Bem-vinda ao lar!



Capítulo Quatro – Bem-vinda ao lar!

“Hard by the Lake Regillus

Our camp was pitched at night:

Eastward a mile the Latines lay,

Under the Porcian height.

Far over hill and valley

Their mighty host was spread;

And with their thousand watch-fires

The midnight sky was red.”




***

Ao final da tarde, Harry e Hermione já haviam se adaptado muito confortavelmente à suíte Deluxe Junior do Hotel Cipriani, onde chegaram um pouco antes do meio-dia. Preferiram deixar o passeio turístico pela bela Veneza para a manhã seguinte, já que ficariam três dias na cidade. Ao invés disso, passaram a tarde apreciando a bela vista da sacada do hotel – de onde podiam visualizar a piscina olímpica, assim como boa parte da cidade – e aproveitando as espaçosas acomodações da suíte.

Era um quarto de trinta e cinco metros quadrados, situado no terceiro andar do hotel. Decorado em cores neutras e com uma enorme jacuzzi ocupando o banheiro, possuía uma cama suficientemente grande e aconchegante, assim como era o resto do lugar.

As malas estavam abertas em cima de um dos sofás e o casal estava deitado sobre a cama, sem vontade alguma de levantar. Aos poucos, um sono leve dominou Hermione, mas ela só o percebeu quando ouviu Harry murmurando:

– O quê você quer com meu travesseiro?

– Hum? – ela respondeu, de olhos fechados, acomodando sua cabeça no primeiro material fofo que sua mão encontrara.

– Meu travesseiro, Hermione – repetiu Harry, puxando-o repentinamente.

Ambos estavam meio-acordados, meio-adormecidos, e o diálogo continuava a travar-se mais entre murmúrios e gestos do que em verdadeiras palavras. Ela puxou, com a mão, o braço do esposo, até que nele pudesse repousar a cabeça. Harry protestou, sonolento, mas em poucos segundos adormecera, esquecendo a posição desconfortável em que se encontrava - olvido esta que duraria muitas horas, até que o véu da noite cobrisse por completo a cidade flutuante e trouxesse à consciência os dois amantes que ainda encontravam-se relaxados sobre a cama.

– Hermione, acho que seria melhor levantarmos… vai ter um jantar seguido por um Baile de Máscaras no Restaurante Internacional. Talvez fosse interessante se nós fossemos…

– Baile de Máscaras? Por quê? – ela perguntou, sem levantar o rosto para encontrar os olhos do marido.

– Não sei, talvez pela nossa chegada – Harry sorriu. – Não sei mesmo, talvez seja uma tradição daqui, como o Carnaval, sabe… talvez um pouco fora de época…

Hermione afundou-se mais nas cobertas antes de responder.

– Mas seria bem melhor se jantássemos aqui… aí eu não teria de levantar, me arrumar, colocar aquele vestido feio…

– O vestido não é feio… não pode ser feio, é você que vai usar… Por falar em usar… – Harry ficou pensativo por um momento. – Será que eu poderei usar o meu braço em algum futuro próximo?

– O que houve com seu braço? – la apertou mais o travesseiro, permitindo que suas pálpebras se fechassem pesadamente.

– Acho que a pergunta é: o que houve com o seu travesseiro?

Não se importando com a pergunta, Hermione permaneceu de olhos fechados. Por que Harry estava pensando nisso, se o travesseiro estava muito bem colocado em cima da cama, onde ela poderia deitar confortavelmente a cabeça?

“Amor, você continua usando meu braço… e eu preciso dele, sabia?”

– Pra quê? – Harry ouviu a esposa responder com uma voz ausente. – Você não vai a lugar algum mesmo.

Harry, que permanecia muito bem acordado, respondeu em um tom repentinamente alegre, contrastando com a atitude de Hermione e tentando convencê-la a acordar:

– Pra quê? Talvez para restabelecer a circulação sangüínea do meu braço, já que ela foi cortada ontem à noite, quando seu travesseiro desapareceu misteriosamente e foi substituído por mim.

