A Primeira Horcrux
A morte é uma coisa que eu nunca vou compreender. Acho que a vejo como um inseto repugnante, daqueles que você olha e se pergunta: Afinal, qual é a utilidade disso?
Mas no fundo, você sabe que aquilo é necessário para manter o delicado equilíbrio da vida. Se aquele inseto desaparece da face da Terra, a fina teia de seres que se inter-dependem é quebrada, e coisas estranhas podem começar a acontecer.
O que aconteceria se alguém ousasse vencer a morte?
Se eu dissesse isso em voz alta me chamariam de louco. Mas essa idéia simplesmente não me sai da cabeça. Desde aquele dia no cemitério, diante do túmulo de minha mãe.
Confesso que antes disso eu já encarava a morte com olhos diferentes dos da maioria das pessoas.
A maioria das pessoas simplesmente aceita que tem os dias contados e vão vivendo da melhor maneira possível, ou da maneira mais fácil. Alguns ainda elegem um Deus, uma Entidade Superior na qual depositam suas esperanças de uma vida pós-morte mais digna.
Eu não acredito em nada disso. Qual é o sentido de viver sofrendo na Terra alimentando uma esperança sem prova alguma a não ser sua própria fé, de que há algo após a morte nos esperando? Se é assim, por que simplesmente não viramos todos uns eremitas, por que não viramos todos Jesus Cristo para morrermos na cruz – se o sofrimento e a vida terrena não significa nada diante da eternidade imutável da morte?
Eu tenho a resposta: é porque ninguém, a não ser os eremitas e Jesus Cristo (se é que ele existiu) crê realmente que há algo nos esperando além dos portões do Hades. Não há céu, não há inferno; há apenas a escuridão úmida de nossos túmulos.
Novamente creio eu, que se dissesse isso em voz alta, seria taxado de louco.
Se pessoas como os Lestrange ou os Black realmente cressem que há um céu (ou mais provavelmente, um inferno) os esperando, se ocupariam de empilhar o máximo possível de ouro em seus cofres, ou sairiam por aí casando e fazendo filhos como coelhos para supostamente garantirem ao menos a permanência de seus genes na Terra?
Se existisse algo após a morte, para que o amor, o sexo, o dinheiro e tudo o mais serviria a não ser para consolar os tolos que aceitam passivamente o fato de que desde que dão o primeiro choro, estão com os dias contados?
Para que serve o poder se por mais que o tenhamos tudo acabará um dia?
Se tudo fosse para acabar assim, não existiria o poder. Mas ele existe, e eu o tenho, e não quero perde-lo.
Não; a morte é para os fracos. Para os medrosos e passivos que aceitam as coisas como elas são, que acham que a natureza é imutável. Para aqueles que sequer conseguem esmagar um inseto. Bem, eu consigo.
T. S. Riddle (a.k.a. Lord Voldemort)
31 de Outubro de 1943
Com essas palavras, Tom Riddle fechou seu diário e vestiu a capa escura por cima das vestes verde-e-prata da Sonserina.
Deslizou como uma sombra, silencioso e invisível pelos corredores do castelo, por caminhos que só ele e alguns poucos conheciam até chegar na saída parcialmente bloqueada por uma armadura armada de um punhal prateado muito afiado cravejado de esmeraldas. Parou por um momento e murmurou um feitiço desconhecido, fazendo a adaga se soltar da mão da armadura e liberando sua passagem.
Armado do punhal prateado, se esgueirou até a Floresta Proibida, tomando o cuidado de não causar muito barulho – só Deus sabia o que poderia estar lhe espreitando.
A Floresta Proibida de Hogwarts à noite era um espetáculo à parte. Milhares de olhos brilhavam acima das copas das árvores; cheiros exóticos das plantas noturnas impregnavam o ar e ruídos suspeitos emergiam do coração da Floresta.
Por quase duas horas Tom caminhou por entre os galhos e arbustos até uma grande clareira iluminada pela lua.
A luz de sua varinha, abafada pelas folhas da densa vegetação, fez refulgir os delicados fios prateados presos no emaranhado de galhos secos que cercavam a clareira: pêlos de Unicórnio. Ele estava no lugar certo.
