Detenção




Gina acordou na manhã seguinte com a claridade entrando por uma fresta nas cortinas de sua cama. Ela soltou um pequeno resmungo e virou-se para abraçar Luna. Mas só o que seus braços envolveram foi um travesseiro amassado.

Intrigada, Gina ergueu-se nos braços e olhou ao redor. Não havia sinal de Luna. Obviamente fora embora tão sutilmente quanto aparecera.

Suspirou, deixando-se afundar nas cobertas novamente. Ainda podia sentir o perfume dela em seu corpo. Era a melhor sensação de todas, Gina nunca imaginara que algum dia sentiria-se assim.

Demorou-se ainda algum tempo na cama, e então levantou-se para tomar um banho e se vestir. Era Domingo livre para Hogsmeade, e Gina mal podia esperar para encontrar Luna outra vez.

- Neville, você viu a Luna por aí? - perguntou Gina quando esbarrou com o garoto ao deixar o salão principal após um café da manhã reforçado.

- Acho que ela já foi para Hogsmeade - disse Neville, pensativo.

Gina sentiu uma pontada de amargura. Então era assim? Ela simplesmente saia para dar passeios sem ao menos esperá-la? Mas que bela amiga estava se mostrando. Ainda mais depois de tudo o que acontecera na última noite.

Bufando e deixando para trás um Neville muito confuso, Gina saiu do castelo e seguiu seu caminho até o povoado emburrada com tudo e todos. Luna ia ouvir algumas coisas. Ah, ia sim. O que ela estava pensando, que podia usa Gina a vontade e deixá-la de lado quando estivesse cansada?

Hogsmeade estava bastante movimentada aquela manhã. O dia estava levemente ensolarado, apesar de muito frio. E aparentemente a grande massa de alunos de Hogwarts decidira aproveitar aquele que provavelmente seria o último final de semana sem neve no povoado bruxo. Gina caminhava decidida por entre as pessoas, sabendo exatamente onde deveria ir se quisesse encontrar Luna.

Havia uma estradinha de terra atrás do prédio da prefeitura que levava para uma colina de grama alta e árvores. Era um dos lugares que Luna visitava em Hogsmeade; o outro era a Casa dos Gritos. Mas a intuição de Gina estava correta, e ela não demorou a identificar a figura esguia de Luna deitada displicentemente sobre um tronco derrubado. Estava fumando um cigarro e fitando o céu sonhadoramente.

Típico, pensou. Alguns passos e estava parada ao lado de Luna, que percebeu sua presença por causa da sombra que Gina fazia sobre seu rosto.

- Oi doce - Luna disse com um pequeno sorriso. Gina revirou os olhos. Ainda não tinha certeza se gostava de ser chamada de "doce". Mas Luna não parecia importar-se com sua opinião.

- Oi - Gina disse secamente, deixando-se cair sentada no gramado.

- É uma linda manhã, não acha? - indagou Luna distraidamente.

- Eh - Gina resmungou, fazendo uma careta para a fumaça exalada por Luna. - Quer apagar essa porcaria? Você sabe que eu odeio.

Luna continuou observando o céu, tragando seu cigarro tranqüilamente.

- É uma borboleta - disse Luna de repente. Gina fez uma careta de interrogação. - No céu. Não está vendo?

Gina olhou para cima rapidamente. Não havia nada, apenas nuvens brancas e de aparência fofa.

- Não estou vendo nada.

- Você nunca brincou de ver desenhos nas nuvens? - perguntou Luna. - É uma das coisas que mais gosto de fazer.

- Bem, eu fazia isso... quando tinha uns 6 anos - Gina disse com um suspiro. Luna realmente nunca crescia.

- É divertido - Luna sorriu, e então virou o rosto para encarar Gina. - Dormiu bem essa noite?

Gina olhou para a amiga, imaginando se ela estaria fazendo uma piadinha ou coisa assim. Era óbvio que mal dormira aquela noite, e Luna sabia perfeitamente disso. Então por que a pergunta?

- Não.

Luna ergueu uma sobrancelha, parecendo de algum modo ofendida.

- Eu dormi - ela disse, encolhendo os ombros. - Sonhei com estrelas e luzes que piscavam.

Gina percebeu que estava confusa sobre do que Luna falava exatamente: sonhos ou prazeres. Lembrou-se que ainda estava aborrecida com ela.

- Por que você não me esperou para ir a Hogsmeade?

- Você estava tão docinho dormindo que não tive coragem de acordá-la - Luna falou gentil. Gina ergueu uma sobrancelha.

- Isso não justifica.

