Repetição



Por que deu tudo errado outra vez?
Sinto você ainda,

Ele tombou pesado no chão, semi-inconsciente. A terra pareceu exalar o perfume de flores. Ele vencera, afinal, ele podia ouvir que vencera. Ainda havia disparos de feitiços, gritos, um choro a seu lado, mas nada reconhecível. Só o perfume que foi aos poucos o envolvendo, o dopando, lacrando seu cérebro.
- Harry, não desiste, não agora... Por favor... Não vá embora.
- Eu não vou, Mione... – foi a última coisa que ele foi capaz de pronunciar. Depois... Só as flores.
Nos seus delírios, ela era imagem constante. Mesmo delirando, ele ainda sentia a dor do vazio que ela deixara. Fora culpa dele talvez, mas o fato é que Gina não estava mais ali. Ela nunca gostara de ficar para trás, nunca.
Sempre, sempre, sempre ele fazia algo pelo qual os outros morriam. Mesmo amar. Tudo era sempre errado. Mas Harry ainda sentia, de qualquer forma, a presença de Gina.

mas ao mesmo tempo,
Prefiro não mexer
no pó do passado outra vez.

- Tem horas que eu acho que teria sido melhor morrer.
- Não diga uma coisa dessas, Harry. Você venceu, matou Voldemort, merece ficar vivo.
- Não sem ela... Não sem ela, Mione.
Hermione olhou para Rony. Aparentemente, ele também não absorvera totalmente a notícia da morte de Gina. Encontravam-se todos no St. Mungus, recuperando-se do “Confronto Final”, como a batalha era agora chamada. Aurores e guerreiros embateram-se com os Comensais da Morte numa batalha em Edimburgo e, no final, apareceu Voldemort. Ele, que um mês antes havia ordenado o seqüestro de Ginevra Weasley, ao ser visto por Harry Potter, foi quase imediatamente morto.
“Mais uma vez você me deu armas. Você me deu o ódio que faltava para eu te matar. Dumbledore esteve sempre certo”. “Dumbledore morreu há séculos, garoto”. “Mas não suas palavras. Como ele dizia, é o meu poder de amar que vai ser sua morte. Você matou a pessoa que eu amava”. Entre feitiços e magias e clarões multicoloridos, Harry viu Voldemort sorrir. Era a gota d’água.
Oh, não! Era doloroso demais voltar a pensar nisso. Sangrava pensar no 1º beijo deles no Salão Comunal, em frente a toda a Grifinória; o 1º fim no enterro de Dumbledore; sangrava pensar em tudo que se passou. O melhor seria deixar o pó se acumular sobre essas lembranças.

Estou realmente triste,
Pensei
E tudo gira na minha cabeça
Porque penso tanto em você

- Rony, faz um favor, desce aqui.
- Já vou, Mione. – Moravam os três juntos agora. Bem, na verdade, Hermione e Rony (recém-casados) moravam meio de favor na casa de Harry. Ele reconstruíra uma casa em Godric’s Hollow e permitira que os amigos morassem ali enquanto não se arranjavam melhor. E, em parte pela imensa tristeza que sentia, em parte para não ficar ‘segurando-vela’, Potter passava a maior parte do tempo livre (virara auror) fora de casa. E Hermione preocupava-se com isso.
- Acho que a gente tem que fazer alguma coisa.
- Sobre o quê?
- Sobre o Harry.
- Ah! Ele está estranho mesmo, não é? Mas, não posso culpá-lo.
- Estive pensando se não podemos fazer algo e achei uma coisa que pode ajudá-lo. Uma viagem. Para França, talvez... Poderíamos falar com Fleur...
“Poc”
- Oi Harry.
- Oi. Vou subir. Tchau. – Realmente não havia graça ficar entre eles, conversar. Tudo que o interessava era ficar sozinho. Pensando. Pensava tanto nela...
***
- França? Mas nem falar francês eu sei...
- Ora, Harry, Gabrielle está felicíssima em te receber. E ela fala inglês. Por sua causa, aliás, segundo Fleur.
... (espaço de tempo repleto de argumentos intermináveis a favor da ida de Harry)...
- Oh, certo, irei.
Talvez, quem sabe, “ares novos” fizessem bem a ele. Poderia pensar menos nela. Ela tornara-se uma obsessão, só pensava nela. Havia momentos em que chegava a ‘sentir’ que ela estava viva. Impossível, óbvio, mas ele até que gostava de se apegar a essa falsa esperança. Sentia-se tão triste e só.

