Rosas São Azuis
A reunião daquela tarde se arrastava lenta e morosamente. E nada poderia ser pior para o estado de espírito de Snape.
Ele pensava sem parar sobre o que havia acontecido de manhã; e as desconfianças só haviam se tornado maiores e, pior: pareciam ter criado vida própria. Ele tentava domá-las, empurrá-las para o fundo da mente e prestar atenção aos boletins de desempenho que a diretora havia distribuído, mas tal tarefa se mostrava impossível de ser realizada. Da mesma forma, era impossível esquecer o modo como ele fora tomado pela mais maravilhosa das sensações, de ser amado, de finalmente haver conseguido atingir um certo grau de cumplicidade com alguém, e então... ver tudo isso sendo arrancado de si em segundos. Ele expirou pesadamente, tentando mais uma vez focar os olhos no pergaminho; e tentando não pensar, ainda, que Tonks havia ido ao treino de quadribol com Potter em vez de se preocupar com ele, Severus Snape. Ele tentava ser racional e dizer a si mesmo que fora ele que desaparecera sem dar satisfação a ela, mas... era Potter. O maldito garoto interferindo, metendo o nariz mais uma vez nos seus problemas. E como ocorria a qualquer outra coisa que se relacionasse ao rapaz, Snape se via irracionalmente tomado por uma mistura de desprezo e raiva.
“Seja racional” era o mantra que ele tentava se impor naquele momento. Respirou fundo, tomou um gole de chá e preparava-se para esvaziar a mente quando alguma coisa completamente surreal e fora de lógica o atingiu: um pé; aparentemente descalço, por baixo da mesa. A xícara, na metade do caminho até o pires, caiu com estrondo sobre a mesa, atraindo os olhares de todos... e arrancando uma risadinha ao mesmo tempo divertida e culpada de Tonks, sentada exatamente à sua frente. Murmurando algumas palavras de desculpas, Snape sacou a varinha, fez sumir o chá e tentou fuzilá-la com o olhar. De Tonks só se enxergavam os olhos negros e cintilantes, espiando por cima do pergaminho. Ele sabia, pela forma como eles estavam levemente contraídos, que ela sorria. Logo o pé descalço alcançou sua perna outra vez; mas agora, Snape estava preparado. Olhou disfarçadamente em volta da mesa, todos pareciam muito concentrados em seus pergaminhos. Bem, que se danasse; ele não seria capaz de produzir muito aquela tarde. O pé subia pela perna, acariciando-o; e os olhos dela o hipnotizavam do outro lado. Ele suspirou ao notar que alguma coisa derretia dentro dele e, ora, vejam só... seus lábios haviam se curvado um quase nada para cima ou era apenas impressão? Bem, parecia que sim. Oh, Tonks... se ela tivesse a menor idéia de tudo o que causava a ele... Mas que inferno. Por que as coisas tinham de ser daquela forma? Ela era... inacreditável, no melhor dos sentidos. E ele a queria só para si, a sua Tonks. Para sempre. Sorrindo para ele com os olhos, os cabelos curtos e espetados que ele achava encantadores apenas nela; e o pé o acariciando, agora no joelho, depois deslizando pela parte interna da coxa. Ela se sentava bem na pontinha da cadeira; e Snape se pegou contando os segundos até que ela desabasse no chão.
Enquanto isso não acontecia, ele se sentia plenamente satisfeito em ser acariciado, em trocar olhares dissimulados por sobre os relatórios e em se sentindo liquefazer por dentro. Era impossível resistir. Oh, sim, ele a haveria de ter, não podia mais passar sem ela... precisava apenas descobrir o que fazer com o fantasma de Remus Lupin. A reunião finalmente se encerrou e ela conseguiu permanecer firme em seu lugar. Cadeiras foram arrastadas, os professores ficaram de pé e lentamente começaram a deixar a sala. Tonks, porém, parecia muito entretida guardando penas e canetas dentro da bolsa. Snape, como vice-diretor que era, teria uma reunião particular com a diretora logo em seguida, por isso, continuou sentado também. Quando Madame Pomfrey surgiu à porta da sala procurando por McGonagall, Tonks aproveitou a deixa: ficou de pé, deu a volta na mesa, carregando em uma das mãos a bolsa e em outra, o coturno e, um pé ainda descalço, sentou-se em uma cadeira ao lado dele, colocando as coisas no chão. Muito séria, ela escaneou o rosto dele com olhos ansiosos. Depois, sussurrou:
_ Por favor, Severus. Acredita em mim. Nem lembrei que aquelas coisas estavam lá; nem pensei nelas _ os olhos suplicaram enquanto as mãos tateavam em busca das dele.
