O primeiro cavaleiro



Capítulo 10 – O primeiro cavaleiro

- Será que vocês podem fechar logo essa porta? – resmungou a velha bruxa, numa voz baixa e esganiçada – Está ventando um bocado lá fora. Vocês estão querendo matar essa pobre velhinha de frio, é?

Rony, que ainda estava olhando de esguelha para o cabo da espada no chão, acordou repentinamente de seus pensamentos com a voz esganiçada da velha bruxa. Como se movido automaticamente, ele seguiu até a porta e a fechou gentilmente. A chuva estava começando a cair e ele viu as primeiras gotas atingirem o calçamento vermelho, espalhando-se por todos os lados.

- Assim é melhor – disse a velha, desenrolando o xale e o deixando no braço da poltrona, enquanto descia lentamente da cadeira – Agora, esperem um pouco que eu já os atenderei.

A velha bruxa desceu ajeitou o vestido, caminhando na direção dos bruxos que ainda estavam parados perto da porta. Harry ouviu as gotas de chuva baterem no telhado da casinha e se perguntou se ainda teriam tempo de voltar sem sua falta ser notada pelos bruxos na mansão.

- Então – disse a bruxa com um sorriso, aproximando-se deles – bem-vindos à minha humilde loja de artigos para bruxaria. Em que posso ajudá-los?

- Estamos querendo comprar alguns ingredientes de poções – disse Harry, estendendo para a bruxa a lista de materiais necessários para o ritual de divinação – Precisamos principalmente dessa planta, minbus florida.

- Ah, é claro que precisam – disse a bruxa, correndo os olhinhos de besouro pelos ingredientes anotados na lista, depois sorriu para Harry e piscou – Devo presumir que vocês estão aqui a pedido de uma pessoa muito importante, não é mesmo? Quem sabe Morgan decidiu que finalmente vai escutar os meus conselhos e seguir os passos da avó dela?

Harry sentiu como se tivesse engolido uma pedra de gelo.

- M-Morgan? - gaguejou ele, tentando disfarçar a surpresa que sentiu – Não conhecemos ninguém com esse nome e...

- Ora, que é isso, rapaz, não brinque comigo – disse a bruxa, olhando feio para Harry – isso aí que você quer são ingredientes muito raros para rituais de divinação de Apolo. E quem mais usaria um negócio desses senão a única Pítia que conheço em toda Inglaterra? A não ser que você esteja querendo isso pra você mesmo – acrescentou, olhando desconfiada para o grupo.

- Bom, na verdade, queremos pra nós mesmos – disse Hermione, encarando a bruxa – Estamos estudando algumas matérias mais avançadas de poções antes do início do ano letiv...

- Não me venha com mentiras, garota – interrompeu a bruxa, fuzilando Hermione com os olhos, o que a fez calar-se e abaixar a cabeça – Não podem enganar Madame Gertrudes da mesma forma que enganam os idiotas de seus amigos. Madame Gertrudes tudo sabe.

Ela caminhou de volta à sua poltrona, mas ficou do lado dela ao invés de sentar-se, olhando para as prateleiras que os rodeavam. Ela retirou uma varinha do bolso e agitou na direção das prateleiras, fazendo com que vários potes cheios de líquidos gosmentos e um ramalhete de ervas voassem até onde eles estavam pousando sobre uma pequena mesa de centro que aparecera bem diante de sua poltrona.

- É hora de começarmos a dizer a verdade por aqui, crianças, ou temo que os ingredientes que desejam nunca sairão desta loja – virou-se na direção deles, estreitando os olhos – Agora, o que Harry Potter e seus amigos estão fazendo aqui, tão longe de Londres, atrás de ingredientes de poções de divinação?

- Como sabia quem eu era – indagou Harry, espantado, tentando inconscientemente achatar seus cabelos sobre a cicatriz.

- Ora, por favor, não insulte a minha inteligência – disse a velha, girando os olhos numa expressão de impaciência – Quem no mundo bruxo não sabe quem é você, meu caro? Suas fotos correram o mundo nos jornais depois do Torneio Tribruxo! Não há um único bruxo em toda Grã-Bretanha que não seja capaz de reconhecê-lo assim que colocar os olhos sobre você.

Harry assentiu lentamente com a cabeça, derrotado. Não havia motivo para esconder mais, já tinham sido descobertos. Ele olhou mais uma vez para a chuva lá fora, que agora caía torrencialmente, e decidiu acabar logo com aquela enrolação. Precisavam dos ingredientes e mais ainda, tinham que voltar o quanto antes para a mansão de Morgan, antes que os adultos dessem pela falta deles.

- Realmente, a senhora tem toda a razão – disse ele, quebrando o silêncio que havia caído sobre o salão – Sou mesmo Harry Potter, e esses são meus amigos, Rony e Gina Weasley e Hermione Granger. E sim, estamos tentando executar um Ritual de Divinação de Apolo, mas não tem nada a ver com a Sra. Morgan, ou qualquer Pítia que a senhora conheça. Vou fazer isso por conta própria.

- É assim que eu gosto garoto – disse a velha, abrindo um sorriso largo para os quatro jovens bruxos – Se continuarem falando as verdades, poderão chegar a algum lugar. Posso saber por que os quatro estariam tão interessados num complicado ritual desses? Não é magia básica, do tipo que se aprende na escola, sabiam? Requer muita prática e força de vontade, sem contar o treinamento pelo qual as Pítias passam desde crianças para interpretar os sonhos mandados por Apolo. Vocês acham que serão capazes de entender o que estão tentando fazer?

- Já sabemos de tudo isso, pesquisamos muito antes de decidir tentar o ritual – disse Hermione, sem jeito – E decidimos correr o risco mesmo assim.

