Um último assassinato
Capítulo 12 – Um último assassinato
Draco acreditava que a última semana antes do casamento voaria em um borrão. Achava que seus dias finais de solteiro desapareceriam em um piscar de olhos.
Mas ao invés disso, o tempo passou incrivelmente devagar.
Quase desejou que corresse mais rápido. Pelo menos o casamento era algo para se fazer. Já que não havia sido solicitado para ajudar de alguma forma na cerimonia, não tinha nada para fazer enquanto o castelo inteiro alvoroçava-se com os preparativos.
Draco, Gina e Elle experimentaram quase todos os jogos existentes para dias de chuva. Algumas vezes ele e a princesa vestiram-se com roupas mais quentes e saíram para uma caminhada nos jardins congelados. Nunca conversavam, mas de alguma forma, o garoto percebeu que apreciava passeios, apesar de nunca ir admitir.
Contudo, era incrivelmente frio cada dia, por causa do sol escondido atrás de nuvens cinzas.
Não tardou até ele começar a desejar que a neve derretesse, ou a temperatura aumentasse, para que pudesse sair do maldito castelo. Estava iniciando a feder em certos lugares.
E sabia o por quê; essas pessoas não eram exatamente eficientes no que se tratava de limpeza. Os pais de Gina começaram a dar grandes banquetes à noite, ao invés de jantarem apenas com alguns nobres. Convidavam muitas pessoas para o salão principal, onde comiam e ouviam música, observando os bobos da corte dançarem. Draco conseguira convencer seu pai a deixá-lo ficar ausente nas alegres ocasiões, mas Gina fora forçada a comparecer.
Foi na véspera de Natal, o último dia antes do casamento, que o castelo ficou mais ocupado. Parecia que onde quer que estivesse, Draco estava no meio do caminho. Suspirando, foi procurar Gina, imaginando se talvez ela quisesse dar uma volta com ele.
Nos seis dias anteriores, havia desenvolvido um certo senso de direção no grande lugar. Não mais se preocupava em se perder. E ainda melhor, sabia em que aposentos a princesa poderia estar, então não precisava procurar em todo o castelo para encontrá-la.
Levou aproximadamente dez minutos para Gina colocar todas as peças – sua aia Maria insistiu que ela se vestisse anormalmente com roupas quentes, pois ainda podia estar doente – e quando finalmente aprontou-se, ela uniu-se a Draco no lado de fora.
Ele não a beijara desde àquela noite na rua, seis dias atrás, e não a tocara também. Mas durante muitas vezes por dia seus olhos encontraram-se, e ele teve a urgência de segurá-la em seus braços. O sentimento assustava-o; ao invés dos pensamentos sobre ela irem sumindo com o passar do tempo, estavam apenas crescendo. Também não ajudava, é claro, o fato deles verem-se quase toda hora de todos os dias, e que ela sempre conseguia faze-lo rir pelo menos uma vez em sua companhia. E ainda, não conseguir tirar da mente as lembranças dos beijos não colaborava mais.
Nada parecia ajudar, na verdade.
Enquanto vagavam pelos jardins, selecionando as palavras para serem ditas, a maioria das plantas e árvores sem ramos, Gina falou pela primeira vez:
- Vamos nos casar amanhã.
Ele encarou-a, apenas para ver seu rosto sem expressão. Estava acostumado com as suas emoções estampadas em seus traços, mas não era bem assim dessa vez.
- Eu não consideraria exatamente como casamento – disse ele, dando de ombros, olhando para frente enquanto continuavam a caminhar devagar. – Assim que voltarmos ao futuro, não irá contar.
Quando não obteve resposta, ele fitou-a novamente. Agora ela parecia miserável, claramente ignorando-o apesar de estar consciente de que o garoto a contemplava.
Algo em seu peito pulsou de repente, e ele parou. Percebendo que os passos dele não estavam acompanhando-a mais, ela parou também, e olhou-o por cima dos ombros.
Tentando sorrir, ele disse:
- Não fique tão chateada, Gina. Você vai se casar com o cara mais bonito do século vinte da Inglaterra. Não, o cara mais bonito de qualquer século. Qualquer garota normal estaria berrando de alegria.
Ela sorriu, virando-se para ele completamente, apesar de seus olhos estarem ainda negros.
- O fato de que há um bruxo mau muito poderoso que criou esse mundo em que estamos vivendo põe um fim na minha alegria.
Essa resposta de repente abalou-o levemente. Estava esperando que ela fosse dizer algo que se aproximasse a não querer se casar com ele. A garota não dissera nada do tipo na última semana. Ele também nem pensou nisso. Começara meio que a aceitar o fato de que não podiam evitar a cerimônia. Mas era mesmo esse o motivo? Talvez ele não estivesse aceitando a idéia – talvez estivesse começando a gostar dela.
“Não” pensou ferozmente. Mesmo que gostasse de Gina, o que não podia realmente negar no momento, não queria casar com ela. Havia feito uma promessa quando menor de que nunca se casaria, e não estava disposto a quebrá-la, apesar da situação perdida.
No momento, entretanto, não tinha outra opção. Mas no futuro, em sua época normal, não importaria. O casamento seria história... história medieval.
Além do mais, se esse mundo nem era real, como o casamento poderia ser real?
- Que tédio – anunciou Gina de repente – Quer fazer um boneco de neve?
- Não exatamente – respondeu Draco automaticamente, arqueando uma sobrancelha para ela.
Ela sorriu em resposta, todos os pensamentos depressivos obviamente desaparecidos de sua mente. Então curvou-se e tentou pegar neve do chão, apenas para descobrir que suas roupas não permitiam tanta flexibilidade. Com um “oof” ela caiu na neve e sentou-se.