Snape desviou os olhos. Ainda não havia resolvido o quanto as descobertas daquela manhã eram graves; precisava pensar um pouco mais no assunto. Tonks continuou, sussurrante, as mãos apertando as dele:
_ Sabe, tô cansada de desentendimentos _ ela tomou fôlego e então, disse _ Quero mesmo ficar com você; vamos nos entender. Por favor?
Ele suspirou, agora a encarando nos olhos. Mesmo que ainda não houvesse refletido o suficiente sobre o assunto, se entender com ela era algo que ele também desejava. Havia lutado e esperado tanto por aquela mulher... cinco anos. Seria estupidez desistir agora. Por isso, ele suspirou e concordou com um aceno de cabeça. Ela sorriu; e espiou cautelosamente em torno da sala. Então, aproximando-se de súbito, beijou-o demoradamente, os lábios entreabertos, através dos quais a língua dele se insinuou, depois do choque inicial daquele beijo quase público. Beijaram-se e afastaram-se sem ruído algum e então, ele meneou a cabeça, a censurando:
_ Você é, sem dúvida alguma, o ser mais impulsivo, irresponsável e descerebrado que já eu conheci.
O sorriso dela aumentou e então, dando de ombros, Tonks curvou-se para baixo, a fim de calçar o coturno. O murmúrio na porta calou-se; e a voz de Minerva foi se aproximando:
_ Muito bem, Prof. S... _ McGonagall interrompeu a frase no meio, boquiaberta. Quando tornou a falar, seu tom de voz era cortante _ Nymphadora Tonks. O que significa isso?
_ Ah. Ah _ ela se endireitou na cadeira, olhando para a diretora com olhos suplicantes _ Reunião meio longa, essa, não? Ah, bem, acho que esse maldito coturno encolheu, só pode ser isso! Começou a apertar meu pé, sabe, daí...
Snape virou o rosto para o outro lado, fazendo força para não rir, enquanto Tonks gaguejava uma desculpa.
*
28 de Março de 2000.
Depois disso, porém, as coisas não se tornaram nem ao menos mais claras. Sem saber porquê, era como se Tonks escorregasse por seus dedos. Não pedira mais a ele que dormisse com ela; e mal trocava alguns beijos distraídos. Quando a encarava, seus olhos eram tristes; e ela nada dizia. Apesar da crescente intimidade que adquiriam, Snape ainda era reservado demais para lhe perguntar qual era o problema... ou talvez, não quisesse ouvir a resposta. E agora, mais uma preocupação havia se adicionado às anteriores: ela nem sequer havia sido vista em Hogwarts hoje; e Minerva pedira a Snape que cobrisse as aulas dela. Temendo se revelar, ele nada perguntou à diretora. E passou o dia inteiro remoendo ressentimentos. Agora, na hora do jantar, ele não se sentia com fome alguma. Por isso, resolveu aproveitar o tempo livre e dar uma passada nas estufas, a fim de conseguir algumas raízes para as aulas do dia seguinte.
Mesmo que já fosse primavera, soprava um ventinho frio naquele final de tarde, que combinava maravilhosamente bem com o que ele sentia. Oh, mas que inferno, ele realmente devia ter ficado quieto no seu canto e jamais deixado aqueles sentimentos desabrocharem. Agora, porém, era tarde; não iria voltar atrás. Mas precisava descobrir porque ela andava estranha; e onde havia estado hoje. E depois, colocar um fim naquele ciúme absurdo que o consumia. Então, como se um ímã atraísse seus olhos e o forçasse a virar a cabeça, ele a enxergou, sentada ao pé de uma árvore à beira do lago. Só podia ser ela, quem mais em Hogwarts usaria cabelos rosa-chiclete espetados?
