A cisma de Hermione
Ainda estava escuro do lado de fora quando Sirius abriu os olhos. Não tinha dormido bem. Ter se encontrado com a mãe só aumentava sua saudade dos dias alegres na mansão do largo Grimmauld. Sentou-se na cama. Não estava com vontade de permanecer deitado. Queria ir embora. O friozinho do horário o despertou de vez. O menino foi até o cesto de roupas para pegar uma jaqueta. Depois de ter se abrigado, pensou que seria bom trocar as calças do pijama por algo mais quente. Arrumou-se completamente, inclusive colocando os tênis. Sem ter o que fazer, acomodou-se na cadeira. Teve a impressão que o café da manhã tardaria. O sol nem tinha saído. Sirius pegou o elefante de borracha que trouxera consigo, sua única lembrança de casa. Tentou brincar. Mas qual? Seu desejo de deixar aquele lugar estava tão forte que não conseguia se animar com o brinquedo.
Fugir. Sua mãe falara a esse respeito. Como ele poderia? Não devia ser simples. Subiu na cadeira e puxou as grades de sua janela com a maior força que reuniu. Uma vez, duas e nada. Nem um milímetro se movera. Estava crente que não era um menino com poderes extraordinários. Lembrou-se de Sombra, que lhe dizia que tinha talento. Ele acreditava nisso tanto que continuava insistindo para que ele assumisse diferentes cores de cabelo, dos olhos. A todo instante o instruía sobre o que fazer. Já estava cansado. Principalmente depois da transformação horrível pela qual passara. Desde aquela experiência, Sirius constantemente olhava para suas mãos, com medo de que mudasse de novo. Ali, agarrado às grades, estudou seu corpo em busca de algo diferente. Para seu alívio, estava tudo como sempre fora. Ou quase. Ele já não era mais o mesmo menino que entrara naquele quarto assim que fora arrancado de seu lar. Estava mais atento e inquieto. Não ficava mais encolhido em seu canto. Era verdade que continuava assustado. Receava, por exemplo, que fosse obrigado a beber aquela poção novamente. Quando Sombra retornara, horas antes de se deitar, chegou a tremer. Mas tinha sido instado apenas a reproduzir as feições que fora obrigado a decorar a partir da fotografia entregue muitos dias atrás. Aquilo sim tinha sido fácil. Bastara um esforço mínimo e pronto. O cabelo, os olhos até o desenho da boca e o arco das sobrancelhas... Sirius continuava sendo Sirius, porém havia tanta semelhança com o retrato que bem se poderia dizer que o menino descendia daquela pessoa.
- Com mais alguns treinos, seria melhor. Mas vamos tentar desse jeito mesmo – observara a figura encapuzada, de modo bastante enigmático para o garoto.
Ele nem sequer conseguiria desconfiar do que se tratava. Sirius não tinha experiência em nada que não fosse divertimento. Entretanto, acostumado com a rotina do pai e habituado a ouvir a conversa dos aurores na companhia do primo – ambos escondidos dos adultos, uma sugestão de James –, ele sabia que boa coisa não podia ser. O menino pulou da cadeira e parou diante da porta. Todos deveriam estar dormindo ainda. Se fosse na sua casa, provavelmente Dobby surgiria diante dele e o aconselharia a voltar para cama. Mas Dobby não estava lá. Num impulso, correu até a porta e girou a maçaneta. Como queria sair dali! Era um desejo tão forte que... clique! Para seu espanto a porta se abriu. Sirius mal acreditava. Greta teria esquecido de trancá-la ou ele realmente tinha poderes extraordinários? Por um segundo, o garoto permaneceu imóvel. Depois, voltou atrás, pegou seu elefante e deixou sua prisão. Desconfiado, olhou para todos os lados. Ninguém, no entanto, se levantou. Seu primeiro pensamento foi libertar a mãe. Sirius apressou-se. Com cuidado, avançou pelo corredor que conduzia até a cela onde se encontrara com Gina na véspera. O coração dava pulos. Se tivesse sorte, se tivesse sorte, se tivesse sorte...
As mãos do menino tocaram a maçaneta e tentaram girá-la. Por mais que ela rodasse entre seus dedos, nada se alterou. A porta continuava trancada. Sirius abaixou a cabeça procurando se recordar do feitiço certo. James já lhe contara uma vez. E ele o repetira, só que suas palavras não tiveram efeito naquela ocasião. Pensando bem, nem as de James. Seu primo apenas sabia o feitiço. Sem a ajuda de uma varinha, nenhum dos dois tivera sucesso. Mas onde ele arranjaria uma? O fato de ser criança falou mais alto naquele momento.
- Mãe? – chamou baixinho.
Sirius teve de esperar um pouco até ouvir o som de correntes. Elas foram puxadas levemente. E tudo se aquietou. Do outro lado da porta, Gina não sabia se estivera sonhando. Tivera a impressão de ter ouvido seu filho.
- Mãe? Você está aí?
- Sirius?! O que...? Como? Sirius, você está bem? – e esticou as correntes ao máximo para se aproximar da porta.
- Uhum. Eu fugi, mãe. Como eu abro essa porta?
Gina quase soltou um grito de alegria ao saber que Sirius tinha escapado de seu quarto. Sua mente, porém, trabalhou rapidamente. Aquietou-se, pensativa. Não havia meios de seu filho libertá-la. Só alguém com magia poderia.
- Querido, aproveite esta oportunidade e saía daqui. Não há como você me soltar.
- Se eu achar uma varinha, mãe, você me ensina o feitiço de abrir portas?
- É Alohomorra. Mas não é só isso que vai ajudar. Compreenda, por favor, Sirius. Você precisa escapar sozinho agora. Saía da casa e se afaste o quanto puder. Eles criaram uma barreira encantada que nos esconde. Só que em algum ponto ela deixa de existir. Corra, afaste-se daqui e invoque o Dobby. Ele te ouvirá assim que essa barreira ficar para trás.
- Mãe, eu vou com você... – começou com o mesmo tom que empregava quando queria um doce.
Gina percebeu que hora de ser firme.
- Não, Sirius! Vá agora! Você precisa contactar o Dobby. Ele é um elfo doméstico e vai te atender! Você é o pequeno mestre, não é assim que o Dobby te chama?!
- Mas e você? – insistiu, assustado. – E eu tenho medo dos lobos.
Gina engoliu em seco.
- Eu vou ficar bem. Se tudo der certo, Dobby vai te levar de volta para casa e trazer seu pai para cá. E eu vou ficar livre também – disse. E apertou as correntes com força, agoniada por estar tão impotente, incapaz de proteger seu filho. – Quanto aos lobos... eu não escuto uivos de onde estou. O lado da floresta que fica perto da sua janela deve ser onde eles estão. Vá para o outro lado. E chame por Dobby a todo minuto. Em algum momento você estará longe o suficiente da barreira que nos torna inencontráveis, Sirius. Por isso, não páre.
- Ainda está escuro – lamentou o menino, encostando a cabeça na porta, como se estivesse se apoiando no corpo da mãe.
- Pense pelo lado positivo, filho. Esta é a melhor situação para você escapar. Eles ainda estão dormindo. Logo vai amanhecer, só que até acordarem, você pode ter tempo de sobra para sair da ação do feitiço. Lá fora, Sirius, tente dizer Lumus. Pode ser que funcione.
- Mesmo sem varinha? – perguntou num sussurro.
- Experimente. Se der certo, ótimo. Se não der certo, não se preocupe. Você é novo. Precisa de tempo para aprender Agora, vá, querido. Corra, Sirius...
O garoto armou-se de coragem. Relutava em sair sozinho. Mas precisava escapar e faria o que sua mãe dissera. Com a ajuda de Dobby, ele voltaria trazendo seu pai. Sirius caminhou em silêncio até a sala. Ao se deparar com a saída, hesitou. Pronunciou solenemente Alohomorra. Esperou um segundo para ver se o feitiço tinha dado certo. Não aparentava ter conseguido. Seus olhos, então, deram com uma chave pendurada num gancho. Pegou um banco, subiu sobre ele e segurou o objeto com delicadeza, temeroso de acordar alguém. Experimentou-a na fechadura. Um clique anunciou que sua sorte podia estar mudando.
Assim que saiu, trancou a porta e escondeu a chave sob uma pedra que vira ali, perto da entrada. Imaginou que poderia ser uma boa maneira de retardar seus perseguidores, caso descobrissem que ele tinha fugido. Afastou-se um pouco para escolher a direção que tomaria. Ficou confuso. A floresta o circundava. Procurou definir qual era o lado da sua janela. Decidiu arriscar uma direção. O coração batia ainda mais acelerado. E começou a correr, apesar de ter dificuldades para enxergar o caminho. A falta de luz atrapalhava bastante.
- Lumus! – disse, ansioso demais para ver a magia funcionar.
Nem uma fagulha surgira ao seu redor. Tropeçou numa raiz e caiu. Levantou-se rapidamente, mas trouxe junto um pedaço de galho que encontrara. Gritara o feitiço mais uma vez.
- Que droga – resmungou. E colocou as mãos em volta da boca, em formato de concha, para ampliar a extensão de sua voz infantil. – Dobby! Dobby!
Sem sucesso, concluiu que era melhor prosseguir. Continuou correndo. Ou tentando. Com o galho que encontrara, procurava descobrir o caminho. Mas ele não era longo o bastante. Às vezes pisava em algo que fazia barulho. Uma folha seca, um arbusto. Assustava-se sempre. Mais de uma vez quase pulara de medo ao ouvir o som de asas se lançando num vôo. Nesses instantes, ele nem esperava se recobrar. Corria desabaladamente. E caía.
- Dobby! Cadê você?!