- Algum de vocês deve estar querendo muito saber a resposta para suas dúvidas – respondeu Madame Gertrudes, correndo os olhinhos pelos quatro bruxos à sua frente – Fico me perguntando qual de vocês seria e qual o motivo, para se arriscar a executar um ritual perigoso como esse.

Por um breve momento, enquanto Madame Gertrudes perscrutava os quatro bruxos, Harry pensou que ela começaria a interrogá-los, tentando descobrir qual era a razão pela qual eles estariam procurando os conhecimentos de um ritual de Divinação. Ele imaginou que a velha bruxa jamais venderia para eles, bruxos menores de idade, ingredientes para magias tão avançadas. Entretanto, ela simplesmente deu de ombros e guardou sua varinha no bolso.

- É claro que isso não é da minha conta, e mesmo que vocês tivessem alguma intenção oculta, que mal vocês seriam capazes de fazer com esses ingredientes, não é mesmo? Eu lavo minhas mãos para isso, vocês é que se virem com as conseqüências de seus atos, já estão bem grandes pra assumirem responsabilidade – disse ela, olhando para os ingredientes espalhados sobre a mesa de centro – São vinte galeões e treze siclkes por tudo isso que vocês estão pedindo.

Harry sacou a bolsa de dinheiro que carregava consigo e contou as moedas que carregava. Tinha dinheiro suficiente para pagar pelos ingredientes, mas gastara uma boa parte de suas reservas das férias nesse passeio. Entregou as moedas para Madame Gertrudes e recolheu os ingredientes numa sacola onde Hermione havia levado a comida para o suposto piquenique que iriam fazer. Os quatro bruxos agradeceram a velha bruxa e seguiram em direção à porta para irem embora, mas quando Rony levou a mão à maçaneta, foi interrompido por um outro relâmpago tão alto quanto o primeiro, que tremeu a cabana como um terremoto.

-Acho que vocês vão ter que esperar mais um pouco antes de irem embora – disse Madame Gertrudes calmamente, enquanto se sentava novamente em sua poltrona de vime trançado, e emendou com um sorriso – A tempestade lá fora está feia mesmo, fazia tempo que eu não via um tempo tão ruim. Porque vocês não se sentam? Posso servir uma xícara de chá para vocês e alguns bolinhos que eu mesma cozinhei.

Ela agitou a varinha na direção da mesa de centro e surgiram mais quatro poltronas de vime, menores que a dela, mas com aparência confortável. A mesa de centro foi coberta com uma toalha de crochê, sobre a qual havia uma bandeja de prata cheia de cookies de chocolate e um bule fumegante rodeado de pequenas xícaras de uma fina porcelana branca. Cada xícara tinha um desenho, como se cada uma pertencesse a um jogo de chá diferente.

Harry olhou para os amigos à procura de uma opinião do que fazer, mas eles pareciam tão perdidos quanto ele próprio. Rony deu de ombros e sentou-se na poltrona mais próxima, pegando um dos biscoitos na bandeja e se servindo de uma xícara de chá. Os outros se entreolharam hesitantes, mas seguiram o exemplo do amigo, sentando-se nas poltronas e pegando uma xícara de chá enquanto esperavam a tempestade amainar o suficiente para que pudessem voltar para a mansão. Um silêncio constrangedor caiu sobre o salão, e o único som que se ouvia era a chuva batendo violentamente no vidro das janelas. Madame Gertrudes olhava atentamente para eles, correndo os olhos de um para o outro, como se os analisasse, e de vez em quando assentia levemente com a cabeça, como se conversasse com alguém invisível. Harry estava extremamente incomodado com aquela situação, mas repentinamente o silêncio foi quebrado pela voz de Rony.

- Madame Gertrudes – disse o bruxo, inclinando-se para frente na cadeira e apontando na direção das estantes – O que são todas essas coisas espalhadas por aí? Todas essas coisas são suas?

A velha bruxa virou-se na direção de Rony e o fitou com os olhos bem abertos, mas com um sorriso de satisfação no rosto. Ela ajeitou-se na cadeira soltando um grande suspiro de satisfação e disse lentamente para o rapaz ruivo:

- Não, caro Rony. Esses objetos não são meus, eu apenas os estou guardando.

- Guardando? - perguntou o rapaz, surpreso, olhando para a enorme bagunça e ferro-velho que os rodeava – Me desculpe, mas me parece que a maior parte desses objetos não vê a cara do dono há pelo menos uns cinqüenta anos! Para mim parece mais que foram abandonados aqui.

- Precisamente, meu caro – disse a bruxa, abrindo ainda mais o sorriso para ele. Depois fez um gesto amplo na direção das pilhas de tranqueiras – Todos os objetos que você está vendo aqui foram abandonados pelos seus donos porque não os quiseram mais e os jogaram fora.

- Mas porque todas essas coisas estão aqui? – perguntou Hermione – Quero dizer, você não guarda tudo isso para que um dia eles venham buscar, não é?

- Você quase acertou, Hermione – respondeu Madame Gertrudes, virando-se para ela – Sim, eu guardo todas essas coisas. Na verdade, todos esses objetos abandonados vêm até mim, mas não para serem encontrados novamente por seus donos. Eles vem em busca de novos donos, pessoas que realmente se importem com eles e o significado que eles carregam.

A velha bruxa se levantou lentamente de cadeira e caminhou na direção de uma grande pilha de objetos onde Rony vira a espada. Para a sua surpresa, Madame Gertrudes se abaixou e a pegou do meio do entulho, trazendo-a para o meio da sala e colocando-a na mesa de centro ao lado dos biscoitos de chocolate. O rapaz acompanhou atentamente a velha bruxa e ficou com os olhos fixos na espada quando ela recomeçou a falar.

