Pêra, talheres e porta-retrato

Pêra, talheres e porta-retrato



- Malfoy, me larga! Você ta me machucando...
- Quieta Granger! Já vou te soltar... Pronto! Doeu me seguir por acaso?
- Você comeu bosta de dragão é? O que diabos fazemos na cozinha? Aliás, como você descobriu a entrada pra cozinha?
- Isso não vem ao caso Granger, agora vem pra esse canto antes que os malditos elfos domésticos nos vejam e nos matem empanturrados de comida...
Melissa olhou rapidamente em volta para o enorme aposento onde a cozinha de Hogwarts, lugar onde nunca esteve antes e sempre imaginava conhecer, mas não do jeito que gostaria. Instantes atrás, estava sendo praticamente arrastada por Lionel Malfoy até um corredor do andar térreo do castelo, de frente para um quadro de uma cesta de frutas. Após o garoto fazer cosquinha num enorme pêra, que se transformou numa maçaneta, ele a empurrou porta a dentro, chegando na cozinha. Rapidamente, Lionel a conduziu brucamente para um corredor à esquerda até chegarem numa espécie de depósito de louças e talheres. Ele se sentou numa pilha de caixotes, enquanto ela ainda admirava a enorme quantidade de coisas empilhadas a perder de vista. Após o espanto inicial, a garota virou-se para ele, cheia de raiva e descontentamento.
- Ótimo Malfoy, você pode por gentileza me dizer pra que me arrastou até o deposito de pratos de Hogwarts? Está faltando louça na sua casa é?
- Ora Granger, você não me ouviu dizer que era importante?! Não queria que nenhum dos seus amiguinhos idiotas nem ninguém nos vissem juntos.
- Sou uma péssima companhia mesmo não é? Claro, praticamente foge de mim desde que voltamos de férias...
Ele levantou-se, a face mais séria que de costume.
- Eu não queria fugir de você Granger, pelo contrário...
Melissa olhou-o nos olhos e ele sustentou o olhar pelos longos segundos que se seguiram. Como se ouvisse a voz da mãe ecoando nos seus pensamentos lhe dizendo que mentiras eram pegas no olhar ela tentou captar algum sinal de mentira, mas aqueles olhos amendoados pareciam lhe dizer outras coisas. Bruscamente, ele desviou o olhar tirando uma folha de pergaminho do bolso e lhe entregando.
- Aqui...Essa carta seria a última coisa que eu lhe mostraria, mas acho que você precisa ler, pra...acreditar em mim...
Insegura, a garota pegou a folha que Lionel a oferecia e desdobrou-a. Era a continuação de uma carta, escrita numa letra caprichada e floreada, apesar da péssima qualidade do papel.

“(...) que isso seja o mais correto que sua avó anda lhe dizendo. Acredite ou não, não acho que a vingança seja o ideal para sua vida, afinal veja onde estou.
Filho, nunca gostei de lhe dar conselhos pois acho que não tenho moral alguma para isso. Contudo, fica um alerta: as coisas aqui em Azkaban estão muito estranhas. Em 15 anos que estou aqui, jamais ouvi falar de algum outro bruxo poderoso o suficiente para tomar o lugar de Voldemort, e nem mais me interessa. Mas, nos últimos meses, ouço comentários de alguém que sabe muitos segredos e que vem mandando cartas a alguns aqui. E não vêm por intermédio de corujas, são meios mais...estranhos digamos. E depois que eles recebem ficam numa agonia sem fim e então morrem. Sem motivo aparente. Não que isso tenha tanta importância, mas acontece que ontem o meu companheiro de cela, um bruxo estrangeiro do oriente de nome Zing e que já andara recebendo essas estranhas cartas recebeu mais uma, que simplesmente apareceu do nada e horas depois morrendo. Sem me conter eu li o que estava escrito. E era: ‘ Hermione Granger e família’.
Eu sei que a filha dela estuda em Hogwarts, no mesmo ano que você. Essa menina, Melissa acho que é o nome dela, tem mais segredos na vida dela que a coitada possa imaginar. Fique longe dela Lionel, fique longe de problemas. As coisas estão se complicando novamente, mas nossa família não está mais no meio, de nenhum lado. Não quero mais ninguém que eu ame sofrendo nas mãos seja do lado das Trevas, seja nas mãos daquele Ministério patético e dos heroizinhos de sempre.
Mesmo longe estou pensando em você meu filho, e no seu bem. Sei que um dia estaremos juntos.
Com amor,
Papai”

