Tempo, o Tempo
Gina acordou com um ruído no meio da madrugada. Sua cabeça estava latejando e sentia seus olhos inchados. Quando a cabeça de Luna apareceu do meio das cortinas, Gina não se surpreendeu. As visitas noturnas da amiga já eram rotina nos finais de semana.
- Você está acordada? - sussurrou Luna, subindo na cama.
- Estou - respondeu Gina numa voz que não parecia lhe pertencer. - Luna... hoje eu estou muito cansada. Eu queria dormir, está bem?
Luna ficou alguns minutos examinando-a, e então fez menção de sair da cama. Gina percebeu que não queria que ela fosse. A presença de Luna era, de algum modo, reconfortante apesar de tudo.
Com um movimento rápido, segurou a mão da garota. Ela voltou-se para encará-la.
- Você não precisar ir.
- Eu não quero atrapalhar o seu sono - Luna disse calmamente.
- Não vai atrapalhar. Eu quero que você fique comigo... nem que seja só até eu dormir. Afinal, você me acordou. - Gina pediu. - Por favor...
Luna a fitou por alguns momentos, e então arrastou-se para baixo das cobertas junto com Gina.
Pensando nessa noite algum tempo depois, Gina poderia se lembrar com clareza de cada sensação, cada pensamento que lhe viera a cabeça tendo Luna aconchegada junto dela naquele silêncio cúmplice que só elas conheciam. Os olhos azuis da garota a observavam atentamente, e Gina teve certeza de que mesmo depois de pegar no sono Luna ainda a estava vigiando.
Ela podia sentir a respiração da amiga perto do seu ouvido, uma sensação que conseguiu lhe trazer algum conforto. Muito lentamente os olhos de Gina foram ficando pesados, e ela acabou por adormecer segurando a mão de Luna.
E em seus sonhos, ouviu uma voz sussurrando em seu ouvido “Gina, eu amo você. Nunca esqueça disso.”
- Nunca – Gina murmurou.
***
"E o vento vai levando tudo embora
Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos na mesma direção
Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim? (...)"
É uma coisa curiosa como as coisas tendem a mudar de um dia para o outro, antes mesmo que você tenha consciência de que está acontecendo. Então, um dia, você acorda e descobre que tudo está diferente, e já não há mais nada que você possa fazer para evitar. Como o vento, o tempo passa; Frio, cruel, impiedoso. Afastando tudo e todos, transformando a vida das pessoas.
E foi isso o que aconteceu com Luna.
Um dia, ela estava deitada na cama de Gina, zelando pelo sono da amiga. No outro, estava sozinha em uma carteira no fundo da sala de aula, isolada. Exatamente como tudo começara, há anos atrás. Mas dessa vez não havia Gina para lhe estender a mão.
Ela começou a evitá-la. Luna não era boba ou ingênua, ao contrário do que muitos podiam pensar a seu respeito. Sentia que havia algo errado. Sabia que algo entre elas havia se quebrado, mas não conseguia identificar as rachaduras para que pudesse tentar concertar.
Algumas vezes, sentia vontade de gritar. Outras, de correr para Gina e abraçá-la com tanta força que fosse difícil para a garota respirar. Mas, na maior parte do tempo, apenas observava. Observava Gina se afastando cada vez mais.
E havia aquela sombra nos olhos dela. Algo ruim. Tinha certeza de Gina estava sufocando, exatamente como ela. Mas não conseguia entender por quê. Luna sentira como uma facada, naquela última noite no dormitório da Grifinória; Sentira que era o fim, mas não queria acreditar.
O tempo foi passando, e a horas se tornaram dias; Os dias se tornaram semanas, e as semanas viraram meses. E agora Luna já não tinha mais certeza de que podia dizer que conhecia Gina Weasley. Ela escorregara para fora da sua vida muito rápido.
Luna sabia que ela estava saindo com Harry Potter. Ouvira Cho Chang comentar com umas amigas no salão comunal, certa vez. E, de algum modo, não sentiu-se realmente surpresa. No fundo sempre soubera que isso acabaria acontecendo. Tinha sido boba em confiar. Mas Gina fizera Luna acreditar que nunca mais estaria sozinha, e agora ela a abandonava. Do mesmo modo como sua mãe... Exatamente igual. De fato, existiam muitas outras semelhanças entre as duas. Talvez por isso Luna tivesse se deixado levar tão facilmente.
A pele de Gina tinha o mesmo cheiro de maçãs secas que a de sua mãe e, é claro, também havia os olhos. Brilhavam de maneira muito singular, inspirando confiança. Luna costumava passar horas fitando os olhos de Gina – azuis, mas não como os seus. Eram mais densos, como a água de uma lagoa escura.