Então apagou a luz de sua varinha, puxou o punhal da bota e aguardou pacientemente atrás de um grande tronco de carvalho, até o primeiro Unicórnio aparecer, olhando desconfiado à sua volta, e começar a beber da água cristalina que corria do fino riacho.
De repente, num só fôlego, Tom pulou de trás do tronco – antes que a Criatura tivesse chance de reagir e cravou o punhal prateado exatamente na jugular do Unicórnio, que soltou um lamento agudo antes de tombar no chão e começar a agonizar lenta e silenciosamente.
Envolvido no torpor que sempre experimentava quando matava algo ou alguém, Voldemort recolheu o sangue que jorrava fartamente do corpo perfurado do animal. Assim que seus batimentos cardíacos cessassem, o sangue viraria prata pura.
Minutos depois, com um frasco cheio do liquido prateado, Tom esgueirou-se de volta ao castelo, sem olhar para trás; o peso do que acabara de fazer mal chegando à sua mente.
O alívio invadiu seu corpo quando se viu debaixo do teto do Castelo novamente. Andar a noite pela floresta não era exatamente sua atividade favorita...
Passava pelo arco de concreto da entrada secreta, em direção às escadas que levavam às masmorras, quando uma figura alta e magra passou com a capa esvoaçante exatamente ao seu lado. Era Dumbledore. Velho maldito!.
“O que está fazendo aqui essa hora, Tom?” – Perguntou, olhando desconfiado para o grande rasgo em sua capa.
“Err... Monitorando... Ouvi boatos de que explodiriam uma caixa de bombas de bosta em frente à cabana de Ogg, o guarda-caças.”
“Oh, sim... Entendo. O que é isso em sua mão?” – Perguntou Dumbledore, dirigindo-lhe um olhar severo e ao mesmo tempo curioso.
Merda! Suas mãos estavam cheias de sangue prateado.
“Isso é poção para alisar os cabelos.” – Respondeu a primeira coisa que lhe veio à cabeça. Depois amaldiçoou-se. Onde estava sua astúcia sonserina quando precisava dela?
Dumbledore parecia querer ler os mais profundos pensamentos de cada ribossomo de suas células. Aquele olhar lhe dava medo. O olhar de Dumbledore lhe desconcertava completamente...
“Poção para alisar os cabelos?” – Perguntou o professor, incrédulo, mirando os cabelos escuros de Tom, agora totalmente desarrumados e cheios de folhas e galhos.
“É, bem... Estou fazendo uns experimentos com plantas da floresta.”
“Pensei que estivesse investigando a explosão de bombas de bosta.” – Respondeu Dumbledore astutamente. Diabo de velho enxerido...
“Também. Fui verificar os boatos, e como vi que eram falsos, aproveitei e recolhi uns espécimes raros para a poção. Não é pra mim, sabe, a poção.” – Disse nervosamente, apontando para o cabelo desarrumado que lhe caia em delicadas ondas sobre o rosto.
Dumbledore crispou os lábios e então disse:
“Tudo bem, Tom. Vá dormir, são quase três da manhã.”
“Sim, senhor.”
Tom voltou rapidamente ao seu quarto solitário de Monitor-chefe, tremendo só de pensar no que poderia lhe acontecer se descobrissem que ele matara o unicórnio.
Poção para alisar os cabelos? De onde raios tinha tirado aquilo?
[...]
Dois dias depois, Ogg, o velho guarda-caças, entrou na Floresta em busca de sementes de mandrágora para as aulas de herbologia do segundo ano, e encontrou o corpo rígido de um Unicórnio morto quase totalmente sem sangue. Chocado, ergueu o animal sobre o amplo lombo e o levou para sua cabana na beira do lago.
O corpo de um unicórnio não de decompõem normalmente. Ao invés do típico odor de putrefação, o que Ogg e todos que estavam próximos sentiram foi um suave e envolvente cheiro de flores, fazendo todos caírem aos prantos. Mesmo morto, o unicórnio exercia um fascínio sobre os que estivessem próximos e sua morte representava a suprema maldade, só superada pela morte de um ser humano. O consolo era que aquele que tivesse ousado macular a vida de um ser tão puro haveria de viver uma vida amaldiçoada.