Eu continuo usando as mesmas palavras
Estou voltando para você, estou voltando para você

O mundo inteiro sempre teve um fetiche com a França. E com razão. Um lugar lindo. E Gabrielle esforçava-se em agradá-lo. “Seu herói”, para ele era o que ele era, “seu herói”.
- Ah, Harry! Vai ser divertido. Os coquetéis são ótimos. Por favor, é a minha primeira ajuda em uma coleção. É um... sacrilégio você não ir. Pelo menos pelas modelos...
- Eu não vou realmente conseguir não ir, né?
- Não mesmo, rs.
Afinal, seria interessante ver esses desfiles. Talvez ainda achasse alguma nova tendência nova da moda bruxa par dizer a Hermione. Talvez até o fim de sua temporada ali comprasse uma túnica como presente de agradecimento.
***
Flashs. Passarela. Até que aquilo estava sendo interessante. Bom, pelo menos bem mais do que ele achou que fosse ser. Mas o tumulto dos “paparazzi” antes do desfile fora realmente incômodo. Agora não. Agora, no finzinho do desfile, todas as atenções estavam voltadas para a passarela, para a modelo ruiva que desfilava. Ela parecia tanto com...
- Gina. – Harry pôs-se de pé, mas logo voltou a sentar-se, sob as reclamações das pessoas nas fileiras de trás. Não era possível. Ele tinha que tirar a prova. – Onde se entra para os camarins?
- O que foi?
- Gabrielle, eu sei que não posso aparatar daqui. E eu preciso ver algo...
- Eu não entendo. Por que você ficou de pé? O que está acontecendo? Do que você está falando?
- A modelo. Eu preciso ver de perto uma modelo. Como eu chego ao camarim? – O desfile estava acabando, tinha que correr. Por que ela não falava logo?
- Oh, certo! Não se pode sair daqui no meio do desfile. Finja que se sente mal e que... e que quer ar. O vigia o deixará sair. Dê a volta até a parte de trás desse barracão e espere. Deve haver uma porta ali, pela qual todas as modelos têm que sair. Porque, sinceramente, duvido que o deixem entrar.
- Obrigado. – Harry deu um beijo estalado na bochecha dela e saiu. Fez tudo como ela disse e ao chegar a tal porta, viu uma bruxa parada em frente a ela.
- Oi. Hã... Eu sou Harry Potter e...
- Oh, Merlin! O herói inglês! – A mulher falava um inglês carregado de sotaque para que ele entendesse (ou pelo menos tentasse). Foi logo abrindo a porta, puxando-o para dentro antes que dissesse qualquer coisa. – Você não se importa, né? As meninas adorarão vê-lo. Mesmo que não entendam.
- É exatamente isso que eu quero, Digo, cumprimentar as modelos... – Ele se sentia acanhado com aquela mulher histérica que abria uma das portas e anunciava em francês:
- Harry Potter, o herói, meninas! Ele veio vê-las. Não é lindo?
No momento em que chegou ao portal ele viu. Um rostinho sardento jogando para trás os cabelos cor de fogo e olhando para ele. Fazia bem mais de um ano que não a via.
Inconsciente, ele foi entrando na sala, insensível a tudo seu redor (e olha que não eram poucos os gritinhos, suspiros e fofocas) e parou em frente a ela.
- Gina? Gina, é você?
- Pardon?
- Gina, por Merlin, sou eu, Harry. – Ele a abraçou. Ela, inerte.
- Desculpa, senhor Potter. – Era a bruxa da porta. – Ela não será capaz de entendê-lo. Só fala francês. Ah! E seu nome é Guinevere, viu?
- Posso falar com a senhora um instante? Hã... Fora daqui? – Ele sentia todas as modelos olhando assustadas para a cena.
- Lógico.

Todos dias me pergunto,
Onde estou?
Por que está tudo assim?
Não sei!

