Chocolate à Chuva



Enquanto passava de carruagem em carruagem pela última vêz, Harry não estava no mundo onde o chão se comprimia a seus pés, onde o frio esgueirando-se pela porta lhe tocava nos cabelos morenos e o onde calor do comboio lhe acariciava ao de leve o rosto rosado.


Harry não estava no mundo onde o Bem e o Mal seriam eternos inimigos, onde o mundo era completamente imprevisível e um simples insignificante gesto daria voltas a uma vida.


Onde o seu futuro não era como uma rocha esboracada e lascada pelo vento que dentro em breve se demoronaria.


Onde a ilusão era mais amarga que a verdade e a verdade mais doce que a ilusão.E onde o seu combustível de vida, amizade, amôr, não se estava prestes a esgotar, e permanecer na falência.


Sacudido pelas manifestações de descontentamento dos seus colegas que em breve o deixariam de ser ao fim de 7 longos anos, Harry empurrava a sua mala para uma carruagem vazia, mal reparando que acabara de desentupir metade do corredor.


Sem fazer ideia se estaria acomodado em algodão macio ou numa cama de pregos, Harry olhava pela janela onde os frios pingos de chuva embatiam na vidraça e escorregavam por ali abaixo como lágrimas salgadas que Harry não possuía.


Que se haviam esgotado.


Que agora escorriam no seu coração como ácido que se manifestava baixinho, num murmúrio inaudível apenas no interior, num murmúrio doloroso.


Porque a pedra mais preciosa, o galeão mais valioso que Harry alguma vêz possuíra se tinha ido.


Desaparecido.


Sumido e desfeito no ar.


Para sempre.


E onde só restavam memórias, lembranças escorregando como água entre os dedos trémulos. Bem como todas as suas gargalhadas, as suas lágrimas.


Mas onde uma pequena memória, minúscula mas gigante permaneceria sempre. E só seria encontrada num único lugar.


Reflectidos pelo vidro gelado daquela carruagem, dois pontos brilhantes tremeluziam por detráz daqueles olhos verdes destroçados pela dor.


Por detráz daquelas manchas de sofrimento, poderiam ser avistados outros olhos muito diferentes mas completamente iguais.


Dois olhos sábios.


Dois olhos sonhadores.


Dois olhos castanhos e doces como chocolate.


Chocolate à chuva.

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