O beijo roubado, o anjo encont
Capítulo VI – O beijo roubado, o anjo encontrado e o erro perdoado
Snape passou a manhã inteira sentado no corredor, sem se mover, sem dirigir uma palavra sequer a Harry (este por sua vez também não falou nada nem saiu do quarto), e por algum motivo milagroso, sem que os Dursley o incomodasse. E quando já eram onze e meia da manhã e faziam umas três horas em que ele não ouvia mais os soluços de Harry, ele se levantou e bateu na porta. Mas não obteve resposta. Bateu de novo, nada. Entreabriu a porta, e chamou baixinho:
- Potter?
Harry que estava deitado de lado todo encolhidinho e de costas para Snape, respondeu com a voz tão rouca, fria e rancorosa, que o bruxo na porta de seu quarto se assustou.
- O que você quer aqui?
- Você tem de fazer uma mala, devemos descer e almoçar, para depois partirmos para a casa dos Weasleys.
- É mesmo é? – Ele se virou e olhou friamente para Snape.
- É, - Snape entrou e fechou delicadamente a porta – Eu sei que você ficou chateado com o que eu disse. Mas o que está dito, está dito. Não há como voltar atrás. A vida tem de continuar. E você ainda vai ter que me suportar durante muito tempo.
- Isso me consola muito. – Harry sentou-se na cama. Esfregou os cabelos e depois abriu a porta do armário para fazer sua mala. Snape se sentou em sua cama da armar. Não iria precisar fazer sua mala já que não tinha nem a desfeito.
Harry arrumou um pijama e uma muda de roupa limpa em uma mochila em silêncio e Snape, que também não queria dar o braço a torcer e tentar uma conversa, permaneceu sentado e quieto. Também em silêncio os dois desceram, almoçaram e foram embora. Os Dursley ainda tentaram se despedir numa tentativa de serem educados, mas apenas Snape respondeu.
O silêncio foi quebrado ainda dentro do carro.
- Quero ir visitar a Tiffani. – Falou Harry olhando pela janela. Ainda na rua dos Alfeneiros.
- Quer o quê?
- Você ouviu bem o que eu disse. E não tente me enganar dizendo que temos uma longa viagem pela frente, pois você disse que a reunião é as sete e meia e ainda são uma da tarde. Eu sei muito bem que a viagem nem é assim tão longa. Deve durar apenas umas três horas, e nós não demoraremos mais do que duas na casa da Tiffani. Eu quero ir, e é melhor você me levar lá.
Snape abriu a boca para exclamar, mas a fechou relutantemente. Já iria ter que contar para Dumbledore que estava indo muito mal com o garoto. Era melhor não fazer mais uma desfeita. Girou o volante e se dirigiu à praça em que estiveram mais cedo.
Assim que o carro parou em frente à casa, Harry pulou do carro, bateu a porta com força e subiu as escadas de dois em dois degraus. Snape, por sua vez, desceu calmamente, trancou o carro, e subiu as escadas devagar, enquanto Harry tocava a campainha.
- Harry, e o Sr. Snape! – Sofia tinha aberto a porta, vestia a mesma roupa que estava usando pela manhã, mas parecia um pouco empoeirada. – Entrem, entrem.
Harry sorriu para ela e entrou, Snape fez apenas uma pequena reverência com a cabeça para a moça e o acompanhou, ao passar por ela sentiu novamente um cheiro bom de flores, madeira fresca e frutas, que lhe causava uma estranha sensação. O bruxo sentiu um repentino calor e despiu o sobretudo.
- Eu resolvi aceitar o convite da Tiffani e vim visitá-las. – Sofia sorriu para Harry enquanto fechava a porta.
- Foi muita gentileza sua. Tiffani! - Gritou ela para dentro da casa – Venha ver quem veio nos visitar! Os nossos bem-feitores! Pode colocar seu sobretudo ali Sr. Snape – ela apontou para um cabideiro atrás da porta, onde Snape o pendurou. - Sentem-se, sentem-se. Fiquem à vontade. Deixa eu tirar isso daqui – Ela se apressou em direção ao sofá, tirou uma caixa que estava em cima dele e pôs no chão – Pronto, podem se sentar. – Harry se sentou no sofá sorrindo tolamente para a moça, Snape se sentou com cara de contrariado – Nós estamos meio enroladas, são muitas coisas pra guardar, pra limpar, arrumar. Ai, eu não me lembrava que mudar dava tanto trabalho. – Ela se largou na poltrona ao lado do sofá, mas antes que ela chegasse a encostar nela uma bola grande de pêlos pretos pulou do assento para o chão, miando aborrecido. Sofia se sentou e o gato ronronou roçando na perna dela – Ah, sai daqui Merlin. – Ela o enxotou com a mão e o gato olhou pra ela com cara de desaprovação antes de fugir escada acima, tinhas olhos vermelhos muito vivos.