Seu chamado ainda não havia sido atendido quando o céu começou a clarear. Era uma luz fraquinha, porém deu ânimo a Sirius. Ele se aventurou a correr mais e atingiu um pequeno descampado. Confiante, partiu em disparada, gritando o nome do elfo. Mas havia um declive no caminho. O menino perdeu o equilíbrio e caiu rolando. Voltou a gritar, desta vez de dor. Quando parou, sentia esfolados que ardiam nos joelhos e na palma das mãos.
- Droga, droga, droga! – reclamou, com muita raiva, soprando as mãos em seguida.
Estava assim quando sua alma gelou. Não muito longe dali, escutou os uivos. Tinha de continuar correndo. Levantou-se e saiu apressado. Estava de novo na floresta. Não havia uma trilha fácil. Tinha perdido o galho. Apesar de desorientado, não podia parar. O menino avançou aos tropeços, dando esbarrões em árvores e plantas. A manhã estava para nascer. Mas a copa das árvores impedia que a tênue claridade penetrasse na mata. Sirius ouviu mais uma vez os uivos. Estavam mais perto.
- Dobby! – berrou.
O elfo não surgiu. E o garoto não sabia onde se esconder. Um pouco à distância seus olhos perceberam uma mudança na paisagem. Parecia que havia um rio mais adiante. E se entrasse na água? Os lobos iriam atrás dele na água? Tinha de arriscar. Correu mais e mais. Escorregou mais uma vez e de novo rolou mais um pouco. Ficou de pé no mesmo segundo, atemorizado demais para permanecer no chão lastimando o acidente. O rio estava mais próximo. Outro uivo o fez acelerar a corrida. Podia sentir. Estavam em seu encalço.
- DOBBY! – desesperou-se.
O urro expressava sua angústia. O medo agora era maior do que tudo. Mais uma vez, o chamado fora em vão. O menino teve vontade de chorar. Não. Não. Sirius segurou as lágrimas. Não podia parar de correr. O rio estava perto. Iria se atirar nas águas antes que os lobos chegassem. Tinha de conseguir. Se ao menos fosse como seu pai...
- PAI! – gritou em pânico.
Lobos surgiram ao lado dele, ameaçadores. Eles estavam avançando pelas laterais, fechando o cerco. Sirius via o rio como sua única chance de fugir. Correu o que suas pernas permitiam, lançando-se para frente na última tentativa de livrar-se do terror. Gritou “pai” mais uma vez, vendo os lobos se atirarem sobre ele quando de repente foi alçado para o ar, no alto de uma árvore. Estava completamente sem fôlego, o rosto vermelho pelo esforço, o coração acelerado. Agarrou-se ao galho onde estava. De algum modo se salvara. Duas lágrimas escaparam como resultado do violento stress por que passara. Trêmulo, o menino as enxugou imediatamente e observou o que havia ao seu redor, buscando entender o que acontecera. Não havia ninguém. Percebeu que estava mais claro. Agora podia enxergar mais. Seus olhos percorreram a região. O rio não era um rio, e sim um lago ovalado. Não muito grande. Do outro lado da margem, via árvores compridas que não pode identificar. Uma montanha bem longe tinha um formato estranho numa das faces. Assemelhava-se a um homem de nariz comprido e com uma corcova. Não tinha a menor idéia de que lugar era aquele. Ainda assim, experimentou uma sensação de alívio. As batidas no peito se apaziguaram e ele suspirou. Relaxou o corpo e fechou as pálpebras por breves segundos. O susto tinha passado.
Ao menos, parte dele. Os lobos rosnavam. Um deles uivou. Outro jogou as patas dianteiras contra o tronco da árvore, como se quisesse derrubar o menino. Sirius abriu os olhos e viu os animais lá embaixo, ameaçadores. Voltou a pensar na razão por que escapara e imaginou que havia sido por conta de seu desespero. Seu pai um dia lhe contara que ele fora parar no telhado numa vez em que fora perseguido pelo primo, um rapaz gordo e forte que não existia mais. Devia ter acontecido algo parecido com ele. O medo o carregara até aquele galho alto no qual se agarrava com força. Foi quando Sirius notou que algo o comprimia no peito. Com cuidado, meteu a mão dentro da jaqueta e retirou seu elefante. Tinha metido o brinquedo num bolso interno, só que ele tinha saído do lugar por causa da corrida. Subitamente, um lobo saltou para alcançá-lo. Era inútil porque o menino estava fora do alcance de seus dentes. A atitude do animal, no entanto, o assustou e ele deixou o elefante escapar dos dedos, caindo num outro galho. “Ai, não”, lamentou.
- Dobby – gemeu. Outra vez, não foi atendido. – Droga de novo! Não vou mais brincar com você quando eu voltar pra casa!
Acabrunhado, Sirius observou a área. Havia uma chance de alcançar seu brinquedo. Arrastou-se para se aproximar. Seus dedos quase podiam tocar o ramo onde estava o elefante. Precisava só avançar mais um pouco. Arrastou-se mais uma vez. Esticou os dedos. Faltava pouco, muito pouco. De novo, puxou seu corpo com os braços.
- Só mais um pouquinho – disse enquanto ouvia os lobos se moverem abaixo dele. Seus dedos finalmente alcançaram o ramo e ele o puxou para recuperar o brinquedo. Assim que o agarrou, no entanto, o galho onde estava se partiu. – Ahhhhhhh!
O menino caiu no chão e imediatamente cobriu a cabeça com as mãos, pronto para o ataque. Entretanto, outra vez foi salvo. Os lobos que saltaram sobre ele foram afastados com feitiços que relampejavam de algum lugar. Sirius ouvia os zunidos e os lobos ganindo. A matilha estava partindo em outra direção. O garoto decidiu ver o que se passava. Tirou as mãos da cabeça e reparou que parte dos lobos se aquietara. Havia ainda animais raivosos que o vulto negro afastava com jatos de luz que saiam de sua varinha. Sim. Era seu raptor, que inesperadamente não estava encapuzado, revelando cabelos curtos cuidadosamente aparados. Quando tudo parecia sossegado, a figura de roupas escuras estendeu a mão para erguer o menino. Porém um dos lobos resolveu desafiar o humano e avançou com um salto para capturar Sirius. Num gesto rápido, Sombra virou-se e o atingiu com um feitiço. O gesto não fora tão brusco, no entanto o lenço que cobria seu rosto se soltou, mostrando para o garoto o rosto de quem o mantinha cativo há tanto tempo.
- Mas você é... – espantou-se o garoto, sem ter tempo de concluir.
- Chega! Você precipitou tudo – replicou com voz irritada.
- Eu fiz o quê? – perguntou Sirius, ainda surpreso com a visão daquele rosto.
- Quieto! Agora vamos ter de partir agora. Sei lá o que você fez, menino tolo.
- Eu não fiz nada – respondeu, decepcionado por não ter conseguido chamar Dobby. O que ele e sua mãe sofreriam agora por causa do seu fracasso?
*****
Mas o lamento de Sirius não fazia sentido, embora ele não o soubesse. Na Toca, Harry dormia um sono agitado. Repentinamente, viu-se correndo por uma floresta. No devaneio, pressentia lobos em seu encalço. Eles estavam tão perto que se arrepiava com o arfar dos animais. Iam atacá-lo. Era uma presa fácil. Chamou por Dobby. Nada acontecia, exceto que agora os lobos o tinham alcançado. Os animais pularam sobre ele e seu grito foi forte. Harry, entretanto, ainda não acordara de vez. Estava no alto de uma árvore e via tudo ao seu redor. A paisagem. O cenário. E olhou para baixo, vendo os lobos, os lobos rosnando, o lobo dando o salto e um bote.
- Sirius! – despertou.
Harry pulou da cama. Vestiu-se com um toque da varinha e desaparatou.
*****
Hermione arregalou os olhos. Rony acabava de sair da cama, apreensivo. A mulher o interpelou. Por que se levantara de modo tão estranho? Ele fez “psiu”, com o dedo cobrindo a boca. Estendeu o braço e imediatamente sua varinha veio parar em sua mão. Abriu a porta no instante em que Harry estava para bater na madeira com o nó dos dedos.
- Cara, o que é isso?! – disparou Rony num murmúrio. – Ouvi alguém aparatar e quase tive um treco. Achei que podia ser coisa do Styx.
- É sobre isso mesmo que vim falar. Eu tive...
- Querem parar de cochichar! Eu estou bem acordada – bronqueou Hermione, já de pé, com um robe sobre a camisola.
- Eu vi! Vi onde Sirius está! – respondeu Harry, entrando no quarto e ocupando o centro do dormitório. – É um lugar com um lago não muito grande. De um lado tem ciprestes. E há uma montanha que tem uma face semelhante ao perfil de um homem de nariz adunco. É uma floresta fechada.
- Que lugar é esse? – perguntou Rony.
- Não sei. Ciprestes são típicos de onde? – disse Harry, perturbado. – Mas acho que a gente consegue descobrir. Não consegue?
- Como?! O nome vem da ilha de Chipre – ensinou Hermione. – Mas ciprestes existem em tantos locais... Da Patagônia a Sibéria, pelo que eu saiba. E, aliás, como é que você viu essas coisas?
- Eu estava dormindo...
- Você sonhou? – interrompeu a bruxa.
- Não. Foi como nas vezes com Voldemort.
- Não fale nesse nome na minha casa – estrilou Rony.
- Cara, você é um auror! – exclamou Harry, impaciente.
- Um auror supersticioso, se você me dá licença...
Dumbledore, então, colocou sua cabeça no umbral da porta. Usava um curioso gorro com pompom vermelho na cabeça, que combinava com seu pijama de listras carmim.
- Err, olá, rapazes. Ouvi um zumzumzum e vim averiguar do que se tratava.
Hermione não perdeu um minuto. Ordenou que todos fossem para a cozinha tomar café enquanto ela trocava de roupa. Já, já discutiriam o sonho de Harry. Os homens saíram do quarto e começaram a conversar ali mesmo, no corredor.
- Interessante, Harry – comentou Dumbledore. – Podemos usar o Atlas Bruxo Completo Para Iniciados Nos Estudos Geomágicos. Ou simplesmente o ABC.