- Malditos vestidos – murmurou sem fôlego.
Casualmente, Draco sentou ao lado dela, levantando um joelho e descansando seu braço nele.
- Talvez se acabarmos ficando aqui por um tempo, poderíamos ensinar a esses idiotas uma coisa ou duas sobre moda confortável.
Ela lançou um olhar exasperado.
- Não espero continuar aqui o bastante para chegar a esse ponto.
Houve um longo período de silencio. Draco tinha certeza que Gina estava tentando descobrir algo importante, mas por ele, não estava pensando em nada especificamente. Inclinando a cabeça, ele fitou o céu cinza e nublado. Parecia que iria nevar novamente. Exatamente o que o lugar precisava. Mais neve...
Algo gelado e úmido golpeou o lado de seu rosto, e Draco deu um pulo. Gina começou a gargalhar loucamente. Havia acertado-o direto na cara com uma bola de neve.
Meio irritado por ter deixado ela pegá-lo tão facilmente, ele baixou seus dedos e pegou um punhado de neve, encarando-a. Ainda rindo, a garota viu o que ele estava prestes a fazer e virou-se para apoiar-se nas mãos e joelhos e rastejar para longe. Havia chegado a lugar algum quando ele agarrou a parte posterior de sua capa e puxou-a de volta em direção a ele. Com um clamor de riso, ela caiu no colo dele, levantando as mãos para tentar cobrir a cabeça.
Mas ela foi lenta demais para ele. Draco conseguira manobrar em volta da garota e amassar a neve no seu rosto. Ela contorceu-se e lutou enquanto ele esfregou a neve por toda a sua pele, e ela cuspiu-a de sua boca. Quando o príncipe foi capaz de ver sua expressão, descobriu que ela não estava brava, como imaginara que estaria. Ao invés disso, estava rindo, apesar de tentar não faze-lo.
- Draco! Não acredito que fez isso, seu desgraçado! – antes de se mover, agarrou um punhado de neve, e rapidamente sentou-se. Dessa vez ele estava preparado e conseguiu jogar o corpo contra o chão. Quando jogou a bola, ela passou por cima dele e caiu a alguns metros.
Ele fitou o que sobrou da bola, sorrindo maliciosamente, enquanto sentava-se.
- Há, boa tentativa, Gin... – começou, e virou seu rosto para encará-la. Foi então que a viu inclinar a mão e lançar sua terceira bola de neve, e ele parou de falar abruptamente assim que o atingiu diretamente no olho.
Inicialmente, era apenas gelado. Mas a medida que a neve aderia-se, a frieza foi trocada por uma dor agonizante.
Piscando o olho esquerdo rapidamente, ele pressionou o palmo de sua mão no machucado, tentando aliviar a dor. A risada de Gina vagarosamente morreu quando percebeu que ele estava ferido, e engatinhou para seu lado.
- Você está bem, Draco? – perguntou, soando profundamente interessada e um pouco preocupada. – Desculpe... não tive a intenção de machucá-lo...
Ele contemplou-a com seu olho bom.
- Não está doendo; a sensação é maravilhosa. – Ela estava começando a incomodá-lo com o quão sinceramente doce estava sendo. Draco simplesmente detestava doçura.
Ela lançou um suspiro aborrecido e ajoelhou-se. Então colocou seus dedos quentes e enluvados em volta do pulso dele para afastá-lo do olho.
- Deixe-me ver, Draco – ordenou gentilmente.
O garoto lutou e libertou-se dos dedos dela, mantendo sua mão firmemente contra a pálpebra ferida.
- Deixe-me sozinho, Gina. Vá embora.
- Oh, seu grande bebê, me deixe ver – persistiu ela, agarrando seu pulso novamente e calmamente retirando sua mão.
Dessa vez ele não desvencilhou-se, mas olhou-a de cara feia. Fingindo não notar, ela posicionou seus palmos nas bochechas dele para segurar a sua cabeça no lugar e espreitou o ferimento. Estava lacrimejando – não por vontade própria, é claro, mas pela reação natural do corpo – e doía para abrir. Então ele manteve-o fechado firmemente e continuou a fitá-la com apenas um olho, o que não era tão efetivo quanto dois.
- Não é nada – contou ela abertamente, lançando um sorriso superior – Gelo no olho é bom para ele.
- Provavelmente vai inchar – murmurou ele entre dentes, bem consciente das mãos dela ainda no seu rosto. Tentando ignorá-las, esfregou seu olho fechado e úmido com o dorso de sua própria mão. – E dói.
Ela riu brevemente.
- Nunca pensei que fosse viver até o dia em que ouviria você admitir que está sentindo dor.
Imediatamente, ela calou-se ao perceber a coisa séria que havia acabado de dizer. Suspirou novamente, sua felicidade desaparecendo. Inclinando a cabeça mais para perto, ele não sabia o que ela iria fazer até faze-lo. Gina pressionou seus lábios suavemente em sua pálpebra golpeada.
Instantaneamente o olho pareceu melhor.
Ou talvez era porque ele estava concentrado demais na sensação de sua boca do que a dor no olho.
De qualquer forma, não estava tão dolorido, e quando ela lentamente distanciou seu rosto e encontrou o olhar dele, por um momento Draco ficou incapaz de falar.
- Melhor? – perguntou ela, levemente sem fôlego.
Ele concordou, e pressionou sua mão atrás do pescoço dela, puxando-a para si. Dessa vez, certificou-se que os lábios da princesa encontraram os seus.