- Achei que você parecia exausta e só ia acordar depois do meio dia - Luna disse simplesmente.

Gina corou e resmungou qualquer coisa. Luna escorregou para o lado de Gina, abraçando os joelhos. Ficou a fitá-la fixamente, como de costume. Gina remexeu-se incomodada.

- O que está olhando?

- Você - Luna disse sinceramente. Gina suspirou.

- Eu sei. Por que você está sempre me encarando... eu realmente não entendo o que tenho de tão interessante.

- Tudo - Luna falou passando o braço ao redor do pescoço de Gina e puxando-a para um beijo demorado.

- Não gosto de beijar você quando está fumando - Gina disse, deitando no colo da amiga.

- Você sempre gosta de me beijar, doce - Luna disse fazendo carinho no rosto dela. Gina não disse nada. Sabia que era verdade.

- Doce. Por que doce?

- Porque você é doce - Luna falou como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo.

- Soa estranho para um elogio...

- Era assim que ela me chamava. Mamãe. "Hora de ir para a cama, doce. Está tarde." E eu pedia para ela ler uma estória. Então ela sorria para mim e seus olhos brilhavam. Assim como os seus. Eu amo olhar nos seus olhos e ver esse brilho. Desculpe se incomoda.

Gina percebeu que estava sem palavras. Então um pequeno sorriso desenhou-se em seus lábios.

- Você é o meu doce.

- Então me beije.

- Sempre...


***


Depois desse dia o elo entre Luna e Gina ficou ainda mais forte, de modo que elas começaram a se arriscar bastante para suprir a necessidade que sentiam de um contato físico mais íntimo. Luna sempre achava uma maneira de escapar para o quarto de Gina durante a noite, o que a princípio era bastante divertido. Mas depois de uma semana de noites mal dormidas tanto Luna quanto Gina mal podiam se manter acordadas durante as aulas. Não era raro encontrá-las dormindo e babando sobre os livros, o que lhes rendeu vários problemas. Gina, por exemplo, conseguiu uma detenção com Snape que teria que cumprir na sexta-feira à noite. Isso frustrava totalmente os planos que fizera com Luna de passarem a noite juntas.

Havia algo que a amiga queria lhe mostrar, mas Gina não fazia idéia do que fosse porque Luna estava decidida a manter surpresa. Ela parecia bastante empolgada com o que quer que fosse, e Gina sentiu-se mal por ter que frustrar seus planos.

Horas depois da fatídica aula em que conquistara a detenção, Gina e Luna estavam sentadas no salão de inverno. Luna cochilava com a cabeça apoiada nas pernas de Gina, que estavam começando a ficar dormentes. A ruivinha vigiava o sono da amiga calmamente, deixando escapar um bocejo ou outro de vez em quando. Luna fora bastante compreensiva com relação a detenção. Ficara visivelmente chateada, mas concordara em adiar a surpresa.

Gina estava bastante curiosa, e não conseguia parar de imaginar o que poderia ser. Luna era cheia de mistérios. Quando achava que estava começando a compreendê-la, a amiga vinha com alguma nova loucura.

- Uma moeda pelos seus pensamentos.

Gina levou um susto e corou. Estava tão entretida em seus pensamentos que sequer percebera a aproximação de Harry. Ele sorria gentilmente para ela. Seu cabelo estava mais revolto do que nunca, e a suéter que vestia parecia um pouco comprida demais para sua estrutura. Gina deduziu que devia ter pertencido ao primo do rapaz anteriormente.

- Olá, Harry - disse Luna, que acordara com o pulo que Gina dera ao ser abordada pelo menino. Ela o encarou com uma expressão complicada de decifrar. - Tudo bem com você?

- Sim, na medida do possível. Obrigado por perguntar, Luna - Harry falou, e então dirigiu-se para Gina. - Mione disse que Snape lhe deu uma detenção.

- É verdade - Gina sacudiu a cabeça. - Aquele seboso imbecil...

- Ele não tem muito o que fazer, realmente - Harry disse, rindo-se. - Mas qual o motivo da punição?

- Eu cochilei na aula dele - Gina encolheu os ombros.

- Ah, sim. Mione me disse.

- Se você já sabia, então porque perguntou? - indagou Luna, erguendo uma sobrancelha. Harry a encarou, corando. Gina repreendeu Luna com o olhar, mas a garota a ignorou totalmente.

- Eu - Harry disse, empertigando-se. - Eu tenho observado, ultimamente você anda sempre cochilando pelos cantos. Não tem dormido muito bem, tem?

- Bem... - Gina começou, mas foi cortada por Luna.

- Observando? Espionando, você quer dizer.