- Hein? – Rony deixou escapar.
Harry não conseguiu dizer nada. Aquilo também era uma novidade para ele. Dumbledore olhou para os dois ex-alunos, com expressões que não escondiam o embaraço por não compreenderem o que estava falando. O bruxo deu de ombros. Havia coisas que, de fato, não mudavam.
- Você só tem de abrir o livro, colocar um retrato ou um desenho no meio dele, fechá-lo e reabri-lo para descobrir de que lugar se trata.
- Uau. Esse livro seria perfeito para nós, aurores – comentou o ruivo.
- E é. Há um exemplar na biblioteca do Ministério da Magia. Hogwarts também tem um. E algumas famílias bruxas conseguiram raros exemplares para exibir em suas estantes. Raros, não. Raríssimos. O ABC virou artigo de luxo.
- Ok, professor. Vou buscar o livro agora mesmo – cortou Harry, dirigindo-se para a sala de estar de onde pretendia desaparatar rumo ao ministério.
- Só um detalhe, Harry. O desenho precisa ser, ahnnn, decente. Você pode fazer um, não é?!
O chefe dos aurores fez que sim, mas sem muita convicção. E sumiu.
- O senhor não falou isso sério, falou? – questionou Rony, colocando uma chaleira para ferver, enquanto abria um armário para pegar um pacote de pão.
- Oh, falei sim. O ABC é um livro mágico, mas não funciona se o bruxo não apresentar uma imagem bem feita.
O ruivo parou no ato e encarou o professor.
- Tomara, então, que o Harry tenha aprendido a desenhar porque ele nunca foi bom nisso nos tempos de Hogwarts. E não lembro de um dia ele ter feito um rascunho sequer durante todos esses anos no Ministério. Se ele souber fazer uma casa com lareira e a fumacinha saindo de lá, acho que vai ser muito...
Dumbledore retirou seu gorro de dormir.
- Nesse caso, enquanto eu me arrumo para me apresentar à mesa do café, por favor, Rony, dê um pulo na casa do Harry e traga aqui minha penseira. Eu tinha deixado com ele.
Rony conferiu o relógio. Era ainda muito cedo. Mal Hermione apareceu, ele se despediu, avisando que voltaria em breve, com a penseira de Dumbledore e com reforços.
- E essa agora? Todos eles somem como se eu não fosse ninguém? – murmurou, com as mãos na cintura.
*****
Greta aguardava impaciente na entrada da casa. Os primeiros raios do sol ganhavam terreno, iluminando os arredores. Alguns dos uivos dos lobos tinham chegado a seus ouvidos e fora ela quem tinha dado o alarme. Dentro de sua cela, Gina também se dera conta da movimentação. Assim que ouvira os passos apressados pelos corredores e as imprecações de Greta, jogara-se violentamente contra as paredes para atrair atenção e talvez quebrar as correntes. Mas elas não se soltavam.
- Malditos sejam vocês – vociferou, dando mais uma pancada contra a parede. Inutilmente.
A espera de Greta não foi longa. Saindo de um canto da floresta, surgiram dois vultos. Um alto e esguio, com roupas pretas, capuz sobre os cabelos e um lenço escuro no rosto. O outro, pequeno e magro, com a calça jeans rasgada nos joelhos e com a jaqueta suja de terra.
- Para onde você foi, seu... fedelho? – explodiu. E virou-se para a figura de negro. – Eu sempre disse que não gostei da sua alteração no plano. Para quê o menino? Só para nos dar trabalho...
- Greta! Eu sei o que faço. Ele vai cobrir uma parte que faltava e para a qual eu ainda não tinha arranjado solução. Para todo o resto, o plano está perfeito. E cubra seu rosto.
- Isso não faz mais sentido!
- Faz! Estes dias todos concentrado na foto... o garoto... ele vai conseguir. Eu só tenho de dar uma ajuda. Ele tem de “esquecer” as outras feições para se focar somente naquela...
Os ruídos de Gina se debatendo na cela quebraram o momento.
- Temos de partir! – completou, entre dentes.
- Desse jeito? Não vamos montar despistes?
- Não há tempo.
- Você sempre diz isso!
- Não vou arriscar. O garoto pode ter feito contato. E ele me viu.
Greta sacudiu Sirius pelas roupas.
- Você fez algum contato, molequinho idiota?!
- Ai! Eu não. Ah, me solta – retrucou, fazendo força para se desvencilhar. – Quero ficar com a minha mãe. Podem me trancar lá também.
- Não será lá que iremos te trancar, pestinha! E pode dizer “adeus” pra mamãezinha. Vou dar um apagão nela.
Sirius partiu para cima dela, como se pudesse feri-la. Porém o menino foi imediatamente imobilizado pela ação do vulto de negro.
- Quietos. Sua mãe não será apagada. Mas você terá de colaborar muito desta vez. Vamos, Greta. Temos de sair já daqui, levando os dois.
Greta lançou-lhe um olhar irritado. No entanto, não fez mais comentários.
*****
Harry jogou um pesado livro sobre a mesa da cozinha. Reclamara que fora difícil encontrá-lo. Até porque não havia nenhum funcionário da biblioteca trabalhando. Rony ainda tentou lembrá-lo que naquele horário a imensa maioria dos empregados do ministério deveria estar dormindo. Mas o cunhado não ouvia mais nada. Mal tinha reparado na sonolenta Tonks que estava encostada no armário. E na penseira que estava ali.
- O que tenho de fazer, professor?
Dumbledore estendeu-lhe uma pena e um pergaminho.
- Reproduza o mais fielmente possível o que você viu.
- Não há um feitiço simples para isso?
- Infelizmente, não. É o único jeito de dar certo.
O chefe dos aurores puxou o pergaminho e começou a desenhar o que tinha captado graças à conexão especial que tinha com o filho. Tinha sido um momento incrível e ele até gostaria de saber se aquilo acontecia com todos os pais. Provavelmente, não. Não se lembrava de um dia ter escutado algo do gênero. Depois perguntaria a Dumbledore se a conexão entre eles era uma dádiva ou um evento até comum. Tinha de se concentrar. Ao final, conseguiu fazer algo que parecia uma das artes de Sirius.
- É mais ou menos isso.
- Não está mal – opinou Rony.
- Que buraco imenso, hein?! É uma cratera? – intrometeu-se Tonks.
- É um lago – respondeu Harry, um tanto nervoso. – Está na cara que é um lago.
Ele colocou o papel dentro do livro e quando o reabriu todos soltaram um “ah”. As páginas estavam em branco.
- E se jogarmos um encantamento para melhorar os traços? – perguntou Hermione, ansiosa, para Dumbledore.
Ele ajeitou os óculos de meia-lua. Fez uma careta e atraiu para si a penseira que Rony trouxera.
- Poderíamos jogar até dez encantamentos. Só perderíamos tempo. Harry, se não se importar, peço que coloque aqui sua lembrança e me permita acessá-la. Creio que posso ajudar.
O rapaz não se atrapalhou. Pegou a varinha, colocando a ponta na têmpora. Fechou as pálpebras brevemente e, ao retirar a varinha, puxou junto um fio claro e denso que depositou na penseira. Os bruxos se afastaram um pouco para deixar Dumbledore à vontade. Harry pegou uma xícara de café. Tonks escondeu-se para bocejar discretamente (Rony a tinha chamado antes de passar na casa do largo Grimmauld; a auror ainda estava sonada). E Rony foi levar James de volta para a cama porque o garoto havia acordado com tanta movimentação. Alguns minutos depois o diretor emérito de Hogwarts ergueu a cabeça, pronto para desenhar. Ele segurou a pena com delicadeza e começou a fazer esboços claros no pergaminho novo. Harry andava de um lado para o outro, sem disfarçar a tensão. Logo, a paisagem que vira em seus sonhos foi surgindo. Quanta diferença em relação ao que fizera!
- É. Este realmente é bom – declarou Rony.
- Não sabia que o senhor desenhava, professor – admirou-se Hermione.
- É um hobby que andava esquecido, minha cara. Agora, vamos tentar – disse o bruxo de barbas brancas, abrindo o livro e depositando o pergaminho. – E torcer!
Mas não precisaram torcer. As páginas do livro traziam outros desenhos, informações e um mapa apontando onde ficava o lugar que Harry descobrira em seu contato com Sirius. Ele endireitou o corpo. Sua boca estava seca.
- Vamos, aurores.
E desaparataram antes que Hermione tivesse condições de perguntar se poderia convocar os demais.
- Rony! – mas foi em vão. O marido não a escutara. – Ah, professor, o senhor viu? Não esperaram um segundo.
- A pressa deles é compreensível.
- E o que vou fazer? Chamo os outros? Aguardo? Por Merlin, vou ficar louca!
Dumbledore serviu-se de mais café. Olhou para o infinito.
- Melhor chamar. Suspeito que o dia será agitado.
*****
Gina já estava de pé, com ar furioso, quando Greta abriu sua cela. Seus longos cabelos ruivos desciam sobre o rosto e seus olhos pareciam duas pedras brilhantes rompendo a cortina vermelha formada por seus fios. A bruxa de cabeleira loura como trigo não se intimidou.
- Estou vendo que não conseguiu se soltar. Não adiantou nada fazer esse drama. Eu sei como se mantém uma feiticeira enjaulada!
- É melhor ter certeza disso porque a hora em que eu me soltar não terei a menor piedade de você.
- Ameaças! Nunca uma ameaça me atemorizou.
- Greta, páre de discutir – disse uma voz aguda que vinha do corredor.