- Essa espada que você estava olhando pertenceu a um bruxo que viveu há muito tempo atrás, e ficou desaparecida por vários séculos. Ainda que hoje ela não tenha nem um décimo do poder e da beleza que já teve um dia, em breve você partirá numa jornada em que ela lhe salvará a vida mais de uma vez. Carregue-a sempre junto de você e tome o cuidado de não perdê-la.

-Como é? - perguntou Rony, abismado – você está me dando essa espada? De graça?

- Não – respondeu a bruxa, sacudindo a cabeça – Eu não poderia lhe dar algo que não fosse meu, e a espada não é minha. Aliás, de todas as pessoas que entraram nesta sala nos últimos séculos, foi você que ela escolheu para seu o seu portador. É a vontade da espada que seja você, eu apenas a estou entregando.

- Não estou entendendo – disse Hermione, franzindo o cenho para madame Gertrudes – Como assim, é a vontade da espada? Está querendo me dizer que a espada é mágica?

- É claro – disse a velha, entregando a espada nas mãos de um boquiaberto mas fascinado Rony – Todos os objetos que estão nesta sala são encantados, de alguma forma. Esses objetos sabem muito bem o quanto poderão ser úteis, e escolhem seus novos donos de acordo com a necessidade deles. Você também, Hermione, levará daqui um objeto que a escolheu para ser sua guardiã.

Rony segurou solenemente a espada pela sua bainha, e olhou para os detalhes dourados com mais cuidado do que antes. Os detalhes em ouro mostravam a cena de um jovem montado em um cavalo grande e forte, cavalgando em direção à um castelo à distância, oculto no meio de um denso nevoeiro. Ao lado do cavaleiro, voava um diminuto dragão, pouco maior que a cabeça do cavalo, e que parecia acompanhá-lo em direção ao castelo. Uma estranha sensação invadiu-o, como se a imagem gravada na bainha da espada lhe trouxesse lembranças tristes que não eram dele. O rapaz chegou a levar a mão ao cabo da espada, na intenção de puxá-la da bainha, mas alguma coisa o impediu. Ele achou que seria melhor deixar para um outro momento, quando estivesse sozinho com seus amigos. Ele apoiou a espada sobre as pernas e voltou sua atenção para a bruxa e Hermione, que estava ao seu lado.

A bruxa agitou a varinha na direção de uma pilha menor de entulho e de lá saiu voando a tiara de prata que Hermione havia notado quando entrara na sala. A tiara atravessou o salão suavemente e foi pousar nas mãos abertas da moça.

- Mas o que eu vou fazer com isso? - perguntou Hermione, confusa – Não tenho a menor intenção de usá-la, quanto mais levá-la daqui!

-Você ainda agradecerá o dia que saiu daqui levando essa tiara, Hermione – disse a bruxa severamente – Porque, quando a hora chegar, ela revelará a vocês muito mais do que precisam saber do que o ritual que em poucas horas estarão executando no quintal escuro da mansão Morgan.

Hermione não disse nada, apenas ficou observando a tiara em suas mãos enquanto pensava naquela estranha situação em que se encontravam. Estavam a vinte quilômetros da casa de Morgan, e mais ainda de sua casa em Londres, recebendo estranhos presentes de uma bruxa que tinham acabado de conhecer. Hermione sabia muito bem que o mundo mágico às vezes pregava estranhas peças nos bruxos, e presentes inusitados mais de uma vez haviam tirado bruxos de situações perigosas ou mortais.

Infelizmente, aqueles não eram tempos onde podiam se dar ao luxo de confiar em qualquer bruxo que aparecesse no caminho deles. Voldemort havia voltado, Harry já por duas vezes o havia enfrentado em carne e osso e nessas duas vezes haviam acontecido mortes. Ela sabia que Voldemort queria Harry morto, e não seria nada estranho que ele tivesse armado toda aquela cena para que eles recebessem objetos enfeitiçados com terríveis maldições. A jovem bruxa aceitou o presente de Madame Gertrudes com um sorriso forçado, limitando-se a guardá-lo na bolsa que levava consigo. Assim que chegassem novamente na mansão, pensaria numa forma de descobrir quais tipos de feitiços estariam presentes naquela tiara.

A velha bruxa em seguida se virou para Gina, que arrastara sua poltrona um pouco mais perto de Harry e segurava o braço do rapaz com firmeza. Gina sabia o que a aguardava e evitava olhar naquela direção, mas Harry podia ver um misto de terror e fascínio em seus olhos. Madame Gertrudes também pareceu ter visto isso, porque um sorriso se abriu em seu rosto.

- Tenho que lhe dizer a verdade, garota, você era a última que eu imaginava que ele iria escolher. Eu pensei que a escolha mais óbvia seria o seu irmão, mas pelo jeito a espada o escolheu primeiro – e emendou com uma piscada para a moça – O que posso dizer, a vida nunca deixa de nos pregar peças, não é verdade?

Ninguém pareceu ter entendido uma palavra do que a bruxa havia falado exceto por Gina, mas quando a bruxa atravessou o salão lentamente e parou em frente à cabeça empalhada do enorme dragão azul, todos engoliram em seco, esperando que não fosse aquele o objeto da bruxa ruiva. Quem sabe o urso de pelúcia decapitado ao lado, ou o guarda-chuva sem cabo. Para o desespero de todos, entretanto, ela agitou a varinha na direção do pesado objeto e ele flutuou lentamente de seu apoio na parede até a mesa de centro bem em frente a Gina. Quando a bruxa o fez pousar com um baque pesado no chão atapetado, a cabeça de dragão emitiu um rosnado inquietante de quem está prestes a acordar, o que fez os quatro bruxos recuarem suas cadeiras meio metro mais longe do ameaçador objeto.