Tom Riddle já sabia disso. Mas não se importava. Sabia que o sangue de unicórnio, ao momento que tocasse seus lábios, o condenaria a uma vida amaldiçoada. No entanto era requisito básico do ritual de criação das Horcruxes.
Naquele momento observava o brilho singular na substância, pensando se valeria mesmo à pena se condenar a uma vida amaldiçoada.
Mas então, percebeu. Já estaria se condenando a uma vida amaldiçoada se fizesse como os outros e aceitasse que sua vida teria um fim. Estaria amaldiçoado com uma vida mortal.
A morte do unicórnio foi acobertada. Ogg examinara o corpo e concluira que os profundos cortes eram provavelmente mordidas de lobisomens – a Lua estava cheia e não era assim tão raro lobisomens matarem unicórnios para beber seu sangue na esperança de voltarem a ter uma vida normal. Ainda assim, os alunos foram avisados para se manterem o mais distante possível da floresta principalmente em dias de lua cheia.
[...]
Era mais uma aula chata de transfiguração, na qual os alunos do sétimo ano estavam tomando aulas de animagia. Dumbledore havia anunciado que o Ministério abria cinco vagas de registro de animagos todos os anos, mas elas raramente eram preenchidas. De fato, no último século, apenas três animagos haviam sido registrados – embora houvessem suspeitas de dezenas de animagos ilegais.
Tom mesmo não via muita vantagem em poder se tornar um animal se todos soubessem disso. Ainda assim, estava ansioso.
Agora eles estavam ocupados mentalizando fortemente o animal que gostariam de virar. Abrindo os olhos levemente, fitou o rosto de Avery, ainda de olhos fechados. Era capaz de ler mentes com tamanha facilidade que bastava estar próximo fisicamente da pessoa analisada, sequer precisando de contato visual.
Avery tencionava se metamorfosear em elefante. Lestrange, em mosca (para poder entrar no banheiro das monitoras, ele viria a lhe explicar mais tarde). Evan, em quimera. Rachel Black, ao seu lado, mentalizava uma bela veela.
Dumbledore passeava entre as fileiras de alunos, advertindo Abraxas Malfoy de que ele não podia virar um centauro e explicando a Lestrange que com um cérebro de mosca, ele não tiraria muito proveito da visão das monitoras tomando banho. Então, inadvertidamente, parou ao lado de Tom.
“Não tenho muita certeza se se transformar em basilisco é uma boa idéia, Tom.”
Merda. De novo.
“E-eu... Não é um basilisco, senhor, é uma cobra.”
“Uma cobra bastante grande.” – Observou Dumbledore, fitando-lhe os olhos por trás dos oclinhos.
“É, bem, eu gosto de cobras.” – Respondeu, desafiadoramente.
Dumbledore então balançou a cabeça negativamente e voltou para sua escrivaninha.
Alguns minutos depois, o sinal tocou e todos os alunos saíram apressados. Quando estava com um pé para fora da porta, Dumbledore chamou-º
“Quero dar uma palavrinha com você, Riddle.”
O Professor parecia preocupado e ao mesmo tempo temeroso.
Nervoso, Tom deu a volta e parou a uma distância que considerou segura da escrivaninha.
“Preste atenção no que vou lhe perguntar, Tom, pois só vou faze-lo uma única vez. Qualquer que seja sua resposta, ela ficará entre nós e eu a aceitarei como sua palavra sincera.”
Tom devolveu um olhar que transbordava ingenuidade. Aquele era seu olhar especialmente treinado para usar em situações como aquela. Mas duvidada que Dumbledore acreditasse em qualquer coisa que ele dissesse.
“Sim, senhor” – Respondeu.
Dumbledore tomou fôlego, e então perguntou em voz baixa:
“Foi você que matou o unicórnio?”
O olhar surpreso, levemente indignado, as lembranças de uma noite tranqüila no Salão Comunal aflorando em sua mente para que Dumbledore as visse em lugar do que realmente acontecera na floresta, o ar curioso e levemente triste, tudo foi cuidadosamente calculado antes de Tom dar sua resposta.