Mas ela já não podia reconhecer os olhos de Gina como antes.
Gina se tornara uma mentirosa. Andava cercada de meninas, agora. O tipo de companhia que ela costumava desprezar. Eram todas interesseiras, e nenhuma delas se importava realmente com Gina – e Luna tinha certeza de que ela também não se importava com suas novas amigas. Era tudo um jogo, e Luna sentia que estava sentada na platéia de um grande circo de mentiras.
O que acontecera com a Gina que ela conhecera? A Gina que pegara sua mãe e mostrara o caminho tantas vezes, quando estava perdida? Onde ela fora parar?
Pois Luna a queria de volta.
Houve uma vez em que Luna chegou a achar que as coisas estavam começando a voltar ao normal. Foi numa Sexta-feira, no intervalo entre a aula de Poções e a de Transfiguração. Luna estava caminhando distraidamente pelo corredor, como de costume, e estava lendo a nova edição do Pasquim que recebera aquela manhã durante o café.
Lembrando-se do acontecido algumas horas depois, Luna não conseguiria dizer com certeza como se deram os fatos. Tinha a impressão de que alguém havia dito alguma coisa, e não percebera que estavam falando com ela. Então sentiu um puxão na gola de sua camisa.
- Loony, você não tem educação?
Luna se virou para encarar três das suas colegas de quarto, Anne, Janine e Victoria. Ela piscou. Desde que colocara os pés naquele castelo, aquelas garotas haviam deixado bastante claro que não gostavam nem um pouco da sua pessoa, e sempre que possível faziam todo o tipo de brincadeira de mal gosto com Luna. Elas passavam o ano inteiro escondendo as coisas de Luna pelo castelo, e a garota sempre precisava gastar um dia inteiro para encontrar tudo – quando encontrava.
- Não vi vocês – Luna disse, ainda perdida em seus devaneios.
- É claro que não – disse Victoria, a mais alta das três. Ela tinha dentes muito grandes para o tamanho da sua boca, e Luna sentia-se agoniada quando precisava ficar olhando para a colega por muito tempo. – Você nunca presta atenção em nada, realmente.
As garotas deram gargalhadas.
– O que é isso que você está lendo, Lovegood? – perguntou Anne maldosa, e antes que Luna pudesse ter qualquer reação, arrancou a revista das suas mãos.
- Me devolva – Luna pediu com um suspiro.
- Ah, é claro – Janine deu uma risadinha. – Aquele lixo que o seu pai escreve.
- Não é lixo – Luna disse calmamente. – Pode me devolver, por favor?
- Acho que você não deveria ler essas coisas, Lovegood – Anne disse sacudindo a revista na ponta dos dedos. – Você já consegue ser retardada o bastante sem essas influências.
As garotas tiveram outro acesso de risadas, e Luna começou a sentir-se irritada. Fez um movimento para recuperar a revista, mas Anne percebeu e se esquivou a tempo.
- Uhhh – fizeram as três em uníssono. – Está ficando nervosinha, Loony?
- Devolva...
- Ei, Timmy! Pega aí! – Anne berrou para o garoto que estava passando, e jogou a revista para ele.
Luna virou-se para o rapaz. Ela o conhecia, era jogador do time de quadribol da Corvinal. Pediu que ele lhe devolvesse. Tim pareceu confuso em um primeiro momento, mas as três garotas berraram histericamente para que ele não entregasse a revista para Luna. Então o garoto sorriu e jogou-a para seu outro colega, que, por sua vez, passou para Janine.
Era uma situação realmente humilhante para Luna. Em poucos minutos havia se formado uma rodinha em torno dela, e seus colegas ficavam jogando a revista de mão em mão, deixando Luna correr de um lado para o outro tentando recuperá-la.
- Accio! – exclamou uma voz, aquela voz tão conhecida de Luna, e o exemplar do Pasquim voou das garras de Victoria para as mãos de... Gina.
- Ei, Gin, passa a revista! – disse Anne. Luna sabia que elas andavam juntas de vez em quando, e costumavam fazer os trabalhos de Poções em conjunto.
Luna olhou para Gina, que estava irritada. Sim, Luna sabia que ela estava furiosa, pois conhecia cada expressão e cada reação da garota com quem convivera tão intensamente aquele ano. A ruiva bufou, deu alguns passos e entregou a revista para Luna sem olhá-la.
- Ah, Gina! Não seja chata... – protestaram os garotos.
- Vão achar o que fazer – Gina disse aborrecida.
- Só estávamos brincando – Janine resmungou.