Enquanto o gato subia as escadas sorrateiramente, uma menina as descia de dois em dois degraus. Harry olhou para cima e sorriu, Snape olhou para cima depois cruzou a perna direita sobre a esquerda formando um triângulo e suspirou.
- Harry! – ao pular o último degrau, Tiffani quase perdeu o equilíbrio.
- Devagar, menina, devagar. – ralhou Sofia. – Tiffani falou de você a manhã inteira Harry, - falou sorrindo para o menino – Repetia o tempo inteiro: “Será que ele vem nos visitar mamãe? Será?”.
- Mãe! – censurou a menina chateada com o comentário – Harry, - a garota se sentou no braço da poltrona onde estava a mãe, tinha uma foto na mão. – olha só o que eu achei enquanto guardava as minhas coisas. – Ela estendeu a foto para Harry.
Harry pegou a foto. Havia várias crianças em torno de uma mesa. Snape espiou por cima da mão do menino.
- É a nossa turma da terceira série. Olha, aqui está você – ela apontou para um garotinho esmirrado, de óculos redondos remendados com durex, roupas quatro números maiores que o seu, cabelos despenteados por cima de uma cicatriz em forma de raio, rosto triste. Um pouco afastado do resto da turma, um tanto quanto excluído. – E essa aqui sou eu. – E era ela mesma, só que de cabelos longos e franja sobre a testa, rosto sorridente, abraçada com duas meninas tão sorridentes quanto ela. Um pouco adiante Harry encontrou Duda, com o tamanho de um filhote de urso, junto com os garotos que agora eram seus capangas.
- É mesmo, agora me lembro bem. Mas eu não cheguei a te conhecer direito. Aliás, eu não cheguei a conhecer a maioria da turma direito…
- Você sempre foi meio reservado né? – A menina pegou a foto da mão de Harry e a observou mais uma vez, ao olhar melhor a menina Harry pode perceber que ela tinha olheiras, não eram muito fundas, mas ressaltavam a diferença entre a Tiffani de quinze anos que estava na sua frente e a de nove da foto. – O pessoal sempre encarnou muito, principalmente os amigos do seu primo.
- É verdade. – Harry se conteve em falar apenas isso, a lembrança da época pré-Hogwarts, na qual ele não sabia que era um bruxo, o chateava muito.
- Onde você e ele estudam agora? Talvez eu possa estudar lá, assim seriamos da mesma turma de novo. – perguntou a menina, curiosa.
Um telefone tocou longe e Harry foi salvo pelo gongo.
- É o meu celular, tá lá no meu quarto. Atende pra mim minha filha? Toma cuidado com as escadas, e vê se não derruba nada lá dentro, ein?
- Dá licença, é rapidinho Harry. – Tiffani subiu correndo as escadas.
- Essa menina vive correndo. Parece que tem pressa em tudo. – Sofia suspirou e passou a mão pelos longos cabelos. Snape a observou atentamente. Não conseguia deixar de olha-la. Era muito bonita. – E então Sr. Snape, o que você é do jovem Harry? Pelo que eu e Tiffani tentamos lembrar o tio dele se chama Dasly, ou algo do gênero.
- Dursley. – Corrigiu Snape descruzando a perna. – Sou parente de Petúnia. Vou ficar aqui por um tempo para fazer algumas pesquisas. Enquanto isso, estou conhecendo melhor o Harry que não vejo há algum tempo e é como se fosse meu sobrinho. – Snape olhou para Harry no que o menino supôs ser uma tentativa de olhar carinhoso.
O menino teve vontade rir com a mera hipótese de chamar Snape de “tio”, mas se conteve.
- O senhor falou de pesquisas, trabalha no quê? É cientista? – Perguntou Sofia interessada.
- Pode-se dizer que sim. Eu… - Quem foi salvo pelo gongo dessa vez foi Snape. Que foi privado de ter de inventar mais uma desculpa por Tiffani, que descia as escadas de dois em dois degraus de novo.