“Não, senhor. Eu não sei quem matou o Unicórnio.”
Dumbledore suspirou tristemente.
“Tudo bem, Tom. Vá para sua aula.”
Triunfante, Voldemort tomou o caminho das escadas que levavam às masmorras.
[...]
“O que o velho Dumbledore queria com você?” – Perguntou-lhe Avery ao retornarem da última aula do dia em direção ao jantar sendo servido no Salão Principal.
“Saber do que não é da conta dele, como sempre”.
Avery respondeu com uma risadinha.
“E por falar em saber coisas, você ainda não nos contou onde arranjou isso aí” – Disse, apontando para o anel de Servolo.
“Se eu contasse você não acreditaria” – Respondeu Tom, com um sorriso mordaz no rosto.
Avery deu de ombros e se ocupou em servir mais batatas no prato. Voldemort é mesmo um cara estranho.
[...]
As aulas de animagia continuaram sem sucesso algum. Embora já tivesse abandonado a sua ambição de virar basilisco, Tom agora se ocupava em tentar virar uma cobra, não conseguindo parar de pensar em Nagini cada vez que apontava a varinha para si e começava a murmurar encantamentos.
Os alunos estavam como sempre extremamente concentrados, de pé no meio da sala, os olhos fechados e expressões intensas que lembravam muito dor física intensa.
Tom estava como os outros; a varinha apontada para a testa, o rosto contorcido do esforço, quando sua atenção e de todos os outros voltou-se para uma aluna da corvinal. A garota soltou um guincho de horror e foi lentamente se reduzindo até se tornar um minúsculo ponto preto no chão. Um besouro.
A classe toda caiu na gargalhada. Dumbledore se abaixou e depositou o besourinho com cuidado num frasco de vidro. Puxou uma grande pena de pavão e começou a escrever “Rita L. Skeeter - Besouro” num grosso livro velho, quando o frasco rompeu e o besouro tornou-se gente novamente.
Rita chorava, corada até a raiz do cabelo.
“E-eu n-não sei o que houve. Eu queria uma coruja, mas virei um b-besouro horrível! Por favor, Professor Dumbledore, não me registre, deixe-me tentar de novo!”
A garota se sacudia tomada pelos soluços. Dumbledore, penalizado, apoiou as mãos nos ombros da garota, tentando evitar que ela caísse no chão devido aos tremores.
“Tudo bem, querida. Não precisa se registrar se não quiser. Mas terá de assinar um termo de compromisso garantindo que não se tornará um animago ilegal”
Dumbledore estendeu-lhe um pergaminho recém-conjurado e uma pena. Rita começou a assinar, e Tom viu que ela suprimiu intencionalmente um “e” de seu sobrenome. Podia jurar que a garota havia dado um sorrisinho ao entregar o contrato ao Professor. Dumbledore não pareceu perceber nada, apenas desapareceu com o papel ao aceno da varinha.
“Muito bem” – ele disse – “Quero que continuem treinando. Na próxima aula um profissional do ministério deve vir aqui e avaliar seu progresso. Vocês têm uma semana.”
O sinal bateu e a sala novamente se encheu do som de livros sendo fechados, varinhas sendo guardadas e pergaminhos se enrolando.
Tom e sua turminha começaram a rumar para a aula de feitiços, quando lembrou.
“Ei, acho que esqueci meu livro na sala de Transfiguração. Esperem aqui, eu já volto” – E meteu o pé em direção à sala.
Quando chegou deparou-se com a porta entreaberta, por onde era possível ouvir uma conversa inflamada entre os dois professores. Dumbledore e Slughorn discutiam nervosamente.
“Ele quer informações sobre Horcruxes, Horácio. Horcruxes! Que tipo de gente sabe o que são Horcruxes aos dezessete anos?” - Berrava Dumbledore, apontando um dedo acusador em direção à porta por onde Tom acabara de sair e agora estava escondido atrás.
“Ele... É só um garoto um tanto precoce...”
“Você disse que ele lhe perguntou o que aconteceria se alguém partisse a alma em sete pedaços?”