A auror esticou a cabeça para olhar por trás de Greta, em busca do filho, aparentemente distraída. Greta apontou a varinha para as correntes que se soltaram da parede. Aquele segundo de liberdade foi precioso para Gina. Ela deu um salto ágil, atingindo a mulher com o corpo. Greta não esperava que a prisioneira tivesse força para tanto. Não contava com a reação que uma mãe em defesa da cria pode produzir. Tentou ficar em pé, só que levou um chute no estômago que a fez perder o ar. Gina teria feito mais se um vulto não tivesse surgido diante dela. O vulto que trazia Sirius intimidado pela varinha encostada em sua testa.
- Para quem vinha se recusando a comer ultimamente até que você está com energia – ponderou Sombra. – Isso pode ser interessante para o lugar para onde vamos.
Quieta para que Sirius não fosse ferido, a auror engoliu a raiva.
- E para onde vamos?
Um golpe a atingiu com violência pelas costas antes de receber qualquer resposta. Greta disparara uma azaração contra ela. Gina perdeu os sentidos e Sirius gritou, aflito.
- Você não deveria tê-la subestimado. Ela é uma auror, mesmo que não atue na função – resmungou a figura de negro para a mulher de branco.
Greta ajeitou as vestes, limpando a marca do chute que recebera. Jogou o lenço que antes cobrira seu rosto no chão.
- Algumas coisas vão ser do meu jeito – retrucou. Puxou as correntes que ainda estavam nas pernas e braços de Gina. Parte delas, ela as transformou em algemas. Depois, pegou o restante e fez com que se enrolasse no pescoço e no tronco da auror. Uma ponta sobrara para que Greta pudesse puxá-la, sufocando sua vítima. – Você vai sentir o gostinho de ficar sem ar.
Sirius protestou, indignado com o tratamento dado à mãe. Mas quem lhe dava ouvidos? Sombra tocou a porta com sua varinha. Uma luz começou a emanar dela.
- Vamos. O portal está pronto. Desperte a ruiva – disse, arrastando Sirius pelo colarinho. E se dirigiu ao garoto – Toque na maçaneta. Você já fez isso hoje. Não será problema pra você.
O menino franziu a testa. Greta gritou Enervate e sua mãe mexeu a cabeça, confusa. Quis ajudá-la. Entretanto a mão firme do vulto negro não o permitiu.
- Senhora Potter, estamos levando seu filho. Se quiser ficar junto dele, melhor se apressar – e empurrou o garoto contra a porta, pressionando a varinha mais uma vez contra a cabeça do menino.
Gina se ergueu com dificuldade. Não conseguia usar as mãos. Assim que se levantou, sentiu um puxão no pescoço que lhe causou dor. Era a corrente presa em sua garganta.
- E você vai se comportar ou quebro seu pescoço, criatura estúpida – grasnou a bruxa de branco.
A auror andou lentamente até encostar o corpo na porta. Seus olhos foram primeiro para a figura de negro, ainda coberta com um lenço preto no rosto. A dureza de sua expressão transmitia uma mensagem clara: Gina estava disposta a enfrentar o que fosse. Em seguida, ela procurou o filho, que tocava sua mão algemada. Seus dedos prenderam os dele e num segundo tudo girou. Os quatro foram transportados para um lugar diferente, embora também estivesse encravado numa floresta repleta de ciprestes. Caminharam em silêncio. Gina sentia dores pelo corpo inteiro. Mas não podia se entregar. Tinha de manter a aparência de que estava bem e prosseguir até pensar numa saída para ela e Sirius. Concentrou-se para desaparatar, apesar de imaginar que não funcionaria. De fato. A simples tentativa fazia com que as correntes a oprimissem, roubando-lhe energia. A manhã estava apenas começando e já estava muito cansada. Entretanto, necessitava ficar atenta. Disso poderia depender seu destino.
*****
Quando Harry, Rony e Tonks aparataram em frente à casa escondida na floresta, nenhum segundo foi perdido. O chefe dos aurores se ocupou da entrada principal. Rony e Tonks correram pelos lados da casa. Harry pôs a mão sobre a maçaneta e se espantou de notá-la quente. Retirou-a num impulso e derrubou a porta com um jato de luz. Foi a deixa. Rony entrou por uma janela. E Tonks fez voar pelos ares as grades do quarto onde Sirius tinha sido feito prisioneiro.
Dentro da casa, Harry abandonou completamente a prudência. Seus passos ressoavam pelo assoalho, indiscretos. Estava nervoso. O peito, explodindo. Encontrou o corredor e, no fundo, uma porta escancarada. Correu. Seus olhos percorreram cada canto daquele cômodo escuro e fechado. Havia grossas argolas na parede. “Isso é para prender correntes pesadas”, raciocinou. Olhou para o colchão fino que estava a seus pés. Revirou-o. Sob o travesseiro, um brinco perdido. Era de Gina.
Voltou apressado por onde viera e encontrou Rony e Tonks, com as varinhas erguidas.
- Não há ninguém na casa – anunciou Rony.
- Achei isto – disse Tonks, mostrando um elefante de borracha.
Harry balançou a cabeça. Não reconhecia o objeto. Estava sem voz, chocado com a descoberta do brinco, pensando em Gina naquele lugar horrível.
- Eu vi iguais no zoológico de Londres, o último ponto onde Gina e Sirius estiveram – esclareceu o cunhado, empalidecendo. – V-você conseguiu, Harry. Encontrou o cativeiro.
- Mas para onde eles foram? – perguntou, rouco, a garganta se fechando. Tinham demorado demais! Como puderam perdê-los? Era só isso que sua mente martelava.
- Eles saíram faz pouco tempo. Tem chá morno numa xícara. Vamos continuar procurando. Há muita coisa por aí, um monte de pistas – gritou Tonks, incentivando os companheiros. – Vamos, Rony. Harry!
Ele não a escutou. Correu para fora, em direção à floresta. Gritou o nome da mulher e do filho. Não queria acreditar. Colocou as mãos na cabeça. Atônito, não ouviu Rony o chamar. O auror se aproximou com fotografias de Styx Dietrich, papéis e cadernos na mão.
- Cara, a gente vai conseguir... Olha, tá cheio de coisa aqui! Pedi para a Tonks convocar uma equipe para continuar procurando pistas. Vamos para minha casa, falar com o Dumbledore e com a Hermione. A gente tem de pensar junto, Harry.
Ele balançou a cabeça. Rony deu-lhe um tapa amigável nas costas e sumiram ao mesmo tempo.
*****
Enquanto caminhava, Gina teve a sensação de que o solo vibrava de um modo distinto. Havia magia por ali. Não era uma terra comum. A floresta também diferia de outras matas. Uma névoa os encobria levemente. Sons quase não se ouviam. Tremeu um pouco devido ao frio. Olhou para o filho. Sua jaqueta estava suja, porém o aquecia. Depois, mirou a figura alta e de negro que comandava o grupo. Seu andar era seguro. Seus movimentos, calculados. Estava absolutamente ciente do que fazia. Agia com frieza. Já Greta estava no final da fila, segurando a ponta da cadeia metálica que deixava a prisioneira em condições vulneráveis. De vez em quando, ela puxava as correntes com brutalidade, uma maneira de se vingar de Gina, cujo pescoço ardia com o roçar violento dos elos sobre sua pele. Tinham andado alguns quilômetros até que um rio surgiu, cortando a mata. Era sinuoso, de águas escuras.
- Onde estamos? – perguntou ao estacar perto da margem.
Uma brisa gelada soprou, como se fosse uma resposta. Teve vontade de recuar.
- Já estamos no domínio do mundo inferior. Pouquíssimos bruxos estiveram aqui. Orgulhe-se de ser agora um deles – respondeu o vulto, sem se voltar para Gina.
- O quê? Mundo inferior?
No mesmo instante, uivos de lobos soaram pela floresta. Sirius se contraiu. “Duas vezes no mesmo dia, não”, pensou. Sombra moveu a cabeça para trás. Depois, virou o rosto para Greta.
- Não há necessidade que você se arrisque. Podemos tentar sem...
- Eu dou conta do recado – retrucou a loura, com altivez, soltando a corrente de Gina.
E diante deles a mulher se transformou num belíssimo lobo, de olhos azuis. O formidável animal aspirou o ar com as narinas apontando para cima e em seguida partiu para a região de onde tinham vindo os uivos, sumindo em meio às árvores.
- Ela é um animago! – exclamou Sirius, boquiaberto.
- Eu a ensinei a se transformar – respondeu num murmúrio. – Continuem andando. Vocês na minha frente agora.
Gina estremeceu ao ouvir novos uivos. A situação ficava cada vez mais complicada. Seu raptor, afinal, tinha mais segredos do que supunha.
*****
A casa de Hermione estava lotada e ninguém mais se importava em ver James acomodado numa cadeira, prestando atenção em tudo. Seria impossível pedir para que o menino ficasse em seu quarto e fingisse que nada de mais estava acontecendo naquela manhã.
Os adultos estavam debruçados sobre papéis, cadernos e retratos, discutindo o significado daquele amontoado de coisas. Estavam tão ocupados que James foi o primeiro a perceber que um bruxo estranho tinha acabado de aparatar no portão de sua casa. O ruivinho deixou a cadeira e puxou as vestes de seu pai para informar a novidade. Rony, surpreso, sacou a varinha do bolso e foi até a porta.
- Quem é o senhor e o que faz aqui? – inquiriu pouco amistoso.
- Oh, perdão, pelo horário. Vim atrás de Alvo Dumbledore. Ele me disse que estaria aqui.
- Constantino, meu amigo – disse o professor, saindo da confusão para cumprimentar o recém-chegado. – Descobriu alguma coisa? Rapazes... e moças... hummm, não posso me esquecer das moças – murmurou olhando principalmente para Hermione – este é o bruxo que mais entende de mitologia em toda a Grécia.
- Err, obrigado, Alvo. Infelizmente, não trago boas notícias... Andei pesquisando aquele nome que você me deixou. A mulher, a mãe de Perséfone e Styx, era filha do último grande mestre da sociedade secreta a qual me referi naquele dia. Ahn, não sei se vocês sabem...
- Eles estão a par, Constantino. Já lhes contei tudo o que você me disse.