– Mas está bom…

Com um suspiro, Harry permitiu que ela descansasse mais meia-hora. Uma nova tentativa de convencê-la a participar do baile foi útil somente para que a esposa insistisse ainda mais em jantar na suíte mesmo.

Depois de muitos minutos desperdiçados, Hermione finalmente cedeu e começou a aprontar-se para a noite. Enquanto andava de um lado para o outro, ora tomando banho, ora trocando de roupa, ora procurando o sapato, ora pegando a maquiagem e procurando as jóias, Harry esperava sentado à beira da cama, com toda a paciência do mundo, fazendo palavras cruzadas, até que Hermione aproximou-se para pedir que ele fechasse o vestido.

– Você sabe… – murmurou Harry, enquanto puxava o fecho –… não deveria estar pedindo para que eu fechasse seu vestido…

Hermione virou-se e sorriu, beijando levemente a face do marido e saindo para o banheiro para arrumar o cabelo que ainda estava molhado. Quando terminara de aprontar-se, ela voltou ao living da suíte para encontrar Harry examinando dois pacotes que estavam sobre uma trabalhada mesa de mármore branco.

– O que é isso? – ela perguntou, sem conseguir ver o que estava dentro das caixas brancas.

– As máscaras… eu desci para buscá-las enquanto você se arrumava – Harry informou, entregando-lhe a caixa maior.

Ela destampou a caixa e abriu o papel de seda que envolvia a bonita peça que lhe fora designada. Um tom perolado a dominava e, em suas bordas, enfeites lavrados em dourado eram apresentados, combinando com a máscara do marido, ainda que a de Hermione cobrisse somente parte do rosto.

Com as máscaras em mãos, os dois desceram pelo requintado elevador até o primeiro andar do prédio. Ao entrarem, o garçom educadamente os conduziu até a mesa, que ficava bem próxima ao grande lustre de cristal do salão. Hermione, assim como o marido, colocou sua máscara sobre a mesa, próximo às flores no centro, a tonalidade pérola combinando perfeitamente com as paredes e toalhas do restaurante, e os brilhos refletindo as finas lamparinas que iluminavam o ambiente.

– Está vendo, querido? Você deveria aprender a fazer um molho como esse – Hermione não resistiu em comentar no meio do jantar, ao experimentar a Pennette al ragù bianco di coniglio, vitello e fave.

– O que você tem de entender é que eu até aprenderia, se não estivesse ocupado demais com uma mulher linda que fica tirando minha atenção – ele sorria enquanto sussurrava, pegando a mão esquerda da esposa por cima da mesa –, mas não, não vou lhe falar quem ela é… não quero que você amaldiçoe a coitada.

– Eu não usaria magia diante dos trouxas, querido – respondeu Hermione com um olhar assassino.

– Por isso mesmo, Mione, não queria ver você sujando suas mãos com ela na frente de todos do restaurante.

– Eu posso esperar até o final do jantar, querido… – ela enfatizou a última palavra, dando a esta um sentido particularmente escarnecedor.

– Sabe… – Harry começou, encostando-se na cadeira, tomando um gole do Château Petrus e observando as outras mesas –… você fica mais bonita quando está nervosa.

– Hum…

Poderia até ser verdade que Harry gostava de ver a esposa nervosa, mas mais bonita mesmo ela ficou algum tempo depois, quando colocou a máscara e aceitou o braço do marido, que a levou até o salão do baile.

Ao fundo, um trio tocava as músicas que eram dançadas no centro do salão, entre as diversas mesas iluminadas por discretas arandelas, presas nas paredes laterais. Chegaram e, antes mesmo de escolher uma mesa, Harry virou-se para a esposa. Seus olhos verdes brilhavam como nunca ao mirar Hermione e convidá-la para dançar a primeira valsa. Ele a via como ninguém, e não era apenas pelo vestido ou pelo penteado, que a tornavam bonita, mas também pelos pequenos detalhes, que somente seu esposo conseguia notar.