“Eu... Eu não deveria ter lhe contado isso!” – Bradou Slughorn, nervoso, fazendo menção de escapar da sala. Mas Dumbledore barrou sua saída.
“Sangue de unicórnio. Certa noite eu o vi com as mãos cheias de sangue de unicórnio. Dois dias depois, um é encontrado morto. Você sabe qual é o requisito básico para a criação de uma horcrux, não sabe, Horácio? Sangue de Unicórnio, uma varinha poderosa – e posso lhe garantir que isso não falta a Riddle, uma alma rachada por um assassinato e o encantamento correto, que caso você não tenha esquecido, é de criação do próprio Salazar Slytherin” – Sibilou Dumbledore, o rosto vermelho de raiva.
Tom engoliu em seco, e aproximou mais o ouvido da fresta da porta. Slughorn gaguejava nervoso.
“Ora... Você não está supondo que um rapaz que ainda nem se formou vá criar uma horcrux, está?”
“Tom Riddle abriu a Câmara Secreta. Não sei mais do que ele é capaz.” – Sentenciou Dumbledore. Slughorn indignou-se.
“Isso é absurdo! Riddle é mestiço, não faria isso...”
“Riddle é ofidioglota.”
Diante desse fato, Slughorn escorregou direto na cadeira às suas costas.
“Não. Riddle é o melhor aluno que temos em muitos anos. É monitor-chefe.”
Mas Dumbledore ainda não desistira de convencer Slughorn de que Tom era um criminoso.
“O incidente com Francis Finningham. Eu a examinei pessoalmente; ela foi vítima de um feitiço abortivo”
“E daí...? Pode ter sido qualquer um...”
“Você melhor que ninguém deveria conhecer os boatos que correm pelas bocas dos alunos de sua casa. Alguns deles podem ser verdadeiros.”
“O que sugere que eu faça, então, Dumbledore?” – perguntou Slughorn, raivosamente, tornando a se levantar para encarar o bruxo mais alto.
“Primeiro, pare de ensinar feitiços ilegais a seus alunos. Depois, sugiro que abra os olhos. Nem tudo é o que parece ser, Horácio.”
E com isso, Dumbledore deixou a sala, mal dando tempo de Tom se esconder atrás da sombra de uma pilastra.
Sentia-se nervoso, frustrado. Como era possível que Dumbledore fosse totalmente onisciente daquela maneira? Tinha certeza que sua oclumência nunca o traíra e no entanto...
Então riu ao perceber que Dumbledore mesmo lhe havia indicado onde procurar as palavras do encantamento.
Naquela noite, Tom Riddle voltaria à Câmara Secreta.
[...]
A passagem através do encanamento do banheiro feminino continuava intacta. Pelo menos uma vez na vida Tom foi grato a Murta e seus gemidos, pois agora ninguém freqüentava aquele lugar. A fantasma, no entanto, estava longe. Alguém de seu círculo de puxa-sacos havia mandado a ela uma carta supostamente marcando um encontro, em nome do fantasma da Grifinória.
A câmara, no entanto, parecia mais arruinada do que nunca. Tom teve de explodir inúmeras pedras caídas para liberar sua passagem, morrendo de medo que o buraco literalmente desabasse sobre sua cabeça.
Andou prestando atenção nas paredes à sua volta, em busca de qualquer inscrição; um arrepio percorrendo seu corpo quando se lembrava da lembrança de Nagini. Tentou por tudo se lembrar das palavras enunciadas por Slytherin, mas por mais que tentasse, não conseguia. Ainda assim, tinha a sensação de que não era aquele o encantamento correto...
O Basilisco hibernava cercado de ossos de pequenos animais, exalando mais do que nunca o insuportável cheiro. Respirando através do tecido de suas vestes, Tom falou em linguagem de cobras:
“Acorde.”
Como da primeira vez que fizera isso, o basilisco se desenrolou num movimento hipnótico, virando os olhos vermelhos para encarar seu mestre. A enorme serpente sibilou:
“Veio completar a nobre missão, Herdeiro de Slytherin?”