Rony proferiu um palavrão. Hermione arregalou os olhos e abriu a boca, tão exasperada que eles acharam que ela ia ter um chilique ali mesmo. Harry não sabia o que dizer, apenas ficou olhando o enorme dragão, espantado e boquiaberto, perguntando-se como é que não tinha visto aquele enorme objeto assim que entrara no salão.

- Que diabos é isso aí? - desabafou Hermione, exasperada – Uma cabeça de dragão num estande? E ainda por cima ela está viva?

- Ela escolheu você, minha querida – disse a velha bruxa, ignorando o comentário de Hermione – E isso é uma grande honra. Espero que vocês possam ser grandes amigos. Ele ainda está hibernando, creio que não seria delicado acordá-lo, portanto acho que você deve esperar que ele acorde sozinho. A propósito, não sei o nome dele, ele está dormindo desde que chegou aqui.

Gina simplesmente meneou a cabeça afirmativamente, mal prestando atenção ao que dizia Madame Gertrudes. Tudo o que conseguiu captar era que acabara de ganhar uma cabeça de dragão e fazia a menor idéia de como faria para carregá-la, quanto mais explicar à mãe o que era e de onde tinha vindo. Então, como se ele tivesse lido os seus pensamentos, Harry inclinou-se para frente com uma expressão severa no rosto.

- Olha, Madame Gertrudes, é bem legal isso que você está fazendo conosco, nos dando presentes e tudo mais, mas o que precisávamos realmente nós acabamos de comprar. Além disso, como é que faremos para levar todas essas coisas para a mansão? Pior ainda, como é que faremos para que ninguém as veja? - e emendou, apontando para a enorme cabeça de dragão bem à sua frente - Quero dizer, olha só pra isso! Mesmo que quiséssemos, não poderíamos levar isso pra casa!

Hermione soltou um suspiro de alívio, mas aparentemente foi a única. Rony olhou para o amigo com uma expressão de desespero de quem pega um presente de natal nas mãos que depois é tomado. Gina não sabia o que fazer, olhava de esguelha para o rapaz mas continuava fitando o estande de dragão, fascinada. Madame Gertrudes não se abalou, apenas colocou as mãos na cintura e balançou a cabeça como faria a uma criança teimosa.

- Garoto, você não sabe do que está falando. Se você não parou para notar, a única que parece descontente com o que vai levar é a sua amiga Hermione, e se quer minha opinião pessoal, a tiara dela é o objeto mais importante que levarão daqui, com exceção de sua bicicleta.

Harry ficou de queixo caído.

-Como é? - disse ele, revoltado - Eu vou ter que levar essa bicicleta idiota daqui? Pra que é que eu vou querer uma porcaria dessas? E tem mais, já temos o que viemos buscar – emendou, levantando-se e se dirigindo aos amigos – vamos embora, pessoal já perdemos tempo demais aqui!

Ele pegou o saco de ingredientes mágicos para o ritual e saiu furioso na direção da porta, sem esperar pelos amigos. Era só aquilo que faltava acontecer. Afinal, ele era Harry Potter, e tinha uma Firebolt novinha que ganhara de Sirius há apenas um ano. Para que lhe serviria uma bicicleta velha e enferrujada?

Harry aproximou-se da porta de entrada e tentou abri-la, mas foi um esforço inútil. A porta sequer se moveu um milímetro de seu batente, provavelmente colada por algum feitiço de Madame Gertrudes. Harry sacou sua própria varinha, furioso, e lançou um feitiço de Alohomorra na fechadura, mas não surtiu efeito algum. Ele tentou novamente, mas em vão. Estava trancado ali dentro junto com os amigos.

- É inútil – disse Madame Gertrudes, sentando-se novamente em sua poltrona e girando a própria varinha entre os dedos enquanto falava – Vocês não poderão mais sair daqui se não levarem os objetos que os escolheram.

- Você está ciente de que vamos jogá-los fora assim que pusermos os pés para fora desse lugar, não está? - perguntou Hermione, em tom desafiador – Mesmo que quiséssemos, não poderíamos levar esses trambolhos para casa. Nunca conseguiríamos explicar onde foi que os conseguimos.

- Sim, estou ciente de que possam querer fazer isso – suspirou a velha bruxa, parecendo subitamente casada – E ninguém vai impedi-los, se é isso que realmente desejam fazer. Assim que saírem pela minha porta, poderão fazer o que quiserem com os objetos. Quando estavam lá fora, vocês certamente puderam ver que muitas pessoas já fizeram isso.

- Quer dizer que você entregou todo aquele entulho lá fora a outras pessoas? - perguntou Gina – E essas pessoas escolheram jogar fora a levá-lo com eles?

- Sim, minha querida – disse Madame Gertrudes, virando-se para a ruiva – Essas pessoas não souberam reconhecer o que útil seria ter esses objetos ao seu lado, e preferiram jogá-los fora a levá-los daqui. Cometeram um grave erro, o mesmo que seu amigo Harry está prestes a cometer.

- Que grave erro? - disse Harry, ainda furioso por não ter conseguido ir embora – Não levar essa bicicleta velha comigo?

- Sim. Acredite, esses objetos estão melhores em suas mãos do que nas mãos de seus inimigos – disse ela, lançando a Harry um olhar penetrante e assustador – Uma vez que esses objetos deixarem a minha casa, não mais terei o poder de impedir outra pessoa de levá-los. Escreva o que estou dizendo, rapaz, esses objetos lhe salvarão a vida antes que este ano se acabe. Jogue qualquer um deles fora e se arrependerá amargamente quando alguém encontrá-lo.