- É, Gin, era só uma brincadeira...
- E é uma coisa realmente estúpida para se fazer – Gina revirou os olhos.
O grupinho foi se dissolvendo lentamente, e Anne, Janine e Victoria desapareceram na curva do corredor lançando olhares fulminantes para Gina e sibilando maldições contra a garota.
Gina os observou ir embora com os braços cruzados. Então, virou-se para Luna.
- Realmente idiotas, não acha? – Gina falou, sacudindo a cabeça. – Você não devia deixar eles fazerem essas coisas com você.
- Já estou acostumada – Luna encolheu os ombros.
- Bem, não devia – Gina disse com ar de censura. – As pessoas decentes costumam respeitar uns aos outros, mas quando você lida com gente como eles – ela fez um movimento com a cabeça -, infelizmente é necessário impor respeito. Eu já lhe disse isso um milhão de vezes, Lu...
Luna sorriu para a garota. Naquele momento, parecia que nada havia mudado e que os últimos meses não haviam passado de um dos devaneios de Luna. Muito lentamente, Gina retribuiu o sorriso.
- Você vai a Hogsmeade amanhã? – Luna perguntou.
- Não sei, talvez – Gina disse. – Você vai?
- Talvez – Luna falou. Pensou por alguns momentos e disse. – Mas se você ficar no castelo, eu fico.
Elas se encararam longamente durante alguns segundos. Gina sabia o que Luna estava querendo dizer, e parecia bastante tentada a aceitar.
- Não sei...
- Fique comigo – Luna pediu. – Gin...
Os lábios de Gina tremeram levemente, e por um momento Luna teve certeza de que ela aceitaria. Sem que tivessem percebido, haviam se aproximado muito uma da outra. As duas eram praticamente da mesma altura – Luna era alguns poucos centímetros maior -, de modo que bastava um impulso de qualquer uma das partes para que seus lábios se encontrassem. E tanto Gina quanto Luna estavam bastante conscientes disso.
- Lu... eu – Gina murmurou, mas nesse momento o som de vozes invadiu o corredor, e ela se afastou rapidamente. Harry, Rony e Hermione vinham se aproximando.
- Ei, Gina! – Harry chamou sorridente.
- Oi! – Gina acenou, e então voltou-se para Luna. – Sinto muito.
E correu até o trio, afastando-se rapidamente com eles e jogando em Luna um grande balde de água gelada.
O afastamento de Gina e Luna não fora algo muito notado pela maior parte dos alunos da escola, já que Luna sempre fora insignificante para eles, e Gina só começara a atrair o interesse de toda aquela gente popular porque estava saindo com Harry – e quando o assunto era ele, não havia uma única alma naquele castelo que não estivesse curiosa. No entanto, uma pessoa em especial percebeu o que estava acontecendo.
Quando a profa. McGonagall pediu para falar com ela no final daquela aula de Transfiguração, Luna sentiu-se um pouco nervosa, imaginando o que poderia ter feito de errado. Minerva esperou até todos os alunos saírem para começar a falar, e nesse meio tempo Luna ficou observando-a rabiscar alguma coisa em um pedaço de pergaminho velho.
Então quando a última pessoa saiu, encostando a porta atrás de si a pedido de McGonagall, a professora ergueu os olhos para Luna e deu-lhe um sorriso gentil. Luna piscou. Ver McGonagall sorrindo não era uma coisa muito comum e, de fato, parecia que a bruxa estava fazendo um enorme esforço para mover os músculos de seu rosto naquilo. Luna perguntava-se se ela sempre fora assim. Será que Minerva McGonagall nascera sem saber sorrir? Não, é claro que não. Ela provavelmente esquecera. Afinal, raramente praticava...
- Como você está, Srta. Lovegood? – a voz da professora trouxe Luna de volta dos seus devaneios.
- Bem, eu acho – Luna respondeu lentamente. – E a senhora?
- Eu tenho observado você nos últimos tempos – Minerva continuou, ignorando a pergunta de Luna. Não sabia que a garota realmente estava interessada em saber como ela estava passando. Seus outros alunos nunca estavam... Mas às vezes ela esquecia que Luna Lovegood não era uma aluna qualquer. Ela era diferente, especial. E olhar nos olhos dela era quase como se estivesse vendo a falecida Diana Lovegood outra vez. – Você tem andado muito sozinha, não é? Por quê?
- Acho que as pessoas não gostam muito da minha companhia – Luna disse pensativa. – Eles acham que sou um pouco excêntrica, sabe...
McGonagall ajeitou os óculos sobre o nariz.