- Não quis me dizer quem é, disse que quer falar com a Sofia, nada mais. – A menina entregou o celular para a mãe e se sentou no braço da poltrona de novo. – Muito mal educado.
- Com licença. – falou Sofia para Harry e Snape. E atendeu o telefone. – Alô? É, sou eu sim… Ah, é o encanador – ela sussurrou para Tiffani apontando para o telefone - Não, é como eu falei com o senhor de manhã está tudo bem diferente do que eu imaginava… Sei, o quanto antes o senhor vier melhor, se possível agora… Tá, tudo bem… Então tá bom… …Não, eu sei com é que é… Pode vir amanhã então, às dez da manhã está ótimo… Até lá então… tchau. – Ela desligou o celular. – Ainda bem que ele ligou. O encanamento dessa casa tá num estado horrível. Casas antigas. Sabem como é.
Conversaram durante mais de meia hora. E a conversa fluiu tão bem e foi tão boa, que Harry praticamente esquecera do desprazer que tivera com Snape no início da manhã. Foi então que a campainha tocou. E tocou, e tocou. A pessoa parecia muito ansiosa para que a porta se abrisse.
- Mais visitas? Está esperando mais alguém querida? – perguntou Sofia calmamente para a filha enquanto se levantava da poltrona e se dirigia à porta. A menina fez que não com a cabeça. A pessoa do lado de fora passou a bater com força na porta. – Já vai! Já vai! Espera um pouquinho!
Harry e Snape acompanhavam Sofia com os olhos, curiosos para ver quem estava com tanta pressa em ser atendido. Logo depois que abriu a porta Sofia largou a mão da maçaneta parecendo chocada.
- Você… - Sussurrou num misto de surpresa e medo.
- É, EU. – respondeu uma voz masculina rouca e grave, Harry e Snape não conseguiam ver o homem que falava. – Achou que eu me esqueceria de vocês? Pois eu tenho olhos em todos os lugares, meu amor, um grande amigo meu me disse que viu você e a Tiffy chegando pela manhã. Não vai me convidar para entrar? Querida? – falou ironicamente.
Sofia permaneceu em silêncio e imóvel. Harry e Snape se levantaram. Tiffany escorregou do braço da poltrona para o assento.
- Pois então eu mesmo me convido. – empurrou Sofia para o lado e entrou – Vim ver minha filha.
O homem que entrou na sala era do tamanho de Snape ou pouca coisa maior. Mas era bem mais forte. Tinha olhos castanhos escuros que pareciam um pouco psicóticos e cabeça raspada.
- Olá Tiffy! – falou, e sorriu, tinha os dentes irregulares e amarelados, como os de quem fuma por muito tempo. A menina se encolheu na poltrona. Sofia se adiantou e se pôs entre os dois esfregando o braço que tinha batido na maçaneta devido ao empurrão. Harry e Snape observavam sem saber se deviam interferir ou não.
- Você não vai fazer mal à menina de novo Arnold! – Falou Sofia energicamente, protegendo a garota às suas costas.
- Não quero machucar minha filha… Vim apenas visitá-la… - Porém o tom de voz de Arnold denunciava que a sua visita não era nada amistosa. Ele então percebeu a presença de Snape e Harry. - E vocês dois? Quem são? – disse quase que num rosnado.
Mas antes que qualquer pessoa na sala pudesse responder, o homem avançou contra Sofia:
- Você arrumou outro? Eu não acredito! – Gritou, levantando as mãos para cima e bufando.
E no calor da coisa, o ódio falou mais alto:
- Arrumei sim! E daí? Você não tem nada a ver com isso! – Sofia gritava contra o homem muito maior que ela.
- Não pode ser verdade! – esbravejou ele em resposta, revoltado.
- Se não fosse, eu faria isso?
Foi muito rápido. Sofia se voltou para Snape que estava de pé ao seu lado, sussurrou de forma que só ele ouviu: “seja convincente”, o puxou pelo colarinho da camisa social e o beijou. Snape, pego de surpresa, num primeiro momento achou que era brincadeira, mas depois não pôde deixar de corresponder ao beijo dela. Não entendia o que estava acontecendo, normalmente tinha um controle muito bom sobre si mesmo, mas quando os lábios dela tocaram os dele e o cheiro bom que ela exalava invadiu as suas narinas ele não pode deixar de retribuir. E de gostar.