- Espera só um minuto, você está querendo insinuar que Voldemort ou os Comensais da Morte possam querer alguma coisa com essa porcariada que está nos entregando? Por favor, não me faça rir!

- Acredite no que quiser, Harry – disse por fim a bruxa, perdendo a paciência - não mais os prenderei aqui. Se desejarem sair, terão que levar suas coisas, caso contrário as plantas lá fora não os deixarão passar. Podem sair agora.

A porta abriu-se de supetão, batendo na estante logo ao lado, e um vento gelado encheu o aposento, fazendo tremeluzir as chamas do velho lustre acima deles. Lá fora, a chuva ainda caía violentamente castigando o caminho de pedras vermelhas que levava para o lado de fora. O céu ainda estava negro e carregado, e ainda ventava muito, mas Harry não quis nem saber disso. Assim que a porta se abriu, ele virou-se e caminhou na direção da saída. No caminho, pegou a velha bicicleta e começou a empurrá-la para o lado de fora. Hermione seguiu-o com a tiara nas mãos e Gina, que conjurara um feitiço de levitação para carregar a enorme cabeça de dragão, caminhava indecisa atrás dos dois. Apenas Rony ficara para trás e olhava para Madame Gertrudes com um sorriso estranho.

-Obrigado, minha senhora – disse ele – É verdade o que você disse? Que vamos precisar dessas coisas? Que os Comensais da Morte estão atrás delas?

-Sim, Rony, é verdade – disse a velha, gentilmente – não deixe que Harry perca aquela bicicleta, mas principalmente, não deixe que Hermione perca a tiara. Se ela cair em mãos erradas, eu não quero nem imaginar o perigo que vocês estariam correndo.

Rony afivelou a espada à cintura e seguiu atrás dos amigos, que já acabavam de cruzar o matagal em frente e paravam no portão de entrada, esperando o amigo. Assim que Rony saiu, a porta se fechou e a luz que saía pela fresta sob a porta se apagou, deixando-os sozinhos ali fora, na chuva. O rapaz se aproximou dos amigos bem a tempo de ver Harry empurrando a bicicleta para cima do entulho amontoado na frente da casa.

Mesmo tendo acabado de sair da casa, Harry já estava encharcado até os ossos, assim como Gina e Hermione. A chuva caía torrencialmente sobre eles e não parecia ter previsão de ir embora, de forma que o rapaz apenas esperou que Rony chegasse para começar a caminhar rapidamente para longe da loja, deixando a bicicleta onde a jogara no meio do entulho.

- Espere, Harry – disse Gina, seguindo atrás do rapaz – você vai deixar a bicicleta aí jogada? Não vai levá-la com você?

- Por favor, Gina, você não vai me dizer que acreditou realmente no que aquela velha disse, não é? – debochou Harry, sem parar de andar – Eu fico imaginando de onde ela tirou essa história de que Voldemort está atrás dela. Deve ser uma visão engraçada, Voldemort andando de bicicleta...

- Bom, eu acreditei sim – disse Gina chateada, apressando o passo e emparelhando com o rapaz – E não vou largar esse dragão aí, para qualquer um encontrar. Sei lá, pode ser que ela me seja útil no futuro, quem é que vai saber, não é mesmo?

Hermione também jogou a tiara ao lado da bicicleta de Harry e segui atrás dos amigos, mas Rony parou ao lado da pilha de entulhos. Ele fitou a bicicleta prateada de Harry por um momento, abandonada na chuva, e a tiara que Hermione jogara em cima dela. Ele abaixou-se e pegou a tiara, colocando-a no bolso, e retirou a bicicleta enferrujada do chão e começou a empurrá-la atrás dos amigos.

Os quatro bruxos caminharam por algum tempo pela cidade, retornando ao caminho principal que levava de volta à estrada de terra por onde tinham vindo. A chuva que caía sem dar trégua formara uma forte enxurrada que ocupava toda a rua como um rio caudaloso, mas os quatro o atravessaram e acompanharam-no pela lateral, seguindo através da cidade até por fim chegarem ao fim da rua de paralelepípedos hexagonais. Adiante deles a estrada se transformara num lamaçal que se estendia a perder de vista, e vinte quilômetros adiante estaria Morgan e sua mansão.

Sem ter muita opção, eles seguiram em frente apertando ainda mais o passo. Gina encontrara um pedaço de lona caído na lateral da estrada e colocara sobre a cabeça de dragão para cobri-la, mas agora a colocara sobre o selim da bicicleta que Rony empurrava com dificuldade através da lama. Harry seguia silencioso em frente à comitiva, acompanhado de perto por Hermione, mas a raiva dele já diminuíra o suficiente para que percebesse que havia agido mal com os amigos.

Harry se virou para Gina e abriu a boca para se desculpar pela sua atitude na loja de Madame Gertrudes, mas o que viu atrás deles o aterrorizou a tal ponto que ele cambaleou e tropeçou enquanto recuava, caindo sentado e espalhando lama para os lados.

Vindos da estrada que levava à cidade que ficara para trás, e se aproximando rapidamente, havia cinco figuras altas e esguias vestidas em mantos negros como a noite. Os mantos balançavam fantasmagoricamente atrás deles conforme caminhavam rápido, vencendo a distância que os separava dos quatro jovens bruxos. A escuridão ocultava o rosto deles por sob o capuz que tinham jogado sobre a cabeça, mas um relâmpago cruzou o céu carregado e iluminou tudo ao redor deles, mostrando a Harry o que parecia ser uma máscara feita de um osso branco esquelético.

