Farpas



Hermione olhava distraidamente para o prato na sua frente brincando com a comida. Estava a quase meia-hora na mesa e não tinha a menor vontade de comer. Aquela era com certeza a situação mais desesperadora da sua vida até então. Mais até do que a própria guerra contra Voldemort que o mundo bruxo enfrentara no ano anterior. Estava simplesmente apaixonada por seu melhor amigo e fora descobrir isso no momento mais inconveniente possível. Era só o que lhe faltava acontecer, um amor platônico seguido por uma irremediável rejeição “Brilhante Hermione Granger, dessa vez você realmente se superou” Puniu-se.
Já havia decidido, por mais cinematográfico que fosse a descoberta de sua paixão por Harry, tinha que se conformar. Ele nunca iria olhar para ela com olhos de homem, sempre seria com irmão e melhor amigo, isso era certo. Já estava mais do que na cara de todos pelos antecedentes do amigo que bem, ela definitivamente não era o tipo de garota pela qual ele costumava se apaixonar ou sequer se interessar, o que ela de fato talvez nunca fosse compreender. “É muito injusto”, lamentou. Essa frase vinha em sua cabeça toda vez que imaginava Harry babando por Stacy e antes por Cho Chang. Afinal como ele podia simplesmente cair apaixonado por alguém se nunca tinha tido uma conversa de mais de quinze minutos com essa pessoa. Não fazia sentido, isso não era amor, ou pelo menos Hermione não achava que fosse, pois não fora assim que ela tinha se apaixonado por Harry...
Tinha sido fruto de anos de convivência, experiências vividas, alegrias, tristezas que agora ela tinha que atirar ao vento por algo banal que Harry sentia por quem quer que fosse. Sempre haveria alguém e esse alguém nunca seria ela e isso tornava o seu futuro como amiga de Harry ameaçado, não sabia o quanto seria duro esquecer estando tão próxima a ele e mesmo se conseguiria fazer isso. As últimas duas semanas estavam sendo uma tortura e Hermione já não conseguia disfarçar seu mal-estar ao sufocar tudo o que sentia perto de Harry, o que sem dúvida ele já começara a notar. Agora ela entendia a que tipo de amor certas canções se referiam, ao unilateral, não correspondido, inexorável. Se perguntou, ainda, se quando os casais apaixonados tinham seus finais felizes no cinema não haveria uma terceira pessoa desfavorecida, rejeitada. “Essa provavelmente seria você Hermione.” Sentiu seus olhos começarem a marejar.
- Hey, Mione! Acorda! – gritou Rony.
Hermione despertou dos seus devaneios e notou que Rony e Harry estavam agora sentados na sua frente. Apalpou rapidamente as maçãs do rosto para impedir que alguma lágrima caísse.
- Ah oi Ron... Harry – respondeu desanimada
- Nossa em que planeta você tava? Faz um tempão que a gente te chama Mione... Aconteceu alguma coisa? – perguntou Harry preocupado.
- Não... Nada! Eu só estava distraída... pensando. – confessou.
- Pensando? Pra estar com aquela cara de boba deveria estar pensando em Billy Geller – caçoou Rony dando uma leve cotovelada em Harry.
- Provavelmente – completou o moreno com frieza.
- Não sejam bobos. – disse a menina com desprezo – Só estava pensando na... na vida pra ser sincera.
- Você quer dizer... Na sua vida ao lado dele? – falou o ruivo gargalhando e sendo fuzilado pelos olhares Harry e Hermione furiosos. – Tá tá, já vi que não gostaram do assunto, foi mal. – desculpou-se.
- Você não vai comer? – indagou Harry referindo-se ao prato intacto de Hermione que agora estava com o queixo apoiado sobre a mão encarando a comida.
- Não, não vou. Estou sem fome – respondeu secamente levantando-se da mesa e saindo do refeitório.
Harry e Rony se entreolharam confusos.
- O que deu nela? – perguntou Rony ao amigo.
Harry não respondeu, pôs-se de pé e caminhou na direção de Hermione seguindo-a. Ela caminhava sem saber direito aonde ir, só queria ficar sozinha por um instante. Sentia um forte entalo na garganta, vontade de gritar e chorar. Já estava quase na entrada do corujal quando foi puxada subitamente pelo braço. Era Harry.