Ele parou; e respirou fundo. E então, se decidiu.
*
Tonks fechou os olhos; e sorriu para si mesma. Havia chorado tanto aquela manhã, a ponto de ficar esgotada. Mas agora... se sentia em paz. Era como se as lágrimas houvessem levado embora os últimos resíduos daquele ano terrível que vivera. Um ciclo havia se fechado. Não se despediria de tudo, é claro, pois Remus teria para sempre uma parte dela; e a havia feito pensar sobre coisas que jamais lhe passaram pela mente; e a feito descobrir um novo ponto de vista, mais sensível e compreensivo. Ela havia se tornado uma pessoa melhor ao lado dele; e não havia como voltar atrás. E aquela dorzinha da perda em seu íntimo ali permaneceria para sempre. Mas agora... ela recostou a cabeça na árvore centenária atrás de si, e aspirou o perfume da rosa branca que trazia nas mãos, ouvindo o som dos grilos, um ocasional rumorejar da água do lago... e passos se aproximando. Ela sabia que era ele, pelo modo leve e ao mesmo tempo decidido como caminhava. Aguardou; e abriu os olhos quando os passos pararam a seu lado. De fato, lá estava Snape, com uma expressão inescrutável no rosto. Ela sorriu para ele, e deu tapinhas no chão a seu lado, indicando a ele que se sentasse ali. Severus suspirou.
_ Creio que não seja exatamente um lugar apropriado para sentar...
_ Mas vai te fazer muito bem, agir de modo impróprio de vez em quando _ ela completou a frase, puxando-o pela mão.
Sem protestar, ele sentou-se, então, ao lado dela, fitando o lago; e se sentindo estranho e perturbado. Tonks fazia-lhe tão bem, ele a queria tanto, mas... de bônus com tudo isso, vinha a desconfiança e o sentimento nem um pouco agradável de estar sendo rejeitado. Ele se curvou para a frente, as mãos entrelaçadas na frente do corpo, fechando-se em si mesmo... simultaneamente longe e perto dela. Estava tão imerso em pensamentos que se sobressaltou ao sentir a mão dela em seu rosto, forçando-o a encará-la.
_ Sabe... se você não me contar qual é o problema, eu jamais vou adivinhar... ainda mais com um Oclumente tão bom quanto você _ ela suspirou _ E temos coisas a dizer um ao outro.
_ Certo _ ele murmurou, desviando os olhos. Tonks tinha razão, mas... ele ainda odiava se demonstrar fraco, preocupado, desprezado. Estava seriamente dividido entre o dever e o hábito.
_ Faz um ano hoje _ ela disse subitamente. Snape havia se esquecido por completo da data; e de repente sentiu-se um tantinho egoísta. Aquilo explicava o sumiço de hoje, e... ela tinha esse direito, ele podia compreender. Passou um braço em torno dos ombros dela; e perguntou suavemente:
_ E como... você está?
_ Bem _ Tonks disse, apoiando a cabeça no ombro dele, uma das mãos balançando a rosa levemente em seu colo e a outra acariciando os cabelos dele, fazendo-o relaxar mesmo contra a vontade _ Voltei a ser eu mesma, entende? Não podia desejar nada melhor do que isso.
_ Sabe _ Snape suspirou e murmurou quase inaudivelmente, depois de hesitar alguns segundos _ Pode ser irritante, muito mais desastrada e nem um pouco sutil, mas... essa é minha versão preferida de você.
Tonks sentiu o coração batendo mais rápido e um enorme sorriso se estampou em seu rosto, então, esticou o pescoço e beijou-lhe a face. Então, continuou:
_ Mesmo que eu ainda... bem, pense nele...
_ Você pensa? _ Snape perguntou levemente irritado, o corpo ficando tenso, a mão sobre o ombro dela tornando-se rígida.
Tonks suspirou.