Draco havia beijado muitas garotas antes. E às vezes sentia algo além de tédio, que pensava ser algo mais, mas agora percebia que era provavelmente tesão. Pois beijar Gina deixava-o tão indescritível que era óbvio que nunca sentira algo assim antes.
No instante em a boca de Draco estava na dela, todas as coisas ruins do mundo pareciam desaparecer em um grande borrão branco. Era como se estar em um mundo desconhecido não importava, e o fato de que ela não era o seu tipo não interessava. Nada importava, exceto as sensações que o toque dela causava e a sensação de seu corpo pressionado firmemente contra o dele.
E ele sabia, no fundo de sua mente, que assim que pudesse sentar e refletir sobre seus sentimentos, mentalmente se condenaria por pensar em coisas tão “meladas”, definitivamente pensamentos não de um Malfoy. Mas agora isso não era compreendido. Como tudo, simplesmente não tinha valor.
Gina usou uma quantia surpreendente de força para empurrá-lo de costas na neve, para que ela pudesse deitar exatamente em cima dele. A posição pareceu traze-lo de volta à realidade, e virou a cabeça para romper o beijo. Encontrando os nebulosos olhos escuros dela com uma sobrancelha arqueada, Draco perguntou:
- Por que é que justo você tem que ficar por cima?
Ela sorriu quando retirou uma de suas luvas. Com a mão agora nua, estendeu-a e circulou uma mecha dos cabelos do garoto em volta de seu indicador.
- Porque ficarei doente se ficar por baixo. – disse ela.
Os olhos dele estavam ainda lagrimejando, deixando partes da vista que tinha dela embaçada. Rapidamente limpou-os para vê-la melhor.
Gina sorriu para ele, retirou o dedo de seu cabelo, e descansou a bochecha no peito dele. Malfoy observou o topo da cabeça dela subir e descer com a sua própria respiração. Por que estava sentindo-se tão completo naquele momento?
- Qual é a primeira coisa que você vai fazer quando voltar para casa, Draco? – perguntou a princesa, percorrendo com os dedos o forro da capa dele.
O garoto pensou por um instante.
- Provavelmente irei fazer uma refeição decente com minha varinha.
Houve uma pausa antes de Gina responder.
- Eu irei vestir um par de jeans e uma camiseta – disse, e ele teve que sorrir – Essa é a primeira coisa que vou fazer.
E então eles pararam de falar. Draco fitou o céu nublado, desejando que sua mente ficasse vazia. Não queria pensar em nada. Poderia se preocupar depois. Deus sabia que já havia se atormentado o bastante na última semana.
Pela primeira vez, Draco sentiu como se nada em sua vida estivesse errado.
O que era exatamente o oposto da realidade.
* * *
“O casamento. O casamento. O casamento.”
A boca de Gina parecia algodão. Grasnando, pediu a uma empregada próxima um copo de água. A moça apressou-se para cumprir a ordem, mas mesmo com sua ausência, havia ainda muitas aias no quarto para essa mulher fazer falta.
Gina sentou-se na cama, com as mãos presas ao colo, vestida em seu pesado vestido de casamento. Ele era branco, obviamente, com um corpete fantasticamente bordado em dourado, compondo algum tipo de desenho serpenteado. As mangas eram longas e cheias, o que a princesa percebeu ser moda. A saia devia ser constituída de várias camadas de seda, e embora sempre tivesse usado uma armação por baixo dos vestidos habituais, essa armação parecia ser ainda maior. Como sempre, o espartilho era tão apertado a ponto de doer. Mas agora tinha algo a mais para se preocupar – o decote. Ele parecia descer um pouquinho mais que Gina achava ser apropriado para um casamento.
Ela imaginara que essas pessoas eram do tipo que queimariam alguém vivo por vestir algo desse nível, mas aparentemente, a rainha havia aprovado o vestido anteriormente, conforme Maria. Então não precisava se estressar com isso.
Entretanto, não era algo que vestiria em ocasiões normais.
Seus cabelos estavam soltos, mas era isso que a tornava diferente quando sua cabeça estivera sempre modelada exoticamente. Haviam aplicado pó em seu rosto e colocado algo que pensava ser blush em suas bochechas. Fora isso, estava comum.
No momento, seu corpo estava ficando paralisado de nervosismo. A aia retornou com a água, mas após Gina bebe-la rapidamente, não foi de grande ajuda.
Outros dez minutos passaram-se, e ela sentou-se, encarando o chão sem expressão, apertando as mãos no colo. A sua volta, as aias estavam tagarelando, entrando e saindo do quarto para fazer várias coisas. O castelo todo havia estado em completa atividade desde a aurora – Gina acordara antes do sol nascer por causa de seus músculos tensos e ouvira todos.
Agora a cerimônia estava a apenas uma hora de distância, e estava tendo dificuldade em respirar. Fora isso, de qualquer forma, seu cérebro estava capaz de concentrar-se em uma pessoa: Draco.
Ele era bonito, e considerando a maneira que beijava, seria um bom amante... mas casamento? Até ela não sabia se conseguiria suportar ser uma esposa, e se nem ela conseguia, tendo sido criada em uma família maravilhosa, então Draco provavelmente não conseguiria nem ser a metade de um bom marido.
E quanto a filhos? À esse ponto da história, as pessoas eram estimuladas a ter crianças cedo. Sua mãe provavelmente a incomodaria eternamente para ter um filho e assim garantir um herdeiro.
Mas se Gina tinha problemas com a idéia de casamento, sabia que definitivamente não conseguiria pensar em filhos. Definitivamente.