- Hermione... O que você tem? – perguntou segurando-a firmemente
- Já disse Harry, só estou sem fome - respondeu esforçando-se para tranquilizá-lo.
- Não vem com essa Mione, eu te conheço... – insistiu Harry, Hermione sinalizou com a cabeça indicando que ele ainda apertava o seu braço, o garoto entendeu e a soltou – Desculpe. Estou preocupado, o que aconteceu pra te deixar sem fome então?
- Na-da – disse Hermione o olhando fixamente, Harry engoliu seco.
- Então porque está agindo assim?
- Assim como?
- Já está com alguns dias que você está... estranha.
- Estranha como?
- Você está sempre se afastando do Rony e de mim, está dispersa... fria - começou o menino quase num sussurro, Hermione se esforçava para olhá-lo nos olhos – Você nem se quer se incomodou ou se importou em estar comigo das últimas vezes que falei com a Stacy...
“Stacy... É claro que tinha que ser, sua preocupação é com ela e não comigo”, pensou sentindo seu sangue ferver de raiva, “como ele podia ser tão egoísta?”
- ... e todas as vezes que eu chegava e vinha te contar algo você simplesmente era monossilábica, indiferente, será que não pode se sensibilizar um pouco com a minha situação por favor?
Aquilo era o cúmulo. Além de estar passando por uma verdadeira batalha emocional, tinha que aturar as cobranças egoístas de Harry Potter, ajudar nas suas conquistas amorosas e esquecer da sua própria vida? Hermione não podia ouvir mais, se Harry continuasse ia acabar ouvindo coisas nada agradáveis, mas ele não parecia dar sinais de querer parar o seu comovente discurso.
- Você simplesmente se tranca e começa a ser estúpida com as outras pessoas como se elas tivessem culpa, não pode ser assim Hermione! – completou o garoto novamente cheio de si.
“Acontece que elas têm culpa”
- Terminou? – indagou respirando fundo
- Por enquanto sim – disse de forma irritante.
- Então agora eu falo – começou a menina tranquilamente – Eu acho ,Harry, que já está mais do que na hora de você tomar consciência de que esse Universo NÃO GIRA EM TORNO DE VOCÊ. – Harry mudou rapidamente de expressão e Hermione continuou - Que às vezes as pessoas podem não estar num estado emocional muito adequado para resolver os seus dilemas pessoais, e por último eu acho que você deveria urgentemente rever as suas prioridades e os seus modos antes de vim me cobrar uma postura diante de você principalmente se você resolver me nomear de estúpida e insensível no seu “pedido”.
Harry ficou explicitamente desconcertado com as palavras de Hermione. Nunca a vira tão fora de si diante dele.
- Não foi o que eu quis dizer Mione... – murmurou o moreno.
- Mas foi o que você disse. – retrucou friamente.
- Desculpe... Eu estava... nervoso e preocupado... Só queria saber o que houve. Somos amigos... Porque você não me diz qual o problema?
“O problema é que não quero mais ser seu cupido porque estou apaixonada por você seu cego!” pensou Hermione em desespero.
- Você quer saber... qual o meu problema? – indagou a menina e Harry assentiu – E você não tem a mínima idéia do que seja?
- Não! – respondeu Harry perplexo – Por isso que vim aqui...
- É claro...Você nem imagina não é? – começou secamente – Se você não estivesse ocupado demais com os seus encontros amorosos, seus probleminhas, enfim, com seu ego, você com certeza já saberia. – concluiu Hermione virando-se e rumando de volta ao castelo
Harry não teve forças para segui-la. Sentiu-se um completo cretino com a última declaração da amiga, que por sinal fora bem clara. Hermione passava sim por algum problema, mas ele distraído demais com seus próprios desejos não dera a devida atenção à amiga. “Burro, burro!” pensou. Depois daquela demonstração de puro egoísmo, da qual Harry era consciente, Hermione deveria estar furiosa e com toda razão, e ficaria assim por um bom tempo. Essa possibilidade o deixou em pânico. Nunca antes ficara brigado com a amiga, sempre era Rony que armava confusões com Hermione, Harry era o neutro da história, e agora, se deparando com essa situação em que ele tinha provocado a discussão por ter agido errado. Estava estranhamente vazio, sem sentido. Só tinha uma certeza, não agira como amigo, e tudo que queria naquele momento era encontrar Hermione e abracá-la o mais forte que pudesse, o suficiente para mostrar o quanto a queria bem... Mas não podia... Ou será que não devia?
