeçando. - DUDLEY, VOLTE! ESTÁ CORRENDO DIRETO PARA ELE!

Houve um horrível grito e os passos de Dudley pararam. Ao mesmo tempo, Harry sentiu um frio fantasmagórico atrás dele que só podia significar uma coisa. Havia mais de um.

- DUDLEY, FIQUE COM A BOCA FECHADA! O QUE QUER QUE FAÇA, FIQUE DE BOCA FECHADA! Varinha! - Harry murmurou freneticamente, suas mãos voando pelo chão como aranhas. - Onde está... A varinha... Vamos... Lumus!

Ele disse a magia automaticamente, desesperado por alguma luz que o ajudasse na busca - e para seu alívio descrente uma luz brilhou a poucos centímetros de sua mão direita - a ponta da varinha se acendera.

Harry a agarrou, pôs-se de pé e voltou-se. Seu estômago deu um pulo. Uma figura alta e encapuzada deslizava diretamente até ele, flutuando no chão, sem pés ou rosto visível por baixo dos mantos, sugando a noite enquanto avançava.

Recuando tropeçando, Harry ergueu a varinha.

- Expecto patronum!

Um brilho prateado de vapor saiu da ponta da varinha e o dementador foi retardado, mas a magia não funcionara apropriadamente; tropeçando nos próprios pés, Harry recuou mais, enquanto o dementador avançava para cima dele, o pânico nublando seu cérebro - concentre-se.

Um par de mãos cinzentas, asquerosas e descascadas saíram de dentro dos robes do dementador, procurando alcançá-lo. Um barulho de algo correndo encheu os ouvidos de Harry.

- Expecto patronum!

Sua voz soou fraca e distante. Um outro brilho de fumaça prateada, mais fraca do que a última, saiu da varinha - não conseguiria fazê-lo mais, não conseguia lançar a magia.

Havia uma risada dentro de sua própria cabeça, uma risada aguda e estridente... Podia cheirar o bafo pútrido e frio como a morte do dementador preenchendo seus próprios pulmões, afogando-o. "Pense... Em algo feliz..."

Mas não havia felicidade nele... Os dedos gelados do dementador estavam se fechando sobre sua garganta - a risada aguda ficava cada vez mais alta e uma voz falava dentro de sua cabeça: "Curve-se para a morte, Harry... Pode até ser indolor... Não saberia dizer... nunca morri...".

Nunca mais veria Rony e Hermione...

E seus rostos apareceram claramente na sua mente enquanto lutava por ar.

- EXPECTO PATRONUM!

Um enorme cervo prateado surgiu da ponta da varinha de Harry; seus chifres pegaram o dementador no lugar onde o coração deveria ficar; atirou-o para trás, e enquanto o cerco atacava, o dementador se lançou para longe, derrotado.

- POR AQUI! - Harry gritou para o cervo. Girando nos calcanhares, ele se lançou pelo beco, segurando a varinha acesa no alto. - DUDLEY? DUDLEY!

- Mal correra alguns passos quando os alcançou: Dudley estava encaracolado no chão, seus braços tampando o rosto. Um segundo dementador se curvava sobre ele, agarrando seus pulsos com suas mãos pegajosas, abrindo-os com força devagar, quase carinhosamente, baixando sua cabeça encapuzada na direção do rosto de Dudley como se fosse beijá-lo. - PEGUE-O! - Harry berrou, e com um som de relincho ligeiro, o cervo prateado que ele conjurara passou galopando por ele. O rosto sem olhos do dementador não estava a mais de um centímetro do de Dudley quando os chifres prateados o pegaram; a coisa foi atirada no ar e, como seu companheiro, levantou vôo e foi absorvido na escuridão; o cervo chegou a meio galope no fim do beco e dissolveu-se numa bruma prateada.

A lua, as estrelas e os postes explodiram de volta a vida. Uma brisa quente varreu o beco. As árvores murmuravam nos jardins da vizinhança e o rugido mundano dos carros na Rua Magnólia encheu o ar novamente.

Harry ficou bem parado, todos seus sentidos vibrando, aceitando o abrupto retorno à normalidade. Depois de um momento, tornou-se consciente de que sua camiseta estava grudando nele; estava encharcado de suor.

Não conseguia acreditar no que tinha acabado de acontecer. Os dementadores ali, em Little Whinging.

Dudley ficara enrodilhado no chão, choramingando e tremendo. Harry se inclinou para ver se estava em bom estado para levantar-se, mas então ouviu passos alto correndo atrás dele. Instintivamente ergueu a varinha de novo, virou-se para encarar o recém-chegado.

A Sra. Figg, a velha e maluca vizinha, vinha arfando. Seu cabelo cinzento escapava pela redinha de cabelo, uma sacola de compras tinindo balançava no seu pulso e seus pés estavam metade fora dos chinelos de tartã. Harry guardou a varinha apressadamente para tirá-la de vista, mas...

- Não a guarde, garoto idiota! - ela gritou. - E se houverem mais deles por aí? Ah, vou matar Mundungo Fletcher!

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