Melissa terminou de ler a carta, atordoada. E pela primeira vez se sentiu desamparada e com medo. Lembrou-se mentalmente das cartas que recebeu, uma por uma. “E se a mesma pessoa que me mandou essas cartas esteja mandando cartas à Azkaban, a prisão bruxa?” ela pensou, confusa. Sabia que sua mãe havia lutado contra bruxos poderosos e muito perigosos, mas com a derrota de Voldemort todos esses bruxos haviam sido mortos ou presos. Também sabia que o pai de Lionel, Draco Malfoy, havida sido preso e condenado por ter se tornado um Comensal da Morte, assassinado trouxas e quase ter matado Tonks Lupin e seu tio Rony. Mas um medo de alguém querer fazer mal à ela própria e, principalmente à sua mãe, fez um frio percorrer a espinha. Sua vontade era de sair correndo e contar tudo à mãe, desde a primeira carta e também à Harry Potter. Ela não sabia como, mas tinha certeza que precisava falar com ele, para que o professor a ajudasse de alguma forma.
Ela então olhou novamente para Lionel, devolvendo a carta ao rapaz com as mãos trêmulas. Ele a pegou, e ao ver que Melissa fez menção de ir embora, segurou suas mãos.
- Então era por isso que você me evitava mais do que o normal Malfoy! Seu pai lhe pediu... – Ela começou antes que o garoto pudesse falar algo, se sentindo suja, como se tivesse sido amaldiçoada – Ele disse que tenho segredos...Que segredos? O que eu tenho de errado pra ser perseguida?
- Melissa, me escute! Desde que eu me entendo por gente minha avó me dizia pra ficar longe da família de vocês. Nós viemos de uma família puro-sangue, de Comensais da Morte. Meu avó era, minha tia era, meu pai acabou se tornando um. E veja o que aconteceu! Voldemort foi derrotado e arruinou minha família. E de certa forma sua mãe tem haver com isso. Eu sei que o lado das trevas não é o lado certo, mas eles não achavam isso. Respeito as opiniões deles, as motivações deles. Mas eles me amavam e eu os amo.
Ele falava muito rápido, como se estivesse desabafando. Suas mãos tremiam, e ele as segurava com tamanha intensidade que parecia ter medo que a menina fosse fugir. Mas era a última coisa que Melissa queria fazer. Lionel respirou fundo e continuou:
- Nunca vi meu pai pessoalmente, mas sempre recebo cartas dele. Cada palavra, cada conselho, a bela caligrafia dele, o jeito de montar uma frase ao mesmo tempo secamente mas de uma objetividade incrível me fez seguir cada coisa que ele me pedia e me aconselhava à risca. Por isso te odiei a partir do momento que ouvi seu nome. Você e seus amigos. Odiei você pois foram seus pais que nunca me deixaram ver meu pai. Mas, com o tempo entendi que esse ódio era do meu pai e não meu. Porque Granger, de uns tempos pra cá, eu comecei a perceber que esse ódio não ia me levar a nada, e que eu poderia viver como eu quisesse, pois não há mais Voldemort pra seguir, há apenas a minha vida e de como eu posso tomar o rumo que quiser.
“Nós nos aproximamos, e percebi que você não é alguém ruim, que não merecia esse ódio mortal. E que você não me odiava do jeito que falava que odiava, eu vi aquele dia na biblioteca. Mas aí no Natal meu pai me mandou essa carta...E eu percebi o quanto ele estava preocupado e...Ora! Ele é meu pai! Quer o melhor pra mim...E tentei fazer o que ele me pediu: ficar longe de você...Mas eu simplesmente não consegui! Eu fiquei preocupado com você, eu ESTOU preocupado com você Melissa! O destino é algo realmente inexplicável porque eu, um Malfoy, estou assim...Eu estou gostando de uma Granger! Por Merlin, eu estou gostando de você Melissa!”
Ele terminou de falar quase aos sussurros, como se estivesse terminando um encantamento muito delicado e importante. Ofegante, ele ficou apenas a olhando, na expectativa. Melissa sentiu as pernas bambearem, o calor das mãos de Lionel segurando as dela, aquele olhar amendoado a perfurando. Ela sabia que ele esperava que dissesse algo, mas palavras faltaram. Era muita informação, muitos sentimentos sendo sentidos em tão pouco tempo.
- Lionel. – Ela disse baixinho, e o modo como ela disse seu primeiro nome fez a tensão do corpo do garoto se desfazer aos poucos, e a intensidade com que ele segurava aos mãos dela se atenuou – Eu também estou gostando de você... – Ele sorriu, como se lhe dissessem que havia ganho o campeonato entre casas. – Mas você a de concordar que não é uma situação simples.
- Concorda. Mas não acha que somos nós que construímos o nosso caminho, não nossos pais?!
- Não é só isso... Ah, eu estou com tanto medo!
Num impulso ela se viu abraçando urgentemente Lionel, o garoto retribuindo fortemente o abraço. Ela queria apenas se sentir momentaneamente segura, queria que tivesse uma vida normal, onde não houvessem segredos, pessoas sussurrando pelas costas, olhares de esguelha; por ter que sofrer conseqüências de uma guerra que não havia participado, que não tinha nada a ver com ela. Queria só saber das coisas por inteiro, não aos poucos, por fontes ocultas. Não tivera tempo de ver a memória que recebera, mas agora percebera que era importante vê-la, tanto quanto saber a origem daquelas cartas, que achava cada vez mais que tinham haver com as misteriosas mortes de Percy Weasley e mesmo Hagrid. Só sabia que estando ali, nos braços de Lionel, ele lhe confessando sentimentos tão sinceros e tão profundos que havia encontrado alguém que sofria de certa forma como ela, e que juntos poderiam se ajudar.
- Calma Melissa...Ele lhe disse, ainda abraçados - Não vou deixar que nada lhe aconteça. Vou ficar do se lado.
- Mesmo depois de todos saberem e o mundo cair sobre nossas cabeças?
Ele deu uma gostosa gargalhada e ela se sentiu ainda mais confortada.
- Sim Granger, depois de nossos pais duelarem até a morte. Mas isso, bem depois, afinal não precisamos que ninguém fique sabendo dessa nossa aproximação, certo Granger?
- Certo... – Ela concordou, novamente aérea, e mesmo percebendo a aproximação do rosto dele bem perto do dela Melissa delicadamente colocou os dedos nos lábio dele e o olhou docemente, segurando sua mão e indicando alguns caixotes de madeira pra se sentarem. – Mas antes Lionel, eu preciso lhe contar algumas coisas, entre elas as cartas misteriosas que ando recebendo.