Hermione vinha quase correndo de volta para a escola. Estava possessa, ainda com a maldita vontade de chorar. “Mas não vou! Não vou derramar uma lágrima por alguém que não merece!” pensava. E assim ela conseguiu conter as lágrimas, proferindo maldições a Harry mentalmente jurando se para si mesma se recuperar daquilo. Queria poder fazer sumir Harry Potter e toda a paixão que ele plantara no seu coração, “talvez haja algum feitiço ou poção para isso”, pensou “mas que estúpida! Não seja burra Hermione, controle seus sentimentos!”. A menina ainda se punia em silêncio quando foi interrompida.
- Mione!! Aqui!
Gina acenava para a menina sentada em um batente no pátio. Hermione acenou de volta contrariada querendo simplesmente sumir.
- Venha aqui!!! – gritou a ruiva. Hermione se dirigiu até ela contrariada.
- Oi Ginny. – disse sorrindo ligeiramente – Alguma novidade? - indagou sem muita convicção.
- Na verdade ... sim... tem alguma novidade... – disse Gina hesitante.
- O que aconteceu Gina? – perguntou Hermione curiosa um pouco mais serena
- Bem... é... prometa que não vai rir ou me criticar e principalmente que não vai dizer nada ao Rony... – falou Gina muito séria enquanto Hermione ouvia atentamente.
- Ok... eu prometo, mas fala logo, já está me deixando assustada... – disse Hermione ansiosa.
- Isso na verdade é bem assustador... – começou Gina e Hermione cresceu os olhos – Calma... É que... Hoje a tarde na biblioteca...
- Hum...?
- Eu estava procurando um livro e... o Draco apareceu lá....
- Draco??? O que aconteceu Gina?? – Perguntou Hermione quase engasgando – Não me diga que...
- NósNosBeijamos! – disse a ruiva muito rápido, Hermione cobriu a boca com a mão abafando um grito, sorrindo em seguida.
- Não acredito Ginny!! Você está brincando...
- Não estou não...
- ? – começou a morena agora confusa – Ele te agarrou denovo?? Mas que audacioso!
- Não Hermione você não entendeu... eu disse que Nós nos beijamos... recíproco entende? – explicou Gina, Hermione ficou boquiaberta.
- Agora... sim – disse sem fôlego – eu entendi. Então vocês estão....
- Não sei o que nós estamos, só sei o que acabei de te contar que foi o que aconteceu – concluiu a ruiva tensa.
- Mas... Se houver chance... você fará deno...
- Shhhh... – a ruiva sinalizou para que Hermione se calasse pois Stacy Sommers se aproximava perigosamente.
- Olá garotas... Ginny... Mione...
Ela estava fazia questão de parecer irritantemente simpática, como sempre o que fez Hermione se sentir ligeiramente enjoada, ao ponto de sequer aguentar olhar para a loira. “Sem sal”, pensou.
- Oi... - responderam as duas quase imediatamente.
- Então... vocês já arranjaram companhia para o baile?? – perguntou a loira empolgada.
“Não, não! Tudo menos o assunto do maldito baile!”, pensou Hermione estafada.
- A Hermione sim... – começou Gina com igual descaso ao assunto – eu ainda não tenho... e você?
- Com quem você vai Hermione? – indagou dirigindo-se a ela, a morena abriu a boca para responder mas foi salva por Gina.
- Billy Geller.
- Bi-lly?? – falou a menina pasma, e Hermione se perguntou porque ela estaria tão surpresa. – Que bom Hermione... Eu não tenho companhia... ainda.
Hermione sentiu um tom de superioridade na última frase de Stacy que tornou o ar da conversa ainda mais pesado.
- Éhr... – disse Gina desanimada desconversando para alívio de Hermione que não tinha a menor vontade de estender o tópico. Mas Stacy, parecia não concordar com as duas.
- Sabe... eu estava pensando... – começou colocando o indicador no queixo e se concentrando. – E estou numa dúvida horrível... Azul turqueza seria majestoso, mas... Acho que não combina com os meus cabelos loiros, quer dizer, não é tom sobre tom.
Hermione e Gina se olharam confusas com a última de Stacy.
- Então, quer dizer, talvez um vermelho ou um preto realçaria mais a minha beleza natural. Não é?