_ Sim, eu penso; estaria mentindo se dissesse que não e não é o que pretendo fazer com você. Snape, me escuta! _ ela pediu, quando ele fez menção de se levantar. _ É como se ele... fosse ter um pedaço do meu coração pra sempre. Oh, Snape, por favor. Tenho certeza de que em algum lugar aí dentro você ainda a ama e sente falta dela.
Talvez. Mas os casos eram bem diferentes. As palavras dela foram como um balde de água gelada. Então, seus olhos caíram sobre a rosa branca no colo dela.
_ E ele... costumava dar rosas a você? _ ele perguntou, sarcástico.
_ Oh, sim, costumava _ ela virou o rosto para o lado _ azuis. Ele conjurava rosas azuis. Mas, olha: esta é branca. Certo? Nada de tentativas de lembranças, aqui. Severus... eu adoro você com ciúmes, mas... nesse caso... _ ela disse, outra vez o fazendo olhá-la nos olhos _ Sabe, pensar nele não quer dizer que eu esteja contigo e pensando nele naquele instante, entende? Muito menos quer dizer que... quanto te beijo, imagine que é ele, por Merlin! Que coisa mais horrível. E _ ela sorriu _ mesmo que eu quisesse, não existem pessoas mais diferentes, em tudo, do que vocês dois. É como se cada um de vocês me completasse de uma forma diferente _ sussurrou, e quedou-se em pensamentos.
Bem. Aquela talvez fosse a vantagem de se ter uma garota que falava demais. Ela respondia às suas perguntas antes mesmo que você as formulasse. Snape suspirou; e, completamente tomado pelo clima de confidências, perguntou hesitante e seco:
_ E qual deles... é o melhor?
_ Nenhum dos dois.
_ Mas você o escolheu.
_ Sim, escolhi.
Snape se calou. Retirou o braço dos ombros dela e cerrou os punhos. Certo. Não havia a humilhação de estar sendo rejeitado ou usado, mas, por outro lado...
_ Então, sou o segundo lugar, é isso?
_ Não, não é. Eu... o escolhi porque na época me pareceu muito mais real um relacionamento com ele. Oh, céus _ ela meneou a cabeça, como o faria entender? _ E você ainda conseguiu me deixar convencida de ter feito a coisa certa quando começou a agir como... um idiota, sabe.
Ele respirou pausadamente, lutando para se controlar.
_ Mas... se conhecesse o Snape que conheço hoje... _ ela se calou por alguns segundos, e então, deu uma risadinha _ provavelmente tentaria convencer vocês dois a embarcarem numa relação a três.
_ Tonks... _ ele a censurou, revirando os olhos _ Estamos tentando ter uma conversa séria.
_ Mas isso foi sério! Quer dizer, ok, eu não saberia quem escolher. Remus tinha algumas coisas que você não tem... você tem outras que ele nem sonhava possuir.
_ Como...
_ Primeiro: essa decisão ferrenha que você tem de lutar por algo que quer, por exemplo. Eu gosto disso. O seu sarcasmo é muito atarente. Quanto ao seu jeito misteioros, nem digo nada! E... estou com você pura e simplesmente porque quero estar. Não é pra não ficar sozinha, pra tapar algum buraco nem nada do tipo. Huh? _ ela estendeu o dedo e percorreu as linhas do rosto dele. Snape derreteu um pouquinho, o toque dela sempre fazia aquilo; mas ainda não sabia o que fazer com as novas revelações.
---
Gentem, essa fic está concorrendo ao Oscar de Fics do site Hogsmeade. Então, per favore! Vão lá e votem! Votem! Categoria "Destaque Popular" - [email protected]
E torçam por mim nas outras categorias! ;D
Obrigada pelos adoráveis comentários, Morgana, Vinola, Lady Gray, Camis, Gude Potter, Danielle e Samoa. Vocês não fazem idéia do quanto uma simples linha me incentiva! Bem, sei que a minha Tonks as vezes fica passional demais, mas prefiro achar que ela herdou esse temperamento intenso dos Black... mas ainda vou fazer um dialogozinho a respeito disso ;D
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!