Na caverna do dragão



Capítulo 5
Na caverna do dragão


Isobel levantou-se assim que amanheceu. Não havia dormido quase nada, matutando como faria para que seus planos fossem bem sucedidos. Preparou um chá com ervas que colhera na lua nova e encheu uma pequena sacola com alguns objetos que poderia precisar. Lá fora, o dia mostrava-se frio ainda e toldado, a anunciar um inverno que na verdade já se fora. Esse estado do tempo combinava com o ânimo da velha bruxa. Vestiu uma capa surrada e guardou nela sua varinha, feita de um galho curto e retorcido de freixo.

– Precisarei disto muito em breve, pensou Isobel, otimista com os planos que traçara.

Não fora em vão a noite passada em claro, ela estava segura de que poderia obter a informação do velho Sigurd sobre como controlar aqueles elfos e ainda retornar com seu medalhão. Em tempo algum permitiria que um tolo lhe tirasse a jóia herdada, valiosa e poderosa, pelo que pudera comprovar em outros tempos. Quando seu filho retornasse, ela lhe daria a arma que preparava, para que fizesse bom uso e retornasse os fartos tempos de outrora. Faltavam apenas detalhes agora. Se não tivesse que garantir a sobrevivência, e aqueles elfos haviam atrapalhado tudo, já teria tudo pronto. Afastando o perdido do pensamento, Isobel saiu da casa e tomou o rumo do pântano.

O sol já ia alto quando chegou a uma encruzilhada na trilha. O velho Sigurd deveria estar por ali ; no entanto, nem sinal dele. A velha floresta não era estranha a Isobel. Muitos dias e até noites passara ali, colhendo ervas e realizando encantamentos, mas não era um lugar agradável. As árvores eram muito antigas e ressecadas, estendendo infinitos braços retorcidos, quase sem folhas, para o alto, formando uma cobertura cinzenta sobre toda a mata. O chão era úmido e irregular, formando poças quando a bruxa pisava com mais força.

Decidiu ficar por ali um pouco, podia ter-se adiantado pela ansiedade, mas não teve de esperar muito tempo. Logo chegava Sigurd, caminhando vagarosamente, com um saco às costas e apoiando-se no bordão..

– Não era sem tempo, velho. Pensei que havia desistido, disse Isobel, rispidamente.
– Calma, Isobel, calma. Nâo quebrarei minha promessa se você não quebrar a sua. Fez uma pausa, colocou o saco no chão e perguntou Trouxe o medalhão?
– Claro que sim respondeu a velha, torcendo a boca.
–Então vamos, disse Sigurd. Minha casa é aqui perto, lá trataremos de negócios.

Dizendo isso, tornou a colocar o saco nas costas e tomou o caminho na direção norte, onde a floresta ficava ainda mais fechada e sombria. Aquele era o caminho da Montanha do Dragão.

Isobel ficou um pouco apreensiva, não gostava de seguir por aquela passagem. Coisas estranhas costumavam acontecer perto da Montanha, estranhas até mesmo para um bruxo. Contavam-se histórias de desaparecimentos misteriosos, onde foram encontradas tão somente as roupas, sapatos e outros pertences do incauto que adentrara aquela parte da floresta, parecendo intocadas e apenas esvaziadas, como se seu proprietário tivesse evaporado. Também pegadas, enormes e disformes, de criaturas desconhecidas. Falava-se de um dragão que moraria numa caverna na montanha, mas não havia dragões naquela parte do mundo. Se houvesse um dragão, alguém já o teria visto, pensava Isobel, enquanto seguia Sigurd pela trilha que levava morro acima. A bruxa não temia dragões mais do que temia os trouxas ou a pobreza. Isso não seria um problema para ela. Mas imaginava se Sigurdtecia uma armadilha e viesse a trair o trato, deixando-a em maus lençóis. Mas Sigurd não parecia estar preocupado com nada. Apenas seguia pelo caminho e advertia Isobel de uma pedra solta, ou um espinheiro mais intrometido.

Ao cabo de uma hora ou quase, chegaram numa pequena entrada de caverna e Sigurd baixou o fardo e ofereceu um pouco de água a Isobel, que aceitou de bom grado.

–Perto, você disse, falou Isobel, assim que recuperou o fôlego. Andamos há horas!
–Nem tanto, riu fracamente o velho, nem tanto. mas valera a pena lhe asseguro. Sente-se, disse apontando uma pedra plana, junto à parede na entrada da caverna. Havia apenas uma porta, arredondada, de modo a fechar a abertura natural na pedra.
–E então começou Isobel, que tinha pressa em resolver o assunto, como faço para convencer aqueles elfos teimosos a nos venderem os nabos?
– Er, começou o velho, é simples e complicado. É simples porque é um encantamento que não demora muito tempo. A lua deve ser cheia e os ingredientes da poção são bastante comuns. Exceto um, e aí reside a dificuldade.
–E que coisa tão complicada é esta?, disse Isobel, desconfiada.
–Você deve cozer a poção num fogo mantido aceso por seis horas e alimentado por um dragão, disse Sigurd docemente, como se o que dissera fosse pouca coisa.
–Um dragão?! espantou-se Isobel. E onde vou achar um dragão? Você bem sabe que não existem dragões por estas bandas. E mesmo que fosse até a Limerick, como faria para que um dragão aceitasse alimentar o fogo da poção? Você está louco, velho!

Isobel fez menção de levantar-se e teria ido embora, não sem rogar uma praga para Sigurd, se ele não começasse a rir daquele jeito de quem se diverte com insetos na ponta de uma vara.

–Sente-se, mulher. Tossiu um pouco e continuou. Sente-se, Você acha que não lhe direi como fazer em todos os detalhes? Bem se vê que você não me conhece. Não deixo as coisas por fazer. Disse que ensinaria e o farei, você verá. Afinal, tenho grande interesse no nosso negócio.
– É bom mesmo, Sigurd, ou farei você virar comida de dragão, onde quer que haja um.

Sigurd ergueu-se e caminhou até a borda de uma ribanceira a alguns metros dali, coberta de vegetação espinhosa.

–Veja lá, disse ele, naquela ponta da montanha, perto da borda sul. Ali você encontrará uma caverna e nessa caverna um dragão. Diante da expressão incrédula de Isobel, Sigurd arrematou. Sim, está lá. Ele não sai muito, apenas à noite, para caçar. E nunca vai muito longe. A comida, sabe, costuma vir até ele.

O velho riu-se mais um pouco, achando graça no que Isobel deduziu fossem os desaparecimentos.

-Ele gosta de quietude e é muito dorminhoco. Você deu muita sorte, Isobel, pois ele está dormindo agora. Com os encantamentos que lhe ensinarei, você fará com que ele alimente o fogo enquanto dorme. Não lhe fará mal, é um dragão de sono pesado.
–E quando começamos? disse-lhe Isobel, diante da certeza crescente de que seria vitoriosa.
Sigurd piscou um olho e sorriu novamente, com seus poucos dentes.
–Assim que você me dê o medalhão.

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