Os minutos passaram como dias. Gina sentiu firmemente seu corpo se esfriando de apreensão. Ficava imaginando se as pessoas que estavam apaixonadas e queriam se casar sentiam-se assim, se aquele frio era normal.
Só que para ela, o gelo parecia estender-se por suas veias e chegar a todas as partes de seu corpo.
- Venha, Sua Alteza – disse Maria, sua voz soando suave – É hora de descer.
Concordando, Gina tentou pôr-se em pé, utilizando os ombros da aia até que pudesse voltar a sentir suas pernas. Vagamente perguntou-se por que sua mãe não estava presente para ajudá-la, mas então concluiu que a rainha provavelmente estava ocupada demais se aprontando para pensar em sua filha.
O casamento aconteceria no mesmo local do baile – no Salão Principal. Gina ouvira Maria chamá-lo assim e sentiu tantas saudades de Hogwarts que quase irrompeu em lágrimas.
Alguns minutos depois, Gina estava esperando do lado de fora das portas fechadas do salão, junto com uma dúzia de outras mulheres. Não reconhecia nenhuma delas, mas estavam usando vestidos chiques, e não o uniforme dos empregados, então imaginou que talvez fossem damas de honra. Aparentemente não havia uma daminha de honra
- Todos os convidados já chegaram e estão lá dentro – sussurrou Maria para a princesa, limpando o pó invisível dos ombros do vestido dela. Estava dizendo o óbvio. Parecia tão nervosa quanto Gina. – Em alguns instantes deverão abrir as portas. Fique ao lado, e permita que essas mulheres entrem primeiro.
Gina achou um pouco estranho que estivesse recebendo instruções do que fazer cinco minutos antes do evento. Mas concordou de qualquer forma.
- Aqui, Sua Alteza – Uma empregada surgiu ao seu lado e entregou um buquê de flores.
Gina conseguiu sorrir discretamente, surpresa no quão moderno o casamento era. Então levantou o buquê ao seu nariz e cheirou. Tinha o perfume de alecrim e lavanda, e concluiu que talvez não era feito de flores, e sim de ervas.
- E não pode esquecer isso – adicionou Maria, aceitando algo de uma aia próxima e dirigindo-se a Gina para que ela pudesse ver.
Era uma coroa – não como a tiara que usara no baile, mas uma coroa feminina dourada e circular. Havia pequenas jóias entalhadas nela, que só podiam ser verdadeiras safiras, rubis e diamantes. Era bonita, mas não tão elegante quanto a tiara.
Maria sorriu e colocou-a na cabeça de Gina. Era pesada.
- A Sua Alteza está maravilhosa – disse Maria suavemente, seus olhos calorosos inchando de lágrimas – Estou tão feliz que esse dia chegou para a srta.
A princesa estava nervosa demais até para tentar sorrir.
Aqueles minutos finais foram os piores. Sentia como se estivesse envelhecendo um século a cada minuto que passava. Obedecendo Maria, permaneceu ao lado, fora de vista, enquanto as damas de honra entravam. Não houve musica. O silêncio só aumentou seu mal-estar.
O sangue estava correndo pela sua cabeça, causando um barulho interno tão alto que Maria teve que cutucá-la para chamar sua atenção. Já era hora de entrar? Não, não podia ser. Assim que entrasse, não havia como voltar atrás. Assim que desse um passo para dentro do salão, estaria a caminho de se casar.
Com Draco Malfoy.
Iria passar mal. Por um terrível segundo teve uma visão de si mesma entrando lá e vomitando por cima de todo o seu lindo vestido.
Então novamente, esqueceu de passar mal. E se tropeçasse em sua saia horrenda? E se se esparramasse no chão e não conseguisse levantar sem a ajuda de alguém?
- Irá sair-se bem – disse Maria gentilmente, notando seu pavor absoluto.
Isso não a tranqüilizou. A aia puxou-a delicadamente para a porta.
Ela ficou parada lá por o que pareceu ser anos, mas foram apenas alguns segundos. Um cheiro bom alcançou suas narinas. Não conseguia apreciá-lo. Suas pernas estavam imóveis como pedras.
Maria golpeou-a por trás, mas não produziu muito efeito na grande armação da saia que estava usando. Contudo, a mensagem foi transmitida, e Gina comandou seus pés para se moverem.
“Oh Deus. Não estou fazendo isso. Não posso estar. Isso não está acontecendo... estou sonhando. Não estou aqui. Estou adormecida, em algum lugar... em qualquer lugar, menos aqui.”
Ela caminhou incrivelmente devagar. Arfadas, suspiros e “oohs” de apreciação surgiram do público. Não havia cadeiras para os convidados; estavam todos de pé, e aqueles no fundo levantaram seus pescoços para tentar vê-la. A garota tentou olhar direto para frente, agarrando seu buquê a ponto de quebrar as hastes em seus dedos, e forçou-se a respirar.
Gina não conseguia olhar para Draco ainda. Simplesmente não conseguia. Movendo sua cabeça para o lado, entrou no Salão Principal. Quase todo espaço disponível estava coberto de flores – não, deviam ser ervas. Às grinaldas em volta das velas, demarcando o corredor, até nas escadas que conduziam ao altar. Eram coordenadas por cores, e tornavam o lugar bonito e confortante, apesar da estranheza de haver ervas ao invés de flores.
Com o mesmo exagero que o tempo passou lentamente antes, agora percorreu dobrado. Parecia que chegara ao altar antes de um piscar de olhos.
Paradas ao fundo dos três degraus estavam as damas de honra. Todas sorriram para ela.