- Então é isso? Ela não se lembra de nada? Só do nome... O qual é Ginevra, especificamente.
- É. Achei-a andando a esmo pela capital e pensei que daria uma boa modelo.
- Você disse que ela diz ter acordado no hospital, segundo os curandeiros, após um mês de coma?
- Isso.
- E ela é modelo há...
- Encontrei-a quando já fazia dois meses em que vivia de bicos. E é modelo faz quase um ano, creio eu.
- Ela fugiu.
- Desculpe. Não o entendi senhor Potter.
- Dos Comensais. Ela fugiu deles.
- O senhor a conhecia?
- Fomos namorados.
***
- Você podia ter me avisado, Harry! Fiquei preocupada!
- Eu sei. Desculpa Gabrielle. Mas agora eu preciso de uma ajuda sua. É muito importante.
- Óbvio. O que é?
- Eu encontrei Gina Weasley.
- Gina Weasley? Aquela que foi dama junto comigo no casamento da Fleur? E que eu peguei no maior agarra com você? Eu não me lembro da cara dela... Mas ela não tinha morrido?
- Todo mundo achou que sim. Mas eu a achei. Ela não se lembra do passado, realmente. E só fala francês agora.
- Você quer...
- Que você seja minha interprete, por favor.

Tudo está distante,
Meus momentos são sempre iguais,
Tão distantes, sempre distantes

- Diga, por favor, a ele que eu não aceito que riam de mim. Será que ele realmente achou que eu acreditaria? Nem inglês eu falo!
Gabrielle traduziu. Encontravam-se os três sentados num ‘café’, Le Boullevard, a Harry havia contado (através de Gabrielle) a história para Gina. E ela não acreditara.
- Gab, você pode, por favor, me deixar falar com ela a sós um momento?
- Mas...
- Eu sei. Eu dou um jeito.
- Se você quer. – Ela se retirou.
- Olha para mim, Gina. Olha para mim. – Ele segurou o rosto dela nas mãos e o manteve virado para ele. – Eu sei que você me entende. Não é possível que você queira ter esquecido tudo. Eu ainda te amo, Gina. Depois de tanto tempo, pensando que você tinha morrido, eu... Er... Como é que se diz? Droga! Isso eu sei falar... Er... Ah! Je t’aime!
Ela o olhava com vontade agora. Na verdade, o encarava. As mãos dele tinham descido de seu rosto e seguravam com força seus ombros. Os olhos verdes brilhavam suplicantes. Realmente, ela não se lembrava. Mas aqueles olhos não eram de todo estranhos.
- Eu... Estou confusa. – Suas palavras saíram em inglês. Como ela não saberia dizer. Fora espontâneo. Ela levou as mãos à boca. Algo estava acontecendo e ela não entendia, Claro que se acostumara a isso no último ano. Sempre havia uma coisa que não sabia. Mas agora era diferente.
- Viu? Você é capaz!
- Non, non, non.
- Por favor, Gina! Não me deixe de novo. Por favor. Eu não quero ficar sem você mais uma vez. Esse ano já foi suficientemente difícil. Eu te tinha sempre comigo, mas você não estava lá.
Flashs fulguravam na cabeça de Gina, Lembranças guardadas. Um uniforme vermelho de quadribol. Uma tumba branca. Um casamento. Homens de preto. Um cemitério. Um rato. Uma cobra. Preto. Tudo preto. Depois, tudo branco. O hospital francês.
- Je... – Ela se levantou depressa, deu as costas para ele e, agarrando os cabelos e apertando a cabeça, como se doesse, saiu desorientada pela rua.

Eu continuo usando as mesmas palavras
Estou voltando para você, estou voltando para você

- Eu te amo, Gina Weasley!
- Ela parou no meio da rua. Ele levantou, afastou as cadeiras, passou rápido pelas mesinhas, pessoas olhavam meio assustadas, meio divertidas. Chegou ao meio da rua, em frente a ela.
- Eu te amo, Gi...
Ela olhou nos olhos dele. Lembrava-se. Era dele que sentira falta esse tempo todo: abraçou-o.
Respirando profundamente, ele a abraçou também e a beijou. Prorromperam aplausos das mesas do Le Boullevard. Gina riu e, olhando para Harry, disse:
- Quer dizer então que, depois de tudo, eu ainda perdi o casamento do Rony e da Hermione?

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