**********

Harry ajeitou com cuidado o porta-retratos que acabara de retirar de um enorme pacote pardo que recebera pelo correio-coruja em cima de sua escrivaninha. Sorriu ao ver a foto de um bebê rosado se mexer displicente no colo de seu pai. Os cabelos eram curtos como de qualquer bebê recém-nascido, embora a cor verde ácida deles indicavam que aquela criança não era como as outras. Lupin o carregava, vacilante, mesmo assim tinha um sorriso radiante enquanto brincava com as mãozinhas pequenininhas. Estava usando um macacão rosa claro, mostrando que aquele bebê era uma menina. Seu nome era Lucy, filha de Remus Lupin e Ninfadora Tonks, que pelo enquadramento estranho da foto tinha sido tirada pela mais nova mamãe.
Após ficar alguns segundos contemplando a foto, seu olhar desviou-se para mais alguns porta-retratos. Entre eles uma foto do casamento de seus pais, rodeados por alguns amigos entre os quais seu padrinho Sirius Back, uma foto de um antigo time de quadribol da Girfinória, quando ele era apanhador e Olívio Wood era o capitão e uma foto dele com pouco mais de 18 anos, logo após o final da grande guerra. Era o primeiro “baile da Vitória” e na foto ele, Rony e Hermione elegantemente vestidos sorriam e acenavam alegremente, a imagem de um aglomerado de pessoas atrás deles, todos visivelmente eufóricos, indicavam um momento de estrema felicidade. Demorando-se um pouco naquela foto, ele passou os dedos na imagem da amiga que pareceu sentir cócegas e seu eu de 18 anos fotográfico pareceu piscar. Saudoso, ele pensou no que tinha acontecido naquele baile e nos acontecimentos do último. “Ah! E tudo começou naquele baile...” Falou para si mesmo, sorrido ainda para a foto.
Foi despertados de seus devaneios por batidas suaves na sua porta. Intrigado, ajeitou-se na cadeira e pediu para a pessoa entrar. Minerva Mcgonagall entrou apressadamente, o olhar decidido.
- Potter, tenho informações do Ministério. – Ela começou e ele viu que sua boca tremia ligeiramente. – É a Srta. Lovegood, foi encontrada morta em sua casa. Avada Kedavra.

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