À direita de Gina, no altar, estavam seus pais, parecendo orgulhosos em sua própria maneira arrogante, vestidos no que devia ser suas roupas mais elaboradas. À esquerda estava Draco, seu pai e Elle. A menina riu por trás da mão e piscou para a noiva, apenas para receber um olhar de censura de seu pai.
Gina rapidamente olhou para Draco. Ele usava sua vestimenta usual, só que em cores diferentes. Suas calças justas eram vermelhas, suas pregas douradas e vermelhas. Sua capa também era carmesim. Na cabeça usava uma coroa maior, com muito mais jóias que a dela. O rapaz parecia desconfortável, apesar dela não conseguir identificar se era por causa das roupas ou do casamento. Provavelmente o último – até ele tinha que estar assustado com isso.
Entre as duas famílias estava um homem idoso, vestindo um impressivo robe branco. Obviamente era ele quem iria executar a cerimônia.
Gina percebeu que ainda tinha de subir ao altar. Sua mãe estava lançando-lhe olhares frios e seu pai olhava-a como que indicando que ela era idiota.
E a noiva não podia nem olhá-los com cara feia. Segurando a saia com sua mão livre, caminhou para o lado de Draco, mas evitou seus olhos.
O homem diante deles sorriu um pouco, abriu seu livro e começou a ler.
“Então é isso.”
Ela tentou convencer a si mesma que era apenas um casamento, e nada mais. Assim que tudo voltasse ao normal, de volta à sua época, eles iriam ignorar-se. Não contava na vida real. Não valia.
Então por que, embora continuasse a recordar-se disso tudo, sentia-se absolutamente paralisada de medo?
* * *
Draco viu o brilho de suor no rosto de Gina e ouviu sua respiração pesada. Ela estava claramente nervosa além das emoções.
E ele estava simplesmente além das emoções.
Não conseguia nem pensar com tanta racionalidade. Cada vez que tentava formar pensamentos inteligentes sempre acabava de volta ao ponto de partida: “Estou me casando com Gina Weasley.”
O que seu pai diria? Seu verdadeiro pai? Se descobrisse algum dia, certamente Draco seria deserdado. Estava preocupado demais para dar-se conta que Lúcio nunca saberia, ao menos que decidisse contar quando tivesse voltado ao futuro. Mas não tinha intenção alguma de fazer isso.
Contudo... Draco saberia. Se conseguissem voltar para casa, sempre saberia que havia se casado uma vez, mesmo que tivesse sido há quatrocentos anos no passado.
Vagamente ouviu uma palavra que o homem adiante estava dizendo. Seria ele o Papa? Um sacerdote? Não tinha absoluta idéia. Não se importava. Tentou concentrar-se em evitar que seu rosto se contorcesse em uma carreta horrenda.
O tempo arrastou-se. O homem que fazia o casamento não parava de falar. Murmurava com monotonia, quase fazendo Draco pegar no sono em pé. Só uma pessoa muito maçante faria o garoto dormir no instante mais terrível de sua vida.
Então, de repente foi arrancado de seu tédio quando o homem dirigiu-se a ele:
- Sua Alteza, o anel.
“Anel” Oh, droga. Ninguém mencionara nada sobre anel.
Draco encarou-o inexpressivamente, tentando pensar em algo para dizer. Pela primeira vez na vida, sentiu-se constrangido.
Então alguém cutucou seu braço. Olhando para baixo, viu Elle ao seu lado, estendendo uma pequena almofada e sorrindo. Nela, estava um anel de ouro com um grande diamante.
Draco conseguiu sorrir em agradecimento, e pegou o anel da almofada.
Ele virou-se para encontrar os olhos de Gina. Ela estava incerta do que fazer; ele percebeu pela maneira que os seus olhos percorriam dele até o homem adiante. Draco decidiu fazer a única coisa que pôde imaginar. Pegou a mão esquerda dela, mas antes que pudesse deslizar o anel pelo seu dedo, o homem começou a falar novamente.
- Com este anel, te desposo – disse ele.
O príncipe olhou-o com uma sobrancelha arqueada. O que estava dizendo? Ele não estava casando com Gina, Draco estava.
Então percebeu que devia repetir a fala. Sentindo-se idiota, franziu o cenho para a noiva e repetiu em uma voz baixa:
- Com este anel, te desposo.
- Para respeitar-te, na saúde e na doença – continuou o padre.
- Para respeitar-te, na saúde e na doença... – Draco deu-se conta que “amar-te” não era mencionado. Bom para ele. Nunca amara ninguém, e não queria fazer promessas de que amaria.
- Para reinar e manter a ordem, para decidir pelo o que é melhor para o reino em primeiro lugar...
Isso era um voto de casamento ou um juramento para ser rei?
Draco repetiu tudo que tinha que dizer obedientemente, sentindo absolutamente nada quando encarava Gina. Ela lançou-lhe um pequeno sorriso encorajador, e quando havia terminado, deslizou o anel pelo dedo dela.
Ele era pequeno demais e ficou preso na dobra do dedo, incapaz de ir até o final. A princesa mordeu o lábio e segurou o dedo com a palma para que a jóia não caísse.
Quando era a vez de Gina fazer o juramento, a rainha apresentou o anel de Draco para ela, e então a ruiva começou a repetir com o homem. Suas promessas eram diferentes, algo como “devoção por seu rei” e “ajudar seu reino de qualquer forma possível” como se ela fosse alguma serva e não a rainha. Parecia um pouco machista para Draco. Na maior parte, ele ignorou o que ela disse.