- E a Srta. Weasley? – indagou McGonagall apertando os olhos como se quisesse ler através do crânio de Luna. Não era uma sensação muito confortável. – Você costumavam andar sempre juntas e, de repente, mal se falam mais. Aconteceu alguma coisa? Vocês brigaram ou algo do tipo?
Luna meditou por alguns momentos.
- Ela tem outros amigos agora, e eles não gostam de mim – respondeu, afinal. – Ou, talvez... Ela também não goste mais de mim. Eu não sei.
McGonagall respirou profundamente.
- Você não precisa esconder de mim, Luna. Não precisa mentir. Eu entendo o que você está sentindo, quero apenas ajudar.
- Não estou mentindo.
- Então me diga, o que de fato aconteceu entre você e Gina para que tenham cortado relações tão repentinamente?
- Eu não cortei relações com a Gina, foi ela quem se afastou – Luna respondeu com irritação.
- É por causa do Potter, não é? – Minerva perguntou. Luna fitou a professora e, surpresa, pôde identificar alguma cumplicidade em seu olhar. Então sacudiu a cabeça muito lentamente.
- Não sei. Talvez.
McGonagall estendeu a mão sobre a mesa e tocou carinhosamente a da aluna.
- Vai ficar tudo bem, minha querida, eu vou ajudar você...
- Ajudar? – Luna indagou.
- Sim, ajudá-la.
- Ajudar a quê?
- A superar esse problema...
Luna puxou a mão com hostilidade, e pôs-se de pé irritada.
- Eu não tenho nada para superar, e não preciso da sua ajuda – Luna disse com a voz um pouco elevada. – Na minha opinião, são as pessoas falsas que mentem para si mesmas que precisam de ajuda.
Luna deu as costas para Minerva, e caminhou até a porta. Estendeu a mão para a maçaneta.
- Lovegood – a professora disse cansada.
Luna parou, os olhos baixos; cabelo lhe caindo sobre as vistas. Pensou por alguns momentos, e então, antes de ir, murmurou lentamente sem se virar:
- Depois da minha mãe, Gina foi a única pessoa que já me amou. Acho que vou morrer sem ela.
***
- Gina, você está longe.
A garota abriu os olhos. O rosto de Harry estava lá, olhando para ela com o esboço de um sorriso em seus lábios.
- Desculpe, Harry – Gina disse. – Acho que cochilei.
- Não, não cochilou – Harry afirmou. – As pálpebras de seus olhos estavam tremendo, de modo que posso deduzir que você estava forçando-as a ficarem fechadas.
Gina ergueu uma sobrancelha, aborrecida. Fez menção de se levantar, mas Harry a puxou de volta.
- Tudo bem, eu não estava brigando. Foi apenas uma constatação.
Gina suspirou e deitou a cabeça novamente no colo do rapaz. Eles estavam em uma poltrona espaçosa no salão comunal da Grifinória, que tinha um movimento considerável naquele fim de tarde. Ela olhou para Harry, que sorria. Pensou em como era espantosa a velocidade com que o tempo havia passado. Dois meses! Estavam juntos há dois meses. Realmente, era muito mais do que ela jamais imaginara.
Não era ruim, sinceramente falando. Harry era uma companhia muito agradável, e era um doce de namorado. Um pouco inexperiente, é verdade, mas ele estava aprendendo rápido... Bem rápido. Numa das noites que passaram acordados juntos, eles trocaram as famosas “listas” – Harry lhe falou sobre as meninas com quem se envolvera, e vice e versa. Se ele fora realmente sincero – e Gina acreditava que sim -, Harry não tivera muitas experiências amorosas antes dela. Seu primeiro beijo fora com Cho Chang, e ele ficara com ela umas duas vezes no sexto ano. Então Cho lhe deu um pé-na-bunda definitivo, e Harry aceitou sair com Parvati apenas para colocar ciúmes nela. Não foram mais do que três ou quatro vezes, até Harry perceber que estava sentindo algo mais forte por Gina. E lá estavam eles agora, juntos como o casal mais perfeito de Hogwarts.
Gina, por sua vez, tivera muito mais coisas para contar a Harry.
- Neville? Neville? – Harry disse, incrédulo, quando Gina lhe disse que seu primeiro beijo fora com o garoto. – Não, falando sério, Gin...
- Estou falando sério! – Gina exclamou. – Você queria o que? Ele era o único garoto interessado em mim, naquela época.
Harry resmungou qualquer coisa.
- Ok, vamos trabalhar isso. Eu não acredito que você esteja com ciúmes do Neville!
- Eu não estou com ciúmes do Neville! – Harry protestou cheio de indignação, e Gina passou o resto do dia tirando sarro da cara do garoto por causa disso.
