Ensurdecedor
My life is brilliant
My love is pure
I saw an angel
Of that I'm sure
She smiled at me on the subway
She was with another man
But I won't lose no sleep on that,
'Cause I've got a plan
You're beautiful
You're beautiful
You're beautiful, it's true
I saw your face in a crowded place,
And I don't know what to do,
'Cause I'll never be with you
Yeah, she caught my eye,
As we walked on by
She could see from my face that I was,
Fucking high,
And I don't think that I'll see her again,
But we shared a moment that will last till the end
You're beautiful
You're beautiful.
You're beautiful, it's true
There must be an angel with a smile on her face,
When she thought up that I should be with you
But it's time to face the truth,
I will never be with you
(James Blunt – You’re Beautiful)
O dia passara devagar, como as folhas que caíam secas das árvores, com calma. Era possível observar todo o traçado que elas faziam no ar, como uma dança triste, um algo de depressivo. O sol já começava a se pôr, sob os prédios cinzentos e as nuvens amareladas de poluição de sempre daquela Londres tão sempre irritante. Entretanto, estava frio. Um frio cortante, um vento gelado que passava por mim como se quisesse me acordar de um sonho ruim. O sol era insuficiente para me aquecer, e mesmo as duas ou três blusas de lã que eu vestia não eram suficientes.
Depois de mais um dia estressante de trabalho no banco, eu andava pelas calçadas repletas de lojas estranhas, a caminho de casa. Só me irritava o fato de que eu ainda precisava suportar uma hora ou duas no metrô, para finalmente me aconchegar na minha cama. Veio-me à cabeça meu apartamento: um comum apartamento do subúrbio londrino, com duas ou três janelas cara-a-cara com outras duas ou três janelas de um outro apartamento do subúrbio londrino. Era tão clichê que chegava a ser desgastante pensar que aquilo me acalmava. A poluição, as nuvens, as lojas; era tudo tão igual que nem eu entendia como eu podia viver ali.
Meu nome? Ronald Weasley. Sou gerente de um banco qualquer, em um bairro qualquer, do lado de uma loja qualquer. Trabalho das 9 da manhã às 6 da tarde, e tenho uma hora de almoço. Ganho o suficiente para sobreviver. Minha vida é sempre a mesma: acordar, tomar o café frio da noite anterior, trocar de roupa, encarar o metrô – o maldito metrô! -, trabalhar e voltar pra casa. Mas sempre tem o metrô, aquela desgraça de metrô!
Não me pergunte o motivo de tanta raiva. O metrô me dá enjôo. Aquele monte de pessoas, todas se ignorando como se não existissem, se fazendo de cegas para todas as doenças, para todas as desigualdades do seu lado. Uma viúva rica, um homem sem um braço com uma criança no colo. De que adianta prestar atenção se ninguém mais presta? Então prefiro fechar os olhos, ser só mais um desconhecido, só mais um, e voltar para casa, onde continuo sendo um desconhecido; ao menos um desconhecido confortável.
O metrô, ah! Aquele barulho irritante, de conversas falsas, de trilhos balançando, de portas se abrindo, a catraca girando. Ensurdecedor.
Sempre foi assim; eu me fazia de surdo, de cego e de mudo perante aquelas pessoas e aquele mundo com o qual nunca concordei. Mas houve então um fim de tarde, aquele fim de tarde do qual eu falava no começo, em que foi um pouco diferente.
Desci as escadas sujas, com um ou dois mendigos deitados, pensando em como aquele dia tinha sido horrível, em como eu não tinha me alimentado direito e em como eu não suportava meu emprego. Paguei, rolei pela catraca, e me vi frente a frente com aquela multidão de pessoas, cabelos loiros, morenos, curtos, compridos, calças de todas as cores, gorros e cachecóis, e me perguntei como as pessoas podiam achar Londres uma cidade tão chique. Passei a mão por meus cabelos ruivos, tirando-os dos olhos para poder encontrar o melhor lugar para esperar. Mais à frente havia uma pilastra, e antes que alguém a percebesse também fui até ela e me encostei, acendendo um cigarro sem me importar com os resmungos de alguns em minha volta.