A fraca iluminação tornava o ambiente, de certa forma, aconchegante, e criava um clima propício a confidências, permitindo que a maior magia da noite acontecesse; permitindo que dois amantes ocultados pela obscuridade fizessem o mundo desaparecer diante do significado de um simples olhar.

O casal não permitia que os próprios pensamentos perpetrassem uma traição; permitia apenas que a própria mente abandonasse tudo de fútil que havia em volta e que o íntimo mergulhasse em um sentimento que, apesar de tantos anos, não deixara de ser extraordinário; os dois continuavam deslumbrando-se pela companhia do outro.

– Obrigado – Harry murmurou ao curvar-se sobre Hermione ao final da música, assim como os outros casais também faziam.

Tomando a esposa pelo braço, ele a guiou, cruzando a pista de dança até chegar a uma das mesas próximas à parede, onde poderiam descansar um pouco apreciando o bom champagne oferecido pelo hotel.

– Aprendeu a dançar, Sr. Potter? – Hermione comentou, ainda segurando firmemente a mão do marido na sua.

– As coisas que eu tenho de fazer pelo meu país… – Harry respondeu com o olhar perdido.

– Seu país? Desde quando você nasceu aqui?

– Bem, nunca se sabe, não é mesmo? Imagine se meus pais se refugiaram aqui antes de eu nascer… – Ele sorriu e continuou: – Mas, em todo caso… vou corrigir… as coisas que eu tenho de fazer pelo nosso país… Afinal, vamos morar aqui, não? E espero que por um bom tempo…

– Quem sabe… – Hermione aproximou-se e sussurrou ao ouvido do marido –… eu posso não gostar da casa…

– Mesmo?

– Ou do lugar… – ela continuou, suas mãos brincando com o cabelo do marido.

– Ah, mas você vai gostar, amor… – Harry sussurrou de volta –… e nós seremos felizes lá… juntos.



***

Veneza sempre fora encantadora, principalmente para dois jovens amantes que a escolhiam para visitar. O tempo que Harry e Hermione lá estiveram passou muito devagar, como se fossem dias imaginários em que pudessem reinventar o conceito de tempo, de dias e de horas.

Pela manhã do segundo dia, eles saíram para explorar a Cidade dos Canais. A maior parte das atividades – até mesmo comerciais – acontece sobre a água, apesar de ainda haver lugares que não foram tomados pela mesma. Cruzando as ruas à bordo de uma gôndola, conheceram um pouco da arquitetura da cidade (“Inspirada pelo estilo dos antigos súditos do Império Romano, que refugiaram-se aqui para fugir das invasões bárbaras, mas ela só foi construída na Renascença… Michelangelo ajudou...”, Hermione não resistiu em comentar ao passarem sobre a Ponte di Rialto, a mais famosa da cidade) e renderam-se à tentação de comprar alguns souveniers vendidos por ali.

Ao saírem das ruelas estreitas – em que navegaram por boa parte do tempo – e aproximando-se do espaço aberto da Praça San Marco, puderam sentir um pé de vento que soprava com força, e então notaram o céu que não demoraria muito a tornar-se completamente plúmbeo.

O rosto de Hermione, depois de observar as nuvens, ficou algum tempo erguido em direção ao céu, observando uma enorme torre de relógio. Seus olhos foram descendo pouco a pouco para então notarem a belíssima Igreja ali existente – ela apresentava pequenas torres semelhantes a minaretes, e tivera sua construção iniciada após o furto dos restos mortais de São Marcos, doravante encontrados em Alexandria –, tão sincronizada com a paisagem quanto se podia imaginar. Era, sem dúvida, uma das mais belas Catedrais do mundo, e os olhos de Hermione brilharam diante da presença da História.

Harry concentrava-se em observar cada sorriso da esposa, cada gesto. Sem dúvida, a idéia dessa viagem fora uma das melhores que já tivera – isso se não tivesse sido a melhor. Não, não fora a melhor… a melhor somente seria completada quando chegassem a Roma.



