O quarto pilar



Capítulo 7
O quarto pilar


Gocric colocara seu chapéu de caça, saíra cedo e tivera sorte. Garantira um lauto banquete para a festa que pretendia realizar em comemoração pela fundação da escola. Acalentara esse sonho por vários anos e via agora descortinar-se diante de si a oportunidade de fazê-la realidade. Uma escola de magia e bruxaria era exatamente o que a bruxidade precisava. Não pudera conter seu espanto diante das diferenças de habilidades mágicas que encontrara em suas andanças pelo mundo. Londinium, onde fora encontrar Arthur, não apenas era uma cidade essencialmente de trouxas, mas os bruxos que lá moravam não eram capazes de fazer fogo sem queimar-se. Encontrara famílias bruxas em que não havia um único membro que soubesse fazer uma poção, qualquer uma, e certa vez, conhecera um jovem, já quase adulto, que não tinha uma varinha. Ficou imaginando como tal estado de coisas havia se estabelecido e concluiu que a melhor forma de reparar essa discrepância era criar uma escola, que ensinasse a magia elementar e onde bruxos capazes pudessem transmitir seus conhecimentos. Seria um local de encontro de grandes mentes mágicas e um reduto de proteção para aqueles bruxos que fossem perseguidos em qualquer lugar da Bretanha.

Godric vira isso também. Bruxos sendo presos e torturados como se fossem criminosos, apenas por manifestar uma aptidão mágica. Talvez o mundo dos trouxas não estivesse pronto para reconhecer que os bruxos não são malignos. Talvez fosse preciso criar um mundo paralelo, como Avalon, onde os não-mágicos ficassem impossibilitados de entrar. Essa questão também deveria ser debatida com os outros.

Mas lamentava o amigo que não chegara. Nenhuma coruja lhe fora enviada, anunciando que deveria voltar ao castelo. Temia que ele tivesse sido dissuadido pela mãe, uma criatura que Godric vira apenas uma vez e de quem não gostara. Havia uma atmosfera malfazeja ao redor dela, algo indefinido, um sussurro de vento gelado que lhe arrepiava os pêlos da nuca. Pressentia algo, um malfeito inexplicável ainda. E Isobel não desejava que seu filho se dedicasse a causa outra que não fosse readquirir os bens de família perdidos pelo pai. Godric não conhecia a história em detalhes, mas soubera que o marido de Isobel tivera seu patrimônio roubado por negociantes trouxas. Isso muito abalara a todos, que nunca recuperaram-se totalmente da perda. O pai, soubera, fora morto por um dragão quando buscava seu tesouro escondido nas profundezas de uma montanha em Lamerick. Um fim horrível, mesmo para um bruxo tolo.

A atenção de Godric foi desviada nesse ponto de seus devaneios para um farfalhar de folhas bem perto dali. Pensando que poderia incrementar o festim, preparou sua varinha e já a apontava para o denso arbusto quando uma cabeça surgiu entre os galhos.

–Salazar! – gritou Godric. – Quase o transformo em um javali assado!
–Seria uma calorosa recepção, reconheço. – riu-se o jovem, enquanto se desvencilhava dos ramos.

Os amigos se abraçaram e apertaram as mãos, olhando-se durante alguns instantes.

–Que bom que você veio. Começava a duvidar que isso acontecesse. – disse Godric, sentindo seu coração aquecido.
–Qual! Não perderia essa festa por nada. – riu-se Salazar. – Ah, sim, e a escola também é algo a considerar.

Decidiram passar a noite na floresta junto a uma fogueira e colocar as novidades em dia. Salazar estivera ocupado com negócios pessoais, algo misteriosos, que não quis revelar a Godric, mas trouxe-lhe boas notícias também.

–Temos um professor.
–Um professor? O que ensina? E onde o encontrou? – admirou-se Godric, ansioso por novidades.
–Ensinará Aritmancia, e é um Aritmancista bastante conhecido. Estudou na Pérsia e tive as melhores recomendações. Wenlock, ouviu falar?
–Creio que sim, o nome não me é estranho. Creio ter ouvido sobre ele em Londinium, teria sido?
–É possível, ele costuma visitar Merlin quando este se encontra na corte de Arthur.
–Esta é mesmo uma ótima notícia! Não tínhamos outros professores além de nós mesmos. E Aritmancia ainda não fora contemplada. Temos Rowena ensinando Transfiguração e Helga que lecionará Poções. Eu mesmo me candidato a ensinar Feitiços. E você, Salazar? Qual disciplina escolheu transmitir aos nossos futuros alunos?
–O que mais seria? Artes das Trevas.

Godric achou que o amigo brincava, mas, diante de sua expressão inalterada, viu que se enganara. Salazar queria ensinar artes malignas aos jovens que viriam viver naquele castelo para se formarem como bruxos.

–Salazar, você não pode estar falando seriamente. Porque ensinaríamos isso aos nossos pupilos? Seria muito perigoso. Pode imaginar os estragos que os mais afoitos realizariam com esses conhecimentos?

Salazar não olhou diretamente para o amigo. Fez silêncio por instantes e depois disse:

–Você bem sabe que este é a minha especialidade. E não vejo porque um bruxo formado por esta escola deveria ignorar a realidade. Você sabe pelo que os bruxos estão passando lá fora? Pois no mundo inteiro eles são perseguidos, são queimados, afogados, torturados. Quanto mais puro um bruxo, maior perigo ele corre. Os trouxas não admitem nossa espécie! Desejam dominar a tudo e a todos, e destruir aquilo que não podem absorver, utilizar ou controlar. Não somos controláveis, Godric, somos especiais! E devemos reconhecer isso e fazer disso a nossa força!
–Nossa força contra os trouxas, você diz? – disse Godric, baixando a voz.
–Sim! – vociferou Salazar.– Se for preciso. – completou, cautelosamente.

Não convinha expor todas as suas idéias para Godric. O amigo era um pouco ingênuo, pensava Salazar. Acreditava que bruxos e trouxas pudessem viver juntos pacificamente.

– Você me julga mal, meu amigo. – disse Godric, percebendo a breve pausa feita por Salazar. Sei que pensa que não estou a par da gravidade do assunto, das perseguições e dos perigos que corremos como bruxos, mas eu sei de tudo isso. E pensei demoradamente sobre esses terríveis fatos. Tenho propostas a fazer sobre as medidas de proteção que devemos envolver nossa escola, de modo que, pelo menos aqui, nossa gente possa sentir-se segura. Mas não concordo em ensinarmos artes das trevas, nossos jovens não precisarão delas, se agirmos bem e ensinarmos com eficiência.

Salazar não contradisse mais o amigo. Não era o momento para fazer valer seu ponto de vista, já que a escola ainda nem estava estabelecida. Mais adiante faria Godric ver que o melhor era fazer daquele lugar uma fortaleza e um novo centro de poder, o que seria necessário muito em breve. Camelot já não tinha a força de outrora. Arthur estava velho e a traição de Guinevere não lhe trouxera mais prestígio. Camelot cairia, mais dia menos dia e definitivamente, sob a influência dos papistas. Salazar não tolerava a idéia de ver seu povo reduzido a um punhado de bruxos ignorantes e submissos aos valores arcaicos e sem sentido desses intrusos. Como invasores ele os considerava. Assim como aos trouxas.

Não querendo continuar com o debate acalorado, Salazar tratou de acalmar-se. Chegaria o dia em que seus ideais puristas haveriam de prevalecer. Mudando o tom de voz e o rumo da conversa, perguntou:

–E que nome daremos a esta escola?

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