Correspondia no mesmo nível que ela, e evoluía à medida que ela evoluía, basicamente repetia o que ela fazia para não aparentar que estava se aproveitando da situação. E a forma com que ela o beijava não parecia nem um pouco fictícia. Quando, logo de início, as mãos de Sofia deslizaram do peito de Snape para o pescoço e nuca dele, ele fechou seus olhos, passou uma de suas mãos em volta da cintura dela e levou a outra para as suas costas. A língua dela deflorou a boca dele e ele retribuiu o carinho levando a dele até a boca dela. A mão dela que estava no seu pescoço desceu para o tórax e acarinhou suas costelas, a mão dele que estava nas costas dela subiu para a sua nuca e acariciou seus macios cabelos. Quando Sofia mordeu levemente o lábio inferior dele e terminou o beijo, Snape abriu os olhos, e pôde perceber o rosto satisfeito de Tiffani, o rosto surpreso de Harry, e por fim, o rosto enfurecido de Arnold.
- Não consigo acreditar que você tenha me trocado por esse cara sem sal! – Os punhos dele estavam cerrados.
- Olha aqui, primeiro que eu não te troquei porque já sou separada de você há muito tempo. E segundo, ele não é nada sem sal viu? – ela sorriu maliciosamente, levou uma de suas mãos até a coxa de Snape, a acariciou (o que fez com que ele arregalasse os olhos pra ela), e, arranhando levemente a perna dele com as unhas, completou. – Me satisfaz muito mais do que você…
Uma veia muito grossa latejava na têmpora de Arnold.
- Ora, sua VADIA! – Ele levantou a mão para dar um tapa no rosto de Sofia. Mas foi a vez de Snape se pôr em seu caminho.
- Nunca te ensinaram que não se deve bater em mulheres?
- Já, e me disseram que não se deve surrar os fracotes também. Mas eu nunca levei muito a sério.
A mão de Arnold que estava esticada para deferir um tapa, fechou-se pronto para socar Snape. O soco desceu com toda força contra o rosto do bruxo e, apesar de ter passado bem perto, Snape conseguiu se desviar e revidar com um murro bem na boca do estômago de seu adversário.
- Acontece que o fracote em questão já apanhou muito em sua vida, há muito, muito tempo. E não está disposto a voltar a receber surras.
Arnold dobrou-se segurando a barriga. Parecia sem fôlego. Sofia aproveitou o momento.
- Vai embora Arnold. Vai embora ou eu chamo a polícia! E eu sei muito bem que você tem uns probleminhas com ela
- Eu vou… - respondeu, sem ar - Mas você… Não perde por esperar…
Arnold saiu enfurecido, ainda segurando a boca do estômago, e bateu a porta com força.
- Me desculpa… Por favor… - disse Sofia para Snape no momento em que a porta se fechou. – Eu… Eu não sei o que deu em mim… Foi a fúria do momento… Eu… Realmente…
- Não tem problema. – ele respondeu abrindo e fechando a mão que tinha acabado de socar o que mais parecia ter sido uma parede de concreto – Foi um prazer.
“Um prazer?” Pensou, “Um prazer?” O que havia dado nele pra dizer aquilo?
- Mesmo assim, - falou Sofia sorrindo sem jeito, um pouco ruborizada – eu não devia ter te agarrado daquela maneira… Não devia ter te metido no meio disso tudo… O que vocês dois vão pensar de mim?
- Vamos pensar o que pensávamos desde o início, – falou Harry – que você é uma mulher separada que tem problemas com o marido agressivo. Nada demais. O beijo foi só uma saída que você encontrou… Amigos servem para isso, para ajudar.
- Viu Tiffy? Mal chegamos, e já temos bons amigos.
A menina sorriu.
- Temos que ir Harry. – falou Snape. Se dirigindo ao cabideiro e pegando seu sobretudo. – Se não vamos pegar trânsito.
- Já vão? O senhor ficou chateado não foi? Bem… Eu compreendo… - Falou Sofia tristemente.
- Não, não. De forma alguma eu fiquei chateado. – respondeu sinceramente vestindo o sobretudo. – É que o Harry vai visitar um outro amigo que mora um pouco mais longe, e se demorarmos realmente vamos pegar trânsito.