- Comensais da Morte! – gritou Harry aos amigos, enquanto se levantava e buscava a varinha no bolso da calça.

O efeito destas três palavras sobre os bruxos foi devastador. Rony virou-se tão rápido para trás que perdeu o equilíbrio e caiu por cima da bicicleta, derrubando para o chão a cabeça de dragão de Gina. A ruiva ficou ainda mais branca do que de costume e também se virou, atrapalhando-se com a varinha enquanto tentava sacá-la do bolso. Hermione foi a única que conseguiu não estar aterrorizada o suficiente para atrapalhar-se com a varinha, retirando-a do bolso e apontando para trás, pronta para o combate.

Percebendo que haviam sido descobertos, as cinco figuras encapuzadas começaram a correr na direção dos quatro jovens bruxos caídos na estrada. O manto caiu de sua cabeça e Harry pode ver então o quanto se enganara sobre seus oponentes.

Afinal, os inimigos não eram Comensais da Morte, muito pelo contrário. O gorro caído revelara por debaixo dele um crânio branco como cera cujo topo e lateral exibiam estranhas marcas negras semelhantes a runas rituais. Nas órbitas vazias dos olhos ardia uma chama vermelho-vivo que fez o corpo inteiro de Harry parecer ter perdido imediatamente o calor, e encheu o ar com uma brisa gelada que o fez lembrar-se imediatamente dos Dementadores. Os mantos, que pareciam feitos de sombras sólidas, balançavam sombriamente por detrás deles como se agitados por um vento invisível, irreal, e não pelo forte vendaval que açoitava as roupas dos quatro e fazia a chuva cair quase na horizontal.

Harry pôs-se de pé rapidamente com a varinha em mãos, para se defender dos atacantes que se precipitavam sobre eles. Gina também conseguira sacar sua varinha e ajudava Rony a se desembaraçar da bicicleta, onde tinha ficado enroscado. Hermione já lançava o primeiro feitiço no atacante mais próximo.

- Petrificus Totalus! - gritou para um dos esqueletos que se aproximava de Rony.

O feitiço petrificante atingiu o esqueleto na altura do peito, mas ao invés de paralisá-lo, ele refletiu numa espécie de escudo e voltou para Hermione, pegando a garota de surpresa. O feitiço a atingiu violentamente e jogou-a de lado na lama vermelha. Ela gemeu alguma coisa ininteligível quando atingiu o chão e ficou ali caída, enquanto os esqueletos se aproximavam cada vez mais.

Harry também tentou um feitiço estuporante, sem sucesso, e teria sido atingido por seu próprio feitiço se não se jogasse para o lado, mergulhando numa grande poça no meio da estrada. Ele levantou o rosto coberto de lama, desesperado, tentando pensar alguma coisa que talvez servisse para neutralizar os terríveis atacantes antes que eles conseguissem acabar com eles. Ele olhou para os esqueletos, seu coração batendo tão rápido que parecia querer pular pela garganta, tentando encontrar alguma coisa que pudesse indicar o feitiço indicado para acabar com eles, um ponto fraco, qualquer coisa.

Gina também tentou executar um feitiço, mas agiu tarde demais. Um dos esqueletos já a alcançara. Com um movimento rápido, ele abaixou-se e desferiu um violento golpe contra as costelas da bruxa ruiva, fazendo-a envergar para frente com a força da pancada e perder o ar. Ela deixou cair a varinha na lama ao seu lado, enquanto cambaleava para trás tentando recuperar o fôlego, e foi atingida por outro golpe tão rápido quanto o primeiro, mas que desta vez a atingiu no rosto e jogou-a para trás, caindo de costas no chão enlameado. Harry pôde ver o sangue cobrir o rosto dela, misturando-se à lama e à chuva, enquanto ela jazia chorando caída ao lado do corpo paralisado de Hermione.

Harry levantou-se do chão rapidamente, furioso como um leão acuado, e lançou três feitiços diferentes em seqüência contra o esqueleto que atacara Gina, sem nem mesmo pensar no que estava fazendo. A força dos feitiços rebatidos atingiu-o tão intensamente que nublaram sua visão por um breve instante. Quando estava prestes a recuperar a visão, sentiu algo atingi-lo na cabeça com tanta força que perdeu os sentidos por alguns segundos. Acordou de cara na lama, sentindo a mão esquelética mas descomunalmente forte levantá-lo do chão e segurá-lo acima do solo. Ele viu o rosto esquelético aproximar-se, a chama vermelho-vivo aumentar cada vez mais de tamanho com a excitação de seu algoz, a chuva batendo violentamente contra as marcas rúnicas gravadas a fogo na cabeça branca. Harry sentiu sua vontade de lutar desaparecer, seu corpo ficar mole e o cansaço tomar conta de tudo. Quase pôde ouvir as vozes de seus amigos gritando, desesperados, enquanto eram mortos lentamente pelos potentes golpes dos esqueletos. A sensação, pensou, era igual a se aproximar de um Dementador, só que muito mais dolorosa.

Então, o clarão de um relâmpago iluminou seu campo de visão, cobrindo tudo com sua claridade branca. O que Harry estranhou, entretanto, foi que ele não foi seguido pelo reboar característico dos trovões intensos, mas sim de um uivo fúnebre e sobrenatural. Harry tentou enxergar o que acontecia, mas seu óculos estavam tão cheios de lama que a única coisa que consegui distinguir foi uma silhueta vermelha com algo muito brilhante nas mãos aproximando-se rapidamente. Ouviu a voz de Rony gritando em algum lugar distante, mas não tinha mais forças para fazer coisa alguma. Estavam perdidos.