Um, dois, três trens, mas nenhum era o que iria para o meu destino. Olhei para o relógio por sobre as catracas e vi que já passava das 6 e meia. Suspirei irritado com o atraso, mas continuei esperando. Quando o trem se aproximou, tantas pessoas quanto possa se imaginar se locomoveram para perto das portas. Fiquei esmagado entre dois homens de terno, e quando consegui me libertar as portas se fecharam, engolindo as pessoas e cuspindo outras tantas para fora. Com um xingamento preso na garganta, virei as costas de olhos fechados.
Hoje, penso que aquele atraso e aqueles dois homens foram os responsáveis pela minha tragédia. Não fosse por aquilo, talvez eu tivesse chegado em casa mais cedo, tomado o mesmo café de sempre e continuado minha rotina. Mas não. Aqueles dois homens, aqueles dois malditos homens cujos rostos eu sequer lembro, me prenderam naquele maldito metrô.
Quando abri os olhos, um outro trem parou, cuspindo outras tantas pessoas para a passarela. Por algum motivo – e eu não sei até hoje qual – eu olhei. Olhei para todas aquelas pessoas que saíam, com suas bolsas em mãos, com seus relatórios, e minha respiração falhou por um instante.
No meio de todas aquelas pessoas, de todas aquelas infinitas e insuportáveis pessoas, havia uma moça. E eu não sei por que ela me chamou tanta atenção, porque simplesmente ela era tão normal quanto as outras. Os cabelos castanhos, rebeldes, dentes brancos como leite e o sorriso mais espontâneo do mundo. Usava uma calça jeans escura, talvez um salto alto – talvez por não ser um fanático por pés eu não tenha reparado – e uma blusa de lã branca que lhe cobria o pescoço. Os olhos castanhos, tão vívidos. E ela andou, por toda a passarela, como se nada mais estivesse acontecendo; mas não me pareceu egoísmo, me pareceu mais uma felicidade tão grande que nada podia ser maior que aquilo. Eu vi os músculos de sua perna se contraírem a cada passo que dava, e vi quando ela parou perto do telefone e começou a discar. Estava tão à minha vista que não tive como notar as mãos, com dedos longos e bronzeados, com um anel prateado emoldurando seu anular direito.
O ar me faltou quando ela apoiou-se e duas covinhas surgiram em seu rosto quando ela sorriu. Parecia alheia a tudo, quando riu alto e chamou a atenção de duas ou três pessoas. Eu podia ouvir sua respiração, mesmo que isso fosse impossível devido à nossa distância, mas eu ouvia, porque na minha cabeça aquele entrar e sair de ar era perfeito.
Então, com a mesma velocidade que ela entrou na minha vida, ela saiu. Desligou o telefone, ajeitou o cabelo e rolou pela catraca, subindo as escadas. A última visão que tive dela foram as pernas, que rapidamente sumiram no movimento londrino.
Já faz um ano; talvez dois. Nem mesmo sei quanto tempo faz, pois o tempo pareceu ser algo irreal depois que a conheci. Quando digo conheci, me refiro àqueles minutos em que pude observá-la, sem saber nada de sua vida, mas sabendo que ela era a mulher que eu queria passar o resto dos meus dias. A partir dali, tudo foram sonhos, tudo foram divagações. Imaginei tantas e tantas vezes quando a reencontraria e lhe dirigiria um sorriso. Foram tantas as festas a que fomos juntos, ela usando um vestido amarelo brilhante, tomara que caia, com um colar dourado com as inicias HW – Hermione Weasley, pois foi esse nome que dei a ela. – e um salto fino. Eu usaria um terno preto, com uma gravata vermelha como meus cabelos, e nós seríamos o casal mais feliz de toda a alta sociedade.
Brigamos algumas vezes, também, as brigas mais sérias. Mas essas brigas sempre acabavam na nossa cama, com roupas espalhadas pelo chão e muito suor. Ela sempre era perfeita. Os seios maravilhosamente arredondados, a cintura definida, as curvas, tudo. Podia passar o dia observando seu rosto moreno, acariciando-lhe as bochechas e beijando sua barriga que carregava nosso filho.