O grego analisou os rostos dos presentes. Era muita gente. Jin, Mei, Harry, Lupin, Tonks, Rony, Hermione, Fred, Jorge, Fleur... E mais algumas pessoas para trás que ele não sabia que eram aurores.
- Bem – prosseguiu, com todas as atenções voltadas para ele. – essa senhora conhecia muitas coisas. Provavelmente, coisas intocadas para a maioria dos estudiosos como eu. O que há nos livros é muito pouco. Porém eu consegui mais algumas informações e, por favor, não me pergunte como – disse, puxando um lenço para limpar o suor da testa. – Alvo, essa sociedade tinha uma crença. Achavam que uma mulher que seguisse certos ritos que eles criaram poderia clamar pela intervenção divina para salvar uma vida. E somente poderia ser uma mulher. Um homem seria fulminado se tentasse.
- Uma mulher?! – estranhou Hermione.
- Sim. Demeter, a deusa, foi ao Hades reclamar sua filha, cujo nome, aliás, é Persephone. Essa jovem havia sido raptada pelo rei do mundo inferior. Houve um acordo entre os deuses e foi permitido que, em períodos regulares, mãe e filha se reencontrassem. Os ritos da sociedade secreta de algum modo revivem isso. Não exatamente. Mas a idéia era fazer com que uma mulher, uma mulher consagrada dentro dos preceitos deles, buscasse alguém no mundo subterrâneo.
- Oh, meu espanto foi por outro motivo. É que estamos atrás de Styx Dietrich. Já que um homem não pode clamar pela vida de alguém que morreu e se o plano dele é resgatar a irmã, como Styx fará isso? Ele poderia colocar Greta em seu lugar?
- Para clamar pela vida junto aos deuses, só uma mulher consagrada ao senhor do mundo subterrâneo, segundo o que consegui apurar – respondeu Constantino.
- Quem sabe, por causa do sangue veela, a mulher consiga passar pelo todo-poderoso dos infernos – disse Jorge, em voz alta.
- Podem dar os palpites que quiserem – interrompeu Harry. – Eu só quero saber uma coisa. Como faço para entrar lá?
- Não descobri, filho. Se essa sociedade descobriu algum dia, desconheço.
- Tem de existir um meio. Eles estavam se preparando para isso. Alguma das míticas entradas...
- Eu investiguei todas – esclareceu Constantino. – Nenhum dos rios ou cavernas da Grécia que se acreditavam fossem as entradas para o reino dos mortos. Passei o dia de ontem com isso na cabeça. Revisitei todos esses lugares, que são comentados desde os tempos de Homero! Eu já tinha feito essa ronda muitos anos atrás, durante minhas pesquisas, e com essa nova ronda só confirmei o que já tinha comentado com Alvo. Ao que parece só nos restam as lendas, senhor Potter.
- Não – replicou, batendo com a mão na mesa. – Há um meio, sim. Eles sabem! Portanto, deve haver uma entrada. E nós vamos descobri-la. Todos aqui pensem. Quem pode saber qual é o caminho para o mundo inferior ou subterrâneo ou o inferno, seja lá como vamos chamar esse lugar? Quem?
Enquanto alguns se entreolharam, sem idéias, Dumbledore piscou os olhos azuis. “Inferno? E se...”, começou a dizer para si.
- Constantino, o mundo inferior equivale ao inferno dos trouxas cristãos, não é?!
O homem torceu os lábios para baixo.
- Humm, eles se apropriaram de algumas coisas...
- Meu amigo, você é por demais grego para se permitir tais pensamentos – disse o diretor, com um sorriso leve. – Para eles, o inferno é a casa do diabo. E o diabo nada mais é do que um anjo que caiu e perdeu sua condição celestial.
- E? – inquiriu Constantino, sem compreender para onde o raciocínio de Dumbledore se encaminhava.
- Nunca pensou que um anjo poderia ajudar a encontrar o mundo inferior?!
- Anjo? – interrogaram em uníssono Constantino e Hermione, ambos descrentes. A bruxa foi mais rápida na seqüência. – Mas isso é conversa trouxa! Não existem anjos.
- É o que falam. As experiências de Harry, porém, nos ensinam que há fundamento em certas conversas de trouxa. Ele teve contato com os elementais, algo em que poucos bruxos acreditam, não é?! Harry os viu e pediu a intervenção desses seres que eu mesmo, com todos estes anos de magia, nunca encontrei. Jamais se esqueçam que foram eles que ajudaram a resgatar a vida de Gina no dia em que ela foi soterrada na residência dos Malfoy. Eles ajudaram Harry a salvar Gina.
Hermione aquiesceu. Um silêncio ecoou pela sala até que Fred o rompeu.
- Bom, agora a gente só tem de encontrar algum anjo. Acho que não adianta procurar na lista de endereço dos bruxos da Inglaterra...
O próprio Dumbledore se moveu.
- Sei onde podemos encontrar. E talvez mais de um.
Fred arregalou os olhos e soltou um assobio de admiração. “Professor, você deve conhecer cada lugar!”, despachou. Constantino cofiou a barba e concordou, balançando a cabeça. “Só você mesmo, Alvo”, balbuciou. Mas logo ficou apreensivo.
- Meu caro, não quero ser a voz dissonante neste momento em que todos nos enchemos de esperança, no entanto é meu dever lembrá-lo dos perigos que existem no mundo subterrâneo. Descobrir a entrada do reino dos mortos será fabuloso. Só que adentrar o Hades é tão temerário quanto enfiar a cabeça na boca de um dragão.
Dumbledore reconheceu a verdade daquelas palavras. Entretanto, tinha outras idéias em mente.
- Obrigado pelo alerta, Costa. De fato, será um desafio novo para todos nós. Peço-lhe a gentileza de instruir estes aurores e informá-los o que sabe a respeito dos riscos do mundo inferior. Não poderei acompanhar, mas creio que sei o que nos espera. Agora, preciso encontrar os anjos. Vamos, Harry? Ahn, leve duas vassouras.
Embora estranhasse o pedido, Harry pegou com Rony duas vassouras. Enquanto ele conversa em voz baixa com Dumbledore para combinar a área em que iriam aparatar, o subchefe dos aurores repentinamente percebeu James ali, com os olhos bem abertos, absorvendo as informações com tanto interesse que poderia se dizer que estava preparado para assumir qualquer missão. Rony franziu a testa e, em seguida, pediu que os colegas se dirigissem para a sala de reuniões no ministério. Convidou Constantino a acompanhá-lo para “um lugar mais adequado”. O ruivinho percebeu a manobra e não disfarçou o desapontamento, murchando no sofá.
- Prontos? – perguntou, olhando também para Lupin e os gêmeos. Nesse instante, porém, foi puxado por Hermione.
- Rony, você vai me achar maluca, mas é que não quero que você vá. Esse lugar é muito perigoso. Melhor ficar com a gente.
- Tem razão.
- Você vai ficar?!
- Não. Acho que você está maluca. Mione, eu sou o subchefe!
- E você tem dois filhos!
- E o Harry tem um, que está com essa gente louca.
Hermione apertou as mãos perto do peito.
- Você tem razão. Foi só um desvario momentâneo. Mas, Rony, tem alguma coisa que ainda não se encaixou. É. É... Ainda não sei bem o que é, só que estou com uma cisma. Você não sente que tem algo que não foi explicado? Aliás, tem um monte de mistérios aí... Isso coloca vocês numa situação tão delicada. Vocês vão partir sem saber direito o que está se passando.
- Ok, Mione. A gente ainda não sacou uma porrada de coisas. Mas uma certeza eu tenho: eles foram para o mundo inferior. Agora, fique calma. Eu volto. Estamos com um bom grupo aqui. Promete se tranqüilizar?
- É impossível.
- Então, pelo menos, não fique pensando bobagens. Procure se distrair com algo – disse depois de beijá-la suavemente. – Você não tem um livro de medibruxaria novo para se entreter?
A mulher não conseguiu rir, apesar do tom brincalhão que o marido deu à voz. Dumbledore e Harry desapareceram. Rony afagou a cabeça de James e orientou a partida. Quando a casa se esvaziou, Hermione atirou-se numa cadeira, em frente à papelada que vinham estudando no afã de descobrir o paradeiro de Styx Dietrich. Ela desviou o foco daquele amontado e seus olhos se encontraram com os de Fleur, que fazia o carrinho de Lilly se balançar com a ajuda da varinha.
- Você sente, não é, que tem algo errado na história.
- O professeur Dumblydor disse que a personalité de Styx non combina com o que está ocorrendo. Non disse? A mademoiselle Dietrich também. Parrrra mim, é esse ponto que me incomoda. Um moço tão adorable fazendo todas essas maldades?! Ce n’est pas possible – comentou Fleur, com o ar de quem não consegue aceitar um fato. “Impossível! Impossível”, repetiu para a menina no carrinho que a observava com os olhinhos curiosos.
Hermione mexeu nos papéis. Lançou a cabeça para trás, mirando o teto. De súbito, ergueu-se.
- Você está certa, Fleur! A personalidade não combina. Preciso checar isso. Por favor, cuide das crianças. Tenho de fazer uma visitinha.
Fleur ficou ainda mais espantada, sem definir qual situação mais a surpreendera: a cunhada partir daquele jeito, sem mais nem menos, ou Hermione reconhecer que ela acertara em alguma coisa.
*****
A caminhada estava cada vez mais penosa. Gina, Sirius e Sombra acompanhavam o curso do rio sem se desviar muito dele. Aclives, ribanceiras, mata fechada, rochas. Nada era obstáculo. Exceto um pouco para a auror, obrigada a carregar o peso das correntes e ajudar o filho a libertá-la de fendas ou galhos que prendiam os elos da cadeia. Quase não falavam. Em certos trechos, a bruma se condensava e a figura de negro ganhava destaque maior. Gina não podia negar que a imagem era um pouco agourenta. De vez em quando, reparava em Sirius para verificar se ele estava assustado com o vulto. Mas o menino parecia estar acostumado com aquela presença maligna. “Pobrezinho. O que fizeram com você? Quanto tempo passou ao lado dessa monstruosidade”, perguntava-se entristecida. Se soubesse o quanto ele tinha ficado atemorizado nos primeiros dias, seu coração ficaria tão pesado quanto as correntes.