- Tudo bem, eu acredito no senhor. – falou abrindo a porta para os dois. – Sintam-se à vontade para voltarem a nos visitar quando quiserem sim? Gostei muito da companhia de vocês. E estamos verdadeiramente gratas pela ajuda e amizade dos dois. Podem deixar que na próxima visita não haverá mais nenhum inconveniente como o de hoje. Arnold sabe muito bem que se eu chamar a polícia ele terá problemas bem sérios.
- Então nós já vamos Sra. Sages. – falou Snape cumprimentando-a com um aceno de cabeça. – Adeus srta. McCallister. – disse para a menina, que estava muito quieta sentada na poltrona. - Vamos Harry.
- Tchau Sra. Sages. – disse o menino acompanhando Snape. – Tchau Tiffany. – olhou uma última vez para a menina.
- Espere Harry. – falou ela, e deu uma corridinha da poltrona até onde ele estava. – Muito obrigada pela sua amizade. – ela segurou o rosto dele com uma das mãos e lhe deu um longo beijo na bochecha. – E obrigada Sr. Snape, por ter nos protegido.
- Disponha. – respondeu Harry, vermelho.
Os dois desceram as escadas e as duas mulheres os acompanharam com os olhos até eles entrarem no carro. Harry acenou para elas com a mão, o carro partiu e Snape pôde observa-las entrando em casa pelo retrovisor.
- Mulher doida. – falou dirigindo distraído – tem algo de muito errado com ela.
- Com certeza não é o beijo, - riu Harry – o senhor parece ter gostado muito.
- Mais respeito Potter. Eu não lhe dou esse tipo de intimidade. – Snape conduzia o carro tranqüilamente e ia em direção à alto estrada. Harry nunca tinha ido para a casa dos Weasleys pela estrada.
- Desculpe, eu pensei que não haveria problema, afinal você é como se fosse meu tio.
Snape lançou um olhar gelado em direção a Harry, e o menino compreendeu que esse olhar significava que se falasse mais alguma gracinha seria jogado porta a fora com o carro ainda em movimento.
- Estou falando sério. Tem algo de errado com ela – Snape tirou uma das mão do volante (a mão que outrora estivera nos cabelos de Sofia). – Com o cheiro dela. Me faz sentir diferente. Não consegui me controlar direito quando ela chegou tão perto de mim, quando ela acariciou a minha perna eu quase tive uma… - o bruxo olhou para Harry que tinha um olhar meio ansioso e zombeteiro – Deixa pra lá.
- Eu sei o que você quase teve – disse o menino não conseguindo esconder um sorriso – É compreensível. Imaturo. – Snape lançou outro olhar gélido a Harry – Mas compreensível, - completou o menino como se pedisse desculpas. – Talvez o senhor… Er… Esteja atraído por ela…
- Não mesmo, Potter. – falou Snape rispidamente – Nunca. Há algo de errado em tudo que a cerca. Na casa. Na menina. No ex-marido. Parece que tudo foi tirado de uma novela trouxa… Era tudo muito apropriado para que tivéssemos pena, compaixão delas. Para que quiséssemos ajuda-las, visitá-las novamente, para que confiássemos nelas…
- E por que não confiaríamos? Sabe, a vida delas parece ser realmente dura, e elas foram muito legais conosco. Por que não oferecer a nossa amizade? Por que não ajuda-las?
- Você vê o lado bom de tudo, Potter.
- E você vê o lado ruim de tudo.
Snape se manteve quieto. Harry olhou pela janela e viu que estavam cercados de árvores. Estavam passando por um lugar muito bonito. Quase nunca tinha oportunidade de apreciar a paisagem em um passeio de carro. Primeiro porque Duda nunca o deixava em paz. Segundo porque dificilmente os Dursley levavam Harry em seus passeios.
- Por falar em ajuda. – continuou o menino, a curiosidade não deixava que se mantivesse em silêncio. Tinha muitas coisas sobre Snape que ele queria saber. E agora com essa proximidade ele tentaria tirar o máximo de proveito. – O murro que você deu naquele homem… Eu não pensei que tivesse um reflexo tão bom, ou que tivesse tanta força bruta a ponto de tirar-lhe o ar.
- Você é curioso demais garoto. É por isso que arruma tantos problemas. Às vezes, não saber de tudo é melhor para nós mesmos.
- Saber por que tem um bom reflexo e um bom soco pode me atrair problemas relativos a que?