Ah, nossos filhos. Todos ruivos, e de olhos bem azuis. Dois deles foram para Harvard. A menininha foi para Yale, virou médica. Aos poucos nossos cabelos brancos foram surgindo, mas nos amamos até nossos últimos instantes.
Disseram-me, naquele fatídico 31 de Agosto de 1999, que eu estava louco. Amarraram-me numa camisa de força e me lacraram dentro de uma sala com almofadas brancas grudadas pelas paredes. Não sei ao certo porque; eu não estava louco! Hermione, minha Mione, havia desaparecido. Não havia mais suas roupas, ou seus cremes, ou a comida que ela sempre teimava em comprar. Era tudo como antes, a cama desarrumada durante o dia inteiro, as duas ou três janelas abertas, a geladeira cheia de comida que não fazia bem. Era como se ela nunca tivesse estado ali. E então eu gritei, gritei alto, como se meu coração estivesse sendo rasgado, e eu chorei, chorei de dor e de saudades.
Ninguém me explicou ao certo o que tinha acontecido. Fiquei ali, naquela sala branca, recostado a um canto, olhando para a porta que só abria para me darem comida. Mas eu não conseguia comer. Um dia alguém me trouxe um espelho – deve ter sido minha irmã mais nova, Ginny. – e eu pude me olhar pela primeira vez em muitos meses. Meus cabelos estavam fracos e sujos– fazia quase uma semana que eu não tomava um banho -, meus olhos estavam vermelhos, como se eu estivesse drogado, e olheiras afundavam meu rosto, deixando-me com uma aparência mortífera. Mas não havia em mim sinal nenhum de que minha Hermione um dia voltaria.
Corria. Muito rápido. Corra, corra, corra! Vem alguém atrás de você! Minhas pernas gritavam de dor, rangendo os ossos que já não sabiam mais o que era andar ou correr. Mas eu corria, mais rápido do que eu nunca havia corrido, sem olhar para trás. Alguém passou por algum corredor próximo, e por pouco não trombou comigo. Corri mais rápido, até encontrar a sala que eu procurava. Entrei sem que ninguém notasse, e tranquei a porta. O laboratório estava escuro e eu não acendi a luz para não tomarem consciência da minha presença do lado de fora. Agachado, abri todos os armários a procura de alguma coisa que pudesse me ajudar. No final da prateleira, no ponto mais alto, havia uma porta – uma única porta trancada. Sem conter minha raiva, gritei e com as minhas próprias mãos quebrei a madeira e consegui ter acesso ao seu conteúdo. Havia um só vidro, um pequeno vidro, daqueles de amostras de perfume, com um lacre preto e um desenho de uma caveira. Sem pensar, peguei o vidro e saí correndo pela porta dos fundos.
Homem é encontrado morto em seu apartamento.
Nessa 2ª feira, 20 de Março de 2000, Ronald Weasley foi encontrado morto em seu apartamento. Ronald era gerente do Banco Martsa, e há cerca de 7 meses encontrava-se no Hospital Psiquiátrico de Londres, em observação. Testemunhas contam que Ronald Weasley esteve, antes de ser internado, tendo atitudes suspeitas. “Ele conversava sozinho, como se alguém estivesse com ele.” afirmou Lilá Brown, vizinha do homem. “Muitas vezes fui visitá-lo e ele falava como se tivesse uma namorada e filhos, mas eu nunca tive coragem de contrariá-lo.”
Os médicos do Hospital Psiquiátrico afirmaram que Ronald acreditava ter se casado e morar com a esposa – a qual ele chamava de Hermione. -, uma mulher que conhecera no metrô.
O corpo de Ronald foi encontrado em seu quarto, sobre a cama, e não havia qualquer sinal de luta. A autópsia confirmou que o Sr. Weasley morreu envenenado.
Hermione Potter leu a notícia, arrepiando-se. Seu nome era tão incomum que lê-lo em uma notícia triste no jornal lhe causava calafrios. Suspirando, deixou o jornal de lado e virou-se para tomar seu café. Por algum motivo, aquele homem não lhe era estranho. Não sabia ao certo se o havia conhecido, ou se era apenas um rosto comum demais, mas sua face ficou em sua mente por vários dias. E, com a mesma velocidade que aquele rosto entrou na sua vida, ele saiu.
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