Por mais absurdo que isso pudesse parecer, Tom poderia jurar que o basilisco tinha sorrido. Sentiu-se constrangido, e embora não fosse essa sua intenção de modo algum, respondeu:
“Sim, e para isso, preciso de informações. Sobre Horcruxes.”
Os olhos do animal brilharam perigosamente.
“Oh, sim. Horcruxes... Você precisará de Sangue de Unicórnio, uma varinha poderosa , e...”
“Uma alma rachada, sim, eu já sei. Preciso saber o encantamento. Você sabe... Você poderia?”
E então lembrou-se de Grindewald. Velho tolo. Achava mesmo que poderia comprar sua lealdade?
“Um feitiço não-verbal. Esse encantamento é terrível demais para ser proferido em voz alta. Só o som das palavras é capaz de enlouquecer alguém. Foi o que aconteceu com Salazar Slytherin. Ele ousou pronunciar...”
“O quê?” – Perguntou, ávido pela resposta à sua pergunta. As palavras latinas enunciadas voltaram de repente à sua mente num clarão repentino de entendimento e como por mágica, lembrou-se. – “ Mors renegare et Anima dividere ?”
Mais uma vez, Tom poderia jurar que o basilisco tinha rido.
“Não. Não essas palavras. Você provavelmente não estaria aqui se tivesse ouvido as palavras reais, aquelas que Slytherin proferiu em sua mente e que poucos foram capazes de descobrir.”
“Conte-me!” – Implorou, ansioso. A felicidade doentia e o fulgor vermelho distorcendo seu rosto como nunca...
Flashes verdes, vermelhos, brancos, de todas as cores, começaram a surgir diante de seus olhos e ele não pôde enxergar mais nada, somente a luz e a sensação de vazio em sua cabeça...
Quando voltou a si, segundos depois, sentiu que sabia. Não sabia o quê, mas simplesmente sabia...
Mal percebeu quando se viu de volta ao quarto solitário de Monitor Chefe nas masmorras. Era tarde da noite; todos dormiam. Sentia-se como alguém que acabava de solucionar um mistério muito obscuro, saciado uma curiosidade profunda, o segredo da vida; a resposta de tudo. Era maravilhoso sentir que sabia tudo; era onisciente, onipotente, conhecia os mistérios do universo, o sentido da vida, a origem do Mundo...
Ele sabia que não sabia daquilo, nem sequer sabia o que sabia, mas algo o impeliu a procurar o frasco bem escondido de sangue de unicórnio em seu malão; tomou um grande gole do liquido de sabor doce como um homem perdido no deserto que bebia água pela primeira vez em muitos dias...
Caiu de joelhos ao sentir um frio invadir seu corpo como num raio, partindo-o em dois, estava congelando por dentro, estava sendo dividido, estava morrendo, embora nunca tivesse se sentido tão vivo e poderoso.
Então o frio se transformou em calor; estava sendo marcado a fogo, algo vazava pelos olhos, sua boca aberta de espanto foi se alargando como se estivesse dando à luz; algo branco-esverdeado escorregou para fora de seu corpo, uma névoa sombria que o envolveu e depois se condensou num minúsculo ponto, uma bolinha presa na ponta de sua varinha como fizera Slytherin.
Tom gritou, aquilo doía, doía muito, mais que a maldição cruciatus, muito, muito mais... Imagens de seu eu de meses atrás matando o pai e os avós lhe vieram à cabeça. Então, de repente, cessou.
As velas estavam apagadas, e a única luz que iluminava o quarto vinha da bolinha que Tom entendeu, era um fragmento de sua alma.
Respirava rapidamente, ofegante, como se tivesse corrido uma maratona. Apanhou a varinha de cima da mesa e tirou o anel do dedo, preparando-se para transforma-lo em seu primeiro Horcrux.
Então as palavras do basilisco lhe ocorreram: “Veio concluir sua nobre tarefa, Herdeiro De Slytherin?”
Ao invés do anel, pegou seu diário e transformou-o em seu primeiro Horcrux, deixando um pedaço de sua alma responsável por terminar sua missão.
Então caiu na cama, exaurido; o feitiço lhe consumido tanto poder e energia vital que ele sentia que não seria capaz naquele momento de sequer transfigurar um palito numa agulha.
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