Pararam. Gina voltou a se concentrar no caminho. Em frente ao grupo estava uma gruta imensa, com formações que pendiam do teto como se fossem enormes lanças apontadas para baixo. As águas do rio saiam de lá. “A nascente deve estar aí”, calculou Gina. Sombrou puxou das vestes um cordão prateado que ostentava uma pedra na ponta. Uma pedra de aspecto comum. “Andem”, ordenou o vulto. Sirius hesitou. Não queria entrar naquele lugar tenebroso. Mas não teve escolha. Levou um empurrão tão forte que Gina se voltou imediatamente contra o agressor.
- Para que isso? Por que nos força a entrar aqui? Para que você nos quer, afinal?
- Não me desafie – rosnou. – Você não está em condições de me enfrentar – completou, colocando desdenhosamente a varinha sobre a cabeça do menino uma vez mais.
Gina não desmanchou a expressão feroz, porém prosseguiu a caminhada, mergulhando na escuridão da caverna. Às suas costas ouviu “Lumus” e o interior do lugar se iluminou. Eles seguiram o caminho do rio até um ponto em que as águas se concentravam num poço semelhante a um espelho negro. O vulto o circundou com a varinha erguida no alto. As paredes ganharam sombras lúgubres até que numa região só se via o negrume. Nem textura, nem pontas, nem pedras. Na verdade, nem parede se podia enxergar. Sirius se aproximou de Gina e estendeu-lhe a mão como filhote procurando proteção. “Isso, filho. Fique perto de mim. Não espero boa coisa disso”, sussurrou. Mal tinha falado, seus ouvidos de auror captaram o som de algo correndo pela trilha que já tinham percorrido. Puxou Sirius para trás de si e esperou tensa pelo que vinha. Sombra girou o corpo e apontou a varinha para o lado oposto onde se encontrava, também à espera. Um grupo de lobos surgiu e parou diante do poço. Os animais encararam os humanos com as retinas brilhando na semi-escuridão. Sirius apertou a mão de Gina com força. Apesar da luz fraca que havia no lugar, ele percebeu que aqueles eram os maiores lobos que já tinha visto na vida. E não apenas isso.
- E-esses lobos não são normais – disse.
- Este lugar não é normal – riu Sombra, com desdém.
O lobo líder deu um salto sobre o poço, parando ao lado da marca negra e intransponível para a luz providenciada pelo vulgo negro. Num segundo o animal se transformou na mulher de cabelos louros e vestes brancas. Vestes que exibiam máculas vermelhas, vivas, úmidas ainda.
- O que aconteceu?
- Havia uma fêmea alfa muito briguenta. Tive de dar um jeito nela – resmungou Greta, limpando a roupa. – Estou bem. Então é aqui – murmurou erguendo a mão para tocar no negrume.
- Não! – cortou a figura de negro. – Não encoste aí. Você não pode entrar assim, senão você não conseguirá retornar. Daqui em diante, eu vou e você me espera. Se “eles” chegarem, segure-os o quanto puder. Vou precisar de tempo. Quando estiver lá dentro, vou acionar uns truques. Mas aqui, do lado de fora, fica sendo sua responsabilidade.
Greta assentiu. Desviou-se do poço e se encaminhou para os lobos, fazendo a veste branca se destacar no escuro. Antes de se transformar de novo voltou seus olhos claros e luminosos para o ponto negro. Depois, para Sombra.
- Que tudo saia perfeito! – e a transformação foi tão rápida que Sirius custou a acreditar que aquele lobo era mesmo Greta.
Assim que os animais se retiraram e Sirius relaxou um pouco, Gina avançou para Sombra.
- Vocês estão falando de quem? – sondou com a adrenalina borbulhando no sangue. No íntimo sabia a resposta. – Os aurores. Não é?! Eles estão por perto?
- Se estiverem, o azar é deles. Além do mais isso não vai adiantar de nada – replicou, pegando a corrente e puxando-a para baixo a fim de forçar a cabeça de Gina para trás. – E você não banque a espertinha. Se me atrapalhar, será a última coisa que fará na vida.
Gina não tinha dúvidas que falava a verdade. Nem por isso, entretanto, tencionava desistir. Impediria aquela criatura malévola de conseguir seu objetivo, qualquer que fosse ele. Nem que isso custasse sua vida.
*****
Hermione bateu com os dedos à porta. Tinha lido tanto os papéis da investigação que tinha na cabeça uma série de informações. Entre elas, a direção de fraülein Dietrich, a mulher que esperava que pudesse ajudá-la a acabar com sua cisma. Um elfo a atendeu. Reclamou que sua senhora estava sendo perturbada demais pelos ingleses. Hermione, no entanto, insistiu tanto que ele resolveu chamá-la, ainda que muito aborrecido. Não foi recebida de modo diferente pela anfitriã. O ar furibundo da mulher era uma mensagem cristalina. Hermione não perdeu tempo e tratou de explicar-lhe os motivos de sua aflição.
- Os aurores partiram atrás do seu sobrinho.
- Mas eles sabem onde Styx está?! – assombrou-se.
- Styx partiu para o mundo inferior. A senhora entende o que estou dizendo.
Fraülein exasperou-se.
- Quantas vezes terei de repetir? Styx não acreditava nessas bobagens!
- Eles encontraram uma casa numa região de ciprestes, perto de um lago. Lá havia...
- Desconheço esse lugar – interrompeu.
- Foi lá que minha cunhada e meu sobrinho foram mantidos prisioneiros. Até esta manhã. Styx saiu de lá com eles. Há retratos dele pela casa. O baú da Arca dos Inseparáveis também estava nessa casa. Sem a pedra.
- Alguém deve estar querendo incriminar Styx ou enganar vocês. Ou ambos – vociferou.
- Como pode ter tanta certeza? – desesperou-se Hermione, alteando a voz.
- Tenho certeza porque Styx é um menino de ouro! Se fosse Persephone, eu não diria nada. Ela era uma aberração e bem podia aprontar alguma. Mas Styx, não!
Hermione estava pronta a rebater quando seu cérebro a obrigou a parar. Uma palavra a intrigou.
- Aberração?!
- Ah, vai me dizer que você é daquelas que gastam a saliva falando em direitos iguais na bruxaria, como se nós todos fôssemos iguais. Nein! Nein! Estou cansada de vocês. Saiam da minha casa e não voltem mais!
- A senhora disse aberração. Outra pessoa falou há algum tempo em aberração. Foi essa mesma a expressão.
- E o que me importa isso? Suma da minha vista.
- Binder! – gritou Hermione, de súbito. – Ele usou essa palavra e deixou o Rony e o Harry transtornados. Sim, foi ele. Binder falou isso ao se referir a Tonks.
- Não sei quem é Tonks.
- Binder freqüentava muito a casa do seu irmão?
- Claro que freqüentava. Eles eram amigos. Pensavam da mesma maneira. Tinham os mesmos gostos.
- Tinham as mesmas idéias? Hummm. Já que Binder se referiu a Tonks como uma aberração e Tonks é metamorfomaga, concluo daí que Frank Dietrich achava o mesmo a respeito de metamorfomagos. Deveria até usar essa palavra: aberração.
Fraülein puxou sua velha varinha e apontou para Hermione.
- Saia da minha casa.
Hermione teve a sensação que a verdade a atingia no estômago, como um golpe. Abriu a boca de espanto.
- Ah, é isso?! Se aberração é igual a metamorfomago na lógica de vocês... E você chamou Persephone de aberração... Então, ela era metamorfomaga?!
- Oskar! – berrou. E o elfo apareceu. – Expulse esta mulher daqui.
- Uma última pergunta, fraülein, e sumo para sempre daqui: por que vocês, Dietrichi, esconderam essa informação? Não havia nada a esse respeito em todos os documentos da família...
A mulher ficou rubra, tamanha a indignação.
- E por que não esconderíamos? Você não sabe o que é ter uma aberração na família - grunhiu. – Alguém capaz de se disfarçar para conseguir o que quer, de se fazer passar pelos outros, de enganar quem sempre lhe ajudou. Não adianta me olhar assim. Eu sei o que digo. Primeiro foi com meu pai. Um auror! Ele tinha um amigo. Um metamorfomago que quis entrar no ministério. Meu pai o auxiliou e ele utilizou suas habilidades para iludir as pessoas. Roubou, sumiu. E sobre o meu pai recaiu a culpa – disse com os olhos febris. – Nunca conseguiu ser nomeado chefe dos aurores. E não foi só isso. O maldito ainda enganou os duendes do banco e levou parte do dinheiro dele. E Frank? Meu irmão esteve atrás de um Comensal da Morte durante muito tempo. Ele o perseguia e sempre o perdia. Um dia foi atacado por um desconhecido, mas Frank teve sorte e o capturou. Quem era? O comensal. Era um metamorfomago que depois escapou da prisão. Por pouco meu irmão não morreu por causa dele. Criatura ignóbil – e cuspiu no chão, ofendida com a lembrança. – O metamorfomago armou uma emboscada para meu irmão. Só que Frank conseguiu se livrar dele de vez. Acabou com esse marginal. Ele confiava demais em seus disfarces. Bem feito. Morreu diante de seus comparsas. Àquela altura, todos os aurores daqui sabiam. Não se confia num metamorfomago! São seres com vocação para ludibriar as pessoas. Com talento para criar ardis. Aberrações!