Outro clarão iluminou o lugar, mas desta vez o jovem bruxo sentiu que a força que o segurava acima do solo desapareceu, fazendo com que ele caísse de joelhos no chão. Repentinamente, todo o cansaço e tristeza que Harry sentia desaparecera, sendo substituída por um sentimento de confiança e coragem que o inundou como uma onda. Sentia-se completamente desperto e capaz de qualquer coisa. Limpou os óculos numa parte limpa da camisa e quando os colocou novamente, o que viu o deixou de queixo caído.

Havia um homem de pé ao lado de onde estavam Gina e Hermione, meio de lado para ele. Ele era tão alto que parecia ter dois metros de altura, seus músculos eram poderosos e intimidadores, e possuía cabelos longos e de um vermelho tão vivo que pareciam estar em brasa, agitando-se violentamente ao vento da tempestade. Vestia uma armadura prateada tão lustrosa que Harry podia se enxergar nela, e em seu peito reluzia o símbolo de uma lua crescente azul rodeada por sete estrelas feitas de safira que emitiam uma fraca iluminação, como estrelas de verdade. Em suas costas, havia uma pesada capa azul-cobalto que esvoaçava ao vento forte e estalava atrás dele jogando as gotas de chuva em todas as direções, e parecia não se molhar com a forte chuva que caía. Em sua mão direita ele segurava uma enorme espada dourada, cuja lâmina não era feita de frio metal, mas sim de uma luz branca tão intensa quanto a luz dos relâmpagos que cortavam o céu, mas que mesmo tão clara não lhe machucava a vista. Harry podia ver as gotas de chuva se evaporarem ao se aproximar da claridade, antes mesmo de tocarem aquela luz, tão quente e intensa ela brilhava.

Aquele cavaleiro parado ali a menos de cinco metros dele, mítico como a estátua de um herói grego, erguia-se em frente à duas moças cujos queixos estavam tão caídos quanto o do próprio Harry. Aos pés de tal herói, jazia um dos esqueletos que fora cortado ao meio, cada metade separada por cerca de um metro, tal fora a violência do golpe, e seus restos começavam a esfumaçar-se como cinzas levadas por uma brisa. Mais dois esqueletos também já haviam encontrado o seu fim e jaziam caídos na lama. Um deles fora decapitado e o outro tivera sido cortado na diagonal, perdendo a cabeça e o braço esquerdo. Estes já haviam desaparecido quase completamente, deixando para trás apenas o manto negro que usavam. Restavam apenas dois esqueletos de pé, distantes cerca de cinco passos do gigante hercúleo.

Um deles avançou rapidamente em direção ao herói ruivo, seus pés batendo pesadamente no chão enlameado e espalhando água para os lados, e deu um salto em sua direção com os braços estendidos, tentando agarrá-lo. O bravo guerreiro mal se moveu de onde estava. Comum giro rápido do pulso e um passo para o lado, desferiu um golpe violento na direção da cabeça do esqueleto. Um brilho como o de um trovão iluminou a espada por um breve instante enquanto ela atravessava a cabeça da criatura, dividindo-a ao meio. Ela caiu na lama, dividida em duas, emitindo o mesmo gemido baixo que Harry ouvira anteriormente. O cavaleiro, então, voltou-se para Harry e ele pôde finalmente ver os olhos dele, verdes como duas enormes esmeraldas polidas, e o sorriso que ele conhecia tão bem há tantos anos. Era insano conceber aquilo, mas aquele cavaleiro enorme e musculoso era o seu amigo magrelo Ronald Weasley.

O enorme Rony então se virou para o último esqueleto, segurando a espada com as duas mãos e a lâmina virada para ele, esperando o ataque. O fogo na órbita vazia diminuiu, como os vivos fazem quando estreitam os olhos, e se curvou, preparando o ataque. Rony também se curvou, como fazem os tigres quando vão se lançar sobre sua presa, mas uma voz sombria interrompeu o combate.

- Pare – ordenou uma voz fria e profunda como a de um velho, mas com um tom de autoridade que não admite contradição – Já temos o que viemos buscar. Deixe o resto com eles.

Uma nuvem negra se formou atrás do esqueleto, condensando-se numa forma humanóide, mas mantendo-se etérea como fumaça. Era uma pessoa vestida num manto negro como o dos esqueletos, só que mais longo e mais surreal. Não usava uma máscara esquelética, como os Comensais da Morte, e sim uma máscara lisa marcada apenas com dois olhos estreitos e compridos rodeados por pinturas circulares, como os olhos egípcios. Não era possível ver suas mãos por sob a capa negra, mas pareciam compridas e finas como as dos esqueletos.

O esqueleto recuou imediatamente, seguindo as ordens de seu mestre, e parou atrás da figura negra. Quem quer que fosse aquela pessoa que parecia controlá-los, ainda parou por um instante observando os quatro jovens bruxos à sua frente antes de esvanecer-se em fumaça como tinha aparecido, deixando-os sós na estrada.

Harry ainda levou algum tempo para sentir-se seguro o suficiente para deixar de olhar para os lados em busca de mais atacantes. Quando por fim conseguiu centrar sua atenção nos amigos, ainda não conseguia acreditar que aquele enorme guerreiro era Rony. O enorme Rony acabara de ajudar Gina e Hermione a se levantarem, e as duas ainda olhavam incrédulas para o amigo.