- Cala a boca, Luna! - exclamou Gina, e então virou-se para Harry. - Não ligue para o que ela diz. Você sabe como Luna é...

- Sim, claro - Harry disse, rindo constrangido.

- O que você quer afinal? - perguntou Luna, visivelmente irritada.

- Eu?

- Não, minha avó manca.

- Me desculpe, eu só queria conversar. - Harry disse magoado. Obviamente não compreendia porque Luna estava tratando-o daquela maneira. Não lembrava-se de ter feito nada de ruim para ela. - Mas se estou incomodando você, pode deixar que eu vou embora.

Ele levantou-se de um pulo, e inclinou-se para beijar a bochecha de Gina. Foi um momento constrangedor, pois a ruivinha esquivou-se num primeiro momento. Mas então deixou que os lábios do rapaz tocassem rapidamente sua bochecha.

- Quando você estiver sozinha a gente conversa.

Luna rangia os dentes, literalmente. Estava muito aborrecida. Depois que Harry afastou-se o suficiente, Gina questionou a amiga.

- O que diabos deu em você para tratá-lo daquela maneira?

- Ele é um panaca - resmungou Luna. - E você viu? Fica espionando você!

- Não, ele não fica! É impressão minha ou você está tendo um ataque de ciúmes?

Luna sentou-se, indignada. A boca aberta como a de um peixe fora d'água.

- Eu não estou com ciúmes dele!

- Está sim - concluiu Gina. - Que ridículo, francamente. Ele não sente absolutamente nada por mim, todo mundo sabe disso. Não sei porque toda essa cena.

- E todo mundo também acha que você é completamente apaixonada por ele.

- E desde quando o que as pessoas pensam afeta você? - perguntou Gina, bastante ofendida. - Você sabe muito bem que eu gosto de v... daquela "outra pessoa".

A discussão das duas estava começando a atrair olhares e ouvidos indesejados, de modo que Luna pôs-se de pé e após resmungar um "Não acho que seja o local ideal para discutir isso" desapareceu pela porta.

Gina bufou.

- Era só o que me faltava!


***


Gina decidiu deixar para falar com Luna no dia seguinte, quando esta estivesse menos irritadiça. Era a primeira vez que presenciava um legítimo ataque de ciúmes vindo dela, e isso já fora surpresa o bastante. Luna não costumava demonstrar suas emoções tão a flor da pele assim.

Era mais ou menos oito horas quando Gina atravessou o jardim em direção ao campo de Quadribol, onde deveria cumprir sua detenção. A menina não fazia a menor idéia do que teria que fazer.

Soprava um vento desagradavelmente gélido, mas não foi isso que fez os cabelos da nuca de Gina se arrepiarem quando constatou quem estava esperando por ela escorado displicentemente nas grades que cercavam o campo.

- Oi - Harry cumprimentou com um sorriso, e inclinou-se para receber um beijo na bochecha de Gina.

- Onde está o Snape? - indagou Gina, confusa.

- Ele não vai aparecer. O pessoal da Sonserina aprontou uma bem feia com uns meninos do segundo ano da Lufa-Lufa - Harry disse com uma careta desgostosa. - Chá-de-cueca... Bem doloroso, não tenha dúvidas. Então a profa. McGonagall ficou responsável pela sua detenção.

- E isso é bom ou ruim? - riu Gina. Harry ergueu uma sobrancelha.

- Depende do ponto de vista. O lado bom é que você não terá que cheirar o sebo dos cabelos de Snape durante uma hora... e o lado ruim é que terá que me ajudar a fazer a manutenção das vassouras que o nosso time utilizará na temporada de quadribol.

Gina soltou um suspiro e fez uma careta, mas de fato não estava realmente descontente com sua detenção. Passar uma hora em companhia de Harry nunca poderia ser tão ruim, e era decididamente melhor do que agüentar Snape.

Harry mostrou a Gina o que deveria fazer com as vassouras e os cuidados que precisava ter. Não era difícil, e ela já sabia a maior parte das coisas.

Dividiram meio a meio as tarefas, e enquanto conversavam de maneira estranhamente extrovertida cuidavam da manutenção das vassouras. Então Harry falou de Luna e seu comportamento horas atrás, fazendo Gina remexer-se incomodamente e aparar mais do que devia uma cerda da vassoura de Rony.

- Bem, você sabe como ela é - Gina disse, procurando parecer natural. - Eu a adoro, é minha melhor amiga, mas não posso dizer que seja a pessoa mais normal do mundo.

- Não sei - Harry disse franzindo o cenho. - Ela parecia tão aborrecida comigo hoje a tarde. E eu não me lembro de ter feito nada a ela!