***

Aproveitando cada segundo ao máximo, eles conheceram boa parte da cidade nos dias em que lá estiveram; com certeza, lembranças não faltariam daquela viagem. Então, chegou a hora de despedir-se daquele magnífico lugar e embarcar para a última parte da viagem no Expresso do Oriente – com destino a Roma.

Desta vez, não se demoraram na cidade; a casa era próxima à zona urbana e poderiam visitá-la quando desejassem. Na verdade, esse fora um dos argumentos que Harry usara para convencer Hermione de que não deveriam se demorar; ele ainda se divertia ao lembrar a discussão que travaram quando o trem estava quase parando.

– Mas, querido – começou ela quando Harry levantou-se para pegar as malas e informou que não fariam paradas na cidade –, Roma tem muito mais História do que Veneza… eu poderia passar um mês inteiro aqui só para saber tudo sobre ela.

– Hermione, nossa casa é a cinco quilômetros daqui… poderemos vir quando quisermos e teremos anos para conhecer a cidade.

– E tenho dias para conhecer a nossa casa, oras.

– Bem, isso você pode ter, mas primeiro você precisa arrumar um fantasma para alimentar seu gato, porque, se você ficar um mês aqui, eu que não vou dar comida para o Bichento…

– Ah, ele sabe caçar uns ratos por aí… vai sobreviver – Hermione fez pouco caso e Harry sorriu.

– Tudo bem – ele concordou com seriedade e sentou-se novamente, cruzando os braços. – Só esperemos que os ratos descubram uma fresta naquela casa quase lacrada para que o Bichento possa caçá-los, porque, se não…

Hermione observou o esposo, refletiu um pouco sobre o que ele dissera e sobre o fato de ele ter mais uma vez se acomodado no banco, quando já deveriam estar saindo da cabine.

– Hum, querido, você não vai esperar sentado aí, não é?

Encarando-a com uma leve curiosidade e algum divertimento, ele não hesitou em responder:

– Eu vou cansar demais se esperar de pé… é claro que, se você não quiser esperar… – Finalmente com uma das mãos livres, ele tomou a da esposa na sua.

Hermione não insistiu mais. Estava mesmo curiosa para saber como seria a nova casa, ainda que conhecesse plenamente os gostos do esposo; permitira-o mobiliar o primeiro apartamento que dividiram. Já Harry acompanhava-a com inquietude, ainda incerto se fora apenas uma zombaria a declaração dela sobre a possibilidade de não gostar do que ele escolhera. Sabia que, se este fosse o caso, não a contrariaria. Amava-a demais para vê-la aborrecida.

Ao final da tarde, o casal chegou àquele que seria seu novo lar. Harry tirou as bagagens do porta-malas e as deixou ao lado do carro, para então tomar a esposa pela mão e a acompanhar até o bonito jardim que havia nos fundos da casa. A convidou a se sentar em um dos bancos, de frente para o lago. Bichento logo se fez notar, miando e pulando no colo da dona, que começou a afagar sua barriga. Harry então começou a dar uma explicação, algo que não fizera durante a viagem, apesar das insistentes interrogações da esposa:

– Lago Regillus. Sua profundidade alcança até doze metros, mas não é por isso que ele é famoso. Nesse mesmo lugar, em 496 A.P, Roma tomou a ofensiva contra os Latinos. Os grandes poetas dizem que os gêmeos Castor e Póllux, os Dióscuros, desceram a terra para ajudar os romanos, permitindo assim a vitória, e que eles foram vistos no centro da batalha, cavalgando em seus cavalos brancos como a neve. Quando a luta terminou, esses deuses foram vistos no centro de Roma, anunciando a vitória. Então, desceram no fórum, no meio das pessoas, deram de beber aos cavalos e desapareceram, não sem antes ordenar que os romanos ali construíssem um templo em sua honra. E assim começou a consolidação daquele que seria o maior império da Antigüidade Ocidental.