Snape bufou e se rendeu à curiosidade do garoto.
- Quando eu era menor, apanhava muito. Depois que se apanha demais aprende-se a fugir, a ter reflexo.
- Quem lhe batia?
- Quanto ao soco. - continuou Snape como se Harry não tivesse perguntado nada – Bem, as reuniões íntimas do Lord das Trevas são regadas à bebida, luxúria e violência, - o bruxo pareceu meio perturbado com a lembrança das tão freqüentes e exaustivas reuniões – por vezes, os comensais abandonam as varinhas e partem para um duelo de corpo a corpo. Como que os trouxas dizem mesmo? Luta livre, briga de rua. Se eu não aprendesse a me defender ia acabar morto, ou muito debilitado.
- Mas aquele homem era muito mais forte do que você…
- Nessas lutas travadas para o divertimento do Lord, não há separação de idade, peso, tamanho ou força, Potter. Quanto maior for a dicotomia, melhor. Não há pena. Eles gostam de crueldade. Aprendi a ter sempre um trunfo na manga, eu o meu trunfo era o soco na boca do estômago. Não importa se você é o homem mais forte do mundo, se for pego de surpresa e levar um soco bem colocado na boca do estômago, com certeza vai perder o ar. E isso me dava margem e tempo para partir pra cima do meu adversário.
Harry procurou guardar essa informação no seu cérebro, talvez fosse valiosa para algum dia em que se metesse em uma briga.
- Falando do Voldemort, como voc… Quer dizer, o senhor, vai passar tanto tempo longe dele? Ele não vai desconfiar? – Harry tinha se atentado a isso agora.
- Está querendo saber demais garoto.
- Mas…
- Nada de “mas”. Vê se fica quieto. Está perguntando à pessoa errada.
Harry abriu a boca, mas tornou a fecha-la. Olhou pela janela, estavam indo em direção a uma ponte que atravessava uma queda d’água originada de um rio de correnteza forte, mas não muito violento que acompanhava a estrada que parecia deserta. Então Harry viu.
- Pára o carro! – gritou, tinham a ultrapassado.
- Quê? – perguntou Snape surpreso, o carro à alta velocidade.
- PÁRA O CARRO! – Berrou – AGORA!
Snape olhou pelo retrovisor, não vinha ninguém. Meteu o pé no freio até o fundo. O que fez com que os pneus cantassem e deixassem marcas no asfalto. Harry desceu rapidamente. Snape desceu atrás.
- Quê que aconteceu moleque?
- Temos que ajuda-la. – Harry apontava para uma moça que vinha logo atrás deles, puxada pela correnteza do rio. – Faça alguma coisa para tira-la da água.
- Não posso fazer magia, ela pode ser trouxa.
- Ótimo. Então eu pulo para salva-la. – Harry começou a despir o moletom, não era bom nadador, mas não podia deixar que a moça chegasse até a queda d’água, ou ela iria morrer, Snape o impediu.
- Não posso fazer magia, mas a tiro de lá. – Disse, tirando o sobretudo. – Fique aqui. – Tirou a camisa.
- Por que essa repentina mudança?
- Sua vida vale mais que a minha. – falou enquanto descia o barranco e pulava na água.
Snape nadou até a moça, a agarrou por debaixo dos braços, e a puxou contra a corrente, que apesar de não ser violenta era bem forte, já que a queda d’água estava próxima. Com certo custo ele conseguiu traze-la para margem. A suspendeu nos braços sem grande dificuldade e a levou para perto do carro.
- Ela está bem? – perguntou Harry ansioso.
- Não sei… - respondeu Snape olhando para a mulher em seus braços, ela tinha muitos cortes pelo corpo e seu rosto estava sem cor – Pegue a minha blusa, dobre e coloque no chão.
Harry obedeceu e Snape repousou a moça no chão com cuidado, pondo cabeça dela sobre sua blusa. Ela tinha longos cabelos castanhos avermelhados, corpo e rosto bonitos. E…
- Vestes de bruxo! Ela usa vestes de bruxo! – falou Harry. Ela usava longas vestes de cor púrpura que estavam rasgadas em muitos lugares.
- Fala baixo garoto, eu já percebi. – ralhou Snape ajoelhado ao lado da moça.
Snape olha para um lado depois para o outro e saca da varinha.