- E você não fez - apressou-se Gina. O rapaz a encarou de maneira estranha. - Ah... Harry, porque você não tenta esquecer isso? Tenho certeza de que Luna não tem nada contra você, apenas pegou-a num dia ruim.

- Talvez você esteja certa - Harry suspirou, e então deu uma risadinha. - Ela deve estar na TPM.

- Harry, que inútil! Por que todos os homens adoram fazer piadinhas sobre a TPM feminina? - Gina disse rindo e fingindo indignação. Harry corou um pouco.

- Eu nunca faço piadas de TPM - ele protestou. - Essa foi a primeira vez, e não acho que eu esteja tão errado.

- Ah, Harry, seu... bobo - Gina sacudiu a cabeça. Harry encolheu os ombros e voltou a se concentrar na vassoura.

A menina observou o garoto cuidadosamente. Aquilo tudo era muito estranho. Ela e Harry conversando animadamente como se fossem dois velhos amigos, totalmente íntimos e à vontade. Não era uma coisa que acontecia todos os dias, decididamente. O vento arrepiava ainda mais os cabelos de Harry, deixando-os ainda mais rebeldes do que o natural. Gina sempre achara aquilo a coisa mais gracinha.

- O que você está olhando, Ginevra? - indagou Harry de repente, despertando a garota de seus devaneios. Ele pronunciou seu nome marcando fortemente o "R" numa pronúncia esquisita e cômica.

- Nada, Harry James Potter - Gina falou com uma careta. Harry encarou-a um pouco surpreso. Certamente não fazia idéia de que ela conhecia o seu nome do meio. Nem mesmo Rony e Hermione lembravam dele. Aliás, o próprio Harry muitas vezes esquecia que levava do nome de seu pai mais do que o sobrenome. Mas Gina sabia muito mais coisas sobre Harry do que ele jamais imaginaria.

A garota sorriu ao pensar nisso.

- Do que você está rindo? - perguntou Harry, desconfiado.

- Não estou rindo, estou sorrindo - corrigiu Gina.

- Sorrindo, eh? - Harry murmurou. - Seria para mim?

Gina achou que seria um tanto grosseiro dizer que sorria para si mesma, então concordou com um breve aceno de cabeça. Harry ficou a fitá-la de maneira bastante estranha. Gina, embaraçada, percebeu que todas as palavras haviam desaparecido da sua cabeça e agora não fazia idéia do que dizer para quebrar o incômodo silêncio. Mas foi Harry quem tomou essa iniciativa, ainda encarando-a daquela maneira esquisita.

- Não sei o que Hermione já lhe falou - ele disse lentamente. Parecia estar se esforçando muito para fazê-lo. - De qualquer forma, acho que você já percebeu... não é?

Gina fez uma expressão de quem não estava entendendo absolutamente nada, o que de fato era verdade. Isso pareceu desencorajar um pouco o rapaz. Mas agora que havia começado, teria de ir até o final. E Gina estava apavorada com a desconfiança que tinha sobre o que ia ouvir a seguir.

- Já faz algum tempo que eu - Harry desviou os olhos para seus tênis surrados. - Bem... que eu vejo você de uma maneira diferente. Você... você mudou, Gina. Não é mais uma menininha. Você é... linda.

Gina o encarava, paralisada. Simplesmente não sabia o que dizer, e mal podia acreditar que estava ouvindo aquilo da boca de Harry.

- Eu cresci - ela conseguiu murmurar, afinal. - O que você esperava?

- Por favor, não fique ofendida! Acho que eu não soube escolher as palavras certas. Vou tentar ser mais direto. - E após tomar fôlego, ele disse:- Gosto de você. Eu realmente gosto muito de você.

Horas mais tarde, Gina não saberia contar exatamente como acontecera. Mas o fato é que quando se deu conta Harry estava muito mais próximo do que o apropriado, e então estavam se beijando. Como poderia descrever aquilo? Era tudo o que sempre desejara, mas agora havia outro sentimento que a atormentava. Algo que sibilava em seu ouvido palavras de culpa.

Deitada em sua cama, mais tarde, Gina tentava não pensar. Mas era simplesmente impossível, pois sua cabeça estava fervilhando idéias e seu coração confuso com tantas emoções diferentes.

O que fizera? Traíra Luna na primeira oportunidade! Como fora fraca... e depois da intensidade de relacionamento a que haviam chegado, estava sentindo-se tremendamente culpada. Principalmente porque sabia que nem querendo conseguiria se convencer de que não gostara de ficar com Harry.

***

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