- E então nasceu Persephone – comentou Hermione, apertando os lábios em seguida. Segurava-se para não reagir com fúria, tamanho asco sentia ao ouvir aquela mulher proferindo tais palavras. “Por Merlin, ainda bem que Tonks está longe daqui!”
- Sim. Nasceu Persephone! Foi uma crueldade da natureza com Frank.
Hermione se retesou. Continuava se controlando. Precisava entender algo que estava começando a se desenhar em sua mente.
- Como descobriram que ela era metamorfomaga?
- Ela nos enganou, claro! Desde pequenina, começou a manifestar a aberração. Yoanna sabia, só que escondeu de nós. Quando cresceu mais um pouco, passou a fingir ser Styx. Demorou para que Frank descobrisse... Ach, foi um choque! Para todos nós! Persephone sempre provocou “choques”. Desde o minuto em que nasceu. Não desconfiávamos que Yoanna estava grávida de gêmeos. Ela entrou em trabalho de parto muito antes da previsão do nascimento. A medibruxa trouxe primeiro Styx. Meu irmão ficou tão feliz. Sempre quis ter um menino. Ele poderia ser auror como Frank, como meu pai. Nós nos enchemos de orgulho. E então trouxeram Persephone. Yoanna não nos tinha dito nada. E nem parecia estar carregando dois bebês.
- E foi assim, “chocados”, que vocês receberam essa criança? – perguntou Hermione, deixando claro o quanto sentia desprezo pelos Dietrich naquele momento.
- Nós estávamos preparados para uma menina. Poderia ter acontecido. Mas veio Styx e, de repente, mais uma criança. Claro que ficamos surpresos. Mas o bom é que Frank ganhou seu herdeiro.
- Vocês veneram tanto os homens que deixam as mulheres em segundo plano. A senhorita não deveria permitir isso...
- Não me importa a sua opinião – respondeu com azedume.
- Agora compreendo melhor por que venera tanto seu sobrinho. É quase uma obrigação familiar. Mas e se Styx fosse metamorfomago também?
- Ele não é. Styx foi sendo preparado para ser auror desde muito cedo. Persephone já era uma menina ardilosa. Muitas vezes enganou Styx, dizendo que era para ele cumprir alguma ordem da mãe, e ocupava o lugar dele nos treinos que Frank dava para o filho. Só que Persephone era inferior a Styx. Um dia, ele suspeitou de algo errado e Persephone foi desmascarada. Foi um dia muito triste para meu irmão. Ele mandou imediatamente os dois fazeram testes no ministério. Ficou confirmado que Persephone era metamorfomaga. Styx, não.
- Você disse que Persephone começou a manifestar seus poderes ainda muito pequena. Ela foi precoce, portanto. Styx pode ter manifestado poderes semelhantes depois. As meninas costumam se desenvolver mais rapidamente do que os meninos.
Fräulein Dietrich bufou.
- Vocês estão sempre querendo acusar meu sobrinho...
- Acusar de quê? Não se acusa alguém de ser metamorfomago. Não estamos falando de crime nenhum! – replicou com energia. – Mas, como seu querido irmão, Frank... – ironizou – também suspeito de que há algo errado. Muito errado. Vou precisar abrir o túmulo e exumar o corpo.
- O QUÊ???!!!
- Para tirar uma dúvida. A senhorita não se importa, não é? Afinal, é só o túmulo de Persephone... – emendou com sarcasmo.
- Não vou autorizar nada – rosnou.
- Tudo bem. Terei mesmo de ir ao ministério alemão e conversar com o ministro. É Klaus Wieman o nome dele, certo?
- Se ele autorizar qualquer coisa, vou processá-lo e farei com que perca o cargo! – ameaçou. – Nós, os Dietrich, merecemos respeito!
- Sem dúvida. Acontece que agora, sim, há uma acusação no meio da história. E, pelo que estou imaginando, ela envolve mais do que os crimes de roubo, seqüestro e cárcere.
- O QUE VOCÊ QUER DIZER?
- Não posso falar nada neste momento, fraulein. Além disso, como ressaltou há pouco, minha opinião não te importa – e Hermione abandonou a mulher atônita, desaparatando com tanta classe que se poderia concluir que tivera algumas lições extras com Dumbledore.
Transportar-se até o ministério alemão não tinha sido nada difícil para Hermione. De tanto analisar os relatórios do marido e dos aurores, ela tinha bem guardadas na memória as principais referências da missão. Inclusive o endereço do ministério. Assim que se aproximou da portaria, pediu uma audiência com herr Wieman. “Do que se trata?”, perguntou a recepcionista sem demonstrar o menor interesse por ela. Muita gente deveria pedir audiências com o ministro, como, aliás, ocorre com qualquer autoridade, pensou Hermione. Por isso, não esperou dois segundos para responder com o trunfo que tinha. “Diga que é da parte de Harry Potter e de Ronald Weasley. Sou a senhora Weasley”, respondeu. A mulher esbugalhou os olhos ao ouvir o nome de Harry Potter e logo despachou um pergaminho num estranho tubo que estava atrás dela. Hermione apenas se deu conta desse detalhe. Estava achando curioso ter se apresentado como senhora Weasley. “Ora, mas é isso que eu sou”, disse para si. E sua atenção rapidamente voltou para o caso porque a recepcionista lhe mostrava uma autorização que tinha acabado de chegar.
Fazia tempo que Hermione não se sentia tão atuante como naquele instante. Tinham ficado para trás os anos em que ela ajudava Harry e Rony a resolver mistérios. Não podia negar que cumprir um papel importante na vida deles nos últimos dias estava sendo instigante. A vida de medibruxa era ótima e ela se sentia bem em ajudar outras pessoas. Mas adrenalina como estava experimentando...
- Senhora Weasley, por favor, entre. Herr Wieman a aguarda – anunciou o homem que a recebeu na ante-sala do ministro.
Assim que Hermione entrou no confortável ambiente no qual Wieman recebia visitas, ela divisou um homem de cabelos claros e olhos injetados em frente à mesa do ministro. Podia lembrar da descrição que Rony fizera do chefe dos aurores. Não era, de fato, um sujeito simpático.
- Como vai, senhora Weasley? É um prazer conhecê-la. Seu marido já me falou a seu respeito. Este é Andreas Binder, chefe dos aurores. A que devo esta surpreendente e agradável visita? – perguntou Wieman com amabilidade.
- O senhor pode me chamar de Hermione. Ahn, espero que esteja a par do andamento da missão.
- Sim, completamente. Binder me mantém informado. Ele me contou agora que os aurores ingleses estão reunidos no desejo de partir para um lugar que ainda não está claro. E eu estava perguntando se não é o caso de enviar uma equipe nossa para ajudar.
- Herr Wieman, até o momento os ingleses não requisitaram reforços – respondeu Binder sem esconder o mau humor.
- Acredito que o reforço seria bem-vindo. Eles não iriam reclamar se o lugar para onde vão for realmente perigoso como imagino. Mas quero falar sobre outro assunto, se me permite, ministro. Obrigada – completou assim que viu Wieman concordar com um movimento da cabeça. Hermione relatou brevemente a conversa que tivera com fraülein Dietrich. E registrou mentalmente as caretas de irritação que Binder fizera. – Vim até o senhor, herr Wieman, porque julgo que a exumação é extremamente necessária para que nós possamos entender com quem estamos lidando.
Binder não se agüentou.
- Nós?! A senhora nem é uma auror!
- Eu também não sou – observou Wieman. – Não pretendo me opor, Hermione. Só quero saber por que exatamente julga que é tão importante assim quebrar um tabu. Ninguém, nem trouxa, nem bruxo, gosta que se mexa com seus mortos...
- Persephone era metamorfomaga. E ela é irmã gêmea de Styx. É de se esperar que tenham muitas semelhanças. Inclusive em seus poderes. Convivo com gêmeos que muitas vezes se fizeram passar pelo outro. Eles se parecem muito. Também na magia. Bom, eu realmente não tenho provas, mas tenho um palpite que é...
- Um palpite?! Isso é ridículo. Não fazemos nada baseado em “palpites” – cortou Binder com o propósito de ridicularizá-la.
- Eu imaginei mesmo que o senhor não iria me tratar bem – replicou Hermione, irritada. – Primeiro porque venho falar de uma missão que atinge o seu amigo e ídolo, o falecido Frank Dietrich. Segundo porque toco no preconceito que vocês dois alimentavam em relação aos metamorfomagos, o que é uma enorme bobagem. Faço questão de dizer! E depois porque o senhor é tão orgulhoso da sua condição de homem e auror que iria mesmo tentar me colocar para baixo. Eu, uma mulher que nem auror é. Para ser bem sincera, o senhor nunca foi um grande colaborador nesta missão. O senhor a detestou logo de cara porque “afrontava” a memória de Frank. Porque mostrava que ele falhou. Pode continuar fazendo essas caretas! Falhou, sim, em seu trabalho. Vocês são arrogantes demais para admitir que erraram. Arrogantes demais para aceitar que é preciso mudar de vez em quando. Por isso é que a arca, que motivou toda esta história, ficou tão desprotegida. Ela era um elemento estranho nesta rotina modorrenta de vocês!
- Não admito que nem minha mulher fale comigo desse jeito.
- É evidente que não admite. O senhor e seu amigo Dietrich não tratam as mulheres com igualdade! – retrucou, sem pestanejar.
Wieman pigarreou para acabar com a discussão. Hermione ficou vermelha. Podia ter perdido sua chance de obter a autorização do ministro ao se confrontar tão duramente com Binder. Wieman deu alguns passos pela sala, em silêncio. Ao retornar para sua cadeira, falou com serenidade.
