Rôni Whisky
Rôni Whisky era um garoto ruivo entupido de sardas que vivia com seus pais e seus vinte e três irmãos mais velhos. A família era muito pobre e vivia em uma cabana com quintal no interior da cidade. Isso era bom porque assim eles não podiam chamar a atenção dos vizinhos.
Não era novidade quando alguém esquecia o seu nome, pois ele era o vigésimo quarto irmão de uma família em que todo mundo era ruivo e em que todo mundo sabia falar a língua do pê. Isto é, ele era facilmente confundido:
-Ei você! Ei, Créber!
-Créber?
-Não...é... Uóxinton!
-Cumequié?
-Cráudio! Não... Cróvis! Ávison! Évison! Úvison! Carlos Daniel! Hubert!
Não adiantava. A única ocasião em que seu nome era lembrado era quando ele ia levar a culpa de alguma coisa. Como numa vez em que o menino do jornal passou de bicicleta pela cabana deles:
-Ói o jornal!
-Ele jogou o jornal da janela, que teve o vidro quebrado.
-Aaaaaaahhhhhhhhhhhhhh muleque!
-Não fui eu, papai! Não fui eeeeu!
Mas nessas horas todos lembravam da sua existência e diziam: “Foi o Rôni!”, só porque ele era o mais novo e o número vinte e quatro. Ele levava a culpa de tudo e já estava acostumado a sair correndo e se esconder. Na verdade, estava tão bom nisso que já sabia se camuflar e dar golpes tipo Jackie Chan. Aliás, ele havia se tornado praticamente um ninja.
Um belo dia, Rôni acordou junto com seus vinte e três irmãos (que dormiam todos no mesmo quarto) porque seu pai, Anta Whisky, estava gritando que nem Ivete Sangalo em cima do trio num sábado de carnaval em Salvador:
-Ganheeeeeei!!!!!!!!
-Uêba! Ganhou o quê?
-Ganheeeeeei!!!!!!!!
- O quê?
Rôni precisou fazer alguma coisa para chamar a atenção do pai, então chamou seus vinte e três irmãos para imitar as bailarinas do Faustão na hora das videocassetadas.
-Agora vai dizer o que foi?
-Eu ganhei... na Mega Sena!
-Mega Sena? O que é isso?
Anta Whisky tentou explicar, mas, para economizar palavras, simplesmente falou:
-Eu ganhei um dinheirããããããããão!!!!!!!!!
A mãe de Rôni chegou e perguntou:
-Mas você gastou dinheiro apostando?
-Não. Na verdade eu achei o bilhete da loteria no chão... eu tava andando na rua quando senti algo diferente no pé...
-Sentiu?
-É que eu tava descalço pra economizar a sola do sapato...
-Legal! Vamu gastar o dinheiro numa viagem!
-Que tal a gente ir pro Egito?-sugeriu Rôni.
-Não, Egito não porque eu não gosto de peixe cru! Que tal... México?
-Ah, não, lá faz muito frio!
-Pra onde vocês querem ir?
Rôni abraçou um globo de neve e olhou pro teto com o olho vesgo e uma cara de sofredor:
-Eu quero ir... pra América!
-Mas a América só existe na TV!
Depois de muita discussão e quando todo mundo ficou rouco (isso não é pouca coisa, imagine só vinte e seis pessoas gritando até ficarem roucas), Anta Whisky decidiu:
-Vamu pra Itália! Eu quero ver a Torre Eiffel e comer casquinha de siri!
Então todos arrumaram a mala (a única mala) e se prepararam para viajar no mesmo dia. Tentaram alugar uma van, mas não cabia todo mundo.
Tentaram alugar uma Combi; mas também não cabia todo mundo. Por fim, alugaram um micro-ônibus. Depois de seis dias de viajem, Anta Whisky, cansado de dirigir e cansado de ouvir seus filhos cantando “um elefante incomoda muita gente” na língua do pê, começou a desconfiar que estavam no caminho errado:
-Esse sol... essa areia... eu acho que estamos no caminho errado, a gente não devia estar vendo o monte Everest?
-Mas você não seguiu as placas?
-Ah... claro, claro...
Na verdade Anta Whisky não sabia ler, só sabia que a Itália devia ser um lugar lindo e por isso seguiu as placas mais bonitinhas.
De repente, acabou a gasolina do micro-ônibus pela septuagésima oitava vez. Isso acontecia porque ele colocava só um pouquinho de gasolina para economizar.
-Ah, chega, não agüento mais! Dessa vez eu vou encher o tanque pra não ter que parar toda hora, temos que economizar tempo!
Todos empurraram o micro-ônibus até o posto de gasolina mais fulêro do mundo, porque lá era mais barato. Depois subiram no buzu.
-Alguém aí desce pra pegar a gasolina!
-Eu não!
-Eu não!
-Ôxi! Eu não!
-Quem é que vai, afinal?
-O Rôni!!! Disseram todos os vinte e três irmãos.
Revoltado, Rôni desceu do micro-ônibus e pegou a mangueira de gasolina. Quando terminou, colocou o dinheiro em uma mesinha mas surgiu uma tempestade de areia e o dinheiro saiu voando.
-Voooolte!
Rôni saiu correndo atrás do dinheiro e, na pressa, a mangueira de gasolina caiu no chão. Depois que o dinheiro estava no lugar, Rôni voltou para o micro-ônibus sem perceber uma placa ao seu lado: “Bem-vindo, você está na Faixa de Gaza!”.
Uma hora depois, o motor do veículo morreu.
-Vamu descer, cambada!
Todos empurraram o micro-ônibus e chegaram rapidinho em uma cidade meio estranha.
-Chegamos na Itália! Eu acho que já vi a Torre Eiffel! Quem vai carregar a mala?
-O Rôni!!! Disseram todos os vinte e três irmãos.
Rôni foi obrigado a carregar a mala. No meio do caminho, viram uma luz no céu.
-Olhem! São fogos de artifício comemorando a nossa chegada!
Não eram fogos de artifício. Na verdade, era o posto de gasolina que tinha explodido porque Rôni deixou cair gasolina no chão. E o posto não era self-service. Ele estava abandonado e a gasolina estava passada da validade. Por isso que o motor do micro-ônibus tinha pifado.
Na mesma hora apareceram quinze jatinhos com a bandeira dos Estados Unidos e cento e cinqüenta homens pularam de pára-quedas. Rôni ficou alegrinho:
-América!
Depois, tudo o que ele ouviu foram as vozes dos soldados americanos:
-Corram, devem ser as armas de destruição em massa!
Até que Rôni ouviu uma musiquinha distante que não conhecia:
-Eu amo você; você me ama; somos uma família feliz; com um forte abraço e um beijo que te dei; meu carinho é praaaaaaa vooooocêêêêêêê!!!!!!!
Foi aí que todos viraram a tal família feliz da musiquinha e começaram a dançar. Tinha alguém vestido de Barney que rebolava estilo Txutxucão com a máscara deformada na frente. Mas Rôni não viu essa cena deprimente, a mala estava cobrindo o seu rosto. Até quando os jatinhos americanos jogaram uma bomba no posto de gasolina todos continuaram a dançar com a mesma alegria. Rôni começou a desconfiar:
-Ei, porque todo tá dançando essa musiquinha tosca?
Rôni tinha razão: aquelas pessoas, junto com a sua família, não poderiam estar agindo por vontade própria.
Cheio de dúvidas e louco de vontade de ver quem estava cantando aquela canção feliz, Rôni levou um susto enorme quando um buraco negro abriu-se no chão, fazendo com que ele caísse em direção ao vazio:
-Uaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!