Então, tão repentinamente como havia aparecido, o hercúleo Rony desapareceu, deixando apenas o antigo Rony em seu lugar, com suas sardas e suas roupas molhadas e sujas como as deles. Em suas mãos, estava a espada luminosa que os havia salvado a vida, cujo brilho morria suavemente, como se tornasse a adormecer, deixando restar apenas a lâmina polida como um espelho, mas estranhamente sem fio. O amigo ruivo olhava para eles com uma expressão tão extasiada que parecia ter realizado o sonho de toda sua vida. Com um movimento pomposo, colocou a espada de volta à bainha, aproximou-se de Hermione, dando-lhe um abraço apertado.

Harry também se aproximou de Gina, pegando-a carinhosamente em seus braços, com cuidado para não a ferir mais. Seu rosto tão belo exibia um enorme hematoma no lado esquerdo, onde o esqueleto desferira o golpe. Sua sobrancelha tinha um corte enorme, por onde havia vazado tanto sangue que quase cobrira se rosto inteiro. Ela tinha o rosto inchado de dor e lágrimas, e ele sentiu um aperto tão grande no coração que lágrimas rolaram de seus olhos.

Ele a abraçou carinhosamente, analisando o saldo final da batalha. O único que estava inteiro era Rony, que por algum estranho motivo se transformara naquele cavaleiro. Hermione tinha hematomas pelo corpo onde parecia ter sido chutada pelo esqueleto que rebatera seu feitiço. Gina estava em estado lastimável, mal conseguindo andar sozinha, e ele ainda estava tonto devido ao golpe que recebera na cabeça. Estavam sujos, cansados e ensangüentados, e ainda tinham vinte quilômetros pela frente até chegarem à casa de Morgan, onde teriam que explicar o que eram aqueles hematomas e onde tinham estado durante as últimas horas.

Harry olhou para o céu nublado e notou que a chuva não parecia dar sinais de que abrandaria nas próximas horas. O caminho até a mansão era longo e cansativo, e deveriam se apressar logo se quisessem chegar à mansão antes do escurecer. Ele olhou novamente para Gina para lhe dizer alguma coisa, mas ela estava de boca aberta numa expressão de espanto, olhando alguma coisa atrás dele. Rony e Hermione também olhavam o que estava atrás dele com uma expressão maravilhada, descrentes. Harry se virou lentamente para ver o que havia espantado os amigos, e quando terminou de se voltar ele também ficou de queixo caído.

Atrás deles havia um enorme cavalo baio, branco como a neve da manhã, que pateava a lama alegremente, espirrando-a para os lados como faria uma criança brincalhona. Os pêlos de crina sua crina e cauda eram prateados como a armadura do cavaleiro Rony, e possuía olhos negros e astutos que pareciam observar Harry. Seus músculos poderosos se retesavam como se quisesse sair imediatamente a galope pela estrada, e tinha sobre suas costas uma sela dupla de couro azul e um freio da mesma cor. Não parecia estar incomodado com a presença dos quatro bruxos, mas sim tranqüilo como se pastasse calmamente pela relva verde.

Harry achou o cavalo belíssimo, mas não era aquilo que mais chamava a sua atenção. Em cima da sela azulada do cavalo havia um pequeno dragão, com mais ou menos trinta centímetros de altura. Sua cabeça era exatamente igual à cabeça que estava no suporte de madeira, só que dez vezes menor, e tinha a mesma expressão ameaçadora. Ele tinha um par de asas escamosas que brotavam de apêndices nas costas e apoiava-se sobre quatro pequenas patas, como um cachorro. O pequeno dragão estava sentado sobre o couro azulado da sela, olhando comicamente para os quatro bruxos sujos e enlameados à sua frente, e emitiu um silvo longo e baixo, como se assoviasse, e balanço a cabeça para os lados em sinal de negativa.

- É como eu lhe disse, Petrus – disse ele numa voz rouca olhando para o cavalo – eles iam conseguir sozinhos uma hora ou outra. Não iam precisar de nossa ajuda.

O cavalo relinchou animado e pateou o chão, espirrando ainda mais lama para cima de Rony,que estava mais perto. Os quatro bruxos olhavam, espantados, o cavalo e o dragão onde deveriam estar a bicicleta e o estande com a cabeça do dragão, entendendo rapidamente o que tinha acontecido. A bicicleta se transformara no cavalo e a cabeça se transformara no pequeno dragão, e era óbvio que a espada tivera alguma coisa a ver com Rony se transformar no poderoso guerreiro de alguns minutos atrás.

-Entretanto – emendou o dragão, olhando feio para os quatro bruxos – Não foi uma vitória completa, não é mesmo? Não conseguiram proteger todos os objetos que receberam da velha bruxa. Temo que ainda iremos nos arrepender de ter deixado isso acontecer.

Os quatro bruxos então se deram conta que havia um objeto faltando. Por mais que procurassem naquela tarde, não puderam encontrar a tiara que fora confiada a Hermione, e cuja guarda Madame Gertrudes tanto recomendara.

Enquanto procurava, entretanto, Harry se perguntou quem seria aquela estranha figura que aparecera naquela tarde, e que parecia controlar seus inimigos. Não parecia ser um Comensal da Morte, pelo jeito que se trajava, mas algum outro tipo de clã ou ordem. Quem quer que fosse, parecia ter sido o responsável pelo roubo da tiara, mas o que Harry mais temia era que ele não tivesse ligação alguma com Voldemort. Isso aumentaria ainda mais sua lista de inimigos, que já não era pequena.

Naquela tarde fria a chuvosa, coberto de barro até a raiz dos cabelos e dolorido pela batalha, vendo seus melhores amigos em estado pior até do que o dele próprio, ele desejou mais do que nunca os muros aconchegantes de Hogwarts e a proteção de Dumbledore. Até mesmo, pensou com amargura, as aulas de poções do Prof. Snape eram melhores que aquilo.

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