- Binder, você tem prestado bons serviços ao ministério desde que entrou para o grupo dos aurores. Ocupa o posto de chefe por merecimento. Isso é inegável. Porém o fato é que não estou satisfeito com nossa participação nesta missão. Desde o princípio ela foi encabeçada pelos ingleses e não me opus a isso porque julguei termos culpa no desaparecimento da arca. Não é uma culpa individual. Não foi um erro apenas de Schmidt, como você insiste em colocar. Foi um erro de Frank Dietrich, um erro seu e um erro meu por tolerar por tanto tempo esse estado de paralisia em que nos encontramos. Não gosto de burocracia e comecei a mudar isso assim que assumi o ministério. O problema é que deixei o seu departamento para o final. E agora percebo que isso foi... uma tremenda burrada.
Hermione se espantou com o comentário. Mas a confissão naqueles termos a fez confiar mais nos critérios do ministro. Binder, por outro lado, alterou cores no rosto, variando entre o vermelho, o amarelo e o roxo.
- Está na hora de mudar! – e fez surgir um pergaminho diante dele, que preencheu rapidamente. – Aqui está a autorização para a exumação, Hermione Weasley. A senhora não é auror, mas tem talento para investigações. Acho que seu palpite é bom. Acompanhe-a, Binder, ao túmulo de Persephone Dietrich e proceda conforme esta moça deseja. Ela é medibruxa e acredito que sabe o que fazer.
Hermione fez que sim com a cabeça. E Binder, desta vez branco como um fantasma, se levantou. Ainda não sabia qual era o palpite de Hermione. Já o ministro demonstrava ter compreendido perfeitamente do que se tratava. Binder resolveu ficar quieto. Não iria dar esse gosto para aquela mulher.
Minutos mais tarde, Hermione, Binder e mais alguns aurores alemães estavam na frente de uma lápide onde se lia Persephone Dietrich. Por um segundo, ela se inquietou. Realmente não era fácil pedir que um caixão fosse reaberto. Mas os funcionários do ministério não pareciam se afetar com isso. Quando a tampa foi erguida, Hermione logo soltou um grito.
- A visão de um esqueleto é forte, não é? – ironizou Binder.
- Sim. Quando o esqueleto deveria ser de uma mulher e não de um homem – respondeu a medibruxa, afastando um auror do lugar para observar melhor o que restava do corpo que até então se supunha ser de Persephone.
- C-como?
- Esqueletos de homens e mulheres são diferentes – disse, vestindo uma luva para buscar vestígios no caixão que a ajudassem a identificar o corpo. – E este aqui é de um homem! Com licença – pediu, pegando com as mãos alguns fios de cabelo que encontrou. – Embora o senhor menospreze os metamorfomagos, talvez tenha conhecimento suficiente para me dizer por quanto tempo eles podem permanecer com as formas alteradas.
Binder apertou os olhos, enquanto Hermione jogou os fios dentro de uma poção que conjurou.
- Dependendo da habilidade, uma eternidade – resmungou.
- Humm, estes fios não estão escuros. Parece que ele não era lá tão talentoso.
- O quê??? E que diabos está fazendo?
- Notou que não havia moedas sobre os olhos? Ah, você não vai entender isso também. Depois, explico essa parte. Vou ser bem didática para que você compreenda por que estou fazendo isto aqui – afirmou, mexendo a poção com a varinha. – Persephone se parecia com a mãe, não é?! Era morena de cabeleira escura. E aqui tenho fios claros. Qual dos dois gêmeos tem... ou tinha... cabelos claros?
- Styx – e de repente Binder deu um salto. – Você não está querendo dizer que Styx é quem está aqui? Isso é loucura. Eu estive no enterro. E era Persephone que estava no túmulo. Eu e Frank vimos o corpo e acompanhamos o laudo da morte.
- Styx deve ter se metamorfoseado algum tempo antes da tragédia que tirou a vida da suposta Persephone. Ele deve ter sido a vítima. E não a irmã.
- De onde arrumou essa maluquice? – esbravejou Binder.
- Eu disse na sala do ministro. Eles eram gêmeos. E gêmeos se assemelham em muitas coisas. Meu palpite é que Styx também era metamorfomago. Deve ter desenvolvido sua magia bem mais tarde que a irmã. Persephone não era tão inferior assim como os Dietrich acreditavam. Também suspeito que os dois deveriam ser bem próximos. Conheço uma dupla que não se larga. Fred faria qualquer coisa para ajudar Jorge. E vice-versa. Captou a idéia agora? – perguntou com leve ironia. E murmurou mais para si – Só não sei por que Styx assumiria o lugar da irmã.
Seus olhos brilharam ao notar que o líquido que mexia tinha mudado de cor. “Pronto! Já posso usar a poção”, declarou. Hermione deu uma última sacudidela no vidro que segurava e despejou a poção na lápide. Em seguida, limpou a varinha e a ergueu sobre a pedra.
- Revele o nome verdadeiro de quem aqui repousa.
A lápide refulgiu, fazendo surgir outro nome: Styx Dietrich.
*****
O interior da caverna, com todas aquelas sombras bruxuleando nas paredes, era impressionante demais para Sirius. No entanto, o que mais o assustava era a escuridão impenetrável que havia no lugar onde Sombra estava naquele instante. Por que a luz da varinha não conseguia iluminar a área isso era um mistério para o garoto. Mas não para o vulto negro que estendia os braços acima de sua cabeça. A figura esguia e alta balbuciava palavras incompreensíveis para Sirius.
- O que ela está falando, mãe? – perguntou em voz tão baixa que Gina teve de fazer um esforço para entender.
- Não sei que língua é essa, filho – respondeu. E prosseguiu, também se comunicando com sussurros. – Tenha cuidado, Sirius. Não gosto deste lugar. Vou arrumar um jeito para você escapar. Nem que tenha de atacar esse sujeito com minhas mãos algemadas.
- Mas ela é poderosa, mãe – argumentou, sem se preocupar em disfarçar o tom da voz.
- Como?!
Para o azar de ambos, o final da conversa não escapou aos ouvidos do raptor. Sua cabeça virou para o lado, onde mãe e filho tinham ficado juntos. Gina percebeu que os olhos cintilavam e o arco das sobrancelhas permitiu desconfiar que havia um sorriso por trás do lenço escuro que lhe cobria o rosto. Uma última palavra na língua desconhecida foi pronunciada e o buraco negro na parede começou a se transformar. Antes não passava de uma superfície opaca. Agora, ganhava textura e movimento. Gina, instintivamente, empurrou com o corpo o filho para trás a fim de protegê-lo.
- O que exatamente você está estranhando? – zombou.
A respiração de Gina se acelerou. Uma entrada lúgubre estava surgindo. Duas portas com relevos de rostos em agonia, que se mexiam, aflitos, sem voz. O que Sirius dissera? Ela era poderosa? Ela? De repente, outra palavra incompreensível saiu da boca daquela figura que jamais se revelava. O vulto cuja identidade sempre permanecera em segredo.
As portas se abriram imediatamente ante a ordem dada por Sombra. A auror podia enxergar a seqüência do caminho de onde vieram: uma câmara larga, da qual emergiu um vento frio e triste, quase um lamento. Estava impressionada. Definitivamente, ele conhecia a maneira de penetrar naquela escuridão antes intransponível. Ele? Gina arregalou os olhos. Sua mente gritava-lhe. Não. Nunca tinha sido ele. Fosse pela expressão de espanto, fosse pela conversa que captara, Sombra sabia por que a jovem estava estupefata. Riu com sarcasmo, triunfante.
- Seu filho está certo. Sou poderosa.
Gina levou segundos para rebater.
- Você é uma mulher.
O vulto abaixou o capuz e retirou o lenço, exibindo pela primeira vez para Gina suas feições. Feições femininas emolduradas por cabelos escuros e cortados bem curtos.
- O tempo todo você achou que era um homem, não é?! Minha altura costuma enganar muita gente. Também sou magra. Não tenho essas curvas que os caras tanto querem ver numa mulher – disse com desdém. E arrematou com orgulho. – Eu não preciso disso.
- Quem é você? – questionou com firmeza.
- Qual é o seu problema?! – devolveu, zombeteira. – Tenho certeza que você sentiu quanto poder eu tenho. Mas não suspeitou que eu fosse uma mulher. Por que, hein? Por acaso você subestima o nosso gênero? Não acha que alguém tão poderoso poderia ser do sexo feminino?!
Gina aprumou o corpo.
- Você não sabe nada da minha vida. Não sabe o que eu penso. Não desconfiei mesmo que fosse uma mulher a pessoa que invadiu minha casa e aprisionou o meu filho. E não desconfiei principalmente porque nunca teria acreditado que uma mulher pudesse ser tão vil com uma criança. Errei! Percebo claramente agora. A crueldade não escolhe gênero.
A mulher de negro fez cara de pouco caso. Via-se que não ligara nem um pouco para o discurso de sua vítima. Gina se irritou com isso.
- Quem é você? – insistiu.
Ela sorriu levemente. Retirou a capa que usava, jogando-a num canto. “Um peso a menos para carregar”, tripudiou. Aproximou-se dos dois para pegar Sirius. Gina se interpôs com o corpo.
- Quer ir primeiro? Não me oponho – disse com ironia.
- Quem é você? – gritou a auror, exasperada.
- Persephone Dietrich. Muito prazer – e lançou um feitiço que arremessou Gina para a câmara.
Olá! Eis o megacapítulo. Ele estava ainda maior. Mas decidi cortá-lo e agregar as partes que restaram ao capítulo seguinte. Que também será grande. Agora não tem jeito. Ah, revelei a identidade da figura de negro. Tinha de ser neste capítulo. No próximo, vcs terão mais explicações (finalmente, a razão para que tudo isso acontecesse), Harry e Dumbledore, Gina e Sirius, Hermione e os aurores, inclusive Mei e Tin. E Draco Malfoy. Humm, é isso aí. Ele volta. Bom, é isso. Faltam só duas partes para terminar a história. E ainda tem coisa pra contar. Obrigada pela leitura e pelos comentários! Bjs. K.
Comentários (2)
Mds nunca pensei que fosse ela !! Continua por favorzinho!!!
2018-02-04A fic está fantástica atualiza por favor!
2015-11-24