– Ai, ai… – Hermione suspirou, olhando o marido –… depois sou eu que devoro os livros…

– Eu não devorei nenhum livro… bem, talvez eu tenha lido um, ou dois… ou três… – ele sorriu –, mas são os fatos… achei que você gostaria de saber aonde chegamos, amor.

– E aonde chegamos, Har?

– À nossa casa, na Itália…



***

Após assistirem ao pôr-do-sol, os dois finalmente decidiram entrar. Harry carregou as malas e abriu a porta para que a esposa passasse. Ela o fez, sendo seguida pelo gato de estimação, e passou a observar atentamente cada detalhe da nova sala; as bonitas cortinas, o sofá amarelo-queimado, o tapete que dava um ar muito aconchegante ao lugar, a estante que ocupava boa parte da parede e estava cheia de livros e as discretas arandelas – uma em cada ambiente.

A cozinha era espaçosa e pareceu-lhe suficientemente versátil, ainda que Hermione não tivesse gastado muito tempo analisando-a; estava mais interessada em como seria o quarto que dividiria com o marido. Voltou à sala e Harry a tomou pela mão para mostrar o resto da casa. Ela viu o quarto que seria de Leahnny, o banheiro e, por último, Harry permitiu que entrasse no novo quarto deles.

Como os outros ambientes, esse recinto era espaçoso e confortável. Uma grande cama de casal branca – flanqueada por duas mesas de cabeceira – estava encostada na parede oposta à porta, um closet ligava o quarto ao banheiro e, em um dos cantos do quarto, estavam postas duas poltronas para leitura; entre elas, na parede, havia mais uma luminária.

A primeira coisa que Hermione fez ao entrar completamente no quarto foi sentar-se na cama. Harry largou as malas no closet e voltou para perto da esposa.

– Gostou da cama, foi? – ele perguntou, sorrindo.

– Bem, ela é macia… e grande… acho que vai sobrar um pequeno espaço para você.

– Um pequeno espaço? Muita gentileza da sua parte me ceder um pequeno espaço da nossa cama.

– Você não avisou que era nossa! – Hermione protestou e Harry ergueu as sobrancelhas.

– Eu imaginei que isso estivesse subentendido quando eu avisei que entraríamos no nosso quarto, Mione.

– Ah…

– Por quê? Você não quer dividir o quarto comigo? – ele perguntou e, sem permitir que ela respondesse, a beijou. – Sabe de uma coisa? Eu não me importo com o espaço mínimo… na verdade, acho que não preciso de espaço algum…

– Estou… – ela foi interrompida por um novo beijo –… vendo, Har… você já tem espaço suficiente em cima de mim, não?

– Hum-hum – negou ele.



***

A casa estava silenciosa, como se estivesse vazia. Nem mesmo o gotejar das torneiras era ouvido, e a floresta próxima só contribuía para um maior isolamento. Bichento devia ter se embrenhado na floresta, pois não o viam desde que o jantar terminara. Hermione estava na cozinha, somente a luz da geladeira iluminando o ambiente. Era alta madrugada, com certeza já passara das três horas, e ela fora até lá para beber um pouco de água; esperava que, depois disso, conseguisse voltar a dormir.

Pegou da geladeira o recipiente com água e encheu o copo que anteriormente largara sobre a pia. Manteve a geladeira aberta e logo colocou o jarro onde estivera minutos atrás.

Um arrepio atingiu a boca de seu estômago e ela virou-se no mesmo instante, fechando a porta da geladeira e dando de frente com a bancada que havia no centro da cozinha. Respirou fundo e observou novamente o lugar que estaria completamente vazio se não fosse por sua presença. Harry estava dormindo. Não poderia ser ele, ela estava certa disso.

Então, de repente, o copo que estava sobre a pia – cheio de água – espatifou-se no chão. Hermione abriu a boca de susto, mas não emitiu som algum. Seu primeiro movimento consciente foi encostar-se na porta da geladeira e procurar a varinha que – só então percebeu – deixara no quarto.