- O que? – indagou Hermione perturbada.
- Eu perguntei se você não concorda que preto ou vermelho é bem melhor que azul turquesa para mim.
Hermione olhou para Gina interrogativa para ter certeza que realmente tinha ouvido aquilo. A ruiva, por sua vez apenas deu de ombros.
- Eu não sei... – respondeu Hermione perdida
- Não importa – disse rapidamente – Eu sei que é. Decididamente, será preto, agora só me resta escolher um bom penteado.
Gina revirou os olhos suspirando, e Hermione achava melhor fingir não ter ouvido nada do que Stacy falara.
- Sabe eu achei realmente uma pena não ter havido baile de inverno ano passado. Billy Geller havia me convidado sabe Hermione – começou novamente com o seu tom superior e Hermione já estava ficando nervosa.
- É mesmo? – disse a menina ironicamente enquanto Gina já percebia o clima tenso que se formava – Parece que nesse ano que se passou ele mudou muito seus conceitos.
- Talvez, mas... provavelmente ele não tenha feito isso por achar que eu estou interessada em outro garoto...Ele deve ter ficado inseguro e por isso convidou outra pessoa.
Hermione sentiu uma pontada no peito de ódio. Ela estava claramente desmerecendo o convite que a morena recebera para o baile de maneira extremamente pretensiosa. Respirou fundo para não explodir.
- ... enfim... Por causa de toda aquela chateação do ano passado eu acabei perdendo meu encontro com o seu par Hermione. Eu particularmente achei muita falta de sorte aquela confusão ter acontecido justamente na época do baile, muita mesmo... Deveria haver uma proibição para isso...
Só então Hermione tomou consciência de que a “chateação”, “confusão” a qual a menina se referia era a suspensão das aulas em Hogwarts devido à batalha final da Ordem contra Voldemort e os comensais. Mas Stacy não parecia se importar com nada mais do que o não acontecimento do baile de inverno.
- Você achou falta de sorte? – perguntou Hermione severamente.
- Você não?
Gina cresceu os olhos ao notar como Hermione já parecia possessa com o excesso de futilidade da loira, e não faria nada para impedir que a morena descarregasse sua raiva naquele momento, apenas assistiria.
- A única coisa que eu acho uma tremenda falta de sorte nessa história Stacy - começou a menina quase sussurrando – é que bruxos nobres e importantes tenham morrido nessa “chateação” lutando pela sobrevivência dos demais enquanto certas pessoas não possuem dignidade o suficiente para reconhecer e honrar esse ato, pois afinal, ele ocorreu em uma época muito “inconveniente” do ano. – A expressão de Stacy mudou radicalmente ela parecia querer responder mas Hermione – Já o fato de certas pessoas perderem a vida enquanto outras continuam vivendo com pensamentos totalmente inúteis na cabeça, não se trata de falta de sorte não minha cara, é um disparate.
Stacy agora parecia ter sido esbofeteada.
- Não admito que você me ofenda dessa forma – disse seriamente.
- Não vejo porque você se ofenderia doce Stacy – disse ironicamente – Eu me referia a pessoas completamente banais, insignificantes, egoístas e sem cérebro que não reconhecem a importância daquela “confusão” no ano passado, mas esse “com certeza” não é o seu caso... – completou com sarcasmo sorrindo levemente.
- Eu não sou burra para não perceber suas indiretas Hermione Granger, e elas me soam com uma forte pitada de inveja, que apenas me eleva mais. – falou a menina por cima do ombro. Hermione riu satisfeita.
- Eu não disse que era burra, mas se não quiser que as pessoas tirem suas próprias conclusões a respeito procure não agir como tal, ou vai criar um grande paradoxo aqui – respondeu a menina empolgadamente levando Gina a discretos risinhos. – Ah, a propósito, adorarei discutir esse detalhe da “inveja” com Billy Geller. – terminou dando uma piscadela levantando-se e saindo – Talvez ele se sensibilize com a sua situação e te convide ano que vem tá?
Gina seguiu a amiga eufórica, deixando Stacy Sommers com uma resposta entalada na garganta sedenta de ódio.
- Aquilo foi simplesmente demais Mione!
- Ah... você não viu nada... Essa foi só a primeira das farpas que ainda vamos trocar se ela continuar no meu caminho... Você verá Ginny... você verá...

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