Gina falara sobre seu primeiro namorado, um garoto da Corvinal, e sobre seu relacionamento atribulado com Dino Thomas. Antes dele, é claro, houve Justino Finch-Fletchley, Tim Crown e um único beijo em Lino Jordan, quando ele fora passar um final de semana na Toca com Fred e Jorge.
- Que pervertido! – Harry disse com uma careta. – Atacando uma garotinha inocente...
Gina deu uma risada.
- Na realidade, fui eu quem o beijou...
- Oh, claro. Eu devia ter imaginado – Harry sacudiu a cabeça.
- Algum problema? Eu sou uma garota de iniciativa – Gina encolheu os ombros.
- É, sei. Então, é só isso, ou você tem mais alguma história para mim?
- Não, isso é tudo - Gina não falou de Luna, é claro. De todos os seus casos, aquele que mais lhe importara, e ela nem podia falar sobre o assunto.
E doía pensar em Luna. Tanto, que Gina decidira simplesmente ignorar. Pedir que esquecesse seria demais, mas com algum esforço podia fazer de conta que tudo estava bem. Já passara da fase de chorar – isso fora nas primeiras duas semanas. Então foi como se as lágrimas simplesmente tivesse secado naturalmente, e ela já não tinha como voltar a chorar. Tinha a sensação de que algo dentro de si havia morrido, e apodrecia lentamente, corroendo sua alma e infectando todas as partes do seu ser de maneira mortal.
No que ela, Gina, havia se transformado? Em que tipo de pessoa? Uma falsa, vagabunda e mentirosa. Tinha essa idéia clara em sua mente cada vez que Harry a beijava e ela se pegava pensando em Luna, e em como a boca da amiga era milhares de vezes mais doce e macia do que a do namorado. E no modo como ela beijava, lenta e cuidadosamente. Harry era tão desajeitado... Como os garotos costumam ser. De fato, Gina não podia dizer que tivesse, algum dia, sido beijada por um menino com a mesma perfeição de Luna.
Gina sabia que ela estava sofrendo. Podia ler naqueles olhos que só ela conhecia perfeitamente, e sabia que Luna estava sentindo muito fortemente a separação das duas – talvez mais do que Gina. Mas não havia nada que pudesse fazer. Simplesmente não podiam mais estar juntas, e é claro que Luna não conseguia entender isso. Muitas foram as vezes em que Gina desejou puxar a amiga para junto de si e abraça-la com força, bem junto a seu peito, para que pudesse arrancar toda a dor de dentro dela e esquecer todos os dias negros que passaram separadas.
Outra situação difícil pela qual vinha passando era a convivência com Hermione. Não podia demonstrar o quanto a desprezava diante de Harry e Rony, pois nenhum deles entenderia. Então precisava fazer o possível para ser natural e tratar a garota com gentileza, quando na verdade desejava bater no rosto de Hermione e berrar para quem quisesse ouvir o quão terrível ela estava sendo; Como ela estava destruindo a sua vida, fazendo com que participasse de um teatro dolorosamente cruel, do qual jamais desejara fazer parte.
Gina queria poder simplesmente jogar tudo para o alto, e desafiar Hermione, Rony e toda a sua família, se fosse preciso, para ter aquilo que agora, mais do que nunca, sabia desejar para si – Luna ao seu lado. Mas era covarde demais para isso. Não poderia suportar ver o desgosto nos olhos de seus pais e irmãos. A imagem lhe vinha sempre em devaneios: toda a família reunida na cozinha da Toca, e Gina parada no centro sob os olhares estarrecidos de todos; Sua mãe desabando no choro, e seu pai sacudindo a cabeça e murmurando “Pelas barbas do profeta, onde foi que eu errei?”; Fred e Jorge fariam piadas a seu respeito nas reuniões familiares, e todos dariam risadinhas contidas quando seu nome fosse mencionado em uma conversa. “Gina? Ah, claro. Aquela que...” “É, essa mesmo. A filha do Arthur e da Molly...” “Eh. Ela nunca me pareceu muito normal, se quer saber.”
Os olhos de Gina enchiam-se de lágrimas cada vez que pensava nisso, e ela sentia uma leve vertigem na cabeça. Céus, não era essa a vida que desejava para si. Era demais para ela. Não conseguiria lidar com isso. Portanto, mesmo que isso significasse estraçalhar o seu coração, ela jamais voltaria a ser a mesma pessoa com Luna novamente.
Jamais.
"Sei que faço isso para esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora”
Vento no litoral - Legião Urbana
***
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