- Revigoro. – disse baixinho apontando para ela. As bochechas dela ficaram levemente rosadas e seus lábios pareceram voltar a ter um pouco de cor. Mas ela não deu nem sinal de acordar.
- Ela está viva? – Harry, preocupado, se ajoelhou ao lado de Snape.
Snape tomou o pulso dela e depois verificou a respiração.
- O pulso está fraco. Não está respirando. Às vezes, quando a pessoa está muito fraca, o feitiço não funciona tão bem quanto deveria.
- O que vamos fazer?
Snape respirou fundo.
- Vamos pelo método trouxa. Tire os sapatos dela.
Harry tirou as botas de fivelas da moça enquanto Snape levantou o tronco da moça, abriu o zíper de suas vestes e soltou o feixe de seu sutiã. Sentiu que algo se soltou junto.
- O que está fazendo?
- Estou soltando tudo que possa aperta-la. O sangue precisa circular livremente. – disse Snape repousando-a no chão novamente. – Parece que ela guardava a varinha entre os seios, presa pelo sutiã. Pode pegá-la pra mim?
- Ein? – falou o garoto surpreso.
- Ora, não podemos perder tempo, Potter. – Snape levou a mão delicadamente ao decote da moça e tirou uma varinha fina e muito bonita. – Segure-a. – entregou a varinha para o garoto. – Então… vamos lá.
Snape lhe fez uma massagem cardíaca e respiração boca-a-boca. Não houve sucesso, então repetiu a operação.
- Anda, reaja. – disse fazendo a massagem mais uma vez – Não morra. Não nas minhas mãos. – fez a respiração boca-a-boca.
A mulher cuspiu um pouco de água para o lado e inspirou profundamente. Mas não abriu os olhos.
- Ainda bem… - Snape tomou o pulso dela novamente – O pulso ainda está fraco… - fechou seu sutiã e suas vestes – Revigoro. – falou apontando a varinha mais uma vez para ela.
Desta vez ela respirou um pouco melhor, seu rosto tomou cor e, lentamente, abriu os olhos. Tinha olhos verdes muito claros, que pareciam serem rajados com riscos dourados, emanavam uma aura de bondade tão grande que qualquer um à sua volta, mesmo que não a conhecesse, diria que de forma alguma ela poderia ser alguém ruim. Tentou levantar-se, seus longos cabelos molhados, balançando levemente.
- Procure não se esforçar demais. – falou Snape ajudando-a a se sentar.
- Ela parece um anjo… - Sussurrou Harry.
- O-obrigado… - falou ela com dificuldade, olhou de Harry para Snape – Muito… muito obrigado… - Deteve seu olhar então em Snape, que, sem camisa, exibia seu peito e braços nus. – Você… Você é um deles!
- Quê?
- Você é um deles! – ela obrigou-se a se pôr de pé, segurava a perna esquerda que parecia machucada, - Não vai me levar sem luta! – Levou a mão direita ao decote – Pegou minha varinha! Você roubou a minha varinha!
- Eu não roubei nada! Não se mexa demais, você está muito ferida!
- Não me venha com esse papinho. – Ela levantou a mão direita contra Snape e lhe lançou uma grande bola de fogo.
Com a mão esquerda Snape lançou a bola de fogo para dentro do rio e com a direita, segurando a varinha, conjurou um escudo em volta de Harry.
- Parece que o seu anjo veio do inferno, garoto. – ela lançou outra bola de fogo contra ele, que foi desviada para o rio novamente. - Moça, eu não vou te machucar – Snape se aproximou dela.
- Não se aproxime de mim! – Ela recuou e desequilibrou sobre a perna machucada. – Não tenho força suficiente para desaparatar… - murmurou pra ela mesma.
- Não faça uma imbecilidade dessa, vai acabar causando um acidente! – Snape perdeu a pouca paciência que tinha – Você não acha que se eu quisesse te machucar te deixaria no rio pra morrer? Ou teria revidado aos seus feitiços?
- É… Mas… Eu não sei o que passa na mente doente de vocês! – ela cambaleou mais uma vez e quase caiu.
- Ora faça-me o favor, - disse Snape se aproximando mais, a moça fitou o seu rosto – fique quieta logo ou eu…
- Tiro pontos de sua casa… - murmurou ela ainda olhando para o rosto dele e cambaleando para frente – Snape… Professor Snape… Que bom que é você… - E desmaiou nos braços do bruxo.
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