Ainda que fosse uma bruxa, passara anos sendo criada por trouxas e não seria a falta de uma varinha que a deixaria completamente indefesa. Esticando um pouco o braço, puxou com força uma faca grande do cepo exposto em cima da bancada. Empunhando-a como a uma espada, ela colocou o outro braço para trás, usando-o para tatear e saber o quão longe da geladeira já chegara e o quão desprotegidas estavam suas costas.

Em três passos hesitantes, ela encostou-se na pia, virando-se para o lugar onde estivera. Não via ninguém e não ouvia nada além do vento que começara a soprar lá fora, carregando as nuvens. Pensou em alcançar a porta, mas aquela sensação fria mais uma vez a deteve; sentira como se algo gelado tocasse o braço em que carregava a faca.

– Shhhhh – ela ouviu distintamente.

Havia alguém ali. Tinha de haver; o vento que batia na janela não estava tão forte para assoviar daquele jeito. Alguém se escondera nas sombras, esperando para surpreendê-la.

– Harry? – ela murmurou, embora ainda soubesse que ele estava dormindo.

– Vós sois a nova dona daqui? – perguntou uma voz baixa e grave.

– Quem… onde você está? – Hermione movia o braço da direita para a esquerda, apontando a faca para a escuridão.

– Eu sou Maximus Decimus Meridius – respondeu um espectro branco que surgiu por cima da bancada; um fantasma –, Comandante dos Exércitos do Norte e General das Legiões Félix que lutaram para manter a paz nessa terra. E vós, quem sois, nobre intrusa?

– Eu sou… – ela parou por um instante, seu cérebro, ainda sonolento, tentando analisar a situação rapidamente. – Hermione Potter. Eu moro aqui.

– Imaginei assim ao vos ver chegando com as malas. É vosso esposo aquele que repousa no quarto?

– É – respondeu Hermione, considerando se deveria acordar Harry e contar o que estava acontecendo.

– Ele não aprecia pessoas como eu, achei melhor não aparecer antes.

– Pessoas como você? – Hermione perguntou, finalmente baixando a faca.

– Seres como eu, que seja. Não é porque eu não estou mais entre o reino dos vivos que devei enfatizar isso em cada frase.

– Desculpe… – ela arrependeu-se. – Ouça, o que você quer na nossa casa? Nós esperávamos morar sozinhos aqui…

– Em vossa casa? E desde quando podes chamar de teu este lugar que me pertence há tantos séculos? Aqui morri e também passei mais anos do que tu podes contar.

– Mas… – Hermione tentava encontrar alguma justificativa suficiente para convencer o fantasma a deixar a casa. – Bem, eu sei disso, mas não tem como você ir para outro lugar? Quem sabe outra cidade que você goste mais, sabe…

– Eu gosto daqui, Senhora. Estou muito bem adaptado a este magnífico lugar e, se vós assim desejardes, não me importo em dividi-lo convosco.

– Eu me importo – exclamou Hermione. – Ouça, Maximus… eu não me importo em dividir a casa com meu marido, mas nós viemos aqui procurando um pouco de sossego, de isolamento de tudo…

– Vós terei vosso sossego – ele confirmou.

– Não com você aqui, nos vigiando, nos espionando ou fazendo sabe-se o quê.

– Minha intenção não é de atrapalhar-vos, Senhora – ele insistiu. – Entretanto, não sairei deste lugar. Poderei ficar invisível, se minha presença tanto vos perturba, mas não deixarei essa casa.



***

Os arguciosos raios de sol espreitaram pela janela da sala no começo daquela manhã, encontrando a forma entorpecida de Hermione Granger deitada sobre um dos sofás. Fora ali que ela permanecera pelo resto da noite; fora do quarto; longe de Harry. A discussão com o fantasma a deixara cansada, mas não fora por isso que ficara na sala.