Ela pegou a mão dele em sua pequena e mais quente, sua pele parecendo macia. O anel de Draco, uma argola dourada com uma escritura em Latim gravada, serviu direito. Parecia deslocado em seu dedo; ele nunca usara jóias, e anéis eram femininos demais na sua opinião.
Gina sorriu. Não um sorriso prazeroso e feliz. Um que estava tremendo e era forçado, obviamente feito apenas para fingir e evitar que chorasse.
Por alguma razão, isso o fez sentir algo apertado em seu estômago. Será que ele era tão terrível que ela queria chorar à idéia de ser sua esposa?
Não houve beijar a noiva. O homem apenas declarou-os “marido e mulher” e então adicionou: “O novo Rei e Rainha de Gales e Inglaterra”. O público aplaudiu apropriadamente.
Obviamente era tanto um casamento quanto a iniciação dos novos reis.
Draco estava pronto para ir, mas ainda não acabara. Seu pai parou na sua frente, com as costas para os espectadores, e deu-o um cuidadoso sorriso que chegou aos seus olhos. Ele removeu sua coroa maior e mais elaborada de sua cabeça.
Quando Draco não fez nada em retorno, Edward lançou-lhe um olhar irritado.
- Sua coroa – balbuciou.
Suspirando, Draco estendeu a mão e tirou sua coroa. Seu pai então colocou na sua cabeça a coroa do rei, e a multidão começou a aplaudir novamente. Examinando ao lado, viu a mesma troca de coroas entre Gina e sua mãe.
A ruiva fitou todos, seu rosto rígido, seus lábios brancos. Draco teve uma grande vontade de colocar seus braços em volta dos ombros dela, mas conseguiu controlar-se.
O pai de Gina, Rei Robert, caminhou entre eles e dirigiu-se a todos no salão:
- Agora que a cerimônia chegou ao fim – disse, sorrindo para eles de um jeito falso – convidamos a todos que unam-se a nós nos jardins para diversão e atividades. Não esqueçam-se de vestirem-se adequadamente.
Diversão e atividades, hein? Draco olhou para Gina com uma expressão cômica, e ela apenas deu de ombros.
Lentamente as pessoas começaram a esvaziar o salão. Incerto do que fazer, Draco dirigiu-se a seu pai. Antes que pudesse perguntar o que estava acontecendo, alguém cutucou seu braço para chamar sua atenção. Ele virou-se para ver a mãe de Gina, que estava sorrindo esplendorosamente demais.
- O artista está aqui, Draco – disse ela.
- Artista? – repetiu ele sem pensar.
- Que artista? – imitou Gina, dando um passo para parar ao lado de Lavinia.
- Aquele que irá pintar o seu retrato, Virgínia – respondeu a mãe, tentando esconder sua irritação e franqueza – Você não ouviu uma palavra do que discuti com você hoje?
- Aparentemente não – retorquiu a garota. Sua voz afiada não soou tão ameaçadora quanto deveria; estava claramente abalada pelo fato de estar casada.
Draco não podia acreditar que estava comprometido. Sentia-se exatamente igual; sem alegria, sem depressão... se sentisse alguma coisa, era alívio pela cerimonia ter acabado. “Não estou casado” disse a si mesmo firmemente. Deixaria as coisas dessa forma.
- Ele só irá pintar a Gina, então – disse Draco, tentando pensar em outra coisa a não ser o que havia acabado de acontecer.
Lavinia lançou-lhe um olhar enfurecido, seus olhos revirados.
- Não, ele irá fazer a pintura de casamento de vocês, Draco – O tom dela não era muito controlado.
Custou quase a energia inteira do rei para não responder algo vulgar e rude. Ao invés disso, ele lançou seu olhar mais bravo e esperou que isso retirasse aquela aparência irritada e sabe-tudo do rosto dela.
Ela ignorou-o.
Lavinia conduziu-os para o lado de fora através de uma porta no fundo do Salão Principal, para que assim não esbarrassem em nenhuma convidado, para uma sala do outro lado de onde ocorrera a cerimônia. Gina caminhou ao lado de Draco, levantando sua saia excessivamente grande, e olhando para o chão para que não tropeçasse em nada. A visão dela caindo fê-lo sorrir, mas durou apenas um instante.
O aposento era mobiliado, mas os móveis haviam sido deslocados para os cantos. Pendurada em uma das paredes estava algum tipo de lençol grande e vermelho, chegando ao chão e estendido como um tapete. Na frente dele posicionava-se um homem de meia idade com uma grande tela em um cavalete, uma cadeira, e um conjunto de tintas.
Ele acenou para eles, mas além disso não os cumprimentou.
- Façam o que John pedir – sussurrou Lavinia um alto demais no ouvido de Gina, evidentemente querendo que Draco escutasse também. Então ela dobrou suas saias, deu as costas, e saiu.
- Eu vou matá-la – jurou Gina entre dentes.
Draco escolheu não responder e aproximou-se do homem chamado John.
- Quanto tempo este retrato demorará? – requis ele.
John não encarou-o; passou seu pincel em algumas tintas e testou a cor no canto da tela.
- Sua Majestade não pode apressar a arte – respondeu vagamente.
- Maravilhoso – resmungou o rei.
- Aonde você quer que nos posicionemos? – lamentou Gina. Estava de mau humor. Maldita aquela rainha idiota – agora Draco teria que sofrer com uma Weasley “pavio curto”.
John apontou com a ponta do pincel para o lençol vermelho. Ele estava na parede e no chão para prover um fundo básico, descobriu o rei, assim que alcançou-o. Gina seguiu-o de repente, levantando seu vestido um pouco mais acima para que a barra não prendesse e puxasse o lençol.
Eles permaneceram parados por um segundo, quando John continuou a fitar sua tela branca, como se estivesse pensando, e Draco ficou irritado.
- Olha, nos diga logo como quer que fiquemos ou vamos dar o fora daqui – bradou ele – E então vamos... expulsá-lo do país.
Gina revirou os olhos para ele, indicando que achava idiota o que ele dissera. O garoto encarou-a de volta, mas ela não estava mais olhando e não reparou.
- Fiquem juntos – disse John de forma curta, finalmente fitando-os. Ele continuou a dar as instruções, e Draco teve que dá-lo mérito por irritá-lo quando não conseguiam ficar nas posições que o homem queria.
No fim, estavam colocados ombro ao lado de ombro, Gina ao lado esquerdo de John, e Draco à direita dele. A garota estava levemente voltada para Malfoy e ambas as mãos dela estavam nas dele.
O pintor tinha a sua tela diretamente na frente deles, então podia espreitar por cima e observá-los.
- Olhem para mim, e não se movam – comandou John. Então começou a desenhar.
A posição ficou confortável por um tempo, mas não pelas quase três horas que o artista levou para pintá-los. Várias vezes Draco teve uma coceira que quase morreu querendo coçar, e após meia hora quis ir ao banheiro. Suas pernas estavam doloridas por ter permanecido tanto tempo em pé. Começou a suar, e fazia cócegas quando as gotas desciam pelo seu pescoço. Não podia fazer nada, e isso estava deixando-o meio louco.
As mãos de Gina começaram a suar nas suas. Ela estava tão inconfortável quanto ele, senão mais, devido ao seu traje. Contudo, o garoto estava preocupado demais em si mesmo para pensar nela.
Ele fez tudo que pôde para manter-se ocupado. Tentou ver o número máximo que podia contar mentalmente, mas perdeu a conta em algum ponto de seiscentos e setenta e quatro. Então começou a listar todos os feitiços que já aprendera, tentando lembra-los pela ordem em que foram aprendidos. Após um tempo, isso tornou-se difícil demais, e procedeu em relembrar todos as marcações de seus jogos de quadribol. Nem chegou muito longe com isso, porque era quase impossível lembrar de todos os jogos que já tivera em sua vida. Então passou a numerar todas as receitas culinárias que sabia, e não evoluiu muito, já que não sabia cozinhar muito bem.
Finalmente, depois de quase três horas, o homem deixou de lado seus pincéis e pintas, curvou-se para trás, estudou a tela por um momento, e acenou com a cabeça de satisfação.
- Eu finalizei-o – disse ele.
Se ele tivesse anunciado “Tenho uma maneira de levá-los de volta à sua época” Draco não teria ficado mais feliz. Largou as mãos de Gina e secou a parte de trás de seu pescoço. Gina sentou-se no chão tão rapidamente seu vestido permitiu, soltando um longo suspiro de alívio.
John encarou-os em dúvida:
- Não querem vê-lo?
Não, Draco não tinha vontade alguma de ver o que quer que fosse. Mas que diabos – havia agüentado três horas em pé para faze-lo, então pelo menos tinha que ver se ficara bom.
Ajudou Gina a pôr-se de pé e caminharam para a tela. Ela prendeu a respiração quando o viu.
Bem. Era uma pintura espetacular, mas não uma que Draco gostaria de ter ficado parado por três horas para faze-la. Contudo, ele não teria querido permanecer em pé tanto tempo por nenhum tipo de pintura. Mas ainda assim, era muito melhor do que ele havia esperado, e muito realista, bem parecida com o retrato que tinha em seu quarto de sua “mãe”.
O homem havia pintado o corpo inteiro deles, o vestido de Gina e as roupas de Draco detalhadamente. Entretanto, era os seus rostos que tornava o quadro tão fantástico. Estavam ambos olhando para frente, apesar de não precisamente tão à frente de forma que desse a impressão de estarem encarando a pessoa que o observava o retrato. A expressão de Draco estava vazia, como ele esperava que estivesse sempre. Mas havia algo na forma em que suas sobrancelhas estavam levemente arqueadas que denunciava a sensação de que estava irritado com algo. Gina parecia quase alegre. Seus lábios estavam fechados, mas estava dando um meio sorriso. Provavelmente John inventara aquela expressão, ou a desenhara no começo, quando ela estava sorrindo, porque nem a Gina teria permanecido sorrindo depois de uma hora.
O pintor estava obviamente esperando um elogio. Gina apenas murmurou um obrigada antes de Draco agarrar sua mão e deixar a sala.
* * *
Elle bateu a porta fortemente atrás de si, esperando que alguém fosse ouvi-la entre a grande confusão de risadas e gritos. É claro, ninguém escutou. Ninguém iria sentir sua falta.
Nas últimas quatro horas, os convidados estiveram brincando, gritando e rindo insolentemente no lado de fora do castelo. Estavam festejando a coroação de seu novo rei e rainha. Elle vira seu pai Edward se divertir, o que era raro. Até Gina e Draco haviam aparecido no final, após terem posado para um retrato, apesar de parecerem emburrados.
Havia tantas pessoas que, se Elle quisesse companhia, não teria que procurar muito. Mas eram todos adultos. Não havia ninguém da sua idade, ou perto dela. Tinha sido absolutamente tedioso. Até seu próprio tio, que usualmente estava sempre bajulando-a e contando como ela parecia com sua mãe, estivera ocupado demais mergulhando sua cabeça num barril de água para pegar uma maçã com os dentes para notá-la. E ele nunca a ignorara em toda a sua vida.