Passara o resto da madrugada acordada, atirada sobre o sofá, mirando a floresta além da janela. Não conseguia dizer realmente se a presença de Maximus lhe perturbava, embora certamente a intrigasse. Era claro por que ele estava ali, mas por que decidira aparecer, justo para ela, justo agora, depois que eles já estavam há mais de uma semana na casa?

O fantasma dissera alguma coisa sobre Harry… que Harry não gostava muito de “pessoas” como ele. Hermione pensava por que Maximus fizera tal afirmativa, que ela duvidava ser verdadeira. Seu marido já vira fantasmas antes, já convivera com eles em Hogwarts. Por que não gostaria deles?

Talvez fossem as lembranças tristes que os fantasmas pudessem trazer. Hermione não esquecera como Harry não gostava de falar sobre eles, como sempre evitava mencionar o que acontecera de ruim. Apesar do tempo em que trabalhara no Departamento de Mistérios, tinha pouco conhecimento sobre o como e o porquê das pessoas virarem fantasmas. Sabia que seu esposo – estranhamente – conhecia a fundo esse assunto, embora ele mencionasse os fantasmas apenas quando estritamente necessário.

Não que pudesse culpá-lo por ser tão reservado ao falar sobre a morte; tampouco ela gostava de conversar sobre tudo que passaram. Entretanto, Hermione estava plenamente consciente de que jamais poderiam esquecer as lições que aprenderam durante os anos de guerra; ela não poderia permitir que esquecessem.

– Em que está pensando? – uma voz lhe perguntou, não muito alto, somente o suficiente para que ela ouvisse o murmúrio pronunciado em seu ouvido; Harry acordara e agora estava inclinado sobre o encosto do sofá.

– Só estou olhando a floresta… – ela respondeu, permitindo que sua mente continuasse vagando e não voltasse realmente à realidade.

– E passou a noite toda fazendo isso? – Harry levantou-se, deu a volta no sofá e ajoelhou-se ao lado dela.

– Eu não conseguia dormir.

– Você poderia ter me acordado, então… poderíamos ficar conversando… mas não precisava ter me deixado sozinho naquela cama fria…

– Desculpe…

– Aconteceu alguma coisa para você não ter conseguido dormir, amor? – ele perguntou ao pegar a mão da esposa.

– Não, só que… – ela parecia indecisa, mas, depois de alguns minutos, continuou, confiante: – encontrei um fantasma.

– Um fantasma? – Harry recuou um pouco, sem acreditar de verdade no que a esposa lhe dissera.

– Sim, ele disse que mora aqui… o nome dele é Maximus.

– Mas… não há fantasmas morando aqui… se houvesse, não acha que eles já teriam aparecido?

– Eu não sei por que ele não apareceu antes. Ele disse algo sobre você não gostar de fantasmas, o que não tem nada a ver…

– Amor, eu acho que você ainda está dormindo… – Harry sorriu e beijou-a na testa. – Acho melhor eu ir até a cozinha preparar o café, fique aqui enquanto isso.

Hermione preferiu deixar o assunto morrer por enquanto. Não havia sentido em discutir com o marido naquele momento, não por uma coisa tão banal quanto um suposto fantasma que ela só vira uma vez, quando estava realmente cheia de sono.



***

Próximo Capítulo: um dos primeiros capítulos que escrevi, se chama “A Captura do Castelo”, mostrando um pouco da convivência entre os Potter. A priori, era um capítulo gigantescamente enorme que eu acabei dividindo em outros três depois, porque se não a Lori ficaria milênios betando. Temos um pinheirinho de Natal! Pinheirinho de Natal! (é, eu vou me controlar... algum dia...) Harry tem um sonho (ou, devo dizer, pesadelo?) e dá algumas explicações para a pirralha (cof cof), digo, Leahnny. Tem mais um pouco do nosso Harry-Carlos Daniel-Jorge Luís-Luís Fernando (estou assistindo A Usurpadora de novo, o que esperavam?) E (sim, um E bem grande aqui) uma carta...


A/N: Obrigada pelos comentários! Por favor, continuem dizendo o que acham da fic!!!

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