A única maneira de escapar da bebedeira e gritaria dos adultos era correr para o interior do castelo. Ele estava mortalmente silencioso, a maioria dos empregados dispensados pelo resto do dia antes de completar a limpeza da manhã seguinte ou estavam na festa. Por isso, os aposentos eram um refúgio, e Elle saboreou o silêncio.
Suspirando de tédio, a garota caminhou em direção a cozinha, esperando achar uma fruta que não estivesse flutuando na água ou envolvendo um porco morto. Às vezes gostava mais de comer as coisas normalmente.
Gritou de alegria quando conseguiu achar uma laranja que alguém esquecera quando haviam levado a comida para a rua. Só havia comido laranja uma vez na vida, porque elas vinham da América e mais da metade normalmente estragava no navio, mas decidira que era sua fruta favorita.
Deixando a cozinha, encravando as unhas na casca da laranja para descasca-la, ela pensou em onde poderia ir para sentar e comer sem ser perturbada. Infelizmente, não conhecia esse castelo tão bem quanto conhecia o seu, e não sabia de nenhum esconderijo. Então decidiu ir para o seu quarto.
O dormitório estava escuro quando entrou, o que surpreendeu-a. Tinha certeza de ter pedido para sua aia deixar as cortinas abertas o dia inteiro, para que o sol pudesse entrar. Obviamente, a empregada devia ter esquecido.
Elle caminhou em direção a janela, conhecendo o quarto bem o bastante para percorre-lo no escuro. Não havia nada entre a porta e a janela, o que devia deixar um caminho limpo sem objetos para tropeçar. Não estava esperando encontrar algo parado no chão.
Seu pé prendeu-se em algo, e com um pequeno grito e o farfalhar de seu vestido, ela caiu. Derrubou sua laranja e estendeu as mãos para amenizar a queda, conseguindo evitar o rasgo do tecido de seu vestido mais bonito. Ouvindo a laranja deslizar, ressaltou seu lábio inferior em uma expressão brava. Ótimo, agora um monte de pó prenderia-se na fruta. Que bom que ela só havia descascado um pouco.
Suas pernas apoiaram-se na coisa que havia tropeçado, virou e puxou os joelhos para o peito. Estava brava com o que quer que fosse aquilo, furiosa com quem quer que tivesse deixado algo no meio de seu quarto para ela tropeçar e deixar cair sua fruta preferida no chão.
Não podia ver nada na escuridão. O estreito faixo de luz vindo da porta aberta também não ajudava. Estava muito distante do ponto em que tropeçara. Esticando uma mão, tateou o que estava parado ali, e sentiu tecido sobre algo sólido.
Elle puxou bruscamente seu braço de volta e franziu as sobrancelhas. Ora, aquilo parecia uma pessoa!
Laranja esquecida, apressou-se para se pôr de pé. De repente sentiu pânico e seu coração agitou-se no peito. Era como se tivesse acabado de acordar de um pesadelo, com a diferença de que sentia que o sonho ruim estava apenas começando.
Ela puxou as cortinas para o lado, deixando a luz do dia nublado penetrar. O clarão revelou um corpo inerte no chão.
Elle fitou-o por um momento, então fechou os olhos.
“Vá embora. Quando eu abrir os olhos, você terá ido embora.”
Ela pensou que rezando para que o corpo saísse de seu quarto, isso aconteceria. Mas quando abriu as pálpebras, ele permanecia ali, e não parecia que ia pular e caminhar para fora, alegre e vivo.
Vagarosamente, Elle forçou-se para chegar mais perto e ver quem era. Seu rosto estava virado para a porta, do lado contrário em que ela estava, então teve que inclinar-se. Apavorada de que ele fosse voltar a vida de alguma forma e agarrá-la, ela reprimiu um soluço e mirou o chão, para que pudesse acabar com aquilo rapidamente.
Elle avistou o rosto e vacilou, o soluço escapando de sua garganta e lágrimas de terror escorrendo pelas suas bochechas. Prendendo as mãos no peito, tentando confortar-se, ela tentou esquecer o que acabara de ver.
A menina não sabia quem era. Os traços da pessoa estavam tão ensangüentados que era impossível dizer. Mas a aparência nojenta e sangrenta quase a fez vomitar. Foi bom não ter comido a laranja.
A histeria cresceu nela, e sua respiração tornou-se pesada. Precisava chamar alguém. Tinha de contar. Precisava sair daquele quarto!
Levantando as saias à altura dos tornozelos, pulou pelo corpo e correu o mais rápido que suas pequenas pernas conseguiram.
Notas do capítulo: A informação que peguei do casamento está aqui: http://www.weddingideas.com/nov98/elizabethan.htm (em inglês). Tudo que estava dito era exatamente o contrário que eu pensei, então a informação parece um pouco... estranha para essa época, ou para a realeza, mas saiba que eu segui o que estava escrito neste artigo. Além do mais, esse é o meu mundo, permita-me lembrá-lo, e eu posso fazer o casamento como eu bem entender. *coloca a língua para fora*
Eu inventei o juramento do casamento... obviamente.
O pintor não é ninguém em particular ou famoso – só um homem qualquer que eu inventei sem um nome real.
Nota da Autora: Então esse foi o casamento, e sim, a pessoa assassinada é alguém conhecido, mas não muito.
Próximo Capítulo: Descobriremos por que Tom não estava no casamento, quem é o cúmplice, e por que aquela cadeira idiota estava atrás da tapeçaria. E claro, quem é o homem